Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2561/19.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:IVA
RITI
VIES
ISENÇÕES
OBRAS CONSTRUÇÃO CIVIL
CONCEITO – REVERSE CHARGE
DEDUTIBILIDADE IVA INCORRETAMENTE LIQUIDADO
Sumário:I– O artigo 14º do RITI, na alínea a) do seu nº 1 estabelece um conjunto de requisitos de verificação cumulativa para a concessão da isenção de IVA na origem, sendo um deles o adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro Estado-Membro e utilização do número de identificação para efetuar a aquisição.
II- A jurisprudência do TJUE tem vindo a decidir de modo uniforme, afirmando que até à entrada em vigor da Diretiva (EU) 2018/1910, a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, não constituía condição substantiva para a aplicação da isenção, mas mero requisito formal.
III– Assim, a simples discrepância no que respeita ao número de identificação para efeitos de IVA – seja a sua omissão no sistema VIES seja a inclusão, por lapso, de um número incorrecto – não constitui, como pretende a AT, fundamento bastante para excluir de isenção de IVA ao abrigo do disposto no art. 14º do RITI.
IV- No regime de inversão do sujeito passivo, também designado de “reverse charge”, o adquirente dos serviços substitui-se ao prestador na liquidação (e entrega) do IVA devido pela operação faturada.
V- No caso dos serviços a que se reporta a alínea j), do nº 1 do artigo 2º do CIVA, abrangem todas as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto e, do ponto de vista do objeto estão ali incluídos serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.
VI– O conceito do que são bens imóveis não pode ser visto à luz do definido no Código Civil Português, mas sim do Regulamento de execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, de cujo artigo 13º-B consta a definição do que devem considerar-se como bens imóveis.
VII– A jurisprudência do TJUE tem vindo a entender que serão consideradas como bens imóveis as construções que não sejam facilmente desmontáveis e deslocáveis, impendendo essa prova sobre o sujeito passivo, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT.
VIII– O IVA que tenha sido incorretamente liquidado pelo fornecedor dos serviços, em face do disposto no aludido artigo 2º, nº 1, al. j) do CIVA, não é passível de ser deduzido por apenas será relevante o IVA devidamente liquidado e um pagamento que seja devido (acórdãos de 6 de fevereiro de 2014, tirado no processo C-424/12, SC Factorie, 13 de dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.° 13, e de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.° 53), sem que tal facto viole o Princípio da Neutralidade do IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
H......... LDA., com os demais sinais nos autos, intentou Impugnação Judicial contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os n.ºs 28266022, 28266014, 28266011, 28266453, 28265998, 28266006, 28266348, 28266000, 28266344, 28266386, 28266129, 28266217 e 28266208, no valor de €36.012,36.
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Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 25 de Outubro de 2023, foi julgada procedente a impugnação.

