Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:873/17.8BESNT-A
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:AFASTAMENTO COERCIVO
LEI 23/2007
CAUSAS DE NÃO EXPULSÃO
CASAMENTO
(NÃO)RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO
Sumário:I. O casamento não era uma das premissas da lei, in casu, do artigo 135º da Lei 23/2007, na versão à data, para obstar ao afastamento coercivo do território nacional de cidadão estrangeiro em situação irregular.
II. A solução acolhida pelo legislador não contende com o núcleo essencial de um direito fundamental, na medida em que o interesse na instituição família consagrado no artigo 36.º, da CRP, tem de ser compatibilizado com o artigo 33.º, da mesma Lei Fundamental.
III. A expressão “residente de longa duração” é aplicável àqueles que, nos termos do artigo 125º e segs. da Lei n.º 23/2007, possam beneficiar do estatuto de residente de longa duração, designadamente tenham residência legal.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Comum)

I. RELATÓRIO

.... (Recorrente), vem na presente acção administrativa de impugnação da decisão que determinou o afastamento coercivo de território nacional e a interdição de entrada por um período de seis anos, proposta contra o SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (actual AIMA - Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP), interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 29.12.2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, e nos termos da qual a acção foi julgada totalmente improcedente.
Nas Alegações recursivas formulou as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
I. O Recorrente deseja a declaração de nulidade da decisão de 11.04.2016, do Diretor Nacional Adjunto do SEF, que determinou a sua expulsão do território nacional, com a sua interdição de entrada por um período de 06 (SEIS) anos; e a sua inscrição no Sistema de informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de 3 (três) anos.
II. O Recorrente apresentou rol de testemunhas no final da petição inicial, Tendo sido preteridas diligências requeridas pelo arguido (audição de testemunhas arroladas), sem qualquer fundamento, a Sentença Recorrida é nula.
III. A prova testemunhal indicada pelo recorrente era essencial à boa decisão da causa, isto porque, uma das testemunhas indicadas era precisamente a esposa do recorrente.
IV. A expulsão administrativa de estrangeiro que tenha entrado ou permaneça ilegalmente em território nacional, consubstancia-se um processo sancionatório muito próximo do processo penal.
V. Além disso, o Recorrente uma vez submetido a processo de expulsão administrativa goza de todas as garantias de defesa, pelo que tinha o direito de requerer a assistência por advogado defensor aquando da prestação de declarações perante o SEF, o que salvo melhor juízo não foi respeitado pelo recorrido.
VI. O vício de falta de audiência no âmbito deste processo gera a nulidade da Sentença, face ao estatuído nos arts. 32º n.º 10, da CRP, e 161.º, n.º 2, al. d), do CPA.
VII. O Tribunal “a quo” não designou data para inquirição das testemunhas, mas mais grave do que isso, não explicou sequer na sua decisão porque decidiu não ouvir as mesmas, violando assim os artigos 87.º-A, 94º e 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
VIII. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se ferida de nulidade acima indicada.
IX. O ato impugnado estribou-se na alínea a) do nº 1 do artigo 134º da Lei 23/2007, de 04 de Setembro, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto.
X. No presente caso concreto o Recorrente pretende ver declarado o seu direito de residir com sua família em território Português, pois como, provado além de residir há mais de 18 anos em Portugal, esta casado com cidadã portuguesa desde 28/06/2012, ou seja, há mais de 3 (três) anos, sendo a declaração de nulidade do ato administrativo de expulsão, medida que se impõem.
XI. Ora, no presente caso concreto, o Recorrente completou 3 anos de casamento em 28/06/2015, sendo certo que, a decisão de expulsão foi determinada por Ato do Requerido praticado em 11/04/2016.
XII. Adite-se ainda que, em 28/06/2015, o Recorrente não detinha sequer antecedente criminal.
XIII. A cresce que cf. artigos 15.° e 22.º da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto (que “regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional") prevê que o direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos seus familiares, independentemente da nacionalidade, só pode ser restringido por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.
XIV. A nossa lei fundamental estabelece no seu art. 15.º um Princípio de Equiparação do cidadão estrangeiro ao cidadão português, ou seja, prevê os mesmos direitos e os mesmos deveres para cidadãos portugueses e não portugueses, sem prejuízo das exceções indicadas no n.º 2 do mesmo artigo.
XV. No caso em apreço, estamos perante um cidadão não português, casado com uma cidadã portuguesa, que se encontra a residir em território português há pelo menos 18 anos, pelo que, é-lhe extensível todo o regime de direitos fundamentais previstos na CRP, em especial o Artigo 36, n. 1 da CRP.
XVI. Resulta da Constituição da República Portuguesa que não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional (artigo 33.º, n.º 1), sendo certo que, o Recorrente já tem como adquirido o direito de aquisição de nacionalidade portuguesa nos termos do art.º 3.º, n.º1, da Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro.
