Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:75/23.4 BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
CONHECIMENTO DE CAUSAS DE INVALIDADE DIVERSAS DAS ALEGADAS
CUMPRIMENTO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - É evidente o impacto na subsistência do requerente que deixa de auferir qualquer retribuição, antevendo-se a grande dificuldade na satisfação das suas necessidades, que permite configurar o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.
II - Caso se admita a aplicação do artigo 95.º, n.º 3, do CPTA, às providências cautelares, afigura-se imperativo o cumprimento do contraditório, permitindo às partes que se pronunciem sobre a questão, tanto mais quando se trata de decisão que não é expectável e sendo clara a suscetibilidade de controvérsia da solução encontrada.
III - Trata-se de omissão suscetível de influir na decisão da causa, uma vez que a pronúncia das partes sobre o vício em questão permitiria equacionar uma distinta decisão do tribunal, nulidade processual que implica a anulação dos termos posteriores à formalidade omitida que dela dependam absolutamente, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
D......... instaurou providência cautelar contra o Município de Loulé, visando a suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Loulé de 23/01/2023, que determinou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, ao abrigo do regime disciplinar aplicável aos trabalhadores em funções públicas, regulado pelos artigos 76.º e 176.º a 240.º da LTFP, mais requerendo que seja revista a sanção disciplinar a aplicar ao trabalhador, cujo procedimento deverá ficar suspenso até ser proferido uma sentença no processo crime que está a decorrer no Tribunal de Loulé.
Por sentença datada de 15/05/2023, o TAF de Loulé decidiu suspender a eficácia da decisão de aplicação ao requerente da sanção de despedimento disciplinar.
Inconformado, o requerido interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“I - No âmbito da Douta Sentença Recorrida, com interesse para o presente recurso, o Recorrente aceita a quase globalidade do julgamento e decisão da matéria de facto, com excepção dos factos levados aos Pontos m) e n). Ponto m) que, na falta de alegação e suporte documental idóneo, devendo, ser retirado dos factos -…que a remuneração mensal do recorrido era o seu único sustento, até porque as regras da experiência atestam que, normalmente, em pessoas com a idade do Recorrido, tal não acontece, desconhecendo-se se o Recorrente tem património imobiliário, contas bancárias, se vive em casa própria ou arrendada, se paga água e electricidade.
II - Quanto factualidade dada como provada sob o Ponto n), conforme resulta do documento de suporte estamos perante notificação ao Recorrido para o exercício do direito de audiência prévio, desconhecendo-se se o Recorrido exerceu esse direito, daí que ainda que o Tribunal considere relevante a factualidade em causa, entende-se que deverá ser aditada ou complementada que a comunicação identificada no Ponto n) foi para exercício do direito de audiência previa.
III - Perante o entendimento perfilhado ( cfr. Págs. 54 a 57 da sentença recorrida ), causa alguma perplexidade e surpresa que o Tribunal, depois, tenha considerado verificados a totalidade dos requisitos ou pressupostos de que depende(ia) a procedência do procedimento cautelar, o que, salvo o devido respeito, não pode manter-se.
IV – Na verdade, na ausência de alegação e/ou de fundamentação idónea, jamais o Tribunal poderia concluir, como concluiu, que a remuneração mensal do Recorrido constitui(a) o seu único provento, até porque, as regras da experiência, dizem-nos que assim não será, normalmente, em pessoas com a idade do Recorrido.
V – Acresce que, pelas razões ( já ) supra elencadas, nem todos os rendimentos estão sujeitos à declaração de IRS, daí que é inquestionável o erro de julgamento de que enferma a douta sentença, a que acresce o facto do Recorrido se abster da alegação de quaisquer despesas, daí que, a simples alegação de que deixa de auferir a remuneração mensal ( admitir ), só por si, não permite que se conclua, como fez a douta sentença recorrida, pela verificação do pressuposto do periculum in mora, na vertente dos prejuízos de difícil reparação.
VI – Quanto ao requisito do fumus boni iuris, também, não pode concordar-se com o entendimento perfilhado na sentença recorrida, importando sublinhar que o Recorrido nada alegou quanto a esta questão, tendo o Tribunal, por sua iniciativa, oficiosamente, conhecido de tal matéria, ao entender que “…… pode ainda assim considerar-se, quando lido atentamente o requerimento cautelar, que a alegação do requerente suscita, para além dos vícios expressamente identificados, outras causas de invalidade do acto administrativo que, embora não tenham sido autonomizadas e devidamente qualificadas, devem ser conhecidas e apreciadas (e que, de qualquer forma, poderiam sempre ser identificadas pelo tribunal no processo principal, nos termos e ao abrigo do artigo 95.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
VII - Ainda que se admita, por hipótese, que o Tribunal, ainda assim, pudesse conhecer, oficiosa e unilateralmente, desta matéria, deveria ter procedido à notificação das partes para alegações complementares, nos termos previstos no art. 95º nº 3 do CPTA.
VIII – Sem conceder, assinale-se que em matéria de nulidades, só a nulidade resultante da falta de audiência do trabalhador em artigos da acusação, é insuprível, conforme decorre do artigo 203º nº 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, acrescendo que, analisado o Requerimento Inicial, não se alcança indício ou vislumbre que o Recorrido não aceite a materialidade que fundamentou o seu despedimento, daí que estava vedado ao Tribunal, oficiosamente e por sua iniciativa, ficcionar a arguição de nulidades.
IX – Aliás, resulta do processo instrutor que, foi, oportunamente, deduzida acusação contra o Recorrido, que inclui a factualidade atinente à utilização de linguagem grosseira e pontapé e arrombamento da porta. Recorrido que, representado por Advogado(a), apresentou defesa escrita, daí que, ainda que se admita, que os factos reportados à utilização de linguagem grosseira e arrombamento da porta não constassem da participação da GNR, e, consequentemente, no despacho de instauração, nada impede(ia) que, após instrução, a Sra. Instrutora nomeada deduzisse acusação pela sua prática, observado, naturalmente, o direito de defesa do arguido.
X – Por último quanto à questão do requisito do fumus boni iuris, ainda que se admitisse a posição vertida na sentença recorrida, verificada a invalidade parcial do procedimento disciplinar, daí não decorre, necessariamente, a sua invalidade total, pois a única consequência a daí retirar é ( seria ) a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo do fundamento para a cessação do vinculo de emprego publico, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 297º da LGTFP, importando sublinhar que qualquer umas das restantes infrações, isoladamente, constitui fundamento de despedimento.
XI - No âmbito do processo disciplinar, ( cfr. Ponto 25 das Circunstâncias dirimentes, atenuantes ou agravantes ), entendeu a Sra. Instrutora que, Considera-se, igualmente, aplicável ao trabalhador a agravante que consiste na produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, se aplica à conduta do trabalhador. ( cfr. Ponto j) dos factos provados ), daí que, atenta a natureza e gravidade dos factos provados, manter o Recorrido em funções é, com o devido respeito, lesivo do interesse publico, mantendo-se o alegado nos artigos 174º a 177º da Oposição.
XII – Aliás, tendo o Tribunal recusado a produção de prova e assumido na douta sentença que estavam reunidas as condições para conhecer do pedido, não encontramos fundamento para que, ao arrepio da prova recolhida no âmbito do procedimento disciplinar, elaborado e instruído de forma exemplar, retire conclusões contrárias à margem de produção de prova adicional, sendo evidente o défice instrutório para suportar o juízo de verificação dos requisitos previtos no art. 120º do CPTA.”

O requerente apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. Não assiste razão ao recorrente, e na douta sentença “ a quo” estão verificados os critério do “periculum in mora “,do “ famus boni iuris” . critério da ponderação do interesses.
2. A matéria de facto apurada e a apreciação da prova foi feita de acordo com os critérios do art.º 120 do CPTA, devendo manter-se ainda os factos dados como provados nos pontos m) e n), por haver em todo o processo documentos suficientes para fazer prova do ali alancado e dado como provado..
