Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 88/19.0BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 10/15/2020 |
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Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
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Descritores: | EMPREENDIMENTO TURÍSTICO DISPENSA DE REQUISITOS EM NOVO REGIME LEGAL PRINCÍPIO DA CONFIANÇA |
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Sumário: | I. A coexistência nos mesmos pisos de empreendimento de frações de utilização privada e de frações destinadas à exploração turística teve-se por legalmente admitida, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, que aprovou o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos. II. Neste regime jurídico foi acautelada a possibilidade de dispensa de requisitos exigidos para a atribuição da classificação, sempre que determinem a realização de obras que se revelem materialmente impossíveis ou que comprometam a rendibilidade do empreendimento. III. Esta possibilidade constitui um mecanismo de concretização prática do princípio constitucional da confiança, permitindo obviar à aplicação incondicionada da lei nova em relação aos empreendimentos turísticos já existentes, validamente constituídos e desenvolvidos ao abrigo de legislação anterior. IV. Cabe ao interessado na dispensa de requisitos apresentar o respetivo pedido, nos termos previstos no artigo 75.º, n.º 3, do D-L n.º 39/2008. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O....., Lda., interpôs providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo contra Turismo de Portugal, I.P., pedindo a suspensão da produção de efeitos do ato de indeferimento da classificação como apartamentos turísticos da autora, ato proferido em 19/10/2018 pela Diretora do Departamento de Estruturação da Oferta do Turismo de Portugal, I.P. Alega, em síntese, que o ato em causa viola o princípio constitucional da confiança e assenta em erro nos fundamentos e erro sobre a lei aplicável, ocorre risco de quebra de confiança e de reputação junto dos clientes e centrais de reservas com repercussões que inviabilizam a reconstituição in natura da situação previamente existente, e inexistem danos para o interesse público advindos da suspensão de eficácia do ato administrativo. Citada, a entidade demandada deduziu oposição, sustentando a improcedência da providência, por falta de verificação dos pressupostos legais. Por sentença datada de 10/02/2020, o TAF de Loulé julgou a providência totalmente improcedente. Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. Os factos provados DD) e EE) são errados: nem a entidade requerida podia ignorar – pelo contrário, identificou expressamente – a divergência entre os números de fracções que constituíam os edifícios onde se encontram as J....., nem a entidade requerida desconhecia, em 2010, como se afirma no facto provado EE), que havia fracções não dadas à exploração turística nesses edifícios, pois tinha os documentos que o provavam na sua posse desde Janeiro de 2007; 2. Tais factos devem por isso ser substituídos por outros que dêem com provado que a entidade requerida se apercebeu, em Janeiro de 2007, que o número de fracções que constava do título constitutivo era inferior ao número de fracções que constava da Autorização de Abertura de Setembro de 1994 e que a entidade requerida sabia, desde Janeiro de 2007, que havia fracções daqueles imóveis que não estavam dadas à exploração turística; 3. Pela mesma razão, é errado o pedaço inicial do facto provado LL): não foi “apenas” na vistoria de 2014 que a entidade requerida se deu conta que havia fracções não destinadas à exploração turística; 4. O facto não provado 3) nunca foi alegado pela ora recorrente e, por isso, o que pode e deve ser dado com provado, porque é facto útil à boa decisão da causa, é que a ora recorrente perguntou em sede de audiência prévia à entidade requerida, conforme consta do doc. 8 junto como o r.i., se podia elaborar o título constitutivo exibindo a descontinuidade dos pisos e que não obteve, até hoje, resposta; 5. A sentença em crise ignorou todos os factos que, alegados pela ora recorrente, sustentam o periculum in mora e demonstram o prejuízo desta que resultaria da execução do acto suspendendo; 6. O primeiro facto que deve ser dado com provado, que é público e notório, porque resulta da lei, é, portanto, este: A não classificação dos A..... significa o fim da sua abertura ao público até que seja decidido, a final, a acção principal; 7. O segundo facto, que é igualmente público e notório, porque decorre da lei, é que o encerramento das J..... significa que o ora recorrente deixará de auferir a remuneração que teria expectativa legítima de receber pelo período em que durar a acção principal; 8. O terceiro facto que ficou demonstrado por documentos é que os A..... tiveram, nos anos de 2015 a 2018, taxas médias de ocupação que variam entre 42% e 50,25% (valor médio anual) – doc. 11 junto como o r.i.; 9. O quarto facto que resulta da prova documental é que essa taxa de ocupação gerou uma receita anual, para os anos de 2017 e 2018, de €1.540.251,73 e de €1.269.117,31, respectivamente – doc. 12 junto com o r.i. (valor de facturação, sem IVA); 10. O quinto facto provado por documentos é que, para o ano de 2019 (o que estava, à data de distribuição da providência, em causa), seria normal que estes níveis de facturação se mantivessem porque se encontram (encontravam) já assinados com as agências de viagens e centrais de compras os contratos para esse ano – doc. 19 junto com o r.i.; 11. O sexto facto que resulta provado, de resto pela própria alegação da entidade recorrida, é que não existe dano quantificável para o interesse público que resultaria da suspensão da eficácia do acto administrativo de Outubro de 2018, porque os A..... funcionam há 34 anos na mesma situação fáctica e jurídica que existia na data da prática do acto cuja suspensão se requereu, sem que a Requerida, ou a sua antecessora Direcção Geral do Turismo alguma vez tenha praticado qualquer acto que, mesmo que remota ou indirectamente, pudesse significar o encerramento, ainda que temporário, do empreendimento explorado pela ora recorrente; 12. Restam, no direito, os dois problemas interligados da existência de descontinuidade de unidades dadas à exploração turística (ponto 1) de fls. 24 da sentença) e da falta de título constitutivo do empreendimento; 13. É impossível à ora Recorrente assegurar o princípio dos “pisos completos”, porque a tal se opõe a realidade jurídica de que se constituíram direitos de propriedade, ao abrigo do direito vigente ao tempo das compras e vendas, que não podem ser revertidos; 14. O título constitutivo não está em falta – existe e foi entregue em Janeiro de 2007, como o documento constante do instrutor o prova – , padecerá porventura de defeitos que poderiam comprometer a sua aptidão a ser recebido em depósito na entidade requerida, e que são, exclusivamente, a dúvida que então surgiu no espírito da entidade requerida sobre o cumprimento do princípio dos “pisos contínuos”; 15. Os A..... foram licenciados em 15 de Setembro de 1994 como Apartamentos Turísticos de 2ª Categoria – facto provado E); 16. Não existia, na legislação então aplicável, qualquer exigência de que as unidades de alojamento em exploração turística não podiam coexistir com outras que não se encontrassem em exploração turística, nem se exigia que as unidades que se encontrassem em exploração ocupassem pisos completos 17. No que interessa aos fundamentos do acto contra o qual se requereu a presente providência, isto é, à coexistência das unidades de alojamento em exploração turística com outras destinadas a outros fins e à ocupação de pisos completos por aquelas unidades, o do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, manteve expressamente, na sua redacção original - art.º 14.º -, a possibilidade de coexistência, no mesmo edifício, de fracções ou unidades destinadas à exploração turística com fracções destinadas a outros usos, mas passou a exigir que as unidades destinadas à exploração turística abrangessem pisos completos e contíguos; 18. Foi neste quadro legal que ora recorrente requereu, em 28 de Janeiro de 2009, que fosse confirmada a classificação dos A..... em Apartamentos Turísticos de 3 estrelas – facto provado V); 19. Esse pedido foi deferido, sem quaisquer condições, em 22 de Outubro de 2010, com a anotação de que se fazia (realce acrescentado) “um alerta para se proceder à elaboração do título constitutivo” e a Requerente foi notificada desse acto em 4 de Novembro de 2010 – facto provado AA). 20. No momento da prática do acto de 22 de Outubro de 2010, a Requerida entendeu que a informação de que dispunha – e que expressamente incluía a nota da existência de descontinuidade, por piso, nas fracções destinadas à exploração – era suficiente e adequada à prática do acto administrativo, definitivo e executório, que confirmou que os A..... se encontravam em condições de serem classificados/reconvertidos como apartamentos turísticos com a categoria de 3 estrelas, ao abrigo, no sentido e com o alcance do disposto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março; 21. Decidindo justamente o oposto do que entendeu no acto suspendendo 2018 não ter condições para praticar; 22. No plano dos factos ou da situação jurídica, nada se alterou nos AA..... entre 22 de Outubro de 2010 e 10 de Abril de 2015, data da notificação para exercício do direito de audiência prévia do projecto de decisão de não renovação da classificação dos A..... como apartamentos turísticos de 3 estrelas, ou entre 10 de Abril de 2015 e 19 de Outubro de 2018, data do acto contra o qual se requereu a providência; 23. O acto contra o qual se requereu a presente providência violou a lei, em primeiro lugar, porque os fundamentos invocados pelo Turismo de Portugal (coexistência nos mesmos pisos de fracções destinadas à exploração turística com fracções destinadas a outros fins e inexistência de título constitutivo) para a prática do acto ora impugnado existiam já, inalterados, em Outubro de 2010, quando o mesmo Turismo de Portugal praticou acto de sentido justamente oposto; 24. Essa circunstância exibe o erro quanto aos fundamentos que ocorre no acto contra o qual se requereu a presente providência, correspondente a uma valoração em sentido oposto do que antes tinha sido fundamento de deferimento; 25. O Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, tanto na sua redacção inicial quanto na sua redacção actual, não pode ser interpretado, sob pena de violação grosseira do princípio da confiança, no sentido de que se aplica ta quale, determinando a cessação daquela classificação, mesmo naqueles casos, como é o dos A....., em que a situação jurídica referente à não ocupação de pisos inteiros pelas fracções destinadas a exploração turística foi sendo constituída ao abrigo de legislação que expressamente a admitia, mantendo-se todavia a classificação de apartamentos turísticos; 26. É conhecida a jurisprudência consolidada e uniforme do Tribunal Constitucional sobre a protecção constitucional do princípio da confiança, traduzida, essencialmente, nos Acórdãos 86/84, 303/90, 128/2009, 187/2013 e 413/2014, entre muitos outros: 27. Pode dizer-se que o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção da confiança) corresponde ao seguinte: o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico, designadamente, quando estejam em causa a calculabilidade e previsibilidade da situação jurídica do indivíduo perante modificações do ordenamento jurídico, devendo entender-se que os cidadãos tem, fundadamente, a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor; 28. O princípio da confiança é violado quando haja uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos e a ideia geral de inadmissibilidade é aferida por dois critérios: (i) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, é inadmissível quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar; e (ii) quando for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, deve recorrer-se ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República; 29. No plano do direito administrativo, a protecção da confiança traduz-se, em relação a actos da administração, na tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos, podendo concluir-se que os cidadãos têm a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor; 30. O Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, tanto na sua redacção inicial, como na que resulta da alteração de 2014, deve ser interpretado no sentido de que as características que exige aos “apartamentos turísticos” – e que são, manifestamente, impossíveis de cumprir, designadamente porque foram sendo constituídas ao abrigo de relações de confiança na estabilidade da lei, que ocorreu, pelo menos, entre 1986 e 2008, durante mais de 20 anos, e são física e juridicamente irreversíveis – se aplicam aos referidos “apartamentos turísticos” licenciados ao abrigo da legislação consolidada e coerente dos mais de 20 anos anteriores a 2008; 31. Tem pois, a entidade requerida o estrito dever – sem o que incorreria na prática de acto ilícito porque fundado em interpretação desconforme com a Constituição dos arts.