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Inconformada com a decisão, veio a Fazenda Pública apresentar o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
D. CONCLUSÕES
A. A douta sentença julgou a Impugnação parcialmente procedente, anulando os atos de liquidações de IVA controvertidos (melhor identificadas nos autos), decisão com a qual a Recorrente não pode concordar pelas razões infra.
B. Mas antes de mais, e porque relevante, começamos por convocar o parecer da Ilustre Magistrada do Ministério Público que se pronunciou no sentido da Improcedência da Impugnação Judicial (fls. 574 da numeração SITAF).
C. As correções controvertidas inserem-se no âmbito de uma ação inspetiva que, relativamente ao IVA, relacionadas com a isenção prevista no artigo 14.º do RITI (clientes espanhóis não registados no VIES), e com o não cumprimento das regras da inversão do sujeito passivo no âmbito dos serviços de construção civil [vide alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA e Ofício- Circulado n.º 30101, de 2007/05/24, da Direção de Serviços do IVA).
D. Quanto à primeira correção (isenção prevista no artigo 14.º do RITI - clientes espanhóis não registados no VIES), a ação de inspeção focou-se, pois, na análise das faturas que titularam transmissões intracomunitárias para sujeitos passivos adquirentes sedeado sem Espanha sem liquidação de IVA pelo facto de terem sido consideradas isentas ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI, sem que os mesmo estivesse registado no sistema VIES e, com este fundamento, os SIT procederam ao apuramento de IVA em falta, no montante de €1.094,59 em relação a 2015/08, €239,61 em relação a 2015/09, €1.681,07 em relação a 2016/10 e de € 289,68 em relação a 2016/12.
E. Porém, entende o Tribunal a quo que a falta de registo no sistema VIES dos operadores em causa, e melhor identificados no RIT, em regime de tributação de bens não constitui fundamento válido para o afastamento do benefício da isenção do IVA.
F. Subjacente à correção em causa, estão operações realizadas entre Estados Membros da União Europeia, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias de Bens (RITI). Tal regime consagra, como princípios basilares, a sua aplicação a todas as transações intracomunitárias de bens efetuadas entre sujeitos passivos de imposto, constituindo seu pressuposto a expedição de mercadorias de um Estado Membro para outro, decorrendo de tal realidade a isenção da tributação na origem, por aplicação do princípio da tributação no destino.
G. De acordo com este princípio, as transmissões intracomunitárias estão, assim, isentas de imposto no país de origem por forma a evitar a sua dupla tributação e a garantir a respetiva neutralidade fiscal.
H. Porém, para que seja aplicável a isenção da tributação na origem, é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos previstos na alínea a) do artigo 14.º do RIT:
(i) a transmissão de bens seja onerosa;
(ii) o vendedor seja sujeito passivo de IVA nos termos definidos no artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RITI;
(iii) que os bens sejam expedidos do território nacional pelo vendedor, adquirente ou por conta sua conta, com destino a outro Estado Membro;
(iv) que o adquirente seja uma pessoa singular ou coletiva devidamente registada para efeitos de IVA noutro Estado Membro, tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição e se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições Intracomunitárias de bens nesse outro Estado Membro.
I. E tendo em vista o controle das transações intracomunitárias foi criado “VAT Information Exchange System” (VIES), que à luz do Regulamento (CEE) nº 218/92 do Conselho, de 27 de Janeiro de 1992, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indiretos(aplicável à data dos factos), consubstancia um sistema de intercâmbio eletrónico de informações relativas ao registo dos operadores económicos situados na União Europeia (UE) e das trocas intracomunitárias de bens que, em obediência ao princípio do destino, são isentas de IVA no Estado membro de produção e expedição para serem tributados no Estado membro em que são consumidos. Trata-se de uma medida de cooperação administrativa adotada alguns anos depois da abolição das fronteiras no espaço da União Europeia visando reforçar o combate à fraude e evasão fiscal.
J. De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento (CEE) nº 218/92 do Conselho, de 27 de janeiro de 1992, a autoridade competente de cada Estado-membro disporá de uma base de dados eletrónica na qual serão armazenadas e processadas as informações que resultem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, designadamente, o montante global das operações efetuadas pelos mesmos respeitantes a este imposto.
K. Na verdade, a interpretação da AT sempre esteve correta, com base no direito interno do artigo 14.º, alínea a) do RITI, ao exigir que o NIF do adquirente estivesse registado no VIES e que, portanto, se trata de uma condição substantiva e não uma condição formal, como defende o Tribunal “a quo”.
L. Como decorre dos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 2006-02-14, processo n.º 01000/06 e de 2006-02-21, processo n.º 00902/05, "se o sujeito activo da operação só se preocupa com a existência de um número (qualquer que seja) e não averigua se o adquirente se encontra abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens (Art.º 14/a, RITI, parte final) só cumpre metade da regra, sujeitando se a tomar por isenta uma operação que o não é".
M. Sintomático de que a AT sempre esteve certa, é o facto da Diretiva 2018/1910 de 4 de dezembro de 2018, aditar o seguinte considerando: “(…) (7) No que diz respeito ao número de identificação IVA relativo à isenção das entregas de bens nas trocas comerciais intracomunitárias, propõe-se que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES»), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passe a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal. Além disso, o registo no VIES é essencial para informar o Estado-Membro de chegada da presença de bens no seu território, sendo, por conseguinte, um elemento fundamental da luta contra a fraude na União. Assim sendo, os Estados-Membros deverão assegurar que a isenção não seja aplicada quando o fornecedor não cumprir as suas obrigações em matéria de registo no VIES, exceto quando o fornecedor atuar de boa fé, ou seja, quando puder justificar devidamente, perante as autoridades fiscais competentes, as suas falhas relativas ao mapa recapitulativo, o que poderá incluir também, nesse momento, a comunicação por parte do fornecedor das informações corretas exigidas no artigo 264.º da Diretiva 2006/112/CE.”
N. Além disso, a Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho de 4 de dezembro de 2018 alterou o art.º 138.º da Diretiva 2006/112/CE, no sentido de aditar o requisito da alínea b) «O sujeito passivo ou a pessoa coletiva que não seja sujeito passivo a quem a entrega é efetuada está registado para efeitos do IVA num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens e comunicou esse número de identificação IVA ao fornecedor» como condição substantiva da isenção, à semelhança da norma de direito interno.
O. Pelo que, com este aditamento, dúvidas não subsistem para todos os países da União Europeia de que se trata de uma condição substantiva (ao contrário do entendimento sufragado pela douta sentença recorrida) e que, portanto, a falta do adquirente estar registado para efeitos de IVA, no VIES é fundamental.
P. Além disso, a Recorrida deveria ter verificado a validade do número IVA do adquirente espanhol no VIES, e, ao não obter o comprovativo da condição do sujeito passivo, mais relevante teria sido ter-se munido de outros meios de prova dos requisitos previstos no art.º 14.º do RITI, conforme também é possível consultar na informação disponibilizada em http://europa.eu: “O que acontece se não for possível verificar um número existente? Se o cliente afirmar que está registado para efeitos de IVA, mas a verificação através do VIES não confirmar esta afirmação, pode solicitar a verificação junto da administração fiscal do país em questão. O cliente poderá ter de se registar especificamente para poder fazer transações transfronteiras dentro da UE. Este procedimento varia conforme o país da UE. Se não conseguir encontrar a informação no VIES, deve solicitar informações adicionais à administração fiscal nacional”.
Q. E conforme se pôde constatar pelos depoimentos das testemunhas, a Recorrida, em momento algum, procedeu à verificação das condições de aplicação, nomeadamente nunca procedeu à comprovação dos números de identificação fiscal dos seus clientes espanhóis, com a informação constante da base de dados do Sistema VIES – Trocas Intracomunitárias (cfr. ponto III.1.2 da sentença proferida).
R. Por isso, indubitavelmente, deveria a M.ma Juiz do Tribunal a quo ter mantido a correção efetuada, uma vez que não se encontravam cumpridas as condições cumulativas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI para que as ditas transmissões beneficiassem de isenção de IVA.
S. Para além disso, foram ainda apuradas pelos SIT, irregularidades ao nível dos serviços de construção civil, nomeadamente os trabalhos efetuados na instalação do sistema de tubagem, onde teria de operar a inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, sendo o IVA liquidado devido pelo adquirente, regra esta que não foi aplicada no caso em concreto, o que conduziu à aplicação do disposto do n.º 8 do artigo 19.º do Código do IVA e a à desconsideração do imposto deduzido com base nas faturas que titulam tais serviços.
T. Sobre os referidos trabalhos efetuados na instalação do sistema de tubagem, consubstanciando o mesmo um bem, não podemos deixar de salientar conforme depoimento unânime das testemunhas, até aquela data, se encontra exatamente no mesmo local aquando da sua montagem, encontrando-se ligado materialmente com caráter de permanência, conforme referido em sede de inspeção.
U. E entende o Tribunal “a quo” que não será de aplicar a regra da inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, por considerar que, as faturas emitidas pela empresa “D.........”, que titulam aqueles serviços de instalação de sistema de tubagem para aquecimento de água nas estufas, foram corretamente emitidas pelo prestador de serviços, não sendo devida a liquidação do respetivo IVA pela aqui Recorrida, tendo esta direito à dedução do IVA suportado e constante daquelas, nos termos gerais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, não podendo, por isso, manter-se, na ordem jurídica, as liquidações impugnadas nesta parte.
V. Desde logo, a respeito das faturas emitidas pela entidade “D.........”, concernentes à instalação de uma conduta de água quente para o aquecimento das estufas, consta do RIT, que: “[c]onforme podemos constatar nas fotografias enviadas, trata-se de um sistema de tubagem de elevada estrutura que fica ligado ao tanque de armazenamento de água, à caldeira e às próprias estufas e que se encontra suportado no próprio terreno. De acordo com o referido no ponto II.3.5 deste relatório, para a montagem das próprias estufas foi aplicada a regra da inversão, considerando-se que a sua montagem confere serviços de construção civil e que ficam ligados ao imóvel com caráter de permanência. // (…) //. Concluímos, desta forma, que os trabalhos efetuados na instalação do sistema de tubagem encontram-se contemplados na Lei 41/2015, de 03/06, pelo que os mesmos revestem a qualidade de serviços de construção civil e uma vez que estamos perante bens que vão ficar ligados materialmente aos bens imóveis com caráter de permanência (às estufas e ao próprio terreno) e o adquirente é um sujeito passivo de IVA estabelecido em Portugal que aqui pratica operações que conferem o direito à dedução do IVA, aplica-se a regra da inversão do sujeito passivo.”
W. A alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, prevê a denominada regra da inversão do sujeito passivo (“reverse charge”), de acordo com a qual é o adquirente dos serviços ou dos bens que se torna sujeito passivo do imposto pela respetiva aquisição, revertendo, a dívida do imposto, do prestador de serviços para o adquirente. Assim, sendo o adquirente o sujeito passivo do imposto, deverá proceder à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA. Também nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, as faturas emitidas pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços devem conter a expressão 'IVA - autoliquidação'.
X. A AT por via do seu Ofício-circulado n.º 30101, de 2007/05/24, publicitou o seu entendimento sobre o conceito de “serviços de construção civil,” baseando-se no Decreto –Lei n.º 12/2004, de 09/01, considerando “serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização. Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada”.
Y. Nos termos do ponto 1.5.1 do referido Ofício Circulado, a mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu) não releva para efeitos da regra de inversão. Por sua vez, a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão, desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria 19/2004, de 10 de janeiro. Excluem-se da regra de inversão os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com carácter de permanência.
Z. E tendo em atenção a “Lista exemplificativa de serviços aos quais se aplica a regra de inversão” constante do Anexo I ao referido Ofício Circulado, contataram os SIT que o item “Pinturas, estuques e outros revestimentos”, fazem parte dessa lista, tal como faz parte da Lei n.º 41/2015 de 03 de junho, os trabalhos constantes da 5.ª subcategoria “Estuques, pinturas e outros revestimentos”, pertencentes à 1.ª categoria “Edifícios e património construído”.
AA. Assim, e ainda de acordo com o RIT, no que respeita à instalação de tubagem de água quente debitada pela sociedade D......... (para aquecimento das estufas), também consta na referida lista exemplificativa do mencionado Ofício Circulado o item “Serviços de canalização e pichelaria”, assim, como também consta da Lei 41/2015 os trabalhos contemplados na 8.ª subcategoria “canalizações e condutas em edifícios”, pertencentes também à 1.ª categoria “Edifícios e património construído”.
BB. Desta forma, concluíram e bem os SIT, que os trabalhos efetuados na instalação do sistema de tubagem encontram-se contemplados na Lei 41/2015 de 03/06, pelo que os mesmos revestem a qualidade de serviços de construção civil com carácter de permanência (às estufas e ao próprio terreno) e o adquirente é um sujeito passivo de IVA estabelecido em Portugal que aqui pratica operações que conferem o direito à dedução do IVA, aplicando-se a regra da inversão do sujeito passivo.
CC. Em suma, ao decidir como decidiu, o douto Tribunal “a quo” incorreu, a nosso ver e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, em erro de julgamento, em matéria de facto e de direito, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 14.º do RITI, alíneas a) e j) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, todos do Código do IVA.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente. a impugnação judicial totalmente PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
CONCLUSÕES:
a) Foi dado como provado que a Recorrida efectuou efectivas transmissões de bens para quatro operadores económicos localizados em Espanha, tendo tal resultado provado não só pelos depoimentos testemunhais prestados nos autos como também pelos documentos contabilísticos que titulavam os transportes e emitidos pela transportadora “M.........”.
b) Assim como não resulta provado nos autos que a Recorrida tivesse conhecimento de quaisquer irregularidades relativas aos operadores económicos daquele país com quem estabeleceu relações comerciais tituladas por facturas.
c) E tudo isto a Recorrente não coloca em causa, o que a Recorrente diz é que o registo no sistema VIES por parte dos adquirentes dos bens era, já há época dos factos, um requisito substantivo para ser reconhecida a isenção.
d) Com efeito era pacífico que as irregularidades no sistema VIES de operadores económicos com quem o sujeito passivo entabulasse relações comerciais não era aspecto inibidor do reconhecimento da isenção do artigo 14º do RITI, só assim não sendo se a AT provasse que o sujeito passivo tinha conhecimento de tais irregularidades e havia actuado de má-fé.
e) Pelo que não tem a mínima adesão à realidade do Direito o alegado pela Recorrente neste conspecto.
f) Com efeito a situação mudou alguma coisa com a Directiva (EU) 2018/1910, pois que com a alteração legislativa operada o registo no sistema VIES passou a ser um requisito substantivo e não meramente formal.
g) Sucede que tal Directiva só foi transposta, e entrou em vigor, em Portugal no decurso do ano 2020 e os factos a que se reportam os presentes autos são de período anterior, pelo que sob pena de violação da proibição de aplicação retroactiva de normas de incidência tributária aquela alteração legislativa não pode lograr obter aplicação nos presentes autos.
h) É certo e isso não se pode escamotear que duas das testemunhas arroladas pela Impugnante mencionaram que o sistema de tubagem havia permanecido no local onde se encontrava instalado, mas de imediato também foi acrescentado pelas testemunhas que tal sistema em poucas semanas é desmontado de onde se encontra e transportado para outros locais onde seja necessário no âmbito da actividade da Recorrida.
i) E é aqui que cumpre fazer apelo ao artigo 13.º-B do Regulamento de Execução n.º 282/2011 pois que de acordo com o mesmo e como já decidido na nossa Jurisprudência supra citada;
«As plataformas em causa, por muito grandes que fossem, eram transportáveis, e foram no, com um atrelado/reboque, pelo que não são qualificáveis como um bem imóvel, atento o recorte do conceito estabelecido no artigo 13.º-B do Regulamento de Execução n.º 282/2011, porquanto não são:
a)Uma parcela delimitada do solo passível de ser objeto de um direito real;
b) Um edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar;
c) Um elemento que tivesse sido instalado pela Requerente ou por sua conta e que fizesse parte integrante de um edifício ou de uma construção;
d) Um elemento permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não pudesse ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou construção.»
j) Pelo que não era, efectivamente e in casu, aplicável a regra da inversão do sujeito passivo.
k) A AT para concluir pela regra da inversão do sujeito passivo baseou-se no denominado direito circulatório, mas tal não é o bastante para provar que estavam preenchidos os pressupostos para aplicar as regras da inversão do sujeito passivo.
l) E não o é desde logo porque se impunha que a AT fizesse as necessárias indagações in loco, isto de modo a aferir da conexão e carácter de permanência do sistema de tubagem, pois que a tal lhe impunha o princípio do inquisitório.
m) E para além da violação daquele princípio não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, isto por força do artigo 74º da LGT.
n) É também certo que se tem vindo a entender que nos casos do direito á dedução do IVA, como é o contribuinte que se arroga daquele direito terá de provar os respectivos pressupostos para tal, mas não é esse o caso dos presentes autos, na presente situação foi a AT que se arrogou do direito de tributar por aplicação da regra da inversão do sujeito passivo e quando assim é incumbe-lhe, nos termos do artigo 74º da LGT, provar os respectivos pressupostos que legitimem o seu alegado direito.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser declarado totalmente improcedente e, em consequência, ser a Douta Sentença merecedora do beneplácito da sua integral confirmação, tudo o mais com as consequências legais.”