3. Assim, bem andou o Tribunal “ a quo “ ao suspender a eficácia do ato administrativo que veio”

O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em síntese:
- não vir invocada a nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
- não procederem os invocados erros de julgamento imputados à decisão quanto à matéria de facto nos pontos m) e n);
- não merecer qualquer censura a fundamentação do Tribunal a quo, à qual adere por inteiro;
- não ter aplicação no âmbito dos processos cautelares o disposto no invocado artigo 95.º, n.º 3, do CPTA, cujo âmbito de aplicação se reporta apenas à ação administrativa principal;
- não ocorrer o invocado défice instrutório para suportar o juízo de verificação dos requisitos previstos no artigo 120.º do CPTA.

Perante as conclusões das alegações formuladas pelo recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- do erro de julgamento da decisão de facto;
- do erro de julgamento da decisão de direito, ao considerar verificados os requisitos da tutela cautelar.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente assentes os seguintes factos:
a) O requerente foi admitido a prestar a sua actividade na Câmara Municipal de Loulé em 17 de Outubro de 1995 e iniciou o exercício das funções de distribuição de material de consumo interno nos serviços camarários na Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública em 1 de Fevereiro de 2019;
b) O requerente, no seu processo individual de trabalhador, não tem registo de outras sanções disciplinares;
c) Em 5 de Agosto de 2022, foi apresentada uma queixa pela trabalhadora M........., também subscrita pelos trabalhadores E......... e Q........., dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé, com o seguinte teor:
«(…)
Eu, M........., funcionário n° …..9, venho por este meio relatar acontecimentos muito graves que se estão a passar no armazém do Aprovisionamento na Franqueada com a minha pessoa, tenho sido ao longo de estes quase 3 anos vítima de assédio no trabalho/psicológico por parte do colega D…… e só hoje me dirijo a si porque realmente já chegou ao limite e já chega de lhe tapar tudo o que faz e me diz, não disse nada mais cedo porque realmente não é de todo querer prejudica-lo, a Dr.ª P......... sabe de algumas coisas e não sabe mais porque não quer saber de queixinhas de colegas, não estou a falar de assédio sexual, obviamente mas sim de assédio psicológico, ao ponto de chegar a falar com colegas do armazém e a chorar por tudo e por nada.
Sendo assim vou começar a contar TUDO, vou tentar não esquecer nenhum ponto vou mencionar alguns nomes que depois podem perguntar se o que conto aqui é verdade ou não.
Logo no início a 1ra ofensa foi um dia em que uma colega de uma divisão (já não me lembro qual), me pediu se lhe podiam entregar um determinado artigo que estavam a precisar com alguma urgência. Eu fui ao armazém e lhe disse D......... será que podes levar tal coisa? Tal divisão me ligou a pedir com alguma urgência, ele começou aos gritos comigo que o meu lugar era ali (indicando com o dedo aqui para dentro do escritório) que ele levava as coisas quando lhe desse na real gana, que as urgências era no hospital, até imprimiu um cartaz e pôs no placar do armazém para toda a gente ver, só estava gritando vou-te fazer a folha como fiz ao outro (referindo-se ao C........., o colega que estava antes de mim aqui no escritório e que graças a ele o D…… está aqui), eu vim para o meu lugar e estive a chorar, o Ct......... colega dos Verdes veio logo aqui ao armazém ver o que se tinha passado que o homem estava aos gritos, o M….. disse-me para ir contar à chefe e assim o fiz, liguei a contar, mas...
E fora as várias ameaças aqui dentro, um dia aqui no escritório “quase” que ia aos punhos com o P........., e o P......... se aguentou bem, acusou de boca cheia que o P......... lhe tinha jogado água dentro do PC para o estragar, houve uma situação em que se descobriu na água do café tinha sal grosso e azeite, o P......... em seu tempo também fez queixa de que o seu carro também estaria riscado, mas nesse tempo as câmaras não funcionavam corretamente, tinha um ódio ao rapaz que nem sei, até pq foi o P......... que disse à Drª P......... que ele seria boa opção para o armazém, estava sempre a ligar para ele interceder e vir para nossa divisão, queria sair de onde estava e pagou-lhe falando mal dele acusando de tudo o mal que se passava no armazém, um dia discutiu forte e feio com o colega do armazém o E......... o C......... e eu o ouvimos a ameaçá-lo, fica mas é calado que ainda levas com 2/3 tiros, eu fiquei a olhar para o C......... do tipo... que é isto?
Foram os vários os incidentes, como meter gel das mãos nas minhas plantas ao fim de as matar eu levá-las para casa e a minha mãe dizer o que é isto peganhento que tem na terra? Eu cheirar e vir o cheiro de álcool. Hoje dia 04/08 cheguei de manhã ao escritório como sempre já lá estava sentado na secretária, fui ao WC lavar a minha garrafa da água vi uma das plantas que tenho (tinha), no chão pisada, ramas todas partidas e a marca de um sapato, ou seja...
Fartava-se de dizer “esta por ser amiga da Vereadora pensa que é aqui alguém, aqui quem manda sou eu”. Eu no início nem contei nada disto a My........., passou inicialmente pela Dra. P......... porque eu nunca quis passar da base hierárquica porque sempre lhe disse para confiar em mim que nunca passaria por cima dela (que não misturo amizades com trabalho), até a Vereadora My..........
Um dia por causa de umas águas pequenas que estavam na nossa cozinha e que todos sabíamos que era para uso pessoal da carinha ninguém mexia, ele pegou nelas todas e colocou do lado da sua secretária e a ofender todos os que aqui estávamos no armazém que as águas eram dele e que ninguém tinha que mexer, quando ninguém lá mexia, ninguém mesmo.
Houve outro incidente onde chateado, marafado mesmo a chamar os nomes a tudo deu um pontapé no portão, até tirou o guincho do chão, houve uma das vezes que o M…… teve que pedir ao Sr. da Carpintaria se o poderia ir arranjar porque não fechava.
Fui convocada pela Chefe, Diretor, Vereadores a uma reunião aí no palácio principal antes das eleições, onde falei, me desafoguei, chorei, contei tudo, tudo, marcaram então uma reunião aqui em baixo no armazém, onde estiveram presentes a Dra. P.........; Dra. T........., a Colega N......... e todos os colegas do armazém, cada um deu o seu parecer das situações passadas, desse a falta de um rolo de papel de cozinha que o colega E......... viu ele tirar ia dentro de uma caixa e fizemos contagem e realmente faltava um, a falta de 2/3 pens, depois dele ter dito que tinha de ir à papelaria comprar uma pens porque estava a precisar (muita casualidade), fomos ver no inventário e realmente estavam em falta, fora outras coisas que iam faltando enquanto a pessoa tinha chave, se falou dos insultos e gritos à minha pessoa, por parte do D..........
Na reunião decidiram que a chave do armazém só o M…. e E......... teriam, que a chave do armário das coisas de escritório e limpeza estariam de baixo da minha responsabilidade e arranjariam um telemóvel para a carrinha, NÃO PARA O D........., a conduzir atende o telemóvel, porque todos dizem que o tlm do D......... não dizendo o tlm da carrinha.
De quando dos incêndios em Almancil e numa tantas vezes que o D......... se sentava na sua secretária a provocar disse, agora é que as vacas de 2 pernas de Almancil deveriam morrer queimadas, um dia de manhã deixei a minha mala e fui buscar uma coisa ao meu carro, só que antes fui ao WC e ouvi ele dizer ao ficou e ouvi ele dizer ao J........, esta gaja vem para aqui e nem dá tesão a uma pessoa, eu sai do wc e ficou azul, quando me viu, me chama de gorda, puta, eu tenho vídeos e áudios que gravei não para uso externo nem para ser usado caso tudo isto ir a tribunal, mas sim para todos verem o caracter desta pessoa, o ordinário, porco como homem que é.