º 14.º e 70.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, por violação do princípio da confiança – de repetir, rebus sic stantibus, a decisão tomada em 22 de Outubro de 2010, ao invés de praticar o acto contra o qual se requereu a presente providência; 32. também o terceiro teste que a jurisprudência constitucional entende dever ser efectuado para se saber se a protecção da confiança deve intervir no caso concreto – “o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico” – ocorreu in casu, porque a Requerente orientou a sua actividade de exploração dos A..... confiante em que, desde nos termos da legislação que vigorou durante 22 anos, de 1986 a 2008, a sua actividade não seria afectada pelas vendas de fracções que causaram descontinuidade nas unidades destinadas a exploração turística nos vários pisos das Torres 1, e 2 e 3, não seria afectada pela decisão de alguns proprietários de não destinarem as fracções de que eram e são proprietários à exploração turística e não seria afectada pelos problemas identificados pela entidade requerida quanto ao título constitutivo; 33. A entidade requerida não pode exigir que a Requerente rearranje as fracções por forma a que o empreendimento corresponda a pisos inteiros, como é indicado na Informação de 2014 e na Informação de 2018, que integram o acto contra o qual se requereu a presente providência; 34. Os autos exibem documentos que demonstram a probabilidade séria de o direito invocado pelo ora recorrente obter vencimento; 35. O julgador de Loulé não mediu o que lhe é solicitado pela lei que decidisse no que se refere à questão de saber se a ora Recorrente fez uso do disposto no art.º 75/3 do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto e se, portanto, não o tendo feito – como é certo que não fez – pode agora imputar vício ao acto contra o qual requereu providencia cautelar; 36. É que, o art.º 75/3 do referido diploma não se aplica, ta quale, ao caso dos autos: realmente, diz respeito àquelas situações em que a reconversão da classificação esteja dependente da realização de obras que sejam impossíveis ou que afectem a rentabilidade do empreendimento, o que não é o caso dos autos; 37. Não existe ónus de agir por parte do ora Recorrente, como decidiu a sentença em crise: é que, se agisse ao abrigo do art.º 75/3, logo decidiria a entidade requerida, e bem, que não se verificavam os pressupostos de facto que aquela norma prevê, indeferindo, com razão, esse pedido; 38. O prazo para a ora Recorrente outorgar e depositar o título constitutivo terminava em Dezembro de 2010, e a entidade recorrida concedeu sucessivos prazos para que a ora recorrente o fizesse, como de resto a decisão sublinha (fls. 38 in fine da decisão); 39. A ora recorrente elaborou e depositou na entidade requerida o título constitutivo, em 29 de Janeiro de 2007, em prazo – facto provado N); 40. É um cenário provável a procedência do direito invocado pela ora Recorrente: esta elaborou e depositou o título dentro do prazo legal e a entidade recorrida só não aceitou o depósito por causa da questão do princípio da continuidade, não por algum vício do próprio título; 41. A questão da ausência do título não tem, por isso, relevância autónoma alguma: o título existe desde 2007 e foi entregue para depósito na entidade requerida: o que está em discussão é saber se o título não pode ser elaborado por que o princípio da continuidade o impede e impede a exploração dos apartamentos turísticos; 42. Num contexto em que, como em 22 de Outubro de 2010, a entidade requerida interprete de acordo com a Constituição o regime do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, a elaboração desse título não oferece qualquer dúvida, mas, num contexto em que essa entidade parece ter abandonado a interpretação conforme à Constituição daquele regime, é claro que a elaboração do título constitutivo não é possível, nem útil; 43. É também por essa razão que existe a probabilidade séria de que o direito invocado pelo ora Recorrente proceda na acção principal; 44. Verificam-se, in casu, sérios danos quantificados da aqui recorrente que não podem ser ressarcidos e que são definitivos se a providência não for decretada; 45. Não existe qualquer dano quantificável ao interesse público que possa ser contraposto ao dano causado ao ora recorrente pela execução do acto suspendendo.” Não foram apresentadas contra-alegações. * Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir: - se ocorre erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto; - se ocorre erro de julgamento de direito, ao julgar inverificado o requisito da aparência de bom direito. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A) O empreendimento turístico “A....., de 3*” sito na Rua ..... Albufeira, é composto por três torres de apartamentos, com capacidade para 424 camas fixas, distribuídas por 198 unidades de alojamento de tipologias T0, T1 e T2, conforme fixado por despacho de 22.10.2010, existindo no espaço exterior às mesmas, um espaço comum dotado de piscinas, espaços ajardinados, esplanadas, campo de ténis, minigolfe, parque infantil e estacionamento (cfr. doc. 1 junto aos autos pela Requerente, a fls. 52 dos autos no SITAF); B) A configuração física externa e interna das três torres de apartamentos foi sempre a mesma desde a sua construção, iniciada em 1988, nunca tendo sido feitas obras de ampliação, reconstrução ou alteração dos edifícios, ou sequer da tipologia dos apartamentos, que se manteve sempre igual até à presente data (cfr. declarações de parte de J.....); C) O empreendimento turístico supra referido na alínea A) abriu à exploração em 1991, tendo todos os apartamentos que o compunham sido vendidos a particulares, em regime de propriedade plena (cfr. declarações de parte de J.....); D) Nessa altura, todos os donos dos apartamentos celebraram com a “J....., Lda.” – à qual, a aqui Requerente, sucedeu –, acordos de exploração turística, mediante os quais era, e atualmente ainda é, concedido aos respetivos donos, um período anual de férias gratuito entre 15/09 e 30/06, acesso a tarifas reduzidas na época alta, isenção de custos de manutenção dos espaços comuns, e garantia de um rendimento anual, hoje em dia de € 3.000,00 (três mil euros), como contrapartida pela exploração turística do apartamento (cfr. declarações de parte de J.....); E) Em 12.08.1994, foi realizada, pela então Direção Geral do Turismo – a quem a Entidade Requerida veio a suceder ‒ a vistoria de classificação das Torres 1, 2 e 3, na sequência da qual, por ofício de 15.09.1994, com o n.º ....., a “J....., Lda.” foi informada de que havia sido autorizada a abertura do estabelecimento, com a classificação provisória de Apartamentos Turísticos de Segunda Categoria, com a denominação de “A.....”, condicionada à realização das beneficiações constantes do ofício n.º ....., emitido na mesma data, para as quais lhe foi concedido um prazo de 180 (cento e oitenta) dias (cfr. doc. 1 a fls. 4 e doc. 2 a fls. 83-86 do processo administrativo instrutor junto aos autos e docs. 2 e 3 juntos pela Requerente, a fls. 53 e 56 dos autos no SITAF); F) Das beneficiações constantes do ofício n.º .....supra referido, constava, entre outras, a necessidade de obter um documento comprovativo da entrega do projeto de segurança contra incêndios junto do Serviço Nacional de Bombeiros (cfr. doc. 2 a fls. 86 do PA junto aos autos); G) Em 18.09.1997, verificou-se uma reclassificação dos apartamentos turísticos para “Apartamentos Turísticos com a categoria de 3 estrelas”, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Regulamentar n.º 34/97, de 17 de setembro, designadamente em virtude do disposto no seu artigo 65.º, n.º 1 (cfr. doc. 3 a fls. 83 do PA junto aos autos e doc. 2 junto pela Requerente, a fls. 56 dos autos no SITAF); H) Constituía entendimento da Direção Geral do Turismo que a classificação de três estrelas, referida na alínea anterior, era provisória, condicionada à realização do conjunto de beneficiações constantes do ofício ao qual se refere supra a alínea F) (cfr. doc. 3 a fls. 17 do PA junto aos autos); I) Em 21.11.2002, foi realizada uma vistoria ao empreendimento, na sequência da qual foi elaborada a Informação n.º ....., da qual consta que, pese embora se tenha constatado o cumprimento de algumas benfeitorias exigidas, foi verificada a manutenção de algumas lacunas, entre as quais se destacam a falta de elaboração e depósito, junto da Direção Geral do Turismo, do título constitutivo da composição do empreendimento, e a falta de exibição do certificado de conformidade do projeto contra incêndios, emanado pelo Serviço Nacional de Bombeiros (cfr. doc. 2 a fls. 9 e 10 do PA junto aos autos); J) Na sequência da vistoria referida na alínea anterior, por ofício datado de 02.01.2003, a Direção Geral do Turismo determinou à “J....., Lda.” que colmatasse as falhas detetadas, algumas das quais no prazo adicional, concedido a título excecional, de 35 (trinta e cinco) dias úteis, com a advertência de que o incumprimento das mesmas podia determinar o encerramento temporário do empreendimento (cfr. doc. 2 a fls. 4 e ss. do PA junto aos autos); K) Por missiva datada de 31.05.2006, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a entidade exploradora do empreendimento “A.....”, veio informar a Direção Geral do Turismo do estado das beneficiações por esta solicitadas, referindo, entre o mais, que: “5 - O título constitutivo está em fase de ultimação e irá ser apresentado até ao final de Junho/2006. (…) 6 - Quanto ao certificado a ser emitido pelo S.N.B. a empresa vem desenvolvendo todos os esforços para que tal seja conseguido com brevidade. (…)” (cfr. doc. 3 a fls. 86 e 87 do PA junto aos autos); L) Até ao ano de 2007, um número reduzido de apartamentos foi vendido pelos donos originários a terceiros, o que desencadeou duas situações: alguns dos novos donos sabiam da existência dos acordos de exploração turística, estavam satisfeitos com essa situação, e acabavam por celebrar com a “J....., Lda.” um novo acordo de exploração em seu nome, ao passo que outros optavam por fazer um uso exclusivamente privativo dos apartamentos adquiridos, cessando o acordo de exploração anteriormente existente, de modo que estes apartamentos deixavam de estar afetos à atividade de exploração turística (cfr. declarações de parte de J.....); M) Por missiva datada de 29.01.2007, elaborada em resposta ao ofício n.º ....., de 14.12.2006, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a “J....., Lda.”, veio dar conhecimento, à Direção Geral do Turismo, das beneficiações por si entretanto cumpridas (cfr. doc. 3 a fls. 32-34 do PA junto aos autos); N) Ainda em 29.01.2007, a entidade exploradora enviou para a Direção Geral do Turismo, cópia do título constitutivo do empreendimento “A.....”, solicitando o seu depósito nos termos do disposto no artigo 47.º do DL n.º 167/97 (cfr. doc. 5 a fls. 15 e ss. do PA junto aos autos); O) Nesta sequência, foram elaboradas as informações n.