| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL
I. RELATÓRIO
1. A..., melhor identificado nos autos, apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF/demandada), um recurso visando a impugnação do acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada, em 29 de Novembro de 2022, no âmbito do processo disciplinar nº ......./23, que o condenou, pela prática da infracção disciplinar p.e p., pelo artigo 130º, nº 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), na sanção de suspensão (30 dias) e acessoriamente na sanção de multa no montante de € 3.570,00.
2. O TAD, por acórdão arbitral datado de 21-3-2023, decidiu por maioria julgar procedente o pedido de impugnação e, em consequência, revogou o acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF.
3. Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual peticionou a revogação do acórdão arbitral proferido pelo TAD.
4. O recorrido apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção do acórdão arbitral recorrido.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
6. Em 22-8-2023 foi proferida decisão sumária pela então relatora, a (i) conceder provimento ao recurso da recorrente/FPF e a (ii) revogar o acórdão do TAD, objecto de recorrido, mantendo a sanção disciplinar que foi aplicada ao recorrido pelo Conselho de Disciplina da FPF através do acórdão de 29-11-2022.
7. Por requerimento apresentado em 4-9-2023, ainda antes do trânsito em julgado da decisão sumária proferida nos autos, o impugnante/recorrido, sob a invocação de que a infracção disciplinar que lhe foi imputada nestes autos foi objecto de amnistia, nos termos do artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio requerer que a mesma lhe fosse aplicada, com as demais consequências legais (cfr. fls. 258 dos autos/SITAF).
8. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.
II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
9. Face ao teor do requerimento de fls. 258, há que determinar se os efeitos jurídicos da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), mais concretamente do seu artigo 6º, são susceptíveis de se projectar no presente processo e, na afirmativa, em que termos.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
10. Considerando a matéria de facto dada como assente pelo acórdão arbitral do TAD, e não se vislumbrando necessária a respectiva alteração, ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 6 do CPCivil, dá-se por integralmente reproduzida a matéria de facto daquele constante.
B – DE DIREITO
11. Como decorre dos autos, o aqui recorrido apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto contra a Federação Portuguesa de Futebol um recurso visando a impugnação do acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em 29-11-2022, no âmbito do processo disciplinar nº ......./23, que lhe aplicou, pela prática da infracção disciplinar p. e p., pelo artigo 130º, nº 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), cometida em 6-10-2022, a sanção de suspensão por um período de trinta (30) dias e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de € 3.570,00.
12. Como é do conhecimento geral, no dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), cujo artigo 6º tem o seguinte teor:
“São amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar mais concretamente do seu artigo 6º”.
13. No caso dos autos, no processo disciplinar em que foi arguido o aqui recorrido, foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de suspensão pelo período de trinta (30) dias e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de € 3.570,00, pela prática da infracção disciplinar p. e p., pelo artigo 130º, nº 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), cometida em 6-10-2022, pelo que a dita infracção disciplinar se encontra amnistiada, uma vez que quer a pena principal, quer a pena acessória estão contidas na previsão do artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia).
14. Com efeito, a amnistia da infracção disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação do arguido, refere-se à própria infracção e faz extinguir o procedimento disciplinar. Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.
15. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infracção disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroactiva da infracção disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do visado.
16. E, finalmente, a conduta objecto de punição disciplinar pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, ainda que constituísse a prática de crime, nomeadamente, de difamação, não consta do elenco taxativo dos ilícitos criminais não amnistiáveis, constante do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, pelo que nada há a obstar à aplicação da medida de clemência prevista naquela lei.
17. Ora, constituindo o objecto do presente recurso o acórdão arbitral do TAD que, ainda que tenha concedido provimento à impugnação deduzida pelo ora recorrido e tenha revogado o acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, o mesmo pronunciou-se sobre uma infracção disciplinar cometida em 6-10-2022, e que foi punida com uma pena de suspensão pelo período de trinta (30) dias e, acessoriamente, com a sanção de multa no montante de € 3.570,00, pelo que, com o “desaparecimento” da aludida infracção disciplinar, “ex vi” artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, caiu também o acto punitivo que sancionou o recorrido, tornando impossível o prosseguimento da presente lide, por aquele acto punitivo ter deixado de ter existência jurídica.
18. E, sendo assim, resta declarar amnistiada a infracção pela qual o arguido e aqui recorrido foi sancionado e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
IV. DECISÃO
19. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul, em declarar amnistiada a infracção disciplinar sancionada pelo acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que aplicou ao aqui recorrido a sanção disciplinar de suspensão pelo período de trinta (30) dias e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de € 3.570,00, pela prática da infracção disciplinar p. e p., pelo artigo 130º, nº 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), por factos cometidos em 6-10-2022 e, em consequência, julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
20. Custas por recorrente e recorrido, em partes iguais (artigo 536º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPCivil).
Lisboa, 26 de Outubro de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Pedro Figueiredo – 1º adjunto)
(Frederico Macedo Branco – 2º adjunto) |