Houve vários incidentes em relação ao portão porque ele entendeu que não tinham a abri-lo para carregar a carrinha e fazer a distribuição, discutiu forte e feio mais uma vez com o M........ e E......... que são fiéis de armazém e não porteiros, os da carrinha são três pessoas, um poderia se descer e ir abrir o portão mas por “ordens” do D......... ninguém se desce, ninguém abre, sendo assim carregam a carrinha à porta do portão, muitas vezes com muita coisa para carregar.
Anda se passeando pelo escritório e armazém de camisa aberta, como se estivesse na sua casa, uma total falta de respeito para todos os colegas.
Tenho suspeitas fortes de que foi o D......... a riscar o meu carro, daí também ter tido a coragem agora para por um PARO nisto.
Quando o D......... não está é um ambiente espetacular, até a malta da carrinha entra no escritório, fala mais, brinca mais.
Ontem dia 04/08/2022, foi a gota de água, de quando chego ao escritório e estava tudo aberto, a porta do escritório, a porta da cozinha, porta esta que nunca abre, pelo menos quando eu chego está sempre fechada, eu é que abro e ligo a máquina do café. Ontem achei estranho e fui ver se havia algo mexido ou em falta mas não vi nada, liguei a maquina de café e coloquei a garrafa da coca-cola que estava no frigorífico meti no congelador para quando fosse almoçar estivesse bem fria, comentei com o M........ o facto de estar a porta aberta quando cheguei e me disse o mesmo, o que será que foi ali buscar, (indicando a cozinha), mas também não viu nada fora do normal, por volta das 10:30 liguei à minha colega S........ a avisar que precisava de ir às Finanças e que iria pôr a minha extensão ligada a ela, fui fazer as minhas diligências e voltei por volta das 12h, cheia de sede fui ao frigorifico buscar a coca-cola para beber e qual o meu espanto de ver a cor do refrigerante alterada para um tom claro, peguei na garrafa e a levei ao armazém que os colegas estavam à porta do armazém e fui dizendo, olha só o que aconteceu, estragou-se a minha coca-cola, nunca vi isto acontecer, o M........ diz logo, uuiii mijou ai pá dentro? Aí está pq abriu a porta, eu abri na frente deles e o cheiro a LIXIVIA era terrível, estavam presentes o E........., M........ e J........ P.S........, todos ao mesmo tempo disseram para ir logo à GNR tratar do assunto, enviei de imediato mensagem à Vereadora My......... e fui ter com ela ao seu gabinete, onde juntamente com o Vereador Pimentel tomaram conhecimento dos fatos reais, no fim do dia fui fazer queixa à GNR do que tinha acontecido.
Este documento será assinado e entregue em mão à GNR no dia de hoje.
(…)»
(cfr. fls. 10 e 11 do processo administrativo, contidas no ficheiro registado com o n.º 209254, em 2.03.2023);
d) Com data de 19 de Agosto de 2022, foi remetido um ofício subscrito pelo Comandante do Destacamento Territorial de Loulé do Comando Territorial de Faro da Guarda Nacional Republicana, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Informação relativo ao Inquérito-Crime NUIPC 783/22.7GBLLE
Para efeitos de eventual abertura de processo administrativo (de foro disciplinar) ou para os efeitos que tiver por convenientes, serve o presente ofício para informar V.ª Exa. que foi aberto inquérito-crime, ao qual foi atribuído o NUIPC: 783/22.7GBLLE, que se encontra a correr termos no DIAP em Loulé, contra um funcionário dessa edilidade, por ser suspeito da prática de crimes, que foram cometidos no local de trabalho e durante o exercício das funções.
Trata-se de D........., nasc.27/11/1960, nacionalidade portuguesa, filho de H........e de C.L........, titular do cartão de cidadão n°…….W3.
Face às diligências de investigação já realizadas, existem fundados indícios da prática dos seguintes crimes:
· Dano, p. e p. pelo art.º212º, n.ºl do Código Penal;
· Simulação de crime, p. e p. pelo 366º, n.ºl, do Código Penal;
· Ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo art.º145º, n.ºl, al. a) e n.º2, por referência ao art.º143º e art.º132º, n.º2, al. e) e i) - todos do Código Penal;
· Ameaça agravada, p. e p. pelo art.º153º e art.º155º, n.ºl, al. a), ambos do Código Penal;
· E ainda o crime de Detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º86º do RJAM (Regime Jurídico de Armas e Munições).
Dos elementos indiciários recolhidos, resulta a indiciação dos seguintes factos:
1. Conforme consta da denúncia de fls.2 e 3, no dia 27.07.2022, pelas14h45, a lesada M......... solicitou a GNR, pelo facto de lhe terem danificado o seu veículo automóvel, de marca Renault, de matrícula …….32, que se encontrava estacionado no parque propriedade da Câmara Municipal de Loulé, no estaleiro localizado no Sítio da Franqueada, onde a Câmara Municipal tem uma armazém/estaleiro, no qual trabalham diversos funcionários, entre os quais a queixosa.
2. O referido parque de estacionamento, não é aberto ao público, é para uso dos funcionários que ali trabalham.
3. A queixosa, que foi quem solicitou a presença da GNR, estacionou o veículo no referido parque pelas 08h30 de 27.07.2022, o qual não apresentava os danos na pintura. Já pelas 13h06, verificou que o seu veículo apresentava “riscos” na pintura, desde o capô até à traseira.
4. Conforme consta no relatório fotográfico em fls.5 e verso (deste expediente), cujas fotografias foram realizadas pela patrulha que esteve no local, verifica-se claramente que o veículo da queixosa apresenta “riscos” na parte traseira, no capô e na lateral do veículo.
5. Da forma como os “riscos” se apresentam, dúvidas não restam de que não se tratou de um acto negligente, mas sim, claramente de um acto doloso, com o propósito concretizado de danificar toda a pintura do veículo, nos vários painéis (capô, traseira e lateral), o que obriga a uma pintura completa do exterior do veículo, para a devida reparação.
6. O acto foi doloso, logo, a nosso ver, encontra-se preenchido o pressuposto do crime de Dano.
7. Paralelamente, e aproveitando a presença da GNR no local (como posteriormente se veio a apurar nas inquirições posteriores), também o agora denunciado D........., astutamente, denunciou que também lhe tinham danificado a pintura do seu veículo, de marca Renault, de matrícula …….82 (veículo de que faz uso, mas que se encontra registado em nome do filho), alegando que os danos já tinham ocorrido em 19.07.2022 e também em 25.07.2022.
8. Contudo, do registo fotográfico realizado pela patrulha ao veículo do ora denunciado - em fls.4 e verso - deste expediente, verifica-se que não apresenta “riscos” semelhantes aos do veículo da queixosa M……, mas, tão somente se verifica o desgaste natural da pintura, contrariamente aos “riscos” que são bem visíveis e “frescos’’ que se apresentam no veículo da queixosa, através dos quais se nota que tinham sido produzidos momentos antes - pela ausência de pó ou outros elementos corrosivos que se acumulariam no interior dos “riscos’/rasgos realizados na pintura.
9. A queixosa M........ foi sumariamente inquirida no local - auto de fls.6 deste expediente - e manifestou a vontade de procedimento criminal.
10. Já o ora denunciado D........., à data inquirido também enquanto lesado - auto de fls. 7 deste expediente - não manifestou vontade de procedimento criminal.
11. O local encontra-se sujeito a videovigilância, embora tal sistema não se encontre acessível aos funcionários do armazém/estaleiro, os quais conhecem a presença das câmaras, mas desconhecem o seu alcance total e sua abrangência.
12. Ao abrigo das medidas cautelares e de policia, foram preservadas tais imagens, conforme consta das notificações em fls.8 e 9 deste expediente.
13. O expediente elaborado deu origem aos presentes autos, o qual foi R.D. e A. como inquérito, dando-se início às habituais diligências investigatórias.
14. Conforme consta do auto de visionamento das imagens de videovigilância - de fls. 14 a 19, apurou-se, indubitavelmente, que foi o ora denunciado D........., a praticar os danos na pintura do veículo da queixosa M........, tendo-se apurado que o fez concretamente pelas 09hl4 do referido dia 27.07.2022, tendo utilizado um objecto que transportava na mão direita, conforme se verifica no fotograma (imagem mais aproximada em fls. 19).