XVII. No caso dos residentes de longa duração, a Lei de Estrangeiros prevê uma proteção. Pelo que, a decisão de expulsão só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, o que salvo melhor juízo, não é o caso.
XVIII. Isto significa que, ao ter sido baseada a decisão de «afastamento coercivo» na dita alínea a), e só nela, a execução deste afastamento coercivo estava sujeita à análise dos elementos contidos nas alíneas “a” a “d” do n.º 2, do artigo 136º que acima transcrevemos.
XIX. Com esta proteção ao afastamento coercivo e à expulsão, pretende o legislador conciliar «a legítima autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social do Estado» com os direitos, liberdades e garantias pessoais, pois que o Estado de direito não pode deixar de fundar-se no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.
XX. É assim que na base dessa limitação está a «proteção da família», enquanto «elemento fundamental da sociedade», [artigos 26.º, n.º 1, 36º, n.º 1, 2 e 3, e 67.º, n.º1, da CRP].
XXI. A proteção da família significa desde logo, e em primeiro lugar, a «proteção da unidade familiar», sendo que a manifestação mais relevante desta ideia é «o direito à convivência», ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos.
XXII. Este direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos não é só um direito dos residentes, mas também dos estrangeiros que se encontrem em Portugal em relação ao cônjuge português, e vice-versa, não podendo deixar de se impor esta interpretação por via dos princípios da «equiparação» e da «igualdade» [artigos 13º e 15º da CRP].
XXIII. Compreende-se, pois, que a nossa Lei Fundamental garanta ao Recorrente o direito a não ser separado de sua esposa cidadã portuguesa. [artigo 36º, nº 1, 2 e 3 da CRP].
XXIV. Este direito subjetivo do Recorrente a não ser separado de sua esposa, mas também da esposa do Recorrente não ser privada do seu marido, arvora-se, pois, como manifestação da proteção constitucional dada à «família», [artigo 67º da CRP], e perfila-se, em sede do artigo 36º, nº 1, 2 e 3, da CRP, como direito fundamental pessoal, que é diretamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas, devendo a respetiva restrição legal limitar-se “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” [ver artigo 18º da CRP].
XXV. É a esta luz que deverá ser interpretada e aplicada a norma limitativa que se encontra consagrada na alínea a), do nº1, do artigo 135º do “Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”.
XXVI. Pretende conciliar as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento ao afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional com o interesse na conservação da unidade familiar.
XXVII. À entidade pública, judicial ou administrativa, que se depare com uma situação concreta deste género, em sede de procedimento administrativo para afastamento coercivo, cumprirá ter em atenção a garantia fundamental consagrada no artigo 36º, nº6, da CRP, e pretende, além disso, transpor para a ordem jurídica interna o artigo 5º, b) da Diretiva nº2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.12.2008, que manda os Estados-Membros ter na devida conta, ao legislar sobre normas e procedimentos relativos ao regresso de nacionais de países terceiros em «situação irregular» e a «vida familiar».
XXVIII. De acordo com a citada Diretiva, no n.º 6 da exposição de motivos, considerou-se que os Estados-Membros de acordo com os princípios gerais do direito comunitário, as decisões ao abrigo da presente diretiva deverão ser tomadas caso a caso e ter em conta critérios objetivos, sendo que a análise não se deverá limitar ao mero facto da permanência irregular.
XXIX. Foi exatamente isso que ocorreu no presente caso, o cidadão marroquino, casado com um cidadã portuguesa desde o ano de 2012, e residente em Portugal desde o ano de 1998, se verá obrigado a regressar para um País com o qual não mais se identifica, e com o qual não mais mantem contato há mais de 20 anos.
XXX. Além disso, é uma Garantia do Recorrente prevista no artigo 14.º da Diretiva nº2008/115/CE, “A manutenção da unidade familiar com os membros da família presentes no seu território”, não fazendo sentido que o Recorrente seja expulso do território português, se a sua unidade familiar é composta por cidadã portuguesa, residente em Portugal desde o ano de 2012.
XXXI. No caso concreto, os danos que provavelmente resultarão do efetivo «afastamento coercivo» do recorrente do território nacional, e que a experiência da vida e o senso comum consubstancia em danos para o «agregado familiar do recorrente», privado da protegida «convivência familiar», com o que isso significa de prejuízo para a «unidade familiar».
XXXII. O Artigo 99.º da Lei de Estrangeiros, consagra as pessoas, para efeito de reagrupamento familiar, e o Recorrente é uma dessas pessoas.
XXXIII. Portanto, não pode basear-se meramente na única razão invocada pelo SEF (situação irregular em território nacional). Este fator não constitui fundamento para expulsão, ainda mais quando o estrangeiro é casado e reside com cidadã portuguesa.
XXXIV. Com efeito, ele estabelece proibições à aplicação da medida de expulsão, no respeito pela Constituição, pelo Tribunal Constitucional, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e pelo art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XXXV. A decisão de expulsão de 11.04.2016, não só se afigura ilegal como é também inconstitucional.