º ....., nas quais se considerou que o projeto entregue estava deficientemente instruído, por se considerar: ¯(…) que o número de unidades de alojamento que constituem o empreendimento não é claro, ou seja, há uma aparente divergência entre as unidades que a requerente descreve no título e aquelas referidas no processo do empreendimento.”, tendo, consequentemente, o procedimento de depósito sido suspenso (cfr. doc. 4 a fls. 1-14 do PA junto aos autos); P) Por ofício de 31.07.2007, com a referência ....., foi solicitado à “J....., Lda.” o envio de toda a documentação necessária para a correta avaliação do empreendimento, incluindo o levantamento atualizado do mesmo (cfr. doc. 4 a fls. 1 do PA junto aos autos); Q) As incongruências detetadas pela Direção Geral do Turismo quanto ao título constitutivo não foram objeto de esclarecimento pela “J....., Lda.” (declarações de parte de J.....); R) Durante o ano de 2007 registou-se uma estagnação nas vendas de apartamentos a terceiros em virtude da crise económica mundial, e somente após o período de recessão económica é que se verificou uma recuperação do negócio de vendas, simultaneamente à medida em que os donos originários, na sua grande maioria, emigrantes nos Estados Unidos, e oriundos do norte de Portugal, envelheciam e deixavam de se deslocar até ao Algarve para passar férias (cfr. declarações de parte de J.....); S) Em 24.01.2008, foi efetuada uma vistoria ao empreendimento, no intuito de verificar a sua composição, na sequência da qual foi elaborada a informação n.º ....., onde foram apontadas diversas falhas, nomeadamente a falta de certificado de conformidade contra riscos de incêndio, apesar dos respetivos meios de segurança se encontrarem instalados, tendo ainda sido proposta a atribuição aos apartamentos turísticos da categoria de três estrelas (cfr. doc. 5 a fls. 16-22 do PA junto aos autos); T) Por ofício datado de 17.05.2008, com a referência ....., a entidade exploradora do empreendimento foi notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, dar cumprimento às faltas detetadas no âmbito da vistoria referida na alínea anterior (cfr. doc. 5 a fls. 11 e ss. do PA junto aos autos); U) Por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, todos os empreendimentos turísticos em geral tiveram de ser reconvertidos, dispondo a Entidade Requerida de um período de tempo relativamente curto para o efeito, pelo que, em alguns casos, a reconversão operou exclusivamente por via administrativa (de forma automática), tendo existido outros empreendimentos que foram objeto de uma auditoria – como foi o caso do empreendimento “A.....” (cfr. testemunho de A.....); V) Em 15.10.2009, na sequência de pedido de reconversão da classificação do empreendimento, efetuado pela entidade exploradora em 28.01.2009, a Entidade Requerida efetuou uma vistoria in loco ao empreendimento “A.....” (cfr. doc. 6 a fls. 17 a 22 e doc. 7 a fls. 230 do PA junto aos autos); W) Em conformidade com a prática reiterada dos serviços da Entidade Requerida ‒ que posteriormente foi vertida em ofício interno, emitido pela Vogal do Conselho Diretivo da Entidade Requerida em 11.04.2011 ‒, as reconversões dos empreendimentos turísticos não eram consideradas autênticas classificações/ revisões periódicas de classificação, pelo que, contrariamente ao que sucede relativamente a estas, não era exigível, aos empreendimentos turísticos a reconverter, o preenchimento do requisito das medidas de autoproteção contra riscos de incêndios (cfr. testemunho de A.....); X) Atentos os motivos indicados na alínea anterior, aquando da reconversão do empreendimento “A.....”, não lhe foi exigido o cumprimento do requisito das medidas de autoproteção contra riscos de incêndios (cfr. testemunho de A.....); Y) Por despacho de 10.11.2009, proferido pela Diretora do Departamento de Classificação e Qualidade da Entidade Requerida, exarado sob a informação de serviço n.º ....., foi concedido à entidade exploradora do empreendimento o prazo de 60 (sessenta) dias úteis para se pronunciar sobre a previsão de indeferimento da classificação do empreendimento, mais sendo a mesma informada do seguinte: “1. Caso pretenda colmatar as faltas referidas em 5.2 e 5.1 da informação técnica naquele prazo de 60 dias úteis, poderá fazer prova do cumprimento de todas as faltas através de fotografias, documentação, facturas, ou outro meio idóneo, acompanhado de declaração expressa de cumprimento das mesmas; 2. Deverá solicitar o depósito/ aprovação do título constitutivo do empreendimento, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, (…); 3. Deverá proceder à adaptação do empreendimento a utentes de mobilidade condicionada, no prazo legal previsto no artigo 9.º do Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, conforme referido em 5.3 da informação que antecede – qualquer pedido de dispensa deverá ser dirigido à Câmara Municipal de Albufeira, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto.” (cfr. doc. 7 a fls. 169 e 170 do PA junto aos autos); Z) Em sede de audiência prévia, por missiva datada de 17.02.2010, a “J....., Lda.” veio consignar que o suprimento das faltas apontadas pela Entidade Requerida estava efetuado, ou em fase de implementação, pelo que solicitou a concessão de um prazo suplementar de sessenta dias para junção dos comprovativos em falta – o qual lhe foi concedido por despacho da Entidade Requerida de 11.03.2010, exarado sob a informação de serviço n.º ..... (cfr. doc. 7 a fls. 135-141 e 144 do PA junto aos autos); AA) Na sequência de comprovação do cumprimento dos requisitos em falta, por despacho de 22.10.2010, exarado sob a informação n.º ....., a Entidade Requerida deferiu a reconversão do empreendimento “A.....” como apartamentos turísticos de 3 estrelas, ao abrigo do regime transitório do DL n.º 39/2008, de 7.03, tendo a entidade exploradora tomado disso conhecimento através do ofício datado de 04.11.2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se citam infra os seguintes excertos: “Considerando o teor da informação ....., relativa a procedimento de reconversão da classificação do empreendimento turístico de apartamentos turísticos J..... 3*, sito em Albufeira: 1. Decido classificar o empreendimento como apartamentos turísticos de 3 estrelas, com capacidade de 424 camas fixas, distribuídas por 198 unidades de alojamento (8 apartamentos em estúdio, 176 T1, e 14 T2), nos termos do disposto no nº 3 do artigo 36.º do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, rectificado pela Declaração de Retificação n.º 25/2008, de 6 de Maio; o empreendimento dispõe camas convertíveis, podendo alojar mais 380 utentes, não contabilizadas para efeitos de capacidade, nos termos legais vigentes. 2. Notifique-se em conformidade a entidade exploradora, remetendo o Anexo I corrigido e alertando para o facto: a. De dever proceder à elaboração do título constitutivo (Art. 64.º DO Decreto-Lei n.º 38/2008, de 7 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro), b. Dado que se tratada de um empreendimento existente cujo projecto não se prevê instalações adaptadas a utentes com mobilidade condicionada, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, dispõe do prazo de 10 anos contados a partir da data de início de vigência deste diploma legal para adaptar o empreendimento a utentes com mobilidade condicionada. Caso o cumprimento das normas técnicas de acessibilidade exija obras de difícil execução, ou requeiram a aplicação de meios económico-financeiros desproporcionados, caberá à entidade competente para a aprovação do projecto (no caso a Câmara Municipal de Albufeira), autorizar a realização de soluções que não satisfaçam o disposto nas referidas normas. (cfr. doc. 4 junto aos autos pela Requerente, a fls. 85 e 86 dos autos no SITAF, e doc. 7 a fls. 110-111, 115-116 e 117-119 do PA junto aos autos); BB) À data de 22.10.2010, havia um total de 28 (vinte e oito) frações autónomas, que por terem sido vendidas pelos donos a terceiros, tendo parte deles optado por lhes dar um uso exclusivamente privativo, já não estavam a ser objeto de exploração turística pela Requerente (frações destinadas a outros fins), tendo, no entanto, a mesma sempre continuado a desenvolver a sua atividade económica nos mesmos moldes em que o fazia anteriormente, em relação às demais frações afetas à sua atividade de exploração turística (cfr. declarações de parte de J..... e testemunho de L.....); CC) Aos olhos de qualquer cliente que entre no empreendimento, e mesmo a partir do seu exterior, todos os apartamentos são iguais, não sendo possível distinguir entre quais estão (ou não) afetos à exploração turística da Requerente, pois esta não permite alterações na fachada dos prédios, ou sequer nas portas de entrada dos apartamentos, que são todas iguais (cfr. declarações de parte de J.....); DD) Atenta a circunstância referida na alínea anterior, aquando das vistorias in loco efetuadas pela Entidade Requerida ao empreendimento, a mesma não tinha forma de perceber quais os apartamentos que se mantêm afetos à atividade de exploração turística da Requerente e aqueles que estão a ser destinados a outras finalidades (cfr. declarações de parte de J.....); EE) Em 2010, a Entidade Requerida não tinha indicação de que houvesse frações autónomas do empreendimento “A.....” que não estivessem afetas à atividade de exploração turística (cfr. testemunho de A.....); FF) A Requerente nunca solicitou, junto da Entidade Requerida, a dispensa do cumprimento do requisito por força do qual os apartamentos afetos à atividade de exploração turística deveriam ocupar pisos completos dos empreendimentos (cfr. testemunho de A.....); GG) Em 18.09.2014, a Entidade Requerida efetuou uma auditoria de revisão periódica de classificação ao empreendimento “A.....” (acordo entre as partes); HH) Na sequência da auditoria referida na alínea anterior, os serviços da Entidade Requerida elaboraram a Informação de serviço n.º ....., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual constam assinalados como cumpridos todos os demais requisitos verificados, com exceção dos infra indicados: - quanto aos “Aspetos Gerais” (6.1) da “Situação Verificada no Local” (6), o empreendimento não ocupa “a totalidade ou parte independente, constituída por pisos completos, de um ou mais edifícios, desde que os edifícios em causa constituam, entre eles, um conjunto de espaços contíguos, ou desde que, entre eles, exista uma área de utilização comum. (artigo 14.º/ 2 do DL 39/2008)”; - no que concerne aos “Requisitos Comuns, de Exploração e de Funcionamento” (6.3), inexiste “Título constitutivo (artigo 54.º)”; - a respeito dos “Requisitos obrigatórios comuns” (6.6), inexistem “Medidas de autoproteção (artigo 21.º do Decreto-lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro) entregues na Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC)”, ou “Aceites pela ANPC”, e “Inspeções (artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 220/2008) (inspeções regulares realizadas pela ANPC ou por entidade por esta credenciada).” (cfr. doc. 3 junto aos autos pela Requerente, a fls. 55 e ss. dos autos no SITAF); II) Apenas aquando da auditoria efetuada em 2014 ao empreendimento “A.....” é que foi detetado, pela Entidade Requerida, que os apartamentos turísticos dedicados à exploração da Requerente não ocupavam pisos completos (cfr. testemunho de A.....); JJ) Perante as falhas supra apontadas na alínea HH), consta da Informação de serviço n.º ....., elaborada pela Entidade Requerida, uma proposta de indeferimento da classificação pretendida pela Requerente, face ao incumprimento do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, mais sendo a mesma informada de que: “7.2 Deverá, ainda, dar cumprimento aos seguintes requisitos: a) O empreendimento deverá adaptar-se às condições de acessibilidade constantes do Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, no prazo de 10 anos, contado a partir da data da entrada em vigor daquele diploma. Em alternativa, caso se verifique que as obras necessárias à sua execução sejam desproporcionadamente difíceis ou requeiram a aplicação de meios económico-financeiros desproporcionados ou não disponíveis, deverá ser requerida à Câmara Municipal de Albufeira a escusa do cumprimento das normas técnicas constantes daquele diploma. (artigo 6.