15. No dia 04.08.2022, a queixosa M........., ainda sem ter conhecimento de que o autor dos danos foi o seu colega de trabalho D........., deslocou-se à GNR de Loulé para dar a conhecer novos factos de que foi vítima no seu local de trabalho, relacionado com um episódio em que lhe colocaram lixívia na coca-cola que iria ingerir na hora de almoço, tendo entregue a referida garrafa - auto de inquirição complementar em fls.2 I e 22 deste expediente.
16. Antes de relatar os novos factos, foi confrontada com as imagens de videovigilância que constam dos autos, tendo então tomado conhecimento de quem foi o autor dos danos e reconheceu-o de imediato, como sendo o seu colega de trabalho.
17. Esclareceu que o ora denunciado D........., é motorista e, no exercício dessas funções não teria que aceder ao escritório/gabinete onde a vítima exerce a sua função. No entanto, quando o denunciado bem entende, entra no escritório, senta-se numa cadeira de outra secretária ali junto à ora queixosa, em tronco nu e atemoriza a queixosa, proferindo expressões ameaçadoras e reveladoras do que sente e pretenderia que acontecesse, tal como: “...agora é que estas vacas de duas pernas de Almancil deveriam morrer...”, aquando da ocorrência dos incêndios recentes de Almancil que foram amplamente divulgados na comunicação social e que colocaram em perigo a vida de pessoas. Além de outras expressões injuriosas e jocosas em termos de gozo, noutras ocasiões em que profere: “...gorda... puta...”. Ora, a queixosa não tem dúvidas de que tais expressões lhe são directamente dirigidas, pois, além de ser a única mulher presente naquele escritório, a queixosa reside em Almancil e trata-se de pessoa que apresenta uma compleição e estatura forte.
18. Esclareceu a queixosa que aquelas instalações da Câmara Municipal (armazéns na Franqueada), pertencem à Divisão de Aprovisionamento, onde a queixosa exerce funções de assistente técnica desde 2019 e que o ora denunciado D......... é pessoa de maus relacionamentos, pois, actua e lida com os colegas de trabalho com uma postura de que “pode e manda”, além de ser mal-educado, e contraria as indicações/ordens da sua hierarquia, executa as tarefas contrariado e quando acaba por ser obrigado a cumprir, “marca” os colegas de trabalho, injuriando-os, difamando-os e ameaçando-os.
19. A título de exemplo, a queixosa denunciou uma situação da qual tem conhecimento, em que o denunciado D......... ameaçou outro colega de trabalho - (E......... que veio posteriormente a ser inquirido e confirmou os factos de que também foi vítima - como mais à frente relataremos) - ao qual afirmou que lhe daria dois tiros, episódio este que deixou a queixosa e restantes colegas de trabalho que com ele lidam directamente, com medo que o denunciado concretize as ameaças, pois acreditam que ele será capaz disso, que terá na sua posse armas de fogo e, por essa razão, escusam-se a denunciá-lo e têm medo de o afrontar.
20. A queixosa veio então expor o episódio da “lixívia na coca-cola”. No referido dia 04.08.2022, pelas 09h00, a queixosa M........ colocou no frigorifico das instalações (numa sala de refeições), o seu refrigerante, uma garrafa de coca-cola com cerca de 1/4, que trouxe de casa, para ingerir na hora de almoço. Pelas 12h00, quando foi ao frigorifico recolher a garrafa para almoçar, constatou de imediato que a coca-cola não apresentava a sua cor típica, apresentava-se de cor amarelada transparente, o que a fez suspeitar, abriu a garrafa e notou de imediato um forte e inconfundível odor a lixívia. Chamou os seus colegas de trabalho ali presentes, E......... e Q......... (que já vieram a ser inquiridos como mais à frente se relatará), que também confirmaram tal facto.
21. Garrafa essa que entregou no acto da sua inquirição, tendo também sido confirmado pelo OPC que a recebeu, a presença inconfundível de lixívia, conforme consta no auto. Uma vez que a garrafa já tinha sido manuseada por diversas pessoas e contaminados os eventuais vestígios exteriores, não foi sujeita a recolha de vestígios lofoscópicos.
22. Acrescentou a queixosa M........, que ela e os seus colegas de trabalho, E......... e Q......... sentem medo do denunciado, pelo receio que têm que o denunciado seja capaz de os matar, através de qualquer meio.
23. Medo esse que foi agravado e passou a ser sentimento permanente, pela escalada da violência, isto é, se antes apenas ameaçava de “dar tiros”, agora passou de anunciação/verbalização dos males, a actos de execução, pois colocou lixívia no refrigerante, bem sabendo que poderia causar a morte ou ofensas à integridade física grave, não fosse a coca-cola ter alterado a cor quando misturada com lixívia. Passou da prática de danos materiais contra os bens de terceiros (no veículo) à prática de actos contra a integridade física e a vida.
24. Esclareceu a vítima M........ que, bem sabia o denunciado que a única pessoa que faz uso diário do frigorifico é ela, porque os restantes colegas de trabalho vão almoçar às respectivas habitações e não têm necessidade de recorrer ao frigorifico.
25. O período de almoço da vítima é entre as 13h00 e as 14h00.
26. Durante esse período iria ficar sozinha, o que a impediria de ser socorrida caso tivesse ingerido a dita coca-cola com lixívia.
27. A vítima já não conseguirá ter tranquilidade, sendo agora concreto o sentimento de medo e inquietação, pois, já não conseguirá dormir tranquilamente e vive num desassossego permanente no seu local de trabalho.
28. A vítima está aterrorizada.
29. Tem medo, e tem razões de facto para tal, de que o denunciado venha a concretizar as suas intenções e vontades através de novos métodos, designadamente o uso até de armas de fogo ou outras substâncias químicas.
30. O perigo é real e iminente.
31. Tem medo que o denunciado a mate.
32. A queixosa chega a apelar, na sua inquirição, que as autoridades competentes tomem medidas para travar os actos “violentos e de loucura” do denunciado.
33. Esclarece que, percebeu agora a razão, pela qual, no dia 27.07.2022, o denunciado ter também denunciado à GNR que o seu veículo teria sido danificado, pela astúcia de se fazer passar também por vítima e não ser apontado como suspeito. A queixosa naquele momento também visualizou e verificou que o veículo do denunciado apresenta os “riscos normais de desgaste”.
34. A queixosa deu conhecimento dos factos à sua entidade patronal, a qual, antes de mais, sugeriu desde logo que se dirigisse à polícia para denunciar todos os factos.
35. A queixosa manifestou expressamente a vontade de procedimento criminal contra o denunciado D..........
36. Conforme consta em fls.23, foi recebida a referida garrafa, a qual foi oferecida aos autos pela queixosa, para constituir prova.
37. A qual, no acto do seu recebimento, foi fotografada - fls.24, tendo também o OPC inquiridor verificado o forte odor a lixívia, além, claro está, da cor que a “coca-cola” apresenta (amarela transparente).
38. Conforme fls.25 deste expediente, para efeitos de prova pericial, o referido vestígio, foi preservado e encaminhado para o Núcleo de Apoio Técnico (NAT) da Subsecção criminalística da Secção de Informações e Informação Criminal (SIIC) do Comando da GNR em Faro, para que o vestígio seja sujeito a exame laboratorial no LPC, designadamente: - apurar quais as substâncias presentes no interior da garrafa (pode conter outras além da lixívia); - apurar concretamente qual a percentagem de lixívia presente; - apurar se a quantidade de lixívia presente seria capaz de produzir ofensas à integridade física grave ou a morte no caso de ter sido ingerida e a vítima não viesse a ser socorrido no prazo de 1 hora (correspondente à hora de intervalo para almoço em que a vítima estaria sozinha nas instalações do armazém da Câmara).
39. Conforme consta da Cota em fls.26, foram juntos aos autos os dvd’s com as imagens gravadas de videovigilância, a partir das quais se elaborou o visionamento e a extracção de fotogramas dos momentos com relevância criminal, já referidos no respectivo auto.