XXXVI. Nos presentes autos, resta clara a viabilidade do pedido de declaração de nulidade de ato administrativo datado de 11/04/2016 do Diretor Nacional Adjunto do SEF, que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional, fundamentado apenas no fato do Requerente se encontrar em situação irregular no território nacional, quando este comprova que está casado com cidadã portuguesa há mais de 3 anos.
XXXVII. Esclarece o Requerente que o Ato administrativo impugnado, viola direito reconhecido ao Autor de adquirir a nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3.º, n.º1 da lei n.º 37/81, de 03.10, na versão atualizada da Lei da Nacionalidade;
XXXVIII. Conforme se constata, o Recorrente pretende ver declarado nulo o Ato Administrativo impugnado, e com base no seu casamento com cidadã nacional Portuguesa e, por esta via, ser autorizado a sua residência e reconhecido que tem direito a nacionalidade portuguesa nos termos da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro, com as sucessivas atualizações que lhe foram introduzidas).
XXXIX. Assim, o Requerente manifesta desde já a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa nos termos do art.º 3.º, n.º1, da Lei da Nacionalidade.
XL. Aos 23/02/2015 foi indeferido um pedido de concessão de Cartão de Residência, ao abrigo do artigo 15.º da Lei 37/2006, mesmo diante da informação de que o Requerente era casado com cidadã Portuguesa desde 28/06/2012.
XLI. Nos termos do n.º 1 do art.º 15.º da Lei n.º 37/2006, de 09 de agosto, “os familiares do cidadão da União nacionais de Estado terceiro cuja estada no território nacional se prolongue por período superior a três meses devem solicitar a emissão de um cartão de residência, de acordo com modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.”
XLII. Por sua vez, o n.º 2 do referido preceito, “o pedido do cartão de residência a que se refere o número anterior é efetuado junto da direção ou delegação regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da área da residência, no prazo de 30 dias após decorridos três meses da entrada no território nacional.”
XLIII. Pois bem, dos autos resulta que o Requerente solicitou a emissão de cartão de residência à Entidade Requerida, ao abrigo do disposto no art.º 15.º da Lei n.º 37/2006, ao qual foi indeferido em 23/02/2015 por não se encontrarem reunidos os requisitos necessários.
XLIV. Todavia, a época dos fatos e atualmente, o Requerente cumpria os requisitos do n.º 4, do referido preceito não havendo justificativa válida, para a não emissão de cartão de residência, enquanto o processo de aquisição de nacionalidade não é concluído, e tais fatos não foram sequer analisados pela Sentença recorrida.
XLV. Saliente-se que, o disposto no art.º 2.º, al. “e)” “i)” da Lei n.º 37/2006, define que: “Para os efeitos da presente lei, entende-se por: e) 'Familiar': i) O cônjuge de um cidadão da União”.
XLVI. Por sua vez, art.º 3.º, n.º 1 a 3 da Lei n.º 37/2006 estabelece que: “A presente lei aplica-se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam em Portugal, bem como aos seus familiares, na acepção da alínea e) do artigo anterior, que os acompanhem ou que a eles se reúnam, e a decisão relativa à entrada e residência das pessoas abrangidas pelo número anterior só pode ser tomada após análise de todas as circunstâncias pessoais relevantes, devendo ser fundamentada qualquer recusa de entrada ou de concessão de autorização de residência.
XLVII. Sendo assim, o despacho do Senhor Diretor Nacional do SEF é nulo, nos termos da alínea d) e i) do n.º 2, do art.º 161º do CPA, por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja o de residir em território Português com a sua esposa, cidadã portuguesa.
XLVIII. Nulo por não valorar a decisão do Tribunal Judicial de Setúbal (vide n.º 17 da presente) que expressamente reconheceu que a aplicação de uma pena, representaria um excesso sancionatório que deve ser preterido, dado a pena se revelar injustificada, não sujeitando os arguidos à aplicação de pena acessória de expulsão. XLIX. O Afastamento coercivo do Requerente do território português inelutavelmente destruirá a sua relação familiar com sua esposa, que é cidadã portuguesa.
L. Nem, foi cumprido o estatuído nos art.°s 149º e 150º da Lei n° 23/2007 de 04/07, porquanto, não consta da mesma, qual o prazo, bem como a possibilidade de recorrer aos processos urgentes ou com efeito suspensivo, previstos na lei processual administrativa, limitando-se a notificação a informar ao Autor da possibilidade de a decisão ser impugnada judicialmente, devendo ser declarada a nulidade do Ato objeto da presente também por esta razão”.
Nestes termos, deverá a Sentença recorrida ser revogada em conformidade, conhecendo-se
os vícios de falta de fundamentação da Sentença, quanto a não realização da Audiência para produção da prova testemunhal requerida na inicial, bem como a declaração de nulidade do Ato
impugnado de 11.04.2016, proferido pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, que determinou a sua expulsão do território nacional, com todas as legais consequências.
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A Entidade Demandada, ora Recorrida, apesar de regularmente notificada para o efeito não contra-alegou.
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O DMMP notificado nos termos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) emitiu pronúncia, no sentido da improcedência do recurso.