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Foram colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).



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Delimitação do objeto do recurso

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
a) Se a sentença incorre em erro de julgamento por ter decidido que as operações aqui em causa estavam isentas de IVA, nos termos do disposto no art. 14º do RITI, designadamente por falta de registo no VIES.
b) Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado que não seria de aplicar a regra da inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, no que respeita às faturas emitidas pela sociedade “D.........”, bem como que o IVA delas constante poderia ser dedutível nos termos gerais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

A- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Impugnante declarou ter iniciado a sua atividade em 14/11/2001, encontrando-se registada para o exercício, a título principal, da atividade de “Cultura de Produtos Hortícolas, Raízes e Tubérculos”, dedicando-se à produção de tomate em estufa nos concelhos de Torres Vedras, Almograve e Zambujeira do Mar (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
B. A Impugnante encontra-se registada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal e, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no regime geral de tributação (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
C. A Impugnante desenvolve a sua atividade sobretudo no mercado intracomunitário, sendo a sua produção escoada, essencialmente, para as grandes superfícies nacionais e para os mercados intracomunitários, em concreto o mercado Espanhol, o qual representa 70% do seu volume de negócios (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
D. B........., G........., C......... SL e M........., eram, nos exercícios de 2015 a 2018, clientes da Impugnante, adquirindo-lhe sementes de tomate, que eram transportadas da sede da Impugnante, em Torres Vedras, para a zona de Almeria, em Espanha, através da transportadora “M.........” (cfr. depoimento das testemunhas P........., D......... e J......... e Documentos juntos com o requerimento apresentado pela Impugnante em 19/09/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
E. A Impugnante emitia as faturas em nome dos adquirentes mencionados na alínea anterior, utilizando o NIF que, por aqueles lhe havia sido facultado, sem proceder a qualquer pesquisa no sistema VIES (cfr. depoimento das testemunhas P........., D......... e J.........);
F. O sistema de tubagem para aquecimento de água a que se referem as faturas com os n.ºs FT17/418, FT17/439, FT17/515, FT17/516, FT17/571, FT17/572, FT18/38, FT18/39, FT18/94, FT18/117, FT18/118, FT18/215, FT18/216, FT18/218, FT18/521, constantes da contabilidade da Impugnante e emitidas pela entidade “D........., Lda.”, foi instalado nas estufas da Impugnante situadas em Almograve, no concelho de Odemira, podendo ser removido e colocado noutras estufas conforme as necessidades de produtividade da Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas P........., D......... e J.........);
G. O sistema de tubagem para aquecimento de água mencionado na alínea anterior permaneceu, até outubro de 2023, no local onde foi inicialmente instalado (cfr. depoimento das testemunhas P........., D......... e J.........);
H. A Impugnante foi alvo de um procedimento inspetivo interno, efetuado a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201805920, datada de 10/12/2018, deâmbito parcial, em sede de IVA, decorrente do pedido de reembolso de IVA n.º 18153647/0, efetuado na declaração periódica respeitante ao mês de outubro de 2018, no montante de €160.000,00 (cfr. Documento de fls. 47 a 63 doPAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
I. O reembolso solicitado resultou de um crédito de imposto acumulado no valor de €166.060,97, que se foi formando essencialmente desde o mês de agosto de 2018 (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
J. No decurso do procedimento inspetivo mencionado na antecedente alínea H., os Serviços de Inspeção Tributária procederam à abertura, para os exercícios de 2015, 2016 e 2017, das ordens de serviço internas com n.ºs OI201901379, OI201901380 e OI201901381, respetivamente (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
K. O pedido de reembolso mencionado na antecedente alínea H. foi deferido na sua totalidade (cfr. Documento de fls. 47 a 63 do PAT apenso aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
L. No âmbito dos procedimentos inspetivos mencionados, foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária, no qual se encontram vertidas as seguintes correções: “(…)

“(texto integral no original; imagem)”










“(texto integral no original; imagem)”






(cfr. Documentos de fls. 6 e seguintes constantes do PAT apenso aos autos e Documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 18/10/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
N. As correções realizadas no âmbito do mencionado procedimento inspetivo e concretizadas nas liquidações a que se fez referência na alínea anterior deram origem às notas de cobrança com o n.º 2019 5982603 no valor de €269,10 e com o n.º 2019 5982625 no valor de €11.341,96, ambas com data limite de pagamento em 23/08/2019; às notas de cobrança n.º 2019 6209960 no valor de €6.552,75 e n.º 2019 6223231 no valor de €13.474,15 com data limite de pagamento de 02/09/2019 (cfr. Documentos de fls. 30 a 40 do PAT apenso aos autos e Documento n.º 1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
O. Ainda na sequência das correções efetuadas na conta corrente de IVA da Impugnante, plasmadas no Relatório de Inspeção Tributária a que se fez referência, foi emitida a seguinte liquidação:

(cfr. Documento n.º 2 junto com o requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 18/10/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
P. No seguimento da emissão da liquidação mencionada na alínea antecedente, foi emitida a nota de cobrança com o n.º 2019 00017042224 e respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2019 00006235678, com um valor a pagar de €499,88 e data limite de pagamento em 05/09/2019 (cfr. Documento n.º 3 junto com o requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 18/10/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
Q. Os montantes apurados nas demonstrações de acerto de contas mencionadas nas alíneas N. e P. encontram-se pagos (cfr. Documento a fls. 43 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
R. Em 14/10/2019, a Impugnante deduziu a presente impugnação judicial (cfr. comprovativo de entrega via SITAF);
S. Em 20/12/2019, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as notas de cobrança mencionadas nas alíneas N. e P., as quais foram emitidas na sequência das correções mencionadas na alínea L., tendo sido aquela autuada sob o n.º 1589201904003233 (cfr. processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
T. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de reclamação graciosa a que se fez referência na alínea antecedente (cfr. processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
U. Com referência aos períodos de 2017/09, 2017/10, 2017/11, 2017/12, 2018/01, 2018/02, 2018/04, 2018/10, a entidade “D........., Lda.” declarou, no campo 4, das respetivas declarações periódicas, os valores de €22.125,45, €15.025,51, €8.308,15, €18.918,89, €19.256,90, €15.884,56, €18.141,06 e €13.409,08, respetivamente (cfr. Documentos n.ºs 3 a 10 juntos com o requerimento apresentado pela Impugnante em 19/09/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