40. Fls.27 deste expediente: foi também solicitada informação à entidade competente para o registo e manifesto de armas de fogo legais e emissão das respectivas licenças - PSP -, acerca da eventual titularidade de licença para uso e porte de arma de fogo e eventuais armas manifestadas pelo denunciado D........., que mereceu a resposta que consta em fls.57 deste expediente, constatando-se que o denunciado não é titular de qualquer tipo de licença para uso e porte de qualquer arma de fogo e não tem qualquer arma de fogo manifestada.
41. Fls.29 a 31 deste expediente: em 05.08.2022, juntou-se uma carta que a queixosa e os seus colegas de trabalho tinham acabado de escrever à sua entidade patronal.
42. Além de inúmeros episódios revelados, constata-se que, já um outro colega da queixosa, identificado como sendo C......... (o qual irá ser oportunamente identificado e inquirido após a tomada de diligências urgentes), viu-se obrigado a sair daquele local de trabalho (conforme já se apurou pelas inquirições), por ter sido vítima de circunstâncias semelhantes.
43. Ainda no dia 05.08.2022, procedeu-se à inquirição de duas testemunhas relevantes, M........ M.G........e E..........
44. Por súmula e relevância, faz-se referência que a testemunha Q......... esclareceu que tal é o medo que tem do denunciado, que evita cruzar-se com ele, inclusivamente esta testemunha chega após as 09h00 ao seu posto de trabalho, para evitar e fugir a qualquer contacto presencial com o denunciado, esclarecendo que também outros funcionários o fazem com o mesmo propósito. Acerca do episódio dos danos infligidos no veículo da queixosa M........ no dia 27.07.2022, a testemunha esclareceu que teve conhecimento e que viu a GNR no local. O que antes também já tinha acontecido ao tal funcionário C........., que acabou por ser afastado daquele estaleiro da Câmara Municipal.
45. Esclareceu a testemunha Q......... que viu o veiculo da denunciada danificado e também soube que o ora denunciado D......... também se terá queixado de danos no seu veículo, mas a testemunha também reparou que o veículo do denunciado não apresentava riscos além dos normais de desgaste da pintura.
46. A testemunha sabe da existência de sistema de videovigilância, mas não tem nem teve acesso. Ao ser confrontado com as imagens juntas aos autos, reconheceu o autor como sendo o denunciado D........., acrescentando que todos suspeitavam dele, mas tiveram medo de o dizer por represálias, pelo facto da probabilidade do denunciado reagir violentamente.
47. Acrescentou que o denunciado é conflituoso e vingativo e que por essas razões o C......... é que teve que abandonar as funções naquele local E que, depois disso, ouviu o denunciado dizer que a seguir ao C......... quem iria embora seria a “M…….” (referindo-se à queixosa).
48. Teve conhecimento indirecto, através do C........., do E......... e da aqui queixosa, que o denunciado D......... ameaçou o E........., dizendo que lhe daria tiros.
49. A testemunha acha que as ameaças são sérias, embora não tenha visto nenhuma arma de fogo.
50. Teve conhecimento do episódio da “lixívia na garrafa de coca-cola” e a testemunha também viu a garrafa e detetou o forte odor a lixivia, confirmando que se trata da garrafa que foi entregue pela lesada e que se encontrava fotografada nos autos.
51. Esclareceu que, todos os funcionários sabem que o frigorifico é de uso quase exclusivo da queixosa M........, todos sabem que ela ali guarda o almoço e bebidas, não tendo qualquer dúvida de que, quem colocou a lixívia sabia bem a quem se destinava o mal de a ingerir, pois a única pessoa que almoça no local de trabalho é a queixosa, a qual fica sozinha nas instalações entre as 13h00 e as 14h00.
52. Que já assistiu a um episódio em que o denunciado gritou para a queixosa e foi atrás dela aos gritos para o escritório, onde ela ficou a chorar.
53. Quanto à motivação do denunciado, esclareceu que não é por motivo nenhum, é para manter a queixosa num constante estado de medo e desassossego.
54. Esclareceu que já antes do episódio da lixívia, a testemunha deixou de tomar café da máquina existente no local de trabalho, por temer exactamente que o denunciado D......... coloque algum tipo de substância venenosa no café. Depois do episódio da lixívia, a testemunha e os seus colegas têm um medo acrescido, porque constataram que a ameaça é real, pois o denunciado é capaz de envenenar e matar qualquer um dos funcionários.
55. Acrescentou que vive em estado de medo no local de trabalho e, mesmo fora dele, tem medo que o denunciado lhe danifique o seu veículo se o vir na via pública.
56. Explicou a testemunha que todos os funcionários da Câmara Municipal de Loulé têm medo de apresentar queixa contra o D........., pois seria certo que ele iria reagir violentamente e perseguir as pessoas que o tenham denunciado, acrescentando a testemunha que até aqui se manteve calado e se não tivesse ocorrido o episódio da lixívia não revelaria tudo o que acabou por relatar na inquirição.
57. A testemunha não tem dúvidas, porque conhece bem o denunciado, que assim que ele tomar conhecimento da denuncia destes autos, o denunciado D......... irá reagir violentamente contra todos os que prestarem depoimentos que lhe forem desfavoráveis, solicitando que, caso seja necessário prestar depoimento em Tribunal, que não seja na presença do denunciado por temer tais represálias.
58. Ultimou, esclarecendo que a queixosa está em estado de choque e medo, de tal ordem que não terá paz nem tranquilidade na vida profissional, nem na vida pessoal.
59. Passando à inquirição da testemunha E......... e fazendo referência, por súmula, dos factos com relevância criminal, esclareceu que reconhece o denunciado D......... quando confrontado com as imagens de videovigilância, nas quais se visualiza o autor dos danos provocados no veículo da queixosa.
60. Esclareceu que apenas mantém uma relação estritamente profissional com o denunciado, por se tratar de uma pessoa conflituosa e evita contactos presenciais com ele, à semelhança dos seus colegas de trabalho.
61. Explicou que se apercebeu dos danos no veículo da queixosa e da presença da GNR no local, no dia 27.07.2022. Suspeitou do denunciado D........., mas preferiu manter-se em silêncio.
62. No dia 27.07.2022, esta testemunha viu o denunciado D......... a retirar do bolso traseiro esquerdo dos calções que vestia, um objecto que arremessou para se desfazer dele, mas que a testemunha veio a confirmar que o objecto se tratava de um parafuso de cor preto, razão, pela qual, levou a testemunha a formar a sua convicção quanto à suspeita que já tinha de que foi o D......... o autor dos danos.
63. Também se apercebeu que o denunciado se fez passar por vítima no dia em que a GNR esteve no local e também se apercebeu, por observação do veículo do denunciado, que tal veículo não apresentava mais do que riscos consequentes do desgaste natural.
64. Quando confrontado com as imagens de videovigilância, reconheceu o denunciado D........., do qual já suspeitava, mas teve que manter reserva quanto à suspeição, por temer reações violentas caso o denunciado soubesse de que seria apontado como suspeito.
65. Descreveu o denunciado como sendo conflituoso, violento e vingativo.
66. Reportou a situação do outro funcionário - C......... - que se viu obrigado a mudar de local de trabalho.
67. Quanto à questão de eventuais ameaças, a testemunha esclareceu que, em data que de momento não tem presente, cerca das 09h00, junto do portão do referido armazém de aprovisionamento da Câmara Municipal de Loulé, por um motivo fútil - apenas porque não gostou da forma como a testemunha falou com o denunciado -, ameaçou usar armas de fogo contra a testemunha e também com “porrada”.
68. Armas que nunca viu, mas acredita seriamente que o denunciado D......... as tenha e que as possa usar, pois já referiu, em tom de ameaça, que vai “dar tiros”.
69. Quanto ao episódio ocorrido no dia 04.08.2022, esclareceu que, cerca das 12h50, quando a testemunha já se encontrava junto ao portão do armazém/estaleiro, para sair, a queixosa se dirigiu aos que ali estavam presentes e pediu para verificarem o conteúdo da sua coca-cola, tendo-se constatado a presença de lixívia pelo forte e inconfundível odor característico.