Notificadas as partes, nada disseram.

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Com dispensa dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão

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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões do Recorrente extrai-se que, no essencial, importa aferir se o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito, bem como se cometeu nulidade processual por não terem sido ouvidas as testemunhas indicadas na p.i..

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II. Fundamentação

O Tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto relevante para a decisão:

A) O Autor é cidadão nacional do Reino de Marrocos, nascido em 10-07- 1970 (cfr. passaporte junto a fls. 17); B) Em 28-06-2012, o Autor casou com .... (cfr. Certidão da Conservatória de Arruda dos Vinhos em 28-06-2012, junta a fls. 18);
C) O Autor não tem título legal para permanência em Portugal (cfr. Decisão de afastamento coercivo a fls. 24 verso e Notificação da decisão de afastamento coercivo, a fls. 22);
D) Por Acórdão do Tribunal Judicial de Setúbal, Instância Central, Secção Criminal, J4, o Autor foi condenado numa pena única de quatro anos de prisão, pela prática de 3 (três) crimes de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, 2 e 4 do Código Penal e pela prática de 2 (dois) crimes de burla informática, p. e p. pelos artigos 221.º, n.º 1 do Código Penal (cfr. fls. 26-135);
E) No Acórdão referido na alínea anterior foi referido, a propósito da aplicação da pena acessória de expulsão, designadamente o seguinte «(…) sempre se concluiria que para os arguidos Hamdane e Said, como para os demais, a aplicação dessa pena, representaria um excesso sancionatório que deve ser preterido, dado a pena se revelar injustificada, não sujeitando os arguidos à aplicação de pena acessória de expulsão»;
F) O Autor encontra-se a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Sintra (por acordo);
G) A 11.04.2016 foi proferida decisão de afastamento coercivo do Autor pelo Director Nacional Adjunto do SEF, a qual teve o teor seguinte: «(…)
“(texto integral no original; imagem)”
»; (fls. 25 verso);

H) A decisão mencionada na alínea anterior remeteu para os fundamentos vertidos no Relatório de fls. 23 verso-26, cujo teor se dá por reproduzido e no qual se referiu, designadamente que: «(…)

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”





“(texto integral no original; imagem)”

» (fls. 22 verso-24 dos autos);
I) O Autor foi notificado da decisão mencionada em G) o 18.11.2016 (fls. 22);

K) A petição inicial foi apresentada neste TAF a 22.09.2017 (fls. 3);

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II.2 - De Direito

Cumpre decidir, conforme delimitado em I.1.
Antecipamos, desde já, que o presente recurso terá de soçobrar.

i) Da nulidade da sentença

Vem o Recorrente invocar que na petição inicial indicou testemunhas, embora tenha indicado apenas a sua esposa.
Diz também que tal prova seria essencial à boa decisão da causa. Todavia não indica quais os factos que pretendia provar com tal prova testemunhal.