***
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

III.1.1. Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
III.1.2. Motivação da matéria de facto A decisão sobre a matéria de facto teve por base toda a prova produzida nos autos, designadamente os documentos juntos aos autos pelas partes e constantes do PAT e não impugnados, como melhor exposto nos vários pontos do probatório.
No que concerne aos factos dados como provados nas alíneas D. e E., os mesmos tiveram na sua base os depoimentos das testemunhas da Impugnante, P........., D......... e J........., que, à data dos factos, trabalhavam com a contabilidade da Impugnante, sendo a segunda testemunha, nessa altura, funcionária daquela entidade. Todos confirmaram ao Tribunal que B........., G........., C......... SL e M........., eram, nos exercícios de 2015 a 2018, clientes da Impugnante, adquirindo-lhe sementes de tomate, que eram transportadas da sede da Impugnante, em Torres Vedras, para a zona de Almeria, em Espanha, através da transportadora M........., tendo explicitado que tais clientes eram produtores de tomate que, depois da aquisição das sementes de tomate e da respetiva produção, procediam à venda do tomate produzido à Impugnante. Referiram, ainda, que as relações comerciais entre a Impugnante e os referidos clientes se mantinham há vários anos e que nunca foram levantadas dúvidas relativamente a eventuais irregularidades na respetiva inscrição no sistema VIES, emitindo as faturas em causa utilizando o NIF que havia sido dado por tais clientes, sem proceder a qualquer pesquisa no referido sistema.
Quanto aos factos dados como provados nas alíneas F. e G., os mesmos tiveram, igualmente, na sua base, os depoimentos das referidas testemunhas, que, afirmando conhecerem o local onde se encontrava instalado o sistema de tubagem para aquecimento de água nas estufas, em Almograve, concelho de Odemira, afirmaram, ainda, que o sistema em causa podia ser removido e colocado noutras estufas conforme as necessidades de produtividade da Impugnante, no caso, por exemplo, de numa das estufas se estar a produzir menos do que na estufa em que encontra instalado o sistema. As testemunhas D......... e J......... referiram, inclusivamente, que se encontrava projetava uma alteração de local desse sistema de tubagem, esclarecendo, contudo, que o sistema de tubagem em causa permaneceu, até à data, no local onde foi inicialmente instalado. Todas as testemunhas fizeram, ainda, referência, sem certezas, porém, à circunstância de as operações de montagem/desmontagem do referido sistema demorar cerca de duas a três semanas.
Refira-se que os depoimentos das testemunhas se mostraram circunstanciados, coerentes, espontâneos e credíveis, tendo logrado convencer o Tribunal da sua veracidade.”

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III . Da Fundamentação De Direito