70. Confirmou que se tratava da garrafa que se encontra fotografada nos autos.
71. Também confirmou que o dito frigorifico é de uso quase exclusivo da queixosa e, como tal, não tem dúvidas de que o “mal” se destinava a ela e que a única pessoa que almoça no local de trabalho é a queixosa, os restantes vão almoçar a casa, a qual fica ali sozinha entre as 13h00 e as 14h00 e os armazéns ficam fechados/trancados, confirmando também que, caso lhe tivesse acontecido algo de grave, a queixosa só seria detectada/encontrada pelas 14h00.
72. Esclareceu que o denunciado pratica “bullying” sobre a queixosa, a qual se refugia e chora e que o denunciado o faz a seu bel-prazer, sem qualquer motivo.
73. A queixosa vive constantemente assustada e sob ameaça.
74. A própria testemunha também tem medo que o denunciado atente contra a sua integridade física ou a vida, seja através de envenenamento ou até pela concretização da ameaça de uso de armas de fogo – “dar tiros”.
75. Que este episódio do uso de lixívia, incrementou o medo nos funcionários que ali trabalham, pois o denunciado não precisa de nenhum motivo válido, o qual já demonstrou que é capaz de concretizar as suas vontades.
76. Que os funcionários da Câmara Municipal têm medo do denunciado e por tal facto não o denunciam pelos crimes que pratica, pois temem represálias, que serão certas.
77. Explicou que o denunciado será capaz de intentar [sic] contra a vida de qualquer um que o afronte, até por qualquer motivo fútil e que será certo que, assim que tiver conhecimento desta denúncia, irá tomar comportamentos de vingança, primeiramente contra a queixosa M........ e depois contra todos os que prestaram depoimento.
78. Referiu também que a queixosa está em estado de choque.
79. Ultimou, referindo que também pretende prestar o seu depoimento na ausência do denunciado, no caso de ter que depor em Tribunal.
Cumpre-nos ainda solicitar a V.ª Exa. que, por ora e se for caso disso, não haja ainda a audição/inquirição do visado acerca dos factos que lhe são imputados, pois tais diligências iriam revelar-se contraproducentes, na medida em que poderiam prejudicar outras diligências processuais de recolha de prova, mais intrusivas dos direitos, liberdades e garantias, que carecem de despacho judicial e que este Destacamento Territorial da GNR se encontra a aguardar pelo deferimento para sua realização, sendo certo que, no caso de virem a ser deferidas e realizadas, será dado conhecimento a V.ª Exa., desde que não haja oposição do Ministério Público titular.
Neste sentido, solicita-se também toda a reserva, de acordo com o princípio da necessidade do saber, quanto à transmissão e tramitação da presente informação.
(…)»
(cfr. fls. 2 a 9 do processo administrativo, contidas no ficheiro registado com o n.º 209254, em 2.03.2023);
e) Acompanhando esta informação, foi igualmente remetida cópia da queixa que havia sido apresentada ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé pela trabalhadora M......... em 5 de Agosto de 2022
(cfr. fls. 10 e 11 do processo administrativo, contidas no ficheiro registado no SITAF com o n.º 209255, em 2.3.2023);
f) Em 29 de Agosto de 2022, na sequência desta informação remetida pela Guarda Nacional Republicana relativamente à abertura do processo de inquérito criminal, foi proferido despacho pelo Presidente da Câmara Municipal de Loulé, ordenando a instauração do procedimento disciplinar ao requerente, com o seguinte teor:
«(…)
Tendo em consideração que:
Tomei conhecimento do Relatório - “Informação relativa a Inquérito - Crime NUIPC 783/22.7GBLLE” elaborado pelo Destacamento Territorial de Loulé, Comando Territorial de Faro, da Guarda Nacional Republicana, datado de 19 de agosto de 2022, pelo qual foram identificados comportamentos graves suscetíveis de consubstanciar ilícitos cometidos no local de trabalho e durante o exercício de funções do trabalhador D........., com a categoria de Assistente Operacional, afeto à Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública (DACP);
A lesada no âmbito destes comportamentos é a trabalhadora M........., com a categoria de Assistente Técnico, afeta à mesma Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública (DACP);
Tais comportamentos identificam-se como realizados no dia 27 de julho de 2022, data em que o trabalhador terá utilizado um objeto com o qual produziu danos no veículo da identificada M......... e ainda no dia 04 de agosto de 2022, data em que terá sido colocada lixívia na garrafa de bebida (Coca Cola) pertencente à mesma, a qual se encontrava no frigorifico do seu local de trabalho e ainda ofensas verbais e ameaças reiteradas dirigidas à mesma trabalhadora M........., comportamentos que são imputados ao trabalhador;
Tais infrações, a serem provadas, consubstanciam violação grave dos deveres do trabalhador, previstos no seu contrato de trabalho e ainda previstos no Artigo 73.º n.º 2 alínea e) (dever de zelo); alínea f) (dever de obediência); g) (dever de lealdade; h) (dever de correção), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (versão atualizada);
Estas condutas, a serem provadas, configuram infrações graves que inviabilizam de forma definitiva a manutenção do vínculo de emprego público que atualmente detém e compromete de forma irremediável a relação trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador D.........;
De acordo com o Relatório - “Informação relativa a Inquérito - Crime NU1PC 783/22.7GBLLE” a que supra se fez referência, existem fundados indícios de que tais comportamentos e outros melhor descritos no Relatório, configuram a prática de crimes previstos e punidos no âmbito do Código Penal, os quais estão a ser investigados no âmbito do Inquérito - Crime supra identificado, a correr termos no DIAP em Loulé.
Pelo que determino no uso das minhas competências que:
1. Se proceda à instauração de Procedimento Disciplinar ao trabalhador D.........;
2. Se proceda à sua suspensão preventiva imediata, sem perda de retribuição, nos termos do disposto no Artigo 211º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014 de 25 de junho, na sua versão atualizada;
Assim, nomeio como Instrutora do Procedimento Disciplinar a Dra. Teresa Menalha, Técnica Superior desta Autarquia, afeta à Divisão Jurídico-administrativa.
(…)»
(cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo, contidos no ficheiro registado no SITAF com o n.º 209254, em 2.03.2023);
g) Em 7 de Setembro de 2022, a instrutora do procedimento, depois de lhe haverem sido remetidas pela Vereadora da Câmara Municipal My......... cópias de mensagens electrónicas referentes aos danos provocados pelo requerente numa porta do serviço onde o mesmo exercia funções, elaborou o seguinte termo de juntada no processo:
«(…)
Aos sete dias do mês de setembro de 2022, juntei aos presentes autos documentos compostos de sete folhas remetidos ao processo, sendo que dos mesmos constam troca de emails relacionados com o procedimento disciplinar, cujo conteúdo se referem a factos danosos ocorridos no dia 04 de agosto de 2022, factos quais se inserem na mesma cláusula punitiva dos factos inicialmente participados e objeto do presente processo disciplinar, estando uns e outros direta e estreitamente conexionados ou correlacionados e põem alegadamente em causa os mesmos valores ofendidos, motivo pelo qual são admitidos.
(…)»
(cfr. fls. 38 do processo administrativo, contidos no ficheiro registado no SITAF com o n.º 209254, em 2.03.2023);
h) Em 13 de Outubro de 2022, a instrutora deduziu acusação contra o requerente (cfr. fls. 291 a 309 do processo administrativo, contidas no ficheiro registado no SITAF com o n.º 209255, de 2.03.2023);
i) Em 4 de Novembro de 2022, o requerente apresentou, em resposta, a sua defesa, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
«(…)
4 – Ora resulta do presente procedimento disciplinar e quanto à matéria que realmente interessa para a defesa do trabalhador, que os factos alancados [sic] se resumem em:
a) Dos riscos feitos no veiculo automóvel de matricula 97-TE-32 propriedade da funcionária M........ .