Acontece que, o assim alegado jamais configuraria nulidade da sentença (que o Recorrente, aliás, não tipifica), cujos fundamentos se encontram previstos no artigo 615º, nº 1 do CPC, o qual estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)
Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Em todo o caso, ainda que o alegado pelo Recorrente não constitua uma impugnação do julgamento de facto, no sentido típico, sempre se poderia entender que a matéria de facto provada e não provada estaria incompleta, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso.

Sucede que, o Recorrente, não obstante alegue que o tribunal a quo deveria ter “ouvido” a testemunha, o certo é que incumpriu o ónus previsto no artigo 640º, nº 1 do CPC, não indicando quais os concretos factos que com tal prova visava provar.

Invoca ainda a violação dos artigos 87º- A, 94º e 118º do CPTA sem que o justifique de que forma a decisão recorrida contende com tais preceitos, sendo que o artigo 87º-A se destina às condições e fins para realização de audiência prévia; o artigo 94º rege sobre qual o conteúdo da sentença e, por último, o artigo 118º diz respeito ao processo cautelar que não é o caso.

Pelo que é evidente que, nesta parte, improcede a alegação recursiva.


ii) Do mérito

Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação do despacho proferido pelo Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 11 Abril 2016, segundo o qual, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 134.º da Lei n.º 23/2007 (na versão à data) foi determinado o afastamento coercivo do Recorrente/Autor, bem como a interdição de entrar em Portugal durante o período de seis anos, e a sua inscrição no Sistema de informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de 3 (três) anos.

A questão identificada nas Conclusões V e VI – direito a ser assistido por advogado durante a prestação de declarações é matéria nova. Com efeito, compulsada a petição inicial verifica-se que a mesma é omissa a respeito de tal “direito”, o que se traduz, em rigor, em questão nova, que não é conhecimento oficioso.
Na verdade, não cabe a este Tribunal de apelação conhecer de matéria não submetida pelas partes à apreciação da 1.ª instância, nem sindicada pelo Tribunal a quo.
Constitui entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação pela decisão recorrida exceto se forem do conhecimento oficioso do tribunal (neste sentido, vejam-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-02-2022, proferido no processo n.º 2481/12.0BELS e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03-02-2022, proferido no processo n.º 661/21.7BELSB, publicados em www.dgsi.pt, assim como a demais jurisprudência citada no presente acórdão).
Sendo matéria nova em sede recursiva e não sendo de conhecimento oficioso é evidente que a mesma não pode ser considerada/conhecida por este Tribunal ad quem.
Prosseguindo;
A protecção contra a expulsão aplicada a estrangeiros encontra-se prevista na Constituição Portuguesa, no artigo 33º, nº 2. O conteúdo dessa protecção é, no entanto, muito limitado. Apenas se estabelece a necessidade de a decisão de expulsão de estrangeiros ser determinada por autoridade judicial e se cria para o legislador o dever de criar formas expeditas de decisão para estes processos.

Mais limitado é ainda o âmbito pessoal de aplicação desta garantia, porque não se destina a todos os estrangeiros que se encontram em Portugal, mas só a quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, a quem tenha obtido autorização de residência ou a quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado. Já para os estrangeiros que se encontrem em situação irregular, tendo entrado ou permanecido ilegalmente no território português, a Constituição implicitamente reconhece que é diferente a situação jurídica destes e, por isso, admite a possibilidade de haver medidas coercivas de expulsão determinadas por autoridades administrativas, executadas sem necessário controlo judicial prévio (cfr. arts 140º, nº 1 e 145º da Lei nº 23/2007) – vide JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, p. 530 e segs., 4ª edição, embora com referência ao regime legal precedente.