Em sede recursiva defende a Recorrente, Fazenda Pública, que a sentença incorre em erro de julgamento ao ter considerado que as operações em análise se encontravam isentas de IVA ao abrigo do disposto no art. 14º do RITI, bem como por entender que seria de aplicar a regra da inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, no que respeita as faturas emitidas pela empresa “D.........”, que titulam serviços de instalação de sistema de tubagem para aquecimento de água nas estufas, contrariamente ao decidido.
Comecemos pela primeira questão enunciada, ou seja, a de saber se as operações realizadas com Espanha, poderiam beneficiar da isenção de IVA ao abrigo do artigo 14º do RITI, sendo certo que os sujeitos passivos espanhóis não se encontravam registados no VIES.
Sublinha a Recoorente que para estarmos perante uma transmissão intracomunitária passível de beneficiar da isenção aludida, teria de existir um registo no VIES, tanto mais que de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento (CEE) nº 218/92 do Conselho, de 27 de janeiro de 1992, a autoridade competente de cada Estado-Membro terá de dispor de uma base de dados eletrónica na qual serão armazenadas e processadas as informações que resultem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, designadamente, o montante global das operações efetuadas pelos mesmos respeitantes a este imposto.
Mais advoga que a Diretiva 2018/1910 de 4 de dezembro de 2018, ao aditar: “(…) (7) No que diz respeito ao número de identificação IVA relativo à isenção das entregas de bens nas trocas comerciais intracomunitárias, propõe-se que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES»), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passe a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal. Além disso, o registo no VIES é essencial para informar o Estado-Membro de chegada da presença de bens no seu território, sendo, por conseguinte, um elemento fundamental da luta contra a fraude na União. Assim sendo, os Estados-Membros deverão assegurar que a isenção não seja aplicada quando o fornecedor não cumprir as suas obrigações em matéria de registo no VIES, exceto quando o fornecedor atuar de boa fé, ou seja, quando puder justificar devidamente, perante as autoridades fiscais competentes, as suas falhas relativas ao mapa recapitulativo, o que poderá incluir também, nesse momento, a comunicação por parte do fornecedor das informações corretas exigidas no artigo 264.º da Diretiva 2006/112/CE.”
Apreciando.
O Tribunal a quo amparou a procedência da impugnação, depois de convocar o quadro legal aplicável e a jurisprudência relevante para a decisão, relevando para o efeito o seguinte:
“Com efeito, compulsado o teor do Relatório de Inspeção, é possível constatar que a correção efetuada pelos SIT concernente à inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 14.º do RITI se deveu, tão-só, à circunstância de alguns dos clientes espanhóis da Impugnante não se encontrarem registados no sistema VIES, nunca tendo sido posta em causa a efetividade das operações em causa.
Pode ler-se, no Relatório de Inspeção, que “Em face da existência das anomalias, foram solicitados os extratos de conta corrente e as faturas emitidas para aqueles clientes, bem como consultado o registo de cadastro no VIES e os dados constantes das declarações recapitulativas. Analisados todos estes elementos, concluímos que: // - Os clientes B......... e G......... encontram.se ambos registados no VIES mas, com efeitos apenas a 2016/07/01, daí a existência de anomalia para o exercício de 2015, nos meses de agosto e setembro de acordo com as faturas emitidas; // - O cliente C......... SL, apenas se encontra registado no VIES, com efeitos a 2016/11/18, pelo que apenas deve ser considerada a anomalia registada respeitante a outubro de 2016, de acordo com a fatura emitida nesse mês; // - O número de identificação do cliente M......... não se encontra registado no cadastro; e // - O cliente C……SL encontra-se registado com efeitos a 2018/07/01, pelo que a anomalia existente no mês de julho não é de considerar. // Conforme já referido anteriormente e, de acordo com o preconizado na alínea a) do art.º 14.º do RITI, para que as transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente sejam isentas, o adquirente, tem que ser uma pessoa coletiva registada para efeitos de IVA no Estado Membro e tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. // (…) //. Assim, não se verificando uma das condições expressamente referidas na al. a) do art.º 14.º do RITI, nomeadamente a utilização do número de identificação para efetuar a aquisição, que se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, as transmissões efetuadas para aqueles clientes não podem ser consideradas isentas de imposto nos termos da disposição legal referida, pelo que se encontra em falta a liquidação do IVA. (…)” (negritos nossos).
Resulta do exposto que, tal como alegado pela Impugnante, os Serviços de Inspeção Tributária não colocaram em causa a efetividade das operações tituladas pelas faturas em causa, mas apenas a observância da formalidade consubstanciada no registo dos adquirentes para efeitos de IVA no sistema VIES.
Posto isto, refira-se que, subjacente às correções agora em causa, estão operações realizadas entre Estados Membros da União Europeia, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias de Bens (RITI). Tal regime consagra, como princípios basilares, a sua aplicação a todas as transações intracomunitárias de bens efetuadas entre sujeitos passivos de imposto, constituindo seu pressuposto a expedição de mercadorias de um Estado Membro para outro, decorrendo de tal realidade a isenção da tributação na origem, por aplicação do princípio da tributação no destino. (…)
Posto isto e em face da fundamentação da correção efetuada pelos SIT sobre esta matéria, importa analisar se a falta de registo no sistema VIES dos operadores em causa, e melhor identificados no RIT, em regime de tributação de aquisição intracomunitária de bens constitui fundamento válido para o afastamento do benefício da isenção do IVA.
A Diretiva 2006/112 (Diretiva IVA) revogou e substituiu, em conformidade com os artigos 411.º e 413.º, a partir de 01/01/2007, a legislação da União então em vigor em matéria de IVA, que se encontrava vertida, nomeadamente, na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17/05/1977).
O artigo 2.º, n.º 1, alínea b), i), daquela Diretiva 2006/112 dispõe o seguinte: “1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações: (…) b) As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro: i) Por um sujeito passivo agindo nessa qualidade ou por uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, quando o vendedor seja um sujeito passivo agindo nessa qualidade (…)”.
Nos termos do artigo 14.º n.º 1, desta mesma Diretiva: “Entende-se por 'entrega de bens' a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.”. O título IX da referida Diretiva, intitulado “Isenções”, contém dez capítulos, sendo o primeiro consagrado às disposições gerais. O artigo 131.º, artigo único deste capítulo, prevê o seguinte: “As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados- Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.”.
O artigo 138.º, que figura no capítulo 4, intitulado “Isenções relacionadas com as operações intracomunitárias”, do referido título IX, dispõe no seu n.º V da seguinte forma: “Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território, mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.”.
As disposições dos artigos 131.º e 138.º n.º 1 da Diretiva 2006/112 reproduzem, no essencial, o conteúdo do artigo 28.º-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388, conforme alterada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995.
O título XI da Diretiva 2006/112, intitulado “Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos”, inclui, designadamente, um capítulo 2, intitulado “Identificação”, e um capítulo 3, intitulado “Faturação”.
O referido capítulo 2 inclui, designadamente, o artigo 214.º, que tem a seguinte redação: “1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas: (…) b) Os sujeitos passivos ou as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias de bens sujeitas ao IVA, em conformidade com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, ou que tenham feito uso da opção, prevista no n.º 3 do artigo 3.º, de sujeitar ao IVA as suas aquisições intracomunitárias; (…)”.
O artigo 220.º, que faz parte do capítulo 3 do mesmo título, dispõe no seu n.º 1: “Os sujeitos passivos devem assegurar que seja emitida uma fatura, por eles próprios, pelos adquirentes ou destinatários ou, em seu nome e por sua conta, por terceiros, nos seguintes casos: (…) 3) Relativamente às entregas de bens efetuadas nas condições previstas no artigo 138°; (…)”.
O artigo 226.º, que figura no referido capítulo 3, prevê: “Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220° e 221° são as seguintes: (…) 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214°, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138°; (…)”.
Daqui pode extrair-se que, com a redação constante do artigo 14.º alínea a) do RITI, o legislador português foi mais longe do que o legislador da União Europeia, exigindo como formalidade essencial o registo como sujeito passivo de IVA e o uso de tal qualidade nas transações intracomunitárias. Daí que se possa entender que, atenta a interpretação harmonizada que deve ser encetada, não se possa dar a tal formalidade o relevo que a Administração Tributária pretende dar, afastando a isenção (em princípio, aplicável), apenas com o fundamento de não se ter por verificada a formalidade de registo do adquirente como sujeito passivo de IVA. (…)
Ora, no caso em apreço, os factos em causa são referentes aos anos de 2015 e 2016 (datas da emissão das faturas cfr. III.1 do RIT), ou seja, ocorreram em momento anterior à data de entrada em vigor da Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018, e em plena vigência da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE).
Também no caso que nos ocupa, a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou a correção efetuada apenas na circunstância de os adquirentes dos produtos transacionados não se encontrarem, à data das operações, registados em IVA num regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha, nunca tendo sido questionada a materialidade das operações plasmadas nas faturas em causa, inexistindo quaisquer indícios sérios capazes de sugerir uma qualquer atuação fraudulenta por parte da Impugnante. Com efeito, resultou, antes, provado, nos autos, que B........., G........., C......... SL e M........., eram, nos exercícios de 2015 a 2018, clientes da Impugnante, adquirindo-lhe sementes de tomate, que eram transportadas da sede da Impugnante, em Torres Vedras, para a zona de Almeria, em Espanha.
Em face das disposições mencionadas e da Jurisprudência do TJUE e do STA supracitadas, que aqui seguimos de perto, é de concluir pela procedência da pretensão da Impugnante nesta parte, não podendo manter-se as liquidações impugnadas na parte em que concretizam a correção aqui em causa, por aplicação desconforme do artigo 14.º alínea a) do RITI e do artigo 138.º n.º 1 da Diretiva 2006/112.”
Adiantamos que ao ter assim decidido, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado.
Senão vejamos.
Como sabemos, nos termos do artigo 20º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), estamos perante uma aquisição intracomunitária quando se obtém o poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado-Membro diferente do estado de partida da expedição ou do transporte. Estas transmissões têm de ser onerosas e pressupõem a circulação física dos bens entre Estados-Membros.
No que à incidência objetiva respeita, determina o artigo 1.º do RITI o seguinte:
Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