º/2) 7.3 Deverá dar cumprimento ao regime jurídico da segurança contra riscos de incêndio, previsto no Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro: Entregar as medidas de autoproteção à ANPC, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º (caso o empreendimento não tenha alterações, ampliação ou mudança de uso)‖ (cfr. doc. 3 junto aos autos pela Requerente, a fls. 61 dos autos no SITAF); KK) Por mensagem de correio eletrónica expedida em 10.04.2015, que aqui se considera integralmente reproduzida, a entidade exploradora do empreendimento turístico, ora Requerente, tomou conhecimento do projeto de indeferimento da classificação do empreendimento, nos termos que se reproduzem infra: “Considerando: o teor da informação ....., relativa a auditoria de revisão periódica da classificação do empreendimento de A....., sito em Albufeira; Que se verificou a existência de unidades de alojamento que não se encontram em exploração turística, o que não é possível nos termos da legislação em vigor e que as unidades que se encontram em exploração não ocupam pisos completos; Que o empreendimento turístico não dispõe de título constitutivo; Que existem outras faltas, impeditivas da classificação; decido: 1. Notificar a entidade exploradora sobre a previsão de indeferimento da classificação do empreendimento, remetendo cópia do auto de auditoria, nos termos dos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, para responder no prazo de 40 dias úteis, pelo incumprimento de: Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro e pela Declaração de Retificação nº 19/2014, de 24 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto: a. Artigo 14.º - pisos completos Nos termos da Portaria nº 327/2008, de 28 de Abril: b. artigo 5.º alínea e) - Sistema de prevenção de riscos de incêndio, previsto no DL nº 220/2008, de 12 de Novembro, designadamente através do envio das medidas de autoproteção à Autoridade Nacional de Proteção Civil, nos termos do nº 2 do artigo 34.º deste último diploma; 2. Informar a entidade exploradora que caso pretenda colmatar a falta referida em f. [b.] naquele prazo de 40 dias, poderá fazer prova do cumprimento da mesma através de cópia do requerimento carimbada pela ANPC e de remessa do exemplar do manual a este Instituto. 3. Notificar a entidade exploradora de que deverá dar cumprimento ainda à seguinte falta: c. artigo 6.º O empreendimento deverá adaptar-se às condições de acessibilidade constantes do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, no prazo de 10 anos, contado a partir da data da entrada em vigor daquele diploma. Em alternativa, caso se verifique que as obras necessárias à sua execução sejam desproporcionadamente difíceis ou requeiram a aplicação de meios económico-financeiros desproporcionados ou não disponíveis, deverá ser requerida à Câmara Municipal a escusa do cumprimento das normas técnicas constantes daquele diploma. (…)" (cfr. doc. 5 junto aos autos pela Requerente, a fls. 87 e 88 dos autos no SITAF); LL) A Requerente não se pronunciou sobre o projeto de decisão de indeferimento da classificação dentro do prazo que lhe foi concedido para o efeito (cfr. doc. 7 a fls. 34 do PA junto aos autos); MM) Por despacho datado de 19.10.2018, exarado sobre a informação n.º ....., que aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, a Requerente foi informada do seguinte: “Considerando: a. o teor da informação ....., relativa a procedimento de revisão periódica da classificação do empreendimento de ....., sito em Albufeira; b. Que se verificou a falta de resposta à previsão de indeferimento da classificação, tornando-se, desta forma impossível classificar o estabelecimento como empreendimento turístico; decido: 1. Confirmar a decisão de indeferimento da classificação como apartamentos turísticos, nos termos da audiência prévia; 2. Notificar a entidade exploradora sobre a previsão de caducidade do título de abertura, nos termos do artigo 33.º nº 1 d) do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de março, alterado pelo Decreto-Lei nº 80/2017, de 30 de junho - Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET), concedendo o prazo de 15 dias úteis para se pronunciar, querendo, nos termos do disposto nos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, sendo que a falta de resposta naquele prazo determina a conversão da decisão em final 3. Mais informar que a caducidade do título válido de abertura implica o encerramento do empreendimento, nos termos do disposto no artigo 33.º nº 3 do RJET”. (cfr. doc. 6 junto aos autos pela Requerente, a fls. 89 e 90 dos autos no SITAF – ato suspendendo quanto ao seu ponto 1.); NN) Em anexo ao despacho referido na alínea anterior, foi junta a informação dos serviços n.º ....., da qual se extraem os seguintes excertos: 5. Análise Considerando: 5.1 Que em 18-09-2014 foi realizada a auditoria de revisão periódica do empreendimento em apreço, tendo em vista a classificação de Apartamentos Turísticos de 3 estrelas. 5.2 Que a entidade exploradora foi notificada em 10-04-2015 sobre a previsão de indeferimento da classificação, por incumprimento dos requisitos enunciados no ponto 3 da presente informação. 5.3 Que até à data não foi obtida qualquer resposta à notificação enviada em 10-04-2015. 5.4 Que se torna, assim, impossível classificar o empreendimento e que a classificação atual, atribuída ao abrigo do disposto no n.º3 do artigo 36º, do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de março, retificado pela Declaração de Retificação n.º 25/2008, de 6 de maio caduca , nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do Artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro e pela Declaração de Retificação n.º 19/2014, de 24 de março, e pelo Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de agosto. 6.Proposta Propõe-se notificar em audiência prévia a entidade exploradora sobre a previsão de caducidade do título válido de abertura do empreendimento em apreço, por impossibilidade da sua classificação, pelos fundamentos suprarreferidos, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, para vir ao processo responder em prazo a determinar superiormente. A falta de resposta converterá o presente em decisão final. À Consideração superior (cfr. doc. 7 junto aos autos pela Requerente, a fls. 91-94 dos autos no SITAF); OO) Atualmente podem divisar-se no empreendimento “A.....” três situações distintas: um núcleo de apartamentos que continua a ser objeto de exploração turística pela Requerente; algumas pessoas (entre dez e quinze) compraram os apartamentos e usam-nos exclusivamente a título particular; e sete pessoas estão em regime de alojamento local, tendo celebrado com a Requerente contratos de prestação de serviços, pelo que têm acesso aos espaços comuns do empreendimento (cfr. declarações de parte de J.....); PP) Em 19.11.2018, a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, a sua pronúncia em sede de audiência prévia relativamente ao ponto 2. do despacho de 19.10.2018, i.e., a previsão de caducidade do título de abertura (cfr. alínea MM) supra), juntando à mesma uma proposta de título constitutivo com a configuração atual das frações autónomas que integram e não integram o empreendimento “A.....”, mais inquirindo a Entidade Requerida sobre se pode diligenciar pela escrituração do mesmo (cfr. doc. 8 junto aos autos pela Requerente, a fls. 95 a 106 dos autos no SITAF); QQ) Na mesma data, a Requerente entregou, junto da Entidade Requerida, o projeto para cumprimento das normas legais de acessibilidade, bem como o orçamento da obra em implementação para o empreendimento turístico “A.....” (cfr. doc. 7 a fls. 8 e ss. do PA junto aos autos); RR) Por requerimento de 11.01.2019, e na sequência da pronúncia por si deduzida em sede de audiência prévia, quanto à previsão de caducidade do título de abertura, à qual se refere supra a alínea MM), a Requerente entregou, junto da Entidade Requerida, o ofício recebido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANAC), onde esta entidade emitiu o seu parecer favorável relativamente às medidas de autoproteção (cfr. doc. 7 a fls. 1 e ss. do PA junto aos autos).” Quanto a factos não provados, refere a sentença que não terem sido dado como provados os seguintes factos: “1) A Entidade Requerida nunca se pronunciou quanto à ausência de título constitutivo antes de 2007; 2) Aquando da prolação, em 22.10.2010, pela Entidade Requerida, do ato de aprovação da classificação/ reconversão do empreendimento, a não ocupação de pisos completos pelas frações destinadas à exploração turística era do conhecimento público, que decorria do registo predial da propriedade das várias frações, levado pela Requerente ao conhecimento da Requerida aquando do envio do título constitutivo em 2007; 3) A elaboração de título constitutivo do empreendimento turístico “J.....” não é possível.”. A convicção do Tribunal a quo formou-se nos seguintes termos: “A formação da convicção do Tribunal que permitiu julgar provados os factos acima descritos nas alíneas E) a K), M) a P), S), T), V), Y), Z), AA), LL), QQ) e RR) ficou a dever-se a uma análise crítica e atenta do conteúdo do processo administrativo instrutor junto aos autos em formato de CD-ROM. Revelaram-se, também, essenciais, para dar como provados os factos referidos nas alíneas A), E), G), AA), HH), JJ), KK), MM), NN) e PP) os documentos juntos aos autos pela Requerente com o seu r.i., cujo teor não foi impugnado pela Entidade Requerida na sua oposição. Por sua vez, o facto vertido na alínea GG) do probatório advém do acordo entre as partes, resultante do confronto entre os respetivos articulados. Relativamente aos factos supra dados como provados nas alíneas B) a D), L), Q), R), BB) a DD) e OO) foram determinantes as declarações de parte, prestadas em sede de audiência, pelo gerente da Requerente, o Sr. J....., que por ter acompanhado a construção, iniciada em 1988, de duas das três torres que constituem o empreendimento “A.....”, sendo, ademais, gerente da Requerente desde o momento da sua constituição (2007/08) até à presente data, demonstrou um conhecimento aprofundado do modo de funcionamento do empreendimento, e da evolução da sua atividade ao longo dos vários anos, designadamente da forma como parte das suas frações autónomas deixaram de estar afetas à atividade de exploração turística e passaram a ser destinadas, pelos respetivos proprietários, a um uso privativo. Pese embora ao longo do seu depoimento tenha, em determinados momentos, sido pouco preciso em termos cronológicos, a forma segura, clara e convicta com que prestou o seu depoimento, adotando uma postura colaborativa no esclarecimento dos factos perante o Tribunal, cujo teor foi inclusivamente corroborado e complementado pelo depoimento da testemunha L....., fizeram com que as suas declarações sejam merecedoras de credibilidade. Por sua vez, para dar provado o facto constante da alínea BB), foi também decisivo o testemunho do Sr.L....., Diretor-Geral da Requerente desde 2014 até à presente data, que em virtude de anteriormente ter desempenhado o cargo de Chefe de Receção da Requerente, desde o momento da abertura do empreendimento, em 1992, até 2014 – função que exigia um controlo e gestão diária dos apartamentos, alocando as reservas aos apartamentos disponíveis e entregando as respetivas chaves aos clientes –, demonstrou possuir um conhecimento rigoroso, aprofundado e temporalmente balizado das questões em causa nos autos, nomeadamente dos motivos que estão na base do ato suspendendo. No que por ora releva, corroborou, em sede de audiência, o teor da tabela constante do artigo 60.