Para mais o artigo 33.º da CRP, consagra os princípios relativos à expulsão, extradição e direito de asilo, sendo certo que destina à lei ordinária a especificação e densificação da norma constitucional.
A este respeito, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira – in obra citada, pág. 531 - que «(…) não só não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal – direito de imigração -, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos. Os direitos dos estrangeiros são, portanto, apenas o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos”.

Neste conspecto, estabelece o artigo 145º da Lei nº 23/2007- que aprovou o Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional - na redacção que lhe foi dada com a Lei n.º29/2012, de 09 de Agosto, fruto da transposição da Directiva 2008/115/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, comumente apelidada de Directiva “Retorno”- , que a expulsão (administrativa) só pode ser determinada por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional, designadamente com fundamento no artigo 134º da Lei nº 23/2007 (então em vigor), o qual estipulava, sob a epígrafe Fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, o seguinte:

1- Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro:

a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português;
b) …
c) Cuja presença ou atividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais;
(…)
f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia;
(…)
2- O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido”.

Sob a epígrafe “Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsãoestabelecia o artigo 135.º. da Lei n.º 23/2007, que:
Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do no 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente”.

Da norma supra transcrita se conclui que o argumento invocado pelo Recorrente, de ser casado com uma cidadã portuguesa, não se subsume nos aludidas causas de não afastamento ou de expulsão.
E nem se diga, que está em causa a ofensa ao núcleo essencial de um direito fundamental, na medida em que o interesse na instituição família consagrado no artigo 36.º, da CRP, tem de ser compatibilizado com o artigo 33.º, da mesma CRP, e com este artigo 135.º, da Lei 23/2007, na redacção dada pela Lei 29/2012.
De facto, encontra-se na Constituição da República Portuguesa, um catálogo de direitos fundamentais respeitantes à figura da família, que enformam um núcleo de protecção constitucional sério e autonomizável, em relação aos demais direitos sociais, que engloba a protecção do direito à maternidade e paternidade, como garante da célula essencial da sociedade – a família.
Tal consagração significa a eleição de um conjunto de direitos advenientes desse mesmo princípio da protecção da família, como valores fundamentais, e bem assim, alvo de uma especial protecção constitucional, previsto nos artigos 36.º, 59.º, 67.º e 68.º da CRP.
E exactamente no respeito mais ínfimo por esse mesmo princípio fundamental da protecção à família, bem como os seus corolários, que o legislador, na feitura das leis, como foi o caso da Lei n.º 23/2007, de 04/07, alterada e republicada pela Lei 29/2012, de 09/08, e outras anteriores, já embutiu nas suas normas a consagração desses princípios.
Contudo, o legislador estabeleceu também os requisitos mínimos entendidos por adequados, para a entrada, permanência e afastamento de cidadãos de outros Estados, no seu território, buscando o equilíbrio harmónico entre as situações que merecem o seu acolhimento e as situações que reclamam a necessidade de protecção de outros valores e dos bens jurídicos fundamentais, também esses tutelados pelo Estado português, assim protegendo também os direitos dos seus cidadãos e a sã convivência da sociedade.
Pelo que também aqui falece de razão.
Invoca, ainda, o artigo 136º da mesma Lei, sob a epígrafe “Proteção do residente de longa duração em Portugal”, diz que:
1 - A decisão de expulsão judicial de um residente de longa duração só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, não devendo basear-se em razões económicas.
2 - Antes de ser tomada uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, são tidos em consideração os seguintes elementos:
a) A duração da residência no território;
b) A idade da pessoa em questão;
c) As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;
d) Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