5 - Admite o trabalhador que riscou o carro da colega M........, num ato impulsivo, e irrefletido, que lamenta e já se arrependeu.
6 - Não tinha intenção, nem nunca pensou que os riscos que fez com o seu anel, seriam tão grandes e profundos.
7 - Portanto o objeto que utilizou para fazer os riscos no veículo de marca Renault de matricula ……..82 não foi um parafuso.
8 - Ora esta situação foi o acumular do desagrado de algumas atitudes da própria trabalhadora M........ para com o trabalhador, D......... .
9 - Assim desde que a trabalhadora M........ se encontra no armazém os relacionamento entre os vários colegas mudou, a mesma tem por hábito querer dar ordens a todos os colegas, metendo-se no trabalho de cada um, situação que o trabalhador D........., como mais velho da casa não aceita, nem admite e portanto falam o menos possível entre ambos.
10 - Nos últimos tempos a trabalhadora M........ anda sempre a mandar piadas, e poe-se aos risinhos com os fieis de armazém, quando o trabalhador D......... passa por ela.
11- O ambiente tem-se tornado tão desconfortável que o trabalhador D......... e o seu colega J........ Delfim, não entra no armazém para fazer carregamentos sem os fieis de armazém entrarem e vai mais cedo para imprimir as requisições de material para não se encontrar com a colega M.........
12 - Mais, a viatura automóvel do trabalhador, D......... , em meados de julho de 2022 também apareceu riscado.
b) Da utilização pelo trabalhador de linguagem grosseira e vexatória para com a sua colega, M........
13 - Quanto aos artigos 68 até 78 versado na acusação rejeita o trabalhador os mesmos por não corresponderem á verdade.
14 - Pois trabalhador não se dirigiu á sua colega de trabalho, com linguagem grosseira e vexatória.
15 - Nunca o trabalhador se dirigiu e chamou á colega Madalena de " gorda"," baleia porca" , "vaca" , "vacalhona", " esta vaca" , "esta puta" , " vaca gorda", "aquela gorda de merda", "aquela puta de merda" "puta de Almancil"," a gorda tem a mania de ser esperta"" a gorda vai fazer queixinhas á chefe" ou quaisquer outros nomes ofensivos .
16 - Até porque não costuma utilizar este tipo de linguagem e porque a atividade do trabalhador é distribuir material, com horário de entrada as 8h30m, indo para a sua secretária onde consulta os emails para saber qual o material a levar, e entretanto às 09h00 chegam os fieis de armazém que abrem o armazém e o trabalhador mais o colega, começa a carregar o material e saem.
17 - Na parte da tarde pelas 14h00 regressam ao armazém, carregam a carrinha e voltam para a distribuição regressando novamente pelas 16h00, e vão para a sala da salubridade que é longe do sitio que a colega Madalena se encontra.
18 - Portanto há dias que o trabalhador quase não vê a colega Madalena, quanto mais chamar-lhe nomes.
19 - Também não é verdade que o trabalhador tenha andado no escritório em tronco nu ou com a camisa aberta, pois o trabalhador foi operado ao coração e tem uma grande cicatriz no peito que não pode apanhar sol.
20 - O trabalhador nem na praia tira a camisola, como é que andava em tronco nu no seu local de trabalho.
c) Da danificação da porta que dá acesso á cozinha devido a um pontapé
21 - O trabalhador não deu nenhum pontapé na porta que dá acesso a sala das refeições, partindo a mesma.
22 - Ora no dia 7 de agosto quando chegou das entregas na rua, como vinha com dor de cabeça o trabalhador foi á cozinha onde se encontra uma caixa de primeiros socorros para retirar um comprimido "ben.u.ron", bem como ia tirar uma sandes que tinha no frigorifico tendo então verificado que a porta estava fechada e a chave não estava no sitio.
23 - O trabalhador forçou então a porta, dando um encontrão e a mesma acabou por se abrir, soltando-se os parafusos da fechadura que acabou por cair.
24 - Mas o trabalhador de imediato por e-mail comunicou o sucedido ao seu superior hierárquico o Dr. F........, arranjando voluntariamente no dia a seguir da dita fechadura da porta da cozinha.
25 - É falso que tenha dado um pontapé na porta, pois se assim fosse como a porta já é velha teria ficado toda partida, o que não aconteceu.
26 - De igual modo, verificamos que a sola da bota que consta a fls. do presente procedimento não é sua, uma vez que o trabalhador não usa botas/sapatos de trabalho, devido a um problema nos seus pés, tendo por indicação médica que usar sapatos tipo lona, leves, com sola lisa e confortável, conforme fotografia que se junta. (Doc. 1, 2 e 3)
27 - Portanto o trabalhador não causou danos aos bens propriedades da Autarquia, tendo inclusive voluntariamente arranjado a porta.
Assim,
28 - Assume o trabalhador os factos relativos aos riscos que efetuou na veiculo da colega M........, matéria essa que por ser de índole criminal se encontra a decorrer no DIAP de Loulé com o NIPC 783/22.7GBLLE e que portanto diz respeito á sua espera á esfera particular dos trabalhadores M........ e D......... , e que tutela o direito privado.
29- E nesse sentido, cabe aos Tribunais decidir a existência ou não de indícios suficientes da pratica de um ilícito criminal.
(…)»
(cfr. fls. 319 a 322 do processo administrativo, contidas no ficheiro registado no SITAF com o n.º 209255, em 2.03.3023);
j) Em 28 de Dezembro de 2022, foi elaborado pela instrutora do procedimento o relatório final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
«(…)
V – Da Apreciação Crítica da Defesa
1 - Importa agora apreciar criticamente os argumentos apresentados na defesa seja na defesa escrita seja no depoimento oral, confrontar o argumentário com a prova testemunhal e documental existente nos autos, para em momento posterior, delimitar a factualidade apurada com relevância disciplinar que é de considerar provada e proceder ao seu enquadramento jurídico-disciplinar.
2 - Quanto aos riscos feitos no veículo automóvel de matrícula 97-TE-32 propriedade da funcionária M........
3 - Como se constata o trabalhador não contestou a matéria factual respeitante aos danos produzidos na viatura pessoal da trabalhadora M........ , tendo admitido em sede de defesa escrita que o fez de forma impulsiva e irrefletida, com o seu anel, e sem intenção de produzir tão grandes e profundos danos.
4 - Argumentando que o fez por um acumulado de algumas atitudes da própria trabalhadora M........, decorrente do facto da mesma querer “dar ordens a todos os colegas, metendo-se no trabalho de cada um, situação que o trabalhador D........., como mais velho da casa não aceita”, pelo facto da mesma “mandar piadas e pôr-se aos risinhos com os fiéis de armazém, quando o trabalhador D......... passa por ela”.
5 - Tendo em sede da audição, que ocorreu no dia 16 de dezembro de 2022, declarado que o fez por vingança, num único dia, que não sabe concretizar qual, se dia 18 ou dia 27 de julho de 2022, numa tarde pelas 14:30h, antes da volta de distribuição da tarde, tendo depois iniciado a seguir a distribuição com a carrinha.
6 - Esclarecendo que antes de produzir os riscos no carro se encontrava dentro do escritório, saiu do mesmo e dirigiu-se ao lado direito do carro e riscou essa parte do veículo, tendo a sensação que não terá atingido a primeira porta da frente, mas apenas a porta de trás e a mala do carro.
7 - E isso porque uma semana ou duas antes de ter efetuado os riscos no carro da colega, verificou num determinado dia, à hora de almoço, o seu carro apresentava riscos na lateral esquerda, no lado do condutor.
8 - E porque todos os dias ia ver o seu carro para ver se tinha mais algum risco, altura em que via a colega M........ com ar de troça a olhar para o carro e para si, pelo que interiorizou que fosse a colega M........ a ter feito tais danos o que o tirou do sério.