º do r.i., da qual consta o número exato de frações autónomas do empreendimento da Requerente que, à data de 22.10.2010, estavam (e não estavam) afetas à atividade de exploração turística, em cada uma das torres do empreendimento. A forma assertiva, rigorosa e descomprometida com que prestou o seu depoimento, corroborando e pormenorizando o teor das declarações de parte prestadas pelo Sr. J....., permitiram firmar a convicção do Tribunal quanto à fiabilidade do seu depoimento. Quanto aos factos supra dados como provados nas alíneas V), W), X), EE), FF), e II), foi decisivo para a formação da convicção do Tribunal, o depoimento da Sra. Dra. A..... que, na qualidade de Diretora do Departamento de Estruturação de Oferta da Entidade Requerida (cargo que desempenha, com esta designação desde 2017, pese embora trabalhe para o Turismo de Portugal, I.P. desde 2007, e para a sua antecessora ‒ Direção Geral do Turismo ‒ desde maio de 2001), emitiu o ato suspendendo em 19.10.2018, e subscreveu grande parte dos ofícios anteriormente enviados à Requerente, supra elencados na matéria de facto dada como provada. Nesta medida, revelou um conhecimento direto e pessoal da matéria em discussão nos autos, designadamente quanto ao histórico de acompanhamento e fiscalização feita pela Entidade Requerida ao empreendimento turístico da Requerente, e do teor/ qualidade das respostas que por esta lhe foram sendo dadas ao longo dos anos. As suas declarações foram congruentes com o teor dos documentos por si subscritos, e a demais documentação constante do PA sobre a qual foi inquirida ‒ o que, em conjugação com a forma perentória, coerente, detalhada e cronologicamente orientada como prestou o seu depoimento, permitiram que o Tribunal ficasse convencido da veracidade do seu testemunho. Por fim, quanto aos factos 1), 2) e 3) considerados não provados, os mesmos resultam do confronto entre as alegações feitas pela Requerente no seu r.i. e a existência de prova produzida nos autos precisamente em sentido contrário, incompatível com o sentido daquelas. Assim, o facto 1) foi considerado como não provado, na medida em que resulta da matéria de facto provada, designadamente do facto constante da alínea I) que, pelo menos desde 2002, a Entidade Requerida foi sucessivamente chamando à atenção da Requerente para a necessidade de diligenciar pela elaboração do título constitutivo do empreendimento. Não correspondendo, por isso, à verdade, que só o tenha feito apenas em 2007, conforme alegou a Requerente. Por sua vez, o facto 2) também não resultou provado nos autos, pois, pese embora a Requerente tenha efetivamente remetido o título constitutivo do empreendimento à Entidade Requerida em 29.01.2007 (cfr. alínea P) dos factos provados), nunca esclareceu, junto daquela, as incongruências detetadas quanto à diferença existente entre o número de frações constantes do título constitutivo apresentado e o número de frações constantes do processo do empreendimento (cfr. alínea O) do probatório), sendo que, aos olhos de qualquer pessoa que entrasse (e entre) no empreendimento, não é possível fazer a distinção entre o uso dado a cada uma das frações autónomas, pois, pelo menos quanto ao aspeto exterior, são todas iguais entre si (cfr. alínea CC) do probatório). De modo que, por maioria de razão, os técnicos da Entidade Requerida que faziam as visitas in loco ao empreendimento “J.....” também não se conseguiam aperceber dessa circunstância (cfr. alínea DD) dos factos provados). Pelo que, não era da esfera de conhecimento da Entidade Requerida, em 2010, a existência de um conjunto de frações autónomas no empreendimento da Requerente que estivessem afetas a outros fins que não os da exploração turística (cfr. alínea EE) do probatório). Por último, quanto ao facto considerado como não provado em 3), o mesmo advém do facto de a Requerente já ter, durante a pendência dos presentes autos, diligenciado pela elaboração atualizada do título constitutivo e pela respetiva remessa à Entidade Requerida (cfr. alínea PP) do probatório), demonstrando, assim, a possibilidade efetiva de se proceder à sua elaboração. Quanto ao mais, não foram considerados, seja como provados, seja como não provados, quaisquer outros factos alegados, por se considerar que os mesmos não relevam para a decisão a proferir. Factos a aditar [ponto a) infra], ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC: SS) Com o encerramento das J....., a requerente deixará de auferir a remuneração que teria expectativa legítima de receber por esse período (facto notório); TT) Nos anos de 2015 a 2018, os A..... tiveram taxas médias de ocupação entre 42% e 50,25% (doc. 11 da PI); UU) Essa taxa de ocupação gerou uma receita anual de € 1.540.251,73 em 2017, e de € 1.269.117,31 em 2018 (doc. 12 da PI) VV) Para o ano de 2019 seria normal que estes níveis de faturação se mantivessem por estarem já assinados contratos com as agências de viagens e centrais de compras (doc. 19 da PI). * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO As questões a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cingem-se a saber se: - ocorre erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto; - ocorre erro de julgamento da decisão de direito, ao julgar inverificado o requisito de aparência de bom direito. a) do erro de julgamento de facto Sustenta nesta sede a recorrente o seguinte: 1 - os factos provados DD) e EE) são errados, por ter a entidade requerida identificado a divergência entre os números de frações que constituíam os edifícios onde se encontram as J....., e não desconhecer a existência de frações não dadas à exploração turística nesses edifícios desde janeiro de 2007, pois desde então tinha documentos que o provavam; 2 - deve ser dado como provado que a entidade requerida se apercebeu, em janeiro de 2007, que o número de frações que constava do título constitutivo era inferior ao número de frações que constava da Autorização de Abertura de Setembro de 1994 e que sabia desde então que havia frações que não estavam dadas à exploração turística; 3 - é consequentemente errada a parte inicial do facto provado LL); 4 - o facto não provado 3) nunca foi alegado pela ora recorrente; 5 - deve ser dado com provado que a recorrente perguntou em sede de audiência prévia à entidade requerida se podia elaborar o título constitutivo exibindo a descontinuidade dos pisos, sem obter resposta (doc. 8 da PI); 6 - foram ignorados todos os factos alegados pela recorrente que sustentam o periculum in mora e demonstram o prejuízo que resultaria da execução do ato suspendendo; 7 - deve ser dado com provado (i) que a não classificação dos A..... significa o fim da sua abertura ao público até ser decidida a ação principal, (ii) que o encerramento das J..... significa que deixará de auferir a remuneração que teria expectativa legítima de receber por esse período (iii) que nos anos de 2015 a 2018, os A..... tiveram taxas médias de ocupação entre 42% e 50,25% (doc. 11 da PI), (iv) que essa taxa de ocupação gerou uma receita anual de € 1.540.251,73 em 2017, e de € 1.269.117,31 em 2018 (doc. 12 da PI), (v) que para o ano de 2019 seria normal que estes níveis de faturação se mantivessem por estarem já assinados contratos com as agências de viagens e centrais de compras (doc. 19 da PI), (vi) que não existe dano quantificável para o interesse público que resultaria da suspensão da eficácia do ato, pois os A..... funcionam há 34 anos na mesma situação fáctica e jurídica. Vejamos se lhe assiste razão. O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte, na parte que aqui releva: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto. Não se pode limitar a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto. Haverá que ter também presente que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. Por outro lado, é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório. E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos. Quanto aos ónus que sobre si impendiam, verifica-se que a recorrente lhes deu cumprimento, enunciando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o concreto meio probatório que impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Relativamente aos três primeiros pontos da impugnação da decisão de facto, defende a recorrente que a entidade requerida identificou as dúvidas que tinha sobre o número de frações dadas à exploração turística e o número de frações que compunham os imóveis em causa logo em 08/03/2007, como se compreende da leitura da informação interna n.º ....., que se encontra a fls. 14 do doc. 4 junto com o processo instrutor, referida no ponto O) do probatório, assentes na comparação entre a lista de frações destinadas à exploração turística em anexo ao título constitutivo (170) e o número de frações autónomas de que a entidade requerida tinha notícia por força da vistoria, realizada em 25/08/1994 (187). O invocado argumento não procede. A circunstância de ter sido detetada uma aparente divergência entre as unidades que a requerente descreve no título e aquelas referidas no processo do empreendimento, conforme espelhado no ponto O) do probatório, não nos diz mais do que isso mesmo. Levou, sim, a que se considerasse na referida informação (n.º .....) que o projeto entregue pela ora recorrente se encontrava deficientemente instruído e consequentemente à suspensão do procedimento de depósito. No mais, o Tribunal a quo apresentou de forma adequada a sua convicção quanto à prova dos referidos factos, amparada nas declarações de parte do gerente da ora recorrente, e no depoimento da Diretora do Departamento de Estruturação de Oferta da entidade requerida, que revelaram um conhecimento direto e pessoal da matéria em discussão nos autos. No ponto 4 da impugnação da decisão de facto, defende a recorrente que o facto não provado 3) [A elaboração de título constitutivo do empreendimento turístico “J.....” não é possível] nunca foi alegado pela ora recorrente. Ora, os artigos 127.º a 132.º versam precisamente sobre a possibilidade / impossibilidade de ser elaborado o título constitutivo, pelo que à evidência tem aqui de soçobrar a impugnação. No que concerne ao ponto 5 da impugnação da decisão de facto, a matéria fáctica que se pretende ver aditada encontra-se já contida no ponto PP) do probatório, onde se diz que “em 19.11.2018, a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, a sua pronúncia em sede de audiência prévia relativamente ao ponto 2. do despacho de 19.10.2018, i.e., a previsão de caducidade do título de abertura (cfr. alínea MM) supra), juntando à mesma uma proposta de título constitutivo com a configuração atual das frações autónomas que integram e não integram o empreendimento “A.....”, mais inquirindo a Entidade Requerida sobre se pode diligenciar pela escrituração do mesmo”. Pelo que tal facto não será de aditar. Finalmente, quanto aos factos alegados pela recorrente que sustentam o periculum in mora e demonstram o prejuízo que resultaria da execução do ato suspendendo, temos situações distintas. O subponto (i) contém um efeito que decorre da aplicação da lei, que o julgador tem de equacionar, não se tratando, pois, de um juízo formulado sobre a ocorrência ou não de determinado evento histórico. Como tal, não pode ser levado ao probatório. O subponto (ii) encerra, de facto, uma evidência, com o encerramento do empreendimento turístico, a requerente deixará de auferir a remuneração que teria expectativa legítima de receber por esse período, pelo que deve ser levado ao probatório. Os subpontos (iii), (iv) e (v) são relevantes para aferir dos prejuízos que resultariam da execução do ato suspendendo e encontram suporte nos documentos 11, 12 e 19 juntos com a PI, pelo que devem ser levados ao probatório. O suponto (vi) encerra um juízo conclusivo, não um facto, pelo que enquanto tal não pode ser levado ao probatório. Procede, pois, parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos expostos. b) do erro de julgamento de direito Sustenta aqui a recorrente, em síntese: - é impossível à recorrente assegurar pisos completos de frações destinadas a exploração turística, porque a tal se opõe a realidade jurídica do direito de propriedade das demais frações; - a exigência de ocupação de pisos completos surgiu com o D-L n.º 39/2008, de 7 de março, e neste quadro legal a recorrente obteve a confirmação da classificação como Apartamentos Turísticos de 3 estrelas em 22/10/2010, decidindo o ato suspendendo de 2018 em sentido oposto, quando no plano dos factos e situação jurídica nada se alterou; - os artigos 14.º e 75.º, n.º 2, do D-L n.