Pelo que, segundo a sua versão, o Recorrente preenche as citadas alíneas a) a d) do artigo 136º, ao pretender manter a sua família (esposa) e por residir há mais de 18 anos em Portugal.
Sucede que, como resulta do probatório “o Autor não tem título legal para permanência em Portugal” alínea C) dos factos provados – factualidade que não foi afastada no presente recurso.
Ora, a expressão “residente de longa duração” é aplicável àqueles que nos termos do artigo 125º e segs. da Lei n.º 23/2007 possam beneficiar do estatuto de residente de longa duração, designadamente tenham residência legal (vide artigo 126º, nº 1, al. a). Tal como decidido no Acórdão deste TCA Sul, de 19-05-2016, Proc. nº 13099/16:
“Com efeito, quanto à invocação do recorrente de deve ser considerado como “residente de longa duração”, não lhe assiste qualquer razão, uma vez que o mesmo se encontrava há vários anos ilegal em território nacional – mais concretamente, desde Outubro de 2008 –, o que, desde logo, constitui fundamento para a sua expulsão, como expressamente decorre do disposto no artigo 134º, nº 1, alínea a) da Lei nº 29/2012, de 9 Agosto, aliás o único fundamento invocado no acto impugnado”.
Daí que, não podendo o Recorrente ser considerado residente de longa duração para efeitos do disposto no artigo 136º da Lei nº 23/2007, concomitantemente não podia beneficiar de qualquer das medidas de protecção previstas naquele preceito legal.
Na parte relativa à família, destaca-se que das declarações prestadas por sua esposa (à data), no âmbito do procedimento de afastamento coercivo referiu “que desconhece o seu paradeiro”, que desde 2014 “nunca mais o viu”, que é sua intenção iniciar o processo de divórcio (vide ponto H) do probatório). O que significa que nem no casamento tem uma relação estável e duradoura como pretende dar a entender.
Em todo o caso, o casamento não era uma das premissas da lei, in casu, o artigo 135º da Lei 23/2007, à data, para obstar ao afastamento coercivo do território nacional, tal como se decidiu na sentença recorrida.

No mais alegado pelo Recorrente, designadamente no que concerne ao cartão de residência de familiar de cidadão da União Europeia nacional de Estado terceiro (artigo 15º da Lei 37/2006, de 09.08, então em vigor) e aos direitos daí derivados, trata-se de um outro procedimento (vide nº 2 do mesmo preceito), e, correlativamente, à margem da presente decisão impugnada.
Em todo o caso, tal pedido foi indeferido em 23.02.2015, já depois de ter casado com a cidadã portuguesa (vide arts. 47º e 50º da p.i.) e não consta que o Recorrente tivesse impugnado em tempo e no meio processual próprios. O que significa que tal acto se consolidou na ordem jurídica não podendo (nem tendo sido) ser “afastado” na presente acção, sendo portanto inócuos para os presentes efeitos os “imputados” vícios daquela decisão de indeferimento.

De igual modo, como se alude na sentença recorrida:
“ (…)Improcede também a alegação do Requerente a respeito da alegada violação do disposto no art. 30º/1 e 4 da CRP que determina a perda de direitos civis por efeito necessário da pena, pois que está em causa nos autos uma decisão tomada no exercício da função administrativa do Estado cujos pressupostos assentam, também, na existência de condenações penais. Não obstante e sem prejuízo da natureza sancionatória da decisão de expulsão, esta não constitui efeito necessário da condenação penal nem constitui uma extensão daquela, de forma a determinar a sua perpetuação nos termos invocados. Acresce que no caso dos autos e como ficou já referido, a decisão que determinou a expulsão do autor não teve por fundamento a existência de condenações penais mas a permanência irregular em território nacional. (…)”.

Por último, na conclusão L), argui o Recorrente que “Nem, foi cumprido o estatuído nos art.°s 149º e 150 º da Lei n° 23/2007 de 04/07, porquanto, não consta da mesma, qual o prazo, bem como a possibilidade de recorrer aos processos urgentes ou com efeito suspensivo”. Tal argumentação é perfeitamente irrelevante quando o Recorrente/interessado intentou a presente acção em tempo, formulou também pedido cautelar de suspensão de eficácia do acto ora impugnado (cujo processo se encontra apenso à presente acção) o qual foi indeferido, quer em 1ª instância, como na 2ª instância.
Face a todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, têm-se por não aplicáveis os limites ao afastamento coercivo previstos nos artigos 135.º e 136º da Lei n.º 23/2007, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 29/2012, pelo que improcede a alegada violação de lei, bem como a ofensa a qualquer direito fundamental, maxime o da protecção da família.
Donde, de acordo com a citada jurisprudência, e tal como se decidiu na sentença recorrida, inexistem no caso em apreço quaisquer elementos que impunham uma decisão diferente daquela que foi proferida em 11.04.2016, pelo (então) Director Nacional Adjunto do SEF, que determinou a expulsão do Recorrente do território nacional, com a sua interdição de entrada por um período de 06 (seis) anos; e a sua inscrição no Sistema de informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de 3 (três) anos.

O que conduz ao não provimento do recurso, como se decidirá a final.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
R.N.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025

Ana Cristina Lameira (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite (em substituição da 1ª adjunta)

Alda Nunes