a) As aquisições intracomunitárias de bens efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do artigo 9.º nem os transmita nas condições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 11.º;
b) As aquisições intracomunitárias de meios de transporte novos efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, ainda que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º, ou por um particular;
c) As aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo, exigíveis em conformidade com o disposto no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º;
d) As operações assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens previstas no n.º 1 do artigo 4.º;
e) As transmissões de meios de transporte novos efectuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro Estado membro.”
Já no que respeita ao conceito de transmissão de bens, o nº 1 do art. 7º do mesmo diploma legal, preceitua que:
“1 - Considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa.”
Finalmente, cumpre ainda chamar à colação o artigo 14.º, nº1, alínea a), do mencionado diploma, que resulta da transposição do art. 138º da Diretiva IVA, sob a epígrafe de “isenções nas transmissões”, estabelece o seguinte:
Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.”
Da conjugação dos preceitos aludidos resulta claro que no caso de transmissões intracomunitárias a regra é a sua tributação no destino, estando assim isentas na origem.
Mais resulta dos mesmos que são três os requisitos para aceder à isenção consagrada no artigo 14º, a saber:
- Vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA com direito integral ou parcial à dedução do IVA;
- Expedição ou transporte dos bens do território nacional para o Estado Membro (EM) do destino, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes;
- Adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro Estado-Membro, tem de utilizar o número de identificação para efetuar a aquisição e estar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
A jurisprudência do TJUE tem vindo a decidir de modo uniforme, afirmando que até à entrada em vigor da Diretiva (EU) 2018/1910, a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, não constituía condição substantiva para a aplicação da isenção, mas mero requisito formal.
Na verdade, nos termos do artigo 138º, nº 1 da Diretiva IVA 2006/112/CE, aplicável à data das operações em apreço - exercícios de 2015 a 2017 -, que foi transposta, como já afirmámos, para o ordenamento jurídico nacional através do artigo 14.º do RITI, dele não constava qualquer obrigação decorrente da necessidade de registo no VIES.
Sobre esta questão já se pronunciou, especificamente num caso em que estava em causa a legislação portuguesa também aplicável aos presentes autos, o TJEU, no seu Aresto de 9 de fevereiro de 2017, no proc. C-21/16, tendo concluído que a simples discrepância no que respeita ao número de identificação para efeitos de IVA – seja a sua omissão no sistema VIES seja a inclusão, por lapso, de um número incorrecto – não constitui, como pretende a AT, fundamento bastante para excluir de isenção de IVA as operações em causa.
Para sustentar esta sua posição, afirma aquele Tribunal o seguinte:
23. (...) o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA prevê a obrigação de os Estados-Membros isentarem as entregas de bens que satisfaçam as condições aí enumeradas. (acórdão de 9 de outubro de 2014, Traum, C-492/13, EU:C:2014:2267, n.° 46). (…)
25. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a isenção da entrega intracomunitária de um bem só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o alienante prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo bem saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega (acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 31 e jurisprudência referida). (...).
29. No entanto, nem o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça referem, entre os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária enumerados exaustivamente, a obrigação de o adquirente dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 59) ou, a fortiori, a obrigação de este estar registado para efeitos da realização de operações intracomunitárias e de estar inscrito no sistema VIES. (…)
31. Com efeito, a definição do sujeito passivo, enunciada no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, visa apenas uma pessoa que executa, de forma independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade, sem fazer depender esta qualidade do facto de essa pessoa dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, n.° 49 e jurisprudência referida), específico, se for caso disso, para a realização de operações intracomunitárias, ou de a referida pessoa estar registada no sistema VIES. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um sujeito passivo age nessa qualidade quando efetua operações no âmbito da sua atividade tributável (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, n.° 49 e jurisprudência referida).
32. Por conseguinte, nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 60; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, n.° 51; e de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.°40). (…)
36. Daí decorre que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida se os requisitos de fundo forem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (acórdão de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.° 39).
37. Por conseguinte, a Administração de um Estado-Membro não pode, em princípio, recusar a isenção de IVA de uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de o adquirente não estar inscrito no sistema VIES nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias.
38. Assim, há que salientar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas existem dois casos em que o desrespeito de uma exigência formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.°43).
39. Por um lado, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado, para efeitos da isenção de IVA, por um sujeito passivo que tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA (v. acórdão de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.° 44 e jurisprudência referida). (…)
42. Por outro lado, a violação de uma exigência formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento das exigências de fundo (v. acórdão de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.° 46 e jurisprudência referida).”.
Significa isto que, segundo o TJUE, salvo no caso das duas exceções que identifica e não possuem qualquer relevo para o caso que aqui nos ocupa, o que importa relevar para efeitos de isenção de IVA nas transações intracomunitárias é que seja possível confirmar (i) que o direito de propriedade sobre o bem a transmitir tenha sido efetivamente transmitido; (ii) que o bem expedido ou transferido para o adquirente tenha efetivamente saído fisicamente do Estado do alienante e entregue noutro Estado-Membro da União Europeia.
Em igual sentido tem vindo a decidir o STA designadamente nos seus Arestos de 16/12/2020, tirado no proc. nº 0451/10.2BEBRG e de 03/05/202, por referência ao proc. nº 083/14.6BEBJA, com os quais concordamos.
Advoga ainda a Recorrente que o Regulamento (CEE) nº 218/92 do Conselho, de 27 de janeiro de 1992, obrigava já a esse registo no VIES e que a sua falta revela para o caso em apreço.
Mas sem razão.
Desde logo, o Regulamento onde a Recorrente pretende ancorar o seu entendimento já não vigora desde 31/12/2003, tendo sido substituído pelo Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, e este, por sua vez foi revogado pelo Regulamento (UE) n.° 904/2010 do Conselho, de 7 de outubro de 2010, todos relativos à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado.
Qualquer dos regulamentos mencionados, têm por objetivo evitar a fraude e evasão fiscal nas transmissões Intra fronteiriças que exigem uma estreita colaboração entre os vários Estados-Membros da EU, designadamente ao nível da troca de informações entre eles, permitindo, também, aos operadores económicos obter as informações necessárias ao cabal cumprimento das suas obrigações tributárias em sede de IVA, tendo o Regulamento (UE) n.° 904/2010 do Conselho, de 7 de outubro de 2010, procurado aprofundar, reforçar e acelerar o intercâmbio de informações entre as várias administrações fiscais dos vários Estados-Membros.
O artigo 17.°, n.° 1, deste último regulamento prevê:
Cada Estado-Membro deve armazenar num sistema eletrónico as informações seguintes:
a) Informações que recolha por força do capítulo 6 do título XI da Diretiva [IVA];
b) Dados relativos à identidade, atividade, forma jurídica e endereço das pessoas a quem tenha atribuído um número de identificação IVA, recolhidos por força do artigo 213.° da Diretiva [IVA], bem como a data de emissão desse número; (…)
Acontece, porém, que esta obrigatoriedade de cada Estado-Membro possuir um sistema eletrónico de informações, nada acresce ao acima já afirmado. Na verdade, e como bem se refere no Aresto do TJUE parcialmente transcrito acima, este sistema VIES visa apenas facilitar a troca de informações, não possuindo a virtualidade de afastar o direito à isenção quando exista uma discrepância ou omissão de registo naquele sistema.
Aliás, no mencionado Aresto, o TJUE foi muito claro, tendo afirmado o seguinte:
Por conseguinte, nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 60; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, n.° 51; e de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.° 40).
Baixando ao caso dos autos, verificamos que a AT apenas ancora as suas correções na circunstância dos sujeitos passivos espanhóis não se encontrarem devidamente registados no VIES, embora estejam completamente documentadas as transações, quer através da emissão das faturas devidas, quer por sido efetuada a prova do transporte das mercadorias para aquele país. Também não é colocada em causa a veracidade das transações, nem a existência dos mencionados sujeitos passivos em Espanha.
Ora, decorre de todo o quadro jurídico convocado, bem como do entendimento da doutrina e da jurisprudência, que a simples circunstância de não existir um registo no VIES não afasta o regime de isenção previsto no art. 14º do RITI.
Assim sendo, e porque nenhum motivo existe para nos afastamos do doutrinado neste Aresto, nem nos aludidos Acórdãos do STA, improcedente terá de ser o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida que se deverá manter na ordem jurídica, nesta parte.
Prosseguindo.
Relativamente à segunda correção enunciada, ou seja, saber se seria ou não de aplicar a regra da inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, relativamente às faturas emitidas pela empresa “D........., titulam aqueles serviços de instalação de sistema de tubagem para aquecimento de água nas estufas. Cumpre assim saber se estas foram corretamente emitidas pelo prestador de serviços ou se, pelo contrário, não seria devida a liquidação do respetivo IVA à aqui Recorrida, bem como se tendo sido incorretamente emitidas esta teria o direito à dedução do IVA constante daquelas, nos termos gerais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em causa nos autos encontram-se apenas as faturas emitidas pela sociedade D......... Lda..
A AT considerou no seu relatório inspetivo que estando em causa serviços de construção civil concernentes à instalação de uma conduta de água quente para o aquecimento das estufas, teria de operar a inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, sendo o IVA liquidado devido pelo adquirente, regra esta que não foi aplicada no caso em apreço, o que conduziu à aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 19.º do Código do IVA e à desconsideração do imposto deduzido com base nas faturas que titulam tais serviços.