º 39/2008 não podem ser interpretados, sob pena de violação grosseira do princípio da confiança, no sentido de determinar a cessação da classificação nos casos em que a situação jurídica de não ocupação de pisos inteiros pelas frações destinadas a exploração turística foi constituída ao abrigo de legislação que a admitia; - o título constitutivo existe desde 2007, o que se discute é saber se não pode ser elaborado por força do princípio da continuidade dos pisos; - verificam-se sérios danos quantificados da recorrente que não podem ser ressarcidos e que são definitivos se a providência não for decretada; - não existe qualquer dano quantificável ao interesse público que possa ser contraposto. Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio, e na formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal. Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. No caso, o Tribunal a quo considerou não verificado o requisito do fumus boni iuris, pelo que quedou prejudicada a apreciação dos demais. Para aí se chegar, foi apresentada a seguinte fundamentação: “Compulsada a fundamentação do ato suspendendo (cfr. alínea LL) do probatório), podemos sintetizar os motivos que estiveram na base do indeferimento da classificação como apartamentos turísticos do empreendimento “A.....”, nos seguintes termos: 1) Existência de unidades de alojamento que não se encontram em exploração turística e as unidades que se encontram em exploração turística não ocupam pisos completos, o que constitui uma violação do disposto no artigo 14.º do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, pela Declaração de Retificação n.º 19/2014, de 24 de março e pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto; 2) Falta de título constitutivo do empreendimento; (…) [F]icou à saciedade demonstrado nos autos que, pese embora não tenha existido uma alteração relevante dos pressupostos de facto entre 22.10.2010 e 10.04.2015, pois nas duas datas já existiam frações do empreendimento da Requerente que tinham sido afetas pelos seus novos proprietários a um uso exclusivamente privativo, o conhecimento por parte da Entidade Requerida dessa realidade não era coincidente com a mesma, sem que se possa afirmar que esse desconhecimento, em 2010, lhe era imputável. Em suma, cai, assim, por terra, a alegação da Requerente em como a Entidade Requerida deveria ter, em 2015, praticado ato de conteúdo idêntico ao de 2010, uma vez que os pressupostos de facto seriam, em ambas as datas, os mesmos. Consequentemente, não se afigura minimamente provável que, no âmbito da ação administrativa de impugnação do ato ora suspendendo, esta argumentação venha a merecer acolhimento pelo Tribunal. * Apreciemos, em seguida, a invocada violação do princípio constitucional da confiança, sustentada pela Requerente a propósito da interpretação do artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 7 de março (na redação in casu aplicável), vertida no ato suspendendo quanto ao primeiro dos seus fundamentos.Alega a Requerente que aquele preceito não deve ser aplicado qua tale ao seu empreendimento, uma vez que, entre 1994 e 2008, foi orientando a sua conduta com base na legislação em vigor, que não colocava qualquer óbice à existência, no mesmo piso, de frações autónomas destinadas à atividade turística, e outras afetas a outros fins. Antes de mais, analisemos, pois, qual foi a evolução normativa registada nesta matéria, ao longo do tempo de vida dos “A..... Aquando da autorização de abertura do empreendimento “A.....” em 1994 (cfr. alínea E) do probatório), encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de setembro, que estabelecia as normas respeitantes ao aproveitamento dos recursos turísticos do país e ao exercício da indústria hoteleira e similar e do alojamento turístico em geral (artigo 1.º), classificando os apartamentos turísticos como “meios complementares de alojamento turístico” (cfr. artigo 16.º, n.º 1, al. a)), e considerando-os como “os conjuntos de apartamentos mobilados e independentes, habitualmente locados a turistas, dia a dia” (cfr. artigo 16.º, n.º 2, al. a)). Se lido a contrario sensu, o artigo 44.º, n.º 4 do DL n.º 328/86, de 30.09 admitia expressamente que, tratando-se de apartamentos turísticos (ou de aldeamentos turísticos), as respetivas unidades de alojamento pudessem ser retiradas da exploração hoteleira. Como refere a Requerente, o DL n.º 328/86, de 30.09, foi substituído, em 1997, pelo Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, que veio aprovar o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos. Tendo entrado em vigor em 1 de julho de 1997, este diploma aplicava-se “aos empreendimentos turísticos existentes à data da sua entrada em vigor (…)” (cfr. artigo 70.º), e por conseguinte, também aos “A...... Na mesma linha do disposto no diploma legal transato, sob a epígrafe “Exploração dos Empreendimentos Turísticos”, o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, admitia no seu n.º 2, a propriedade plural dos empreendimentos, e estabelecia, de modo explícito, no seu n.º 3 que: “Só as unidades de alojamento podem ser retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos e apenas nos casos e nos termos estabelecidos nos regulamentos previstos no n.º 3 do artigo 1.º”. A regulamentação do DL n.º 167/97, de 04.07, no que aos meios complementares de alojamento turístico concerne (entre os quais, os apartamentos turísticos), foi efetuada pelo Decreto Regulamentar n.º 34/97, de 17 de setembro, cujo artigo 38.º, sob a epígrafe “Características específicas dos apartamentos turísticos”, admitia expressamente no seu n.º 2, que: ¯2 — O estabelecimento de apartamentos turísticos pode: a) Ocupar a totalidade das unidades de alojamento de um ou mais edifícios que formem um conjunto urbanístico coerente; b) Ocupar a maioria das unidades de alojamento de um ou mais edifícios que formem um conjunto urbanístico coerente; c) Integrar apartamentos dispersos em vários edifícios”. Ou seja, admitia-se expressamente, ao abrigo deste diploma, a coexistência de apartamentos turísticos (equivalentes a unidades de alojamento, nos termos do disposto no artigo 36.º deste decreto regulamentar) destinadas à exploração turística, com frações destinadas a outros fins, inexistindo qualquer exigência quanto ao número ou percentagem mínima de unidades de alojamento que devessem obrigatoriamente estar afetas à exploração turística. Com efeito, o DR n.º 34/97, de 17.09, não contemplava, em relação aos apartamentos turísticos, uma norma equivalente à do artigo 27.º, n.º 1, que exigia, quanto aos aldeamentos turísticos que, pelo menos 50% das unidades de alojamento que compusessem um determinado empreendimento devessem estar afetas à atividade de exploração turística. Este diploma foi, entretanto, substituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, cujo artigo 44.º, n.º 3 manteve intacta a redação do anterior 45.º, n.º 3 do DL n.º 167/97, de 04.07. Esta disciplina normativa apenas veio a ser profundamente alterada com a aprovação do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março – diploma que veio estabelecer o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIFET) ‒, revogando o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, cuja redação originária, passou a determinar, no seu artigo 14.º, n.º 2 que as unidades de alojamento destinadas à exploração turística deviam abranger pisos completos e contíguos (cfr. ¯Os apartamentos turísticos podem ocupar parte de um edifício, constituída por pisos completos e contíguos, e ou a totalidade de um ou mais edifícios que constituam um conjunto harmónico e articulado entre si, inserido num espaço identificável, apresentando expressão arquitetónica e características funcionais coerentes”). No caso sub iudice, releva enquanto primeiro fundamento do ato suspendendo, a violação, por parte da Requerente, do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 7 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, pela Declaração de Retificação n.º 19/2014, de 24 de março e pelo Decreto-lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, que se cita infra: “Seção V 2 – Os apartamentos turísticos podem ocupar parte a totalidade ou parte independente, constituída por pisos completos, de um ou mais edifícios, desde que os edifícios em causa constituam, entre eles, um conjunto de espaços contíguos, ou desde que, entre eles, exista uma área de utilização comum. (sublinhado nosso).Apartamentos Turísticos Artigo 14.º Noção de apartamento turístico (…) A este propósito, e como já referimos anteriormente, a Requerente alega que, contrariamente ao que decidiu a Entidade Requerida, não pode o artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 7 de março, na redação supra citada, ser aplicável qua tale ao empreendimento “A.....”, sob pena de haver lugar a uma violação grosseira do princípio constitucional da confiança, uma vez que as vendas a terceiros de frações autónomas do empreendimento, cujos novos proprietários, optaram, em alguns casos, por não os afetar à atividade de exploração turística, foram sendo feitas, entre 1994 e 2008, ao abrigo de legislação sucessiva que expressamente o consentia, não podendo, agora, aplicar-se abruptamente, um novo regime jurídico, que não apenas compromete a manutenção das legítimas expetativas da Requerente na manutenção da situação de facto anterior, como é, atualmente, física e juridicamente impossível de cumprir. Vejamos se lhe assiste razão. O princípio constitucional do Estado de Direito, expressamente consagrado no artigo 2.º da nossa Constituição, é constituído por dois subprincípios fundamentais, a saber, o princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança, que surgem intimamente conexionados entre si. Em sentido amplo, ou seja, abrangendo a ideia subjacente à proteção da confiança, o princípio geral da segurança jurídica pode ser formulado, segundo o Ilustre constitucionalista Prof. Dr. Gomes Canotilho, nos seguintes termos: “o indivíduo tem o direito [de] poder confiar que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas (…) [praticados] pelas autoridades com base nessas normas[,]se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.” (cfr. GOMES CANOTILHO, J.J., “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª ed., Almedina, p. 257). De acordo com este Ilustre Prof., os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. E uma das principais refrações deste princípio em relação aos atos da Administração Pública é a da tendencial estabilidade dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos. No caso sub iudice, a Requerente coloca sobretudo ênfase na alegada violação do princípio da confiança, que constitui a vertente mais subjetiva do princípio da segurança jurídica, apontando para as exigências de: ¯(1) fiabilidade, clareza, racionalidade de transparência dos atos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos.” (cfr. ob. cit., p. 257). Ora, um dos mecanismos de concretização prática do princípio constitucional da confiança, no que respeita aos atos normativos, consubstancia-se na previsão de disposições ou normas transitórias. No caso em apreço, foi precisamente essa a forma que o legislador do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, adotou, para assegurar a observância do princípio constitucional da confiança, obstando a uma situação abrupta de aplicação incondicionada, e nessa medida imprevisível e injusta, da lei nova em relação aos empreendimentos turísticos anteriormente existentes, validamente constituídos e desenvolvidos ao abrigo de legislação anterior. Justamente sobre a epígrafe “Disposições finais e transitórias”, o artigo 75.º do DL n.º 39/2008, de 7 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, pela Declaração de Retificação n.º 19/2014, de 24 de março e pelo Decreto-lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, estatui o seguinte: “CAPÍTULO XI 1 – O presente decreto-lei aplica-se aos empreendimentos turísticos existentes à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.Disposições finais e transitórias Artigo 75.º Empreendimentos turísticos, empreendimentos de turismo no espaço rural, casas de natureza e estabelecimentos de hospedagem existentes 2 – Os empreendimentos turísticos, os empreendimentos de turismo no espaço rural e as casas de natureza existentes devem reconverter-se nas tipologias e categorias estabelecidas no presente decreto-lei, e nos diplomas complementares emitidos ao abrigo do mesmo, até 31 de Dezembro de 2010. 3 – A reconversão da classificação prevista no número anterior é atribuída pelo Turismo de Portugal, I.P., ou pelas câmaras municipais, conforme os casos, após realização de auditoria de classificação, a pedido do interessado, podendo ser dispensados os requisitos exigidos para a atribuição da classificação, sempre que determinem a realização de obras que se revelem materialmente impossíveis ou que comprometam a rendibilidade do empreendimento, como tal reconhecidas pela entidade competente para a aprovação da classificação. (sublinhados nossos) Decorre do supra exposto que, tratando-se de empreendimentos turísticos existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, os interessados podiam obstar à observância de determinados requisitos cujo cumprimento se afigurasse excessiva ou desproporcionalmente oneroso, designadamente, que implicasse a realização de obras materialmente impossíveis ou que comprometesse a rendibilidade do empreendimento, desde que, para o efeito, solicitassem, junto da entidade competente para a aprovação da respetiva classificação, a respetiva dispensa. É inequívoco que, no caso dos “A.....”, fazer com que os apartamentos turísticos vendidos a terceiros ao longo de diversos anos ‒ que optaram por os afetar a um uso exclusivamente privativo, desafetando-os da atividade de exploração turística ‒, aceitassem vendê-los, e comprar, em sua substituição, outros apartamentos, situados noutros pisos, por forma a que o empreendimento turístico passasse a ocupar apenas pisos completos, constitui uma tarefa material e juridicamente impossível. Assim, para que pudesse beneficiar da dispensa de cumprimento do requisito constante do artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 07.03, na redação aplicável in casu, quanto à obrigatoriedade dos apartamentos turísticos, afetos à exploração turística, ocuparem pisos completos, a Requerente deveria ter lançado mão do disposto no artigo 75.º, n.º 3 do mesmo diploma, e cumprido o ónus que sobre si impendia, de requisitar, junto da entidade competente para a aprovação da sua classificação, a respetiva dispensa. No entanto, deu-se como provado, na alínea FF) do probatório, que a Requerente nunca solicitou, junto da Entidade Requerida, a dispensa do cumprimento do requisito previsto no artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 07.03, ao abrigo da prerrogativa concedida pelo n.º 3 do artigo 75.º do mesmo diploma. Em face do anteriormente exposto, o Tribunal não vislumbra de que forma pode ser imputado ao ato suspendendo ‒ que se limitou a constatar o incumprimento do disposto no referido artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 07.03, e extrair as respetivas consequências jurídicas ‒, um vício de violação de lei por infração do princípio constitucional da confiança, se conforme vimos, foi a própria Requerente que não diligenciou, como lhe competia, por beneficiar do regime transitório previsto no artigo 75.º, n.º 3 do RJIFET, estabelecido precisamente em honra do princípio da confiança. Se não o fez na altura devida, poderia, inclusivamente, tê-lo feito, como refere a Entidade Requerida, em sede de audiência prévia do ato suspendendo, obstando, assim, à sua conversão em ato definitivo. Porém, ficou igualmente provado nos autos que a Requerente não deduziu qualquer pronúncia nesta sede (cfr. alínea LL) do probatório). Tudo considerado, não se afigura provável que, no âmbito da ação administrativa de impugnação de ato, presentemente a correr termos, venha a ser julgado procedente o alegado vício de violação de lei em que supostamente teria incorrido o ato de indeferimento da classificação como apartamentos turísticos dos “A.....” (cfr. alínea MM) do probatório), com fundamento na violação do princípio constitucional da confiança, em virtude de estar a aplicar a um empreendimento jurídico anteriormente existente, um regime jurídico novo, contrário à manutenção das legítimas expetativas da Requerente na manutenção do quadro normativo anteriormente em vigor, na senda do que foi por esta alegado. * Uma vez analisados os vícios imputados pela Requerente ao primeiro fundamento do ato suspendendo, cumpre, em seguida, aferir da probabilidade de procedência, em sede da ação administrativa de impugnação de ato, dos vícios por si assacados ao segundo fundamento do ato suspendendo – recorde-se: a falta de título constitutivo do empreendimento. (…)[A] elaboração do título constitutivo constitui um requisito exigível desde a data de abertura ao público do empreendimento “A.....” em 1991 (cfr. alínea C) do probatório). Com efeito, a legislação vigente nesta data era o Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de setembro, cujo artigo 46.º, n.º 6 já impunha aos empreendimentos turísticos em propriedade plural, a elaboração de um título constitutivo (cfr. “6 - Para efeitos do disposto neste artigo, a entidade promotora do empreendimento deverá elaborar um título constitutivo da sua composição, no qual serão especificadas obrigatoriamente, nos termos a fixar em regulamento: (…)”), o qual deveria, nos termos do n.º 12 deste preceito, ser depositado junto da Direção Geral do Turismo. Este requisito manteve-se e adensou-se no Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, cuja redação originária lhe dedicou, desde logo, os artigos 47.º, n.ºs 2 a 9 (com destaque para o conteúdo a que deve obedecer o título constitutivo constante do n.º 2 deste preceito), e o artigo 77.º, que sob a epígrafe “Elaboração e depósito do título constitutivo e do regulamento de administração”, estabeleceu, no seu n.º 1, um prazo de dois anos para os empreendimentos anteriormente existentes à data da sua entrada em vigor diligenciarem pela respetiva elaboração (cfr. “1 - As entidades exploradoras dos empreendimentos turísticos referidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º, existentes à data da entrada em vigor do presente diploma, que sejam propriedade de várias pessoas, e que ainda não tenham depositado na Direcção-Geral do Turismo o respetivo título constitutivo, devem fazê-lo no prazo máximo de dois anos a contar daquela data”). Ora, a consagração expressa deste período de adaptação de dois anos, não pode deixar de ser considerada, na senda do que anteriormente dissemos a este propósito, como uma concretização do princípio constitucional da confiança, na medida em que concede aos empreendimentos anteriormente existentes um prazo bastante razoável para se adaptarem à exigência de elaboração do título constitutivo, até porque com o DL n.º 167/1997, de 04.07, passaram a constituir contraordenações, nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 1, alíneas i) e bb), respetivamente a falta de apresentação para depósito, e a falta de depósito do título constitutivo. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, manteve a disciplina jurídica quanto à exigência de elaboração e depósito, junto da Direção Geral do Turismo, do título constitutivo dos empreendimentos turísticos, sob pena de virem a incorrer na prática de contraordenações. Também o Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, quer na sua redação originária, quer na redação que posteriormente lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, exigiam, nos termos do disposto no seu artigo 64.º, n.º 2, que as entidades exploradoras de empreendimentos turísticos em propriedade plural que se encontrassem em funcionamento à data da entrada em vigor daqueles diplomas, e que não dispusessem de título constitutivo, deviam proceder à respetiva elaboração e promoção da sua aprovação em assembleia geral de proprietários. Com a redação dada pelo DL n.º 228/2009, de 14.09 ao DL n.º 39/2008, de 07.03, estipulou-se inclusivamente que esta obrigação devia ser cumprida até 31.12.2010. Em síntese, apesar de algumas alterações de pormenor, a legislação da atividade turística em vigor no nosso país ao longo dos anos de vida do empreendimento “A.....”, foi constante e bastante clara ao exigir a elaboração de um título constitutivo por parte dos empreendimentos constituídos em regime de propriedade plural, como sucede no caso do empreendimento em apreço. Ademais, ficou provado nos autos que a Entidade Requerida enviou diversos ofícios à Requerente, alertando-a para a necessidade de proceder à elaboração do título constitutivo (cfr. alíneas J), T), Y), AA) e KK) dos factos provados), pelo menos, desde 2002 (cfr. alínea I) do probatório). De modo que a Entidade Requerida foi, numa demonstração de boa-fé e de cooperação com o particular, sucessivamente concedendo à Requerente novos prazos para que aquela diligenciasse pela apresentação do título constitutivo (cfr. alíneas J), T), Y), Z) e KK) do probatório). O facto de, por despacho de 22.10.2010, a Entidade Requerida ter deferido a reconversão do empreendimento em apartamentos turísticos, não obstante a falta de elaboração e depósito do título constitutivo, tendo-se limitado a fazer um “alerta” a este propósito, explica-se facilmente em face da redação dada pelo DL n.º 228/2009, de 14.09 ao artigo 64.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 07.03. Com efeito, a nova redação dada pelo DL n.º 228/2009, de 14.09 ao n.º 2 do artigo 64.º do DL n.º 39/2008, de 07.03, veio prorrogar, até 31.12.2010, o prazo máximo de dois anos, contados a partir da data da entrada em vigor do DL n.º 39/2008, de 07.03, que fora inicialmente concedido aos empreendimentos turísticos anteriormente existentes para procederem à elaboração do título constitutivo. O próprio Preâmbulo do DL n.º 228/2009, de 14.09 refere-o explicitamente (cfr. Prorroga-se, ainda, o prazo estabelecido para a reconversão de empreendimentos turísticos (…) nas novas tipologias e categorias, até 31 de Dezembro de 2010). Por isso, se em 22.10.2010, aquando da prolação do ato de deferimento da reconversão do empreendimento (cfr. alínea AA) do probatório), a Requerente ainda dispunha de prazo, até ao final desse ano, para proceder à elaboração do título constitutivo, é perfeitamente lícito e compreensível o ato da Entidade Requerida em deferir esta reconversão, alertando apenas a Requerente para a necessidade de diligenciar pela elaboração do título constitutivo. Do mesmo modo que é perfeitamente lícito e compreensível que, em 10.04.2015, aquando do projeto de indeferimento da classificação do empreendimento (cfr. alínea KK) do probatório), e em 19.10.2018, aquando da conversão em definitivo desse ato (cfr. alínea MM) dos factos provados), i.e., num momento em que já tinham expirado os prazos concedidos pelo legislador para os empreendimentos turísticos procederem à elaboração do título constitutivo, que a falta de cumprimento deste requisito tenha constituído um dos fundamentos do ato suspendendo. Atento o supra exposto, não colhe, de modo algum, a alegação da Requerente quanto ao suposto vício de violação de lei em que incorreria o ato suspendendo por violação do princípio constitucional da confiança, uma vez que os pressupostos jurídicos que estiveram na base da prática do ato de deferimento da reconversão do empreendimento em 2010, eram diferentes dos pressupostos jurídicos existentes em 2015 e 2018, quando foi praticado ato de conteúdo oposto. Em síntese, se em 2010 ainda decorria o prazo legalmente concedido para elaboração do título constitutivo, a respetiva falta não podia, no estrito cumprimento do princípio da legalidade, constituir fundamento para o indeferimento da reconversão do empreendimento. Do mesmo modo que, se em 2015 e 2018, já haviam sido ultrapassados todos os prazos legais para a elaboração do título constitutivo, a respetiva falta não podia deixar de obstar ao indeferimento da manutenção da classificação como apartamentos turísticos do empreendimento “A.....”