9 - Relativamente a este argumentário do trabalhador e no que respeita aos danos que o trabalhador produziu na viatura da colega de trabalho M........ e em face da prova constante dos autos, diga-se o seguinte:
10 - É facto comprovado nos autos e admitido pelo trabalhador D......... que este efetivamente produziu os danos na viatura ligeira de marca Renault, de matrícula 97-TE-32, pertencente à trabalhadora M........ .
11 - É facto comprovado que tal veículo que se encontrava estacionado no parque de estacionamento do Parque da Franqueada/Estaleiro da Franqueada, propriedade da Câmara Municipal.
12 - E que tal ocorreu durante o horário de trabalho de ambos os trabalhadores.
13 - Com base no depoimento da testemunha E........., a mesma declara que no dia 18 de julho de 2022, após a hora do almoço, verificou que a viatura da trabalhadora M........ apresentava riscos na lateral direita do passageiro, sendo um risco contínuo, de uma ponta à outra do veículo, abrangendo os quatro painéis da lateral direita, ou seja, o painel sobre a roda dianteira, a porta dianteira do passageiro, a porta traseira do passageiro, o painel sobre a roda traseira, sendo um risco fino mas profundo que atingiu a chapa, provocado por um objeto pontiagudo.
14 - Danos que a trabalhadora após ter tomado conhecimento reportou às chefias no dia 19 de julho de 2022, através de email, tendo nessa data solicitado a visualização de imagens.
15 - Demonstram também os autos que no dia 27 de julho de 2022 o trabalhador riscou o veículo da mesma colega, cuja prova resulta das imagens captadas da câmara de videovigilância, situada na portaria (junto à entrada do parque de estacionamento do estaleiro).
16 - Por essas imagens em zoom e slowmotion comprova-se que o trabalhador D......... , por volta das 9h:13m:30s da manhã, saiu da carrinha de serviço que estava estacionada no parque de estacionamento da Franqueada, dirigiu-se ao escritório, entrou nele às 9h:13:48s, saiu 11 segundos depois, ou seja às 9h:13m:59s, e ato contínuo dirigiu-se ao local onde se encontrava estacionado o veículo de marca Renault de matrícula 97-TE-32, da trabalhadora M........ , ou seja em frente ao escritório do armazém.
17 - E que pelas 9h:14m:11s contornando o veículo pela frente (capot) prosseguiu a sua marcha contornando o veículo pela lateral direita (do passageiro), sempre junto ao veículo.
18 - Continuou contornando a traseira (mala) do veículo em marcha com o braço esticado sobre a carroceria e a mão direita fechada deslizando-a sobre a chapa/pintura do veículo.
19 - Com este comportamento o trabalhador produziu riscos finos, mas profundos na pintura, atingindo a chapa do veículo, desde o capot até à traseira, produzidos por um objeto pontiagudo.
20 - Após este percurso o trabalhador D......... afastou-se em direção à carrinha do serviço e neste percurso (cerca de três a quatro metros do veículo da trabalhadora M........) introduziu um objeto que levava na mão no bolso dos calções que vestia.
21 - Resulta do depoimento da testemunha E......... que no final desse dia 27 de julho, o trabalhador D......... arremessou um objeto em direção à rede de vedação, junto da sala de convívio da Divisão da Salubridade, no Parque da Franqueada,
22 - Objeto que veio a apanhar assim que o trabalhador D......... se afastou, constatando tratar-se de um parafuso pontiagudo preto de cerca de 5 cm de comprimento, que entregou à trabalhadora M........, cuja foto se encontra nos autos.
23 - Como demostram os registos fotográficos insertos nos autos o veículo apresenta nos painéis do lado direito, desde o início da porta dianteira até ao final da porta traseira, dois riscos finos em tudo semelhantes, que correm mais ou menos paralelos um ao outro e que em determinado ponto da porta dianteira se sobrepõem em cruz.
24 - Ora, a descrição dos acontecimentos relatados pelo trabalhador D......... na audição do dia 16 de dezembro, são compatíveis com os factos que se encontram provados nos autos respeitantes ao dia 18 de julho de 2022 (data que indicou como provável).
25 - Ou seja: que na parte da tarde desse dia, pelas 14:30h, antes da volta da tarde, saiu do escritório, dirigiu-se ao lado direito do carro e riscou essa parte do veículo.
26 - Já que no dia 27 de julho de 2022 não restam dúvidas que os danos produzidos no carro foram efetuados logo pela manhã sendo que pelas 9h:13m:59s, o trabalhador saiu do estacionamento onde se encontrava a viatura de serviço, entrou na porta do escritório às 9h:13m:48s, saiu às 9h:13m:59s, e ato contínuo dirigiu-se ao veículo da trabalhadora estacionado praticamente em frente da porta e às 9h:14:11s, circundou o veículo pelo lado direito do passageiro com a mão e o braço esticado sobre carroceria/pintura. (imagens de videovigilância).
27 - Sendo que concluir que os dois riscos que correm paralelamente em tudo semelhantes, no lado direito do veículo (riscos que se cruzam na porta dianteira) não podiam ter sido efetuados num único dia, mas sim em dois.
28 - Sendo certo que a trabalhadora M........ no dia 18 de julho reportou superiormente tais riscos efetuados no seu veículo, assim como no dia 27 de julho de 2022.
29 - Sendo também relevante a Informação junto aos autos e, bem assim, o relatório fotográfico da GNR, cujas fotografias foram realizadas pela patrulha que esteve no local, tendo esta patrulha concluído após verificação que o veículo da queixosa apresentava “riscos” na parte traseira, no capô e na lateral do veículo
30 - E da forma como os “riscos” se apresentavam, dúvidas não restam de que “não se tratou de um ato negligente, mas sim, claramente de um ato doloso, com o propósito concretizado de danificar toda a pintura do veículo, nos vários painéis (capô, traseira e lateral), o que obriga a uma pintura completa do exterior do veículo, para a devida reparação”.
31 - Quanto à motivação para a sua conduta, alegou o trabalhador D......... , em sede de defesa escrita, que produziu os danos no carro da colega de forma impulsiva e irrefletida, “sem intenção de produzir tão grandes e profundos danos” e que o fez devido a comportamentos da própria trabalhadora (“dar ordens a todos os colegas, metendo-se no trabalho de cada um, situação que o trabalhador D........., como mais velho da casa não aceita”, pelo facto da mesma “mandar piadas e pôr-se aos risinhos com os fiéis de armazém, quando o trabalhador D......... passa por ela”).
32 - Já em sede da audição, que ocorreu no dia 16 de dezembro de 2022, o trabalhador declarou que o fez por vingança, pois que (“interiorizou” que a colega M........ uma semana antes lhe tinha riscado o seu carro, já que o mesmo apareceu com riscos e a viu com ar de troça a olhar para o carro e para si.
33 - A este propósito consta dos autos o Relatório da GNR, elaborado aquando da sua deslocação ao parque da Franqueada no dia 27 de julho de 2022, de cujo conteúdo relata o seguinte: “O denunciado D........., astutamente, denunciou que também lhe tinham danificado a pintura do seu veículo, de marca Renault, de matricula 88-EL-82 (veículo de que faz uso, mas que se encontra registado em nome do filho), alegando que os danos já tinham ocorrido em 19.07.2022 e também em 25.07.2022. Contudo, do registo fotográfico realizado pela patrulha ao veículo do ora denunciado — em fls. 4 e verso — deste expediente, verifica-se que não apresenta “riscos” semelhantes aos do veículo da queixosa M........, mas, tão somente se verifica o desgaste natural da pintura, contrariamente aos “riscos” que são bem visíveis e “frescos” que se apresentam no veículo da queixosa, através dos quais se nota que tinham sido produzidos momentos antes – pela ausência de pó ou outros elementos corrosivos que se acumulariam no interior dos “riscos"“rasgos realizados na pintura.”
34 - Corrobora esta avaliação o depoimento da testemunha E........., o qual refere: “nunca tendo o declarante se apercebido de riscos no mesmo veículo para além do que era normal.”
35 - Também a testemunha Q......... no seu depoimento confirma que: “…estando próximo do carro do colega D......... , sabendo que é um Renault