Para tanto, esteou a AT a sua conclusão na circunstância de se tratar de um sistema de tubagem de elevada estrutura que fica ligado ao tanque de armazenamento de água, à caldeira e às próprias estufas e que se encontra suportado no próprio terreno pelo que ficam ligados ao imóvel com carácter de permanência, pelo que se enquadram na Lei nº 41/2015, de 03/06. Ora, sendo o adquirente é um sujeito passivo de IVA estabelecido em Portugal que aqui pratica operações que conferem o direito à dedução do IVA, aplica-se a regra da inversão do sujeito passivo.
Deste modo, a AT, desconsiderou o IVA que já havia sido suportado pela aqui Recorrida nas faturas e considerou que sobre si impendia a obrigatoriedade de liquidar e deduzir o IVA respeitante às mesmas, tendo, assim, anulado a dedução de IVA por ela efetuada.
Já o Tribunal a quo amparou a sua decisão em duas circunstâncias, a saber:
- Por um lado, não estávamos perante trabalhos de construção civil no sentido que lhes atribuiu a AT e, nessa medida, não havia lugar à aplicação do reverse charge;
- Por outro lado, considerando que Recorrida havia suportado o IVA que lhe havia sido liquidado pela prestadora dos serviços, nunca o mesmo poderia ser desconsiderado.
Apreciando.
Comecemos por convocar o quadro legal aplicável aos autos.
Na redação em vigor à data dos factos, determinavam as alíneas a) e j) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, o seguinte:
1 - São sujeitos passivos do imposto:
a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC); (…)
j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”
Por outro lado, preceituava o artigo 19º, nº 1, alínea c) do CIVA:
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: (…)
c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º. (…)”
Finalmente, o nº 13 do artigo 36º do mesmo diploma legal, no que respeita aos prazos e formalidades das faturas, estabelecia que:
13 - Nas situações previstas nas alíneas i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como nas demais situações em que o destinatário ou adquirente for o devedor do imposto, as faturas emitidas pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços devem conter a expressão 'IVA - autoliquidação'.
Decorre do acima transcrito que sempre que ocorra uma situação em que se aplique o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º , local onde está prevista a denominada regra da inversão do sujeito passivo -reverse charge-, é o adquirente dos serviços ou dos bens que se torna sujeito passivo do imposto pela respetiva aquisição, revertendo, a dívida do imposto, do prestador de serviços para o adquirente, ou seja, o ónus de liquidação do IVA impende sobre o adquirente daquelas prestações de serviços, enquanto sujeito passivo de IVA, tendo também o direito de deduzir o IVA que liquidou, em obediência ao Princípio da Neutralidade do IVA. Deste modo, o prestador de serviços deverá fazer menção nas aludidas faturas à expressão “IVA- autoliquidação”.
Cumpre ainda trazer à colação o disposto nos artigos 168º, 178º, 199º e 226º da Directiva 2006/112/CEE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA), onde são estabelecidas as regras relativas à dedução do IVA.
Assim, determina o artigo 168º do mencionado diploma que:
Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;
b) …”.
Por outro lado, o artigo 178º preceitua que:
Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:
a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma factura emitida em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º;
(…)”
O artigo 226º estabelece que:
Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes:
1) A data de emissão da factura;
2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;
3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efectuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;
4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efectuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º;
5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;
7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura;
8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;
9) A taxa do IVA aplicável;
10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente directiva exclua esse tipo de menção;
(…)”.
Finalmente, o art.º 199.º estabelece o seguinte:
1. Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:
a) Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.º 3 do artigo 14.º; (…)”
Sobre o conceito do que deve ser entendido como bem imóvel, designadamente para efeitos de IVA, temos de nos socorrer não apenas da jurisprudência do TJUE, órgão jurisdicional competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, nos termos do artº 267.º, al. b) do TFUE), mas também doutras normas comunitárias que possam auxiliar na interpretação e definição dos conceitos utilizados no CIVA.
Comecemos, então, por convocar o Regulamento de execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, diploma que alterou o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, relativo ao lugar das prestações de serviços, onde o legislador comunitário veio introduzir uma definição de “bens imóveis”, concretamente no seu art. 13º B, onde ficou preceituado o seguinte:
Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se “bens imóveis”:
a) Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;
b) Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;
c) Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não estão completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;
d) Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção.
O mesmo diploma adita a Subsecção 6-A, passando a constar do seu artigo 31º-A o seguinte:
1. Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47.º da Diretiva 2006/112/CE incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:
a) Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;
b) Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.
2. O n.º 1 abrange, em especial, o seguinte:
a) A elaboração de plantas de um edifício ou de partes de um edifício destinadas a um determinado terreno, independentemente de o edifício estar ou não construído;
b) A prestação de serviços de fiscalização no local ou de serviços de segurança;
c) A construção de um edifício num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas num edifício ou em partes de um edifício;
d) A construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;
e) Os trabalhos efetuados em terrenos, incluindo serviços agrícolas tais como a mobilização dos solos, a sementeira, a rega e a fertilização;
f) O estudo e avaliação do risco e da integridade dos bens imóveis;
g) A avaliação dos bens imóveis, incluindo quando tal serviço for necessário para efeitos de seguros, para determinar o valor de um bem utilizado como garantia de um empréstimo ou para avaliar os riscos e danos no âmbito de litígios;
h) A locação ou o arrendamento de bens imóveis, com exceção dos abrangidos pela alínea c) do n.º 3, incluindo a armazenagem de bens numa parte específica do bem afeta ao uso exclusivo do destinatário;
i) A prestação de serviços de alojamento no sector hoteleiro ou em setores com funções similares, como os campos de férias ou os terrenos destinados a campismo, incluindo o direito a permanecer num lugar específico resultante da conversão de direitos de utilização periódica e direitos afins;
j) A atribuição e a transmissão de direitos, com exceção dos abrangidos pelas alíneas h) e i), para a utilização da totalidade ou de partes de um bem imóvel, incluindo a licença para utilizar parte de um bem, como a concessão de direitos de pesca e de caça ou o acesso a salas de espera nos aeroportos, ou ainda a utilização de uma infraestrutura pela qual são cobradas portagens, por exemplo, pontes e túneis;
k) A manutenção, renovação e reparação de um edifício ou de partes de um edifício, incluindo trabalhos como limpeza, revestimento de pavimentos e paredes com ladrilhos, aplicação de papel em paredes e assentamento de soalhos;
l) A manutenção, renovação e reparação de estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;
m) A instalação ou montagem de máquinas ou equipamentos que, após a instalação ou montagem, possam ser considerados bens imóveis;
n) A manutenção e reparação, inspeção e fiscalização de máquinas ou equipamentos no caso de estes poderem ser considerados bens imóveis;
o) A gestão de bens imóveis, com exceção da gestão de carteiras de investimentos imobiliários abrangida pelo n.º 3, alínea g), que consista na exploração de bens imobiliários de natureza comercial, industrial ou residencial pelo proprietário dos bens ou em seu nome;
p) A intermediação na venda ou na locação ou arrendamento de bens imóveis e na constituição ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), com exceção da intermediação abrangida pelo n.o 3, alínea d);
q) Os serviços jurídicos relacionados com a transferência de um título de propriedade imobiliária, o estabelecimento ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), como atividades notariais, ou a elaboração de contratos de compra e venda de bens imóveis, ainda que a operação subjacente que resulta na alteração jurídica da propriedade não se venha a verificar..
Significa isto que, muito embora a Diretiva IVA não contenha o conceito de trabalhos de construção civil em bens imóveis, o Regulamento supra mencionado, esclarece de forma cabal a que serviços nos estamos a reportar, pelo que não tem qualquer aplicação em sede de IVA o conceito que nos é dado pelos arts. 204º e 205º do Código Civil.
Deste modo, para efeitos de interpretação da al. j) do nº 1 do art. 2º do CIVA, consideram-se incluídos neste preceito, também, os equipamentos ou máquinas permanentemente instalados em edifícios ou construções (fabris), bem como os equipamentos sem os quais o edifício ou construção (fabril) possa adquirir aptidão para a sua finalidade industrial, aí se incluindo estruturas permanentes, como condutas de água, gás, esgotos e afins e a montagem, reparação ou substituição destas estruturas, sendo que a ligação permanente ao bem imóvel se reconduz ao período de vida útil dos equipamentos (neste mesmo sentido podemos ver o Aresto deste Tribunal de 14/03/2024, tirado no processo nº 325/19.1BELRA).
Também o TJUE no seu Aresto de 16 de janeiro de 2003, proferido no processo C-315/00, Rudolf Maierhofer, afirmou que “edifícios, compostos por construções implantadas no solo, constituem bens imóveis. A este respeito, importa que as construções não sejam facilmente desmontáveis e deslocáveis, mas… não é necessário que estejam implantadas no solo de forma indissociável”, mais tendo esclarecido que não é determinante para a questão de saber se os edifícios em causa são bens móveis ou imóveis, bem como o prazo de permanência das partes que o integram.
Efetuado o enquadramento legal e jurisprudencial da questão, cumpre baixar ao caso aqui em dissidio e verificar o que resultou provado.
De notar que não foi coloca em causa a matéria de facto que, por esse motivo, se estabilizou.
Vejamos então o que decorre do relatório inspetivo que as faturas emitidas pelo fornecedor D......... respeitam a serviços efetuados para a instalação de um sistema de tubagem com vista à circulação de água entre vários pontos da unidade agrícola, em concreto o tanque de armazenagem de água, a caldeira para aquecimento da água e as estufas, tendo a AT concluído que em causa estão trabalhos de construção civil relativos a bens que vão ficar materialmente ligados aos bens imóveis.
Resulta também provado que o sistema de tubagem para aquecimento de água a que se referem as mesmas faturas, constantes da contabilidade da Impugnante e emitidas pela entidade “D........., Lda.”, foi instalado nas estufas da Impugnante situadas em Almograve, no concelho de Odemira, podendo ser removido e colocado noutras estufas conforme as necessidades de produtividade da Recorrida, sendo que o mesmo permaneceu, até à data de inquirição - outubro de 2023 - no local onde foi inicialmente instalado.