. Atento o supra exposto, não é de todo em todo provável que, no âmbito da ação administrativa de impugnação de ato, o alegado vício de violação de lei em que supostamente incorreria o ato suspendendo quanto ao seu segundo fundamento – falta de elaboração de título constitutivo ‒ venha a ser julgado procedente, com fundamento na violação do princípio constitucional da confiança. Acresce, por fim, referir que, num juízo de prognose, também não se afigura minimamente provável que, em sede da ação principal a que respeitam os presentes autos cautelares, mereçam provimento os argumentos da Requerente em como a elaboração do título constitutivo do seu empreendimento é impossível e inútil. Desde logo porque se deu como provado em 2) que a elaboração do título constitutivo não é material ou praticamente impossível, a tal obstando a sua elaboração pela Requerente em momento posterior à prática do ato suspendendo, atestada pelo respetivo envio para a Entidade Requerida em 19.11.2018 (cfr. alínea PP) do probatório). Por outro lado, não só a sua elaboração é legalmente indispensável, como se compreende a utilidade que lhe está subjacente, consubstanciada na necessidade de identificar quantas e quais as unidades de alojamento afetas à atividade de exploração turística, e quais as que possuem um uso exclusivamente privativo, designadamente para aferição do cumprimento do requisito exigido pelo artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, de 07.03, quanto à necessidade de os apartamentos dedicados à exploração turística deverem ocupar pisos completos dos edifícios. (…) [R]esulta da alínea AA) do probatório que, por despacho de 22.10.2010, o empreendimento da Requerente foi reconvertido em apartamentos turísticos de três estrelas ao abrigo do regime transitório do DL n.º 39/2008, de 7 de março. Ou seja, com base no conhecimento dos pressupostos de facto que possuía àquela data, a Entidade Requerida considerou que o empreendimento da Requerente reunia os requisitos necessários para manter a classificação de apartamentos turísticos, ao abrigo dos novos requisitos estipulados pelo DL n.º 38/2009. Não tendo, por isso, necessidade de lançar mão do disposto do n.º 4 do artigo 75.º, no sentido de determinar a sua reconversão em alojamento local. Assim, não faz qualquer sentido que, em 2014, na sequência da realização de uma auditoria de revisão periódica de classificação do empreendimento da Requerente (cfr. alínea GG) do probatório), e em face do incumprimento dos requisitos então detetados (cfr. alínea HH) dos factos provados), a fim de aferir, entre o mais, da manutenção da classificação como apartamentos turísticos de três estrelas, seja aplicável uma norma ‒ o supra citado artigo 75.º, n.º 4 ‒ cujo âmbito de aplicação está circunscrito às situações em que um determinado empreendimento não reunisse as condições para, até 31.12.2010, ser classificado como apartamento turístico em face dos requisitos estabelecidos pelo DL n.º 39/2008, de 7 de março; apenas nessas hipóteses é que havia lugar à sua reconversão em alojamento local. Em suma, o artigo 75.º, n.º 4 do DL n.º 39/2008, de 07.03, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 15/2014, de 23.01, não é temporal nem materialmente aplicável perante o incumprimento dos requisitos para a manutenção da classificação como apartamentos turísticos do empreendimento “A.....” em 2014. Não assistindo, assim, razão à Requerente quando alega que o ato suspendendo é inválido por não ter aplicado este preceito e ter operado a reconversão do empreendimento da Requerente em alojamento local. Atento o supra exposto, também não se afigura minimamente provável que, com base no vício que acabámos perfuntoriamente de analisar, o ato de indeferimento da classificação do empreendimento da Requerente (cfr. alínea MM) do probatório) venha a ser invalidado no âmbito da ação administrativa de impugnação pendente.” Nesta sede cautelar, para a verificação do requisito fumus boni iuris requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, dada a aparência do bom direito, devendo esta apreciação ser feita através de uma summaria cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo requerente para os autos. Nesta sede, mereceram análise do Tribunal a quo os dois fundamentos que subjazem à prática do ato suspendendo, quais sejam, a existência no mesmo piso de frações destinadas à exploração turística e de frações destinadas a uso privado dos proprietários e a falta de título constitutivo do empreendimento. E ainda se debruçou sobre uma terceira questão, relativa à omissão de ponderação no ato da possibilidade de reconversão do empreendimento jurídico da recorrente em alojamento local. Abordemos então a questão dos pisos completos. Como se discorre na sentença recorrida, aquando da abertura do empreendimento turístico da recorrente, em 1994, era-lhe aplicável o Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de setembro, admitindo o respetivo artigo 44.º, n.º 4, que unidades de alojamento pudessem ser retiradas da exploração hoteleira. Da mesma forma o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, diploma que lhe sucedeu e veio aprovar o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, admitia no seu artigo 45.º, n.º 2, a propriedade plural dos empreendimentos, tal como o Decreto Regulamentar n.º 34/97, de 17 de setembro, no artigo 38.º, n.º 2. A coexistência no mesmo empreendimento de frações de utilização privada e de frações destinadas à exploração turística teve-se então por legalmente admitida, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, que aprovou o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos. Passando a prever-se no respetivo artigo 14.º, n.º 2, que “[o]s apartamentos turísticos podem ocupar parte de um edifício, constituída por pisos completos e contíguos, e ou a totalidade de um ou mais edifícios que constituam um conjunto harmónico e articulado entre si, inserido num espaço identificável, apresentando expressão arquitetónica e características funcionais coerentes”. Como se vê da matéria de facto dada como assente, pontos V a AA do probatório, já em 2009, após a entrada em vigor deste diploma legal, a recorrente apresentou um pedido de reconversão da classificação do empreendimento, na sequência do que a recorrida efetuou uma vistoria ao local. Esteve inicialmente previsto o indeferimento da classificação do empreendimento, mas na sequência de comprovação do cumprimento dos requisitos em falta, por decisão de 22/10/2010, foi deferida a reconversão do empreendimento “A.....” como apartamentos turísticos de 3 estrelas, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 39/2008, alertando-se a recorrente para o dever de proceder à elaboração do título constitutivo. Mais aí se fez constar que, caso o cumprimento das normas técnicas de acessibilidade exija obras de difícil execução, ou requeiram a aplicação de meios económico-financeiros desproporcionados, caberá à entidade competente para a aprovação do projeto (no caso a Câmara Municipal de Albufeira), autorizar a realização de soluções que não satisfaçam o disposto nas referidas normas. Existia então um total de 28 frações autónomas, que já não estavam a ser objeto de exploração turística pela recorrente, ponto BB do probatório. Visto o já decidido supra em sede de impugnação da decisão de facto, mantém-se um dos postulados da decisão sob recurso, ao mesmo tempo que se demonstrou não ter ocorrido alteração relevante dos pressupostos de facto entre 22/10/2010 e 10/04/2015, pois já existiam frações do empreendimento da recorrente afetas pelos seus novos proprietários a um uso exclusivamente privativo, não se provou que tal fosse do conhecimento da entidade recorrida. Assim, perante o probatório, é de acompanhar a sentença recorrida na conclusão de, na perspetiva da entidade requerida, os pressupostos de facto não serem idênticos em 2010 e em 2015. Como já se viu, invoca a recorrente a violação do princípio constitucional da confiança, na interpretação que é feita do citado artigo 14.º, n.º 2 do DL n.º 39/2008, no sentido de que se aplica qua tale ao caso em questão, determinando a cessação da classificação, quando a situação jurídica referente à não ocupação de pisos inteiros pelas frações destinadas a exploração turística foi sendo constituída ao abrigo de legislação que expressamente a admitia, mantendo-se todavia a classificação de apartamentos turísticos. A proteção da confiança encontra tutela constitucional enquanto subprincípio do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Vem entendendo de forma reiterada o Tribunal Constitucional que inexiste um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras, impondo-se é em cada caso apurar se pode haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal. E para que se considere existir uma situação de confiança constitucionalmente tutelada, deverão estar cumulativamente verificados os seguintes requisitos: (i) que as expetativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; (ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por último (iii), que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico (cf., v.g., o acórdão n.º 3/2016, de 13 de janeiro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tais requisitos não se mostram aqui verificados. Vejamos porquê. No regime jurídico em causa, implementado pelo D-L n.º 39/2008, foi acautelada a possibilidade de ocorrência de situações como a dos autos, prevendo-se o que deve ser visto como uma válvula de escape, precisamente em função da necessidade de tutela da confiança do sujeito de direito. Com efeito, como se observa na sentença, um dos mecanismos de concretização prática do princípio constitucional da confiança, no que respeita aos atos normativos, consubstancia-se na previsão de disposições ou normas transitórias, que no caso permitem obviar à aplicação incondicionada da lei nova em relação aos empreendimentos turísticos já existentes, validamente constituídos e desenvolvidos ao abrigo de legislação anterior. Assim, prevê-se no artigo 75.º do diploma em questão, sob a epígrafe ‘disposições finais e transitórias’, o seguinte: “1 - O presente decreto-lei aplica-se aos empreendimentos turísticos existentes à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2 - Os empreendimentos turísticos, os empreendimentos de turismo no espaço rural e as casas de natureza existentes devem reconverter-se nas tipologias e categorias estabelecidas no presente decreto-lei, e nos diplomas complementares emitidos ao abrigo do mesmo, até 31 de dezembro de 2010. 3 - A reconversão da classificação prevista no número anterior é atribuída pelo Turismo de Portugal, I.P., ou pelas câmaras municipais, conforme os casos, após realização de auditoria de classificação, a pedido do interessado, podendo ser dispensados os requisitos exigidos para a atribuição da classificação, sempre que determinem a realização de obras que se revelem materialmente impossíveis ou que comprometam a rendibilidade do empreendimento, como tal reconhecidas pela entidade competente para a aprovação da classificação.” Este último normativo permite então ao interessado requerer a dispensa de observância de determinado requisito nas apontadas situações. Reconhece-se na sentença que o cumprimento do requisito do empreendimento turístico passar a ocupar apenas pisos completos constitui uma tarefa material e juridicamente impossível. Contudo, em momento algum, nem sequer na audiência prévia à prolação do ato suspendendo, a recorrente apresentou o pedido previsto no artigo 75.º, n.º 3, do D-L n.º 39/2008. Não o tendo feito, sibi imputet. Posto que não pode proceder a invocada violação do princípio da confiança, quando a válvula de escape prevista naquele normativo tem precisamente esse objetivo, acautelar que a nova lei se imponha de forma incondicionada a situações de facto constituídas no âmbito de legislação anterior. Sempre será de notar que, já em momento posterior à prolação do ato suspendendo e pronunciando-se em sede de audiência prévia quanto à previsão de caducidade do título de abertura, veio a ora recorrente juntar proposta de título constitutivo com a configuração atual das frações autónomas que integram e não integram o empreendimento “A.....”, questão sobre a qual ainda terá de recair pronúncia noutra sede. É, pois, de manter o decidido, por não se afigurar provável a procedência do invocado vício de violação de lei. Em suma, será de negar provimento ao recurso. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 15 de outubro de 2020 Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Catarina Vasconcelos têm voto de conformidade com o presente acórdão. (Pedro Nuno Figueiredo) |