Nos termos do Regulamento aludido as condutas de água fazem parte do conceito de bens imóveis, sendo que na interpretação conferida pelo TJUE é necessário que as construções não sejam facilmente desmontáveis e deslocáveis, embora não seja necessário que as mesmas tenham sido implantadas no solo de forma indissociável.
Ora, a circunstância de as construções serem ou não facilmente desmontáveis e deslocáveis não apenas não foi invocado como, também, não resultou provado nos presentes autos, sendo certo que essa prova impendia sobre a Recorrida, nos termos do disposto nos artigos 74º, nº 1 da LGT e 342º, nº 1 do Código Civil.
A única coisa que resultou provada nos autos foi que as instalações poderiam ser desmontadas, ficando por saber se essa desmontagem era simples ou implicava obras de monta.
Em consequência, não tendo os aludidos factos sequer alegados, não poderia a presente impugnação proceder.
Assim sendo, ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo incorreu no apontado erro de julgamento.
No entanto, e como já mencionámos acima, a decisão recorrida ancora a sua decisão ainda noutro argumento, a saber: a circunstância de que tendo a Recorrida suportado o IVA que lhe havia sido liquidado pela prestadora dos serviços, nunca o mesmo poderia ser desconsiderado pela AT, sob pena de violação do Princípio da Neutralidade do IVA.
Apreciando.
Como sabemos o IVA carateriza-se por ser um imposto geral sobre o consumo, neutro, de matriz comunitária, plurifásico, sem efeitos cumulativos, que opera através do método subtrativo indireto que visa tributar tendencialmente todo o consumo. Decorrente dessa matriz comunitária, todos os Estados-Membros da UE têm de aplicar o sistema comum do IVA, para que seja atingida a necessária harmonização na tributação do consumo na EU, estando condicionados às regras estabelecidas nas diretivas, designadamente na Diretiva IVA, regulamentos e decisões, nos termos do artigo 288.º do TFUE.
É também pacifico que este imposto é considerado um imposto neutro sendo o princípio da neutralidade o pilar do sistema. É neste mesmo sentido que a Directiva IVA, no seu considerando (7), estabelece que:
O sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição.”
Este princípio da Neutralidade é garantido pelo mecanismo do direito à dedução do IVA suportado na aquisição associada à venda, preenchidas que sejam certas condições, quer de carácter substancial quer de natureza formal.
Ora, é exatamente ligada a esta questão da neutralidade do imposto que o Tribunal a quo considerou que não poderia ser negado o direito à dedução do imposto que foi indevidamente liquidado pela fornecedora dos serviços.
A primeira nota que cumpre dar é a que se relaciona com o disposto no nº 8 do artigo 19º do CIVA onde se determina que apenas confere o direito à dedução o imposto que for liquidado pelo adquirente dos bens ou serviços. Significa isto que o sujeito passivo adquirente líquida e ao mesmo tempo deduz o IVA por si liquidado em obediência ao disposto na al. j), do nº 1 do artigo 2º do CIVA, não podendo, aparentemente, deduzir outro IVA que lhe tenha sido liquidado.
A questão não é nova e já foi objeto de tratamento pelo TJUE, no seu Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, tirado no processo de reenvio prejudicial C-424/12, SC Factorie, onde a questão fulcral a decidir era exatamente a de saber se, num caso de “reverse charge”, o adquirente dos bens/prestações de serviços e sujeito passivo do imposto se via impossibilitado de deduzir o IVA incorretamente liquidado pela prestadora de serviços e se essa circunstância violava o Princípio da Neutralidade do IVA.
Aquele Tribunal considerou que tal não ocorria, tendo amparado as suas conclusões do seguinte modo:
28 Com a sua primeira e a sua terceira questão, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal se opõem, no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, a que o beneficiário de serviços fique privado do direito a dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.
29 Antes de mais, importa recordar que, no regime da autoliquidação, não há qualquer pagamento de IVA entre o prestador e o beneficiário de serviços, sendo este último, no que toca às operações efetuadas, devedor do IVA a montante, podendo simultaneamente, em princípio, deduzir esse mesmo IVA de modo que nenhum montante será devido à Administração Fiscal.
30 Há que sublinhar igualmente, por um lado, que o direito a dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (acórdãos Bockemühl, já referido, n.° 38, e de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C-368/09, Colet., p. I-7467, n.° 37 e jurisprudência aí referida).
31 O regime das deduções destina-se a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, também elas, sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.° 24, e de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.° 48).
32 No que se refere, por outro lado, às modalidades de exercício do direito a dedução do IVA enumeradas no artigo 178.° da Diretiva IVA, só são aplicáveis as medidas que figuram na alínea f) deste artigo, uma vez que se trata de um procedimento de autoliquidação abrangido pelo artigo 199.°, n.° 1, alínea a), da referida diretiva.
33 A este respeito, há que recordar que um sujeito passivo, que é devedor, enquanto destinatário de serviços, do IVA respetivo, não é obrigado a possuir uma fatura passada nos termos dos requisitos formais da Diretiva IVA, para poder exercer o seu direito a dedução, e deve unicamente cumprir as formalidades estabelecidas pelo Estado-Membro em causa no exercício da opção que lhe é permitida pelo dito artigo 178.°, alínea f) (v., neste sentido, acórdão Bockemühl, já referido, n.° 47).
34 Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o alcance das formalidades assim estabelecidas pelo Estado-Membro em causa, que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito a dedução do IVA, não pode ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correta do procedimento de autoliquidação e para assegurar a cobrança do IVA (v., neste sentido, acórdãos Bockemühl, já referido, n.° 50, e de 30 de setembro de 2010, Uszodaépítõ, C-392/09, Colet., p. I-8791, n.° 38).
35 Assim, o Tribunal de Justiça já considerou que, no quadro do regime da autoliquidação, o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, Colet., p. I-3457, n.° 63, e acórdão Uszodaépítõ, já referido, n.° 39).
36 Ora, contrariamente ao que sustenta a Fatorie, as circunstâncias do processo principal divergem das do processo que deu origem ao acórdão Bockemühl, já referido.
37 No processo principal, decorre do pedido de decisão prejudicial que da fatura de 3 de março de 2008 não consta a menção «autoliquidação», contrariamente aos requisitos do artigo 160.°, n.° 3, do Código Tributário, e que a Fatorie não adotou as medidas necessárias, previstas no n.° 5 deste artigo, para regularizar essa falta. Além disso, há que observar que a Fatorie pagou por erro o IVA à Megasal, mencionado indevidamente na referida fatura, quando, nesse regime, devia, enquanto beneficiária dos serviços, ter pago o IVA às autoridades fiscais, em conformidade com o artigo 199.° da Diretiva IVA. Assim, além do facto de a fatura controvertida não cumprir as prescrições formais previstas na legislação nacional, não foi preenchido um requisito substantivo do regime da autoliquidação.
38 Esta situação impediu a Administração Fiscal de controlar a aplicação do regime da autoliquidação, fazendo incorrer o Estado-Membro em causa num risco de perda de receitas fiscais.
39 Além disso, segundo jurisprudência constante, o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.° 13, e de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.° 53).
40 Assim, visto que o IVA pago pela Fatorie à Megasal não era devido e que esse pagamento não preenchia um requisito substantivo do regime da autoliquidação, a Fatorie não pode invocar o direito a dedução desse IVA.
41 A este respeito, a situação de falência da Megasal não é suscetível de pôr em causa a recusa de dedução do IVA imputável ao incumprimento pela Fatorie de obrigações essenciais para efeitos da aplicação do regime da autoliquidação.
42 Todavia, o beneficiário dos serviços que pagou indevidamente o IVA ao prestador dos referidos serviços pode pedir-lhe o reembolso em conformidade com o direito nacional.
43 No que se refere à circunstância de a Administração Fiscal não ter ordenado à Megasal que corrigisse a fatura mal passada, importa notar que o processo principal diz respeito a uma recusa do direito a dedução oposta pela Direcþia à Fatorie e que, para responder às questões suscitadas, não é necessário conhecer de uma eventual obrigação da Administração Fiscal para com terceiros.
44 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira e à terceira questão que, no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, em circunstâncias como as do processo principal, a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário de serviços fique privado do direito a dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.”(Sublinhados nossos)
Decorre assim do ali decidido que não estamos perante um mero formalismo e que o direito à dedução apenas ocorre relativamente a imposto devidos.
Embora não desconheçamos o acórdão em que se ancorou a decisão recorrida, nem os Arestos do TJUE na mesma mencionados, não nos parece que possamos acompanhar o ali decidido. Desde logo, o Acórdão do TJUE (C-392/09, de 30/09/2010) mencionado, relaciona-se com a aplicação da lei no tempo, designadamente por força da revogação da Sexta Diretiva (77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977) pela Diretiva IVA (2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), e este conclui que é necessário que se encontrem demonstrados os requisitos estabelecidos no art. 168º, alínea a) da Directiva IVA, ou seja, que o IVA fosse devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.
Por outro lado, o que aquele Tribunal conclui é que deve prevalecer o princípio da substância sobre a forma, como aliás já havia sido decidido no acórdão Bockemühl, C-90/02, no sentido de mesmo havendo irregularidades nas faturas que titulam o direito à dedução, essa ser possível.
Acresce ainda que a questão colocada em nada se prende com a questão de ser ou não possível deduzir um IVA incorretamente liquidado na fatura por esse IVA ter de ser objecto de liquidação por parte do adquirente dos bens, por força do mecanismo do reverse charge.
Sobre esta questão concreta que nos ocupa nestes autos, a jurisprudência emanada daquele Tribunal vai no sentido de que tal IVA não pode ser considerado como dedutível, desde logo porque o mesmo não era devido e, assim, não preenche os requisitos constantes da al. f) do art. 178º da Diretiva IVA.
Ora, no caso em apreço o IVA deduzido pela Recorrida não era devido aos seus fornecedores de serviços, não obstante tenha sido liquidado. Acresce que, ao que tudo indica, aquele Tribunal considera que apenas será relevante um pagamento que seja devido, pois afirma: “ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.° 13, e de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.° 53).”.
Assim, e aderindo aos fundamentos do Aresto transcrito (de 6 de fevereiro de 2014, tirado no processo de reenvio prejudicial C-424/12), no caso dos autos não seria possível à Recorrida deduzir o IVA constante das faturas da sua fornecedora que indevidamente liquidou IVA em violação do disposto no aludido art. 2º, nº 1, al. j) do CIVA.
Em consequência, ao não ter assim decidido a sentença sob escrutínio enferma de erro de julgamento de Direito, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica.

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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total provimento do recurso, as custas são da responsabilidade da Recorrida, em ambas as instâncias. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação improcedente.

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 21 de novembro de 2024

Cristina Coelho da Silva (relatora)
Ângela Cerdeira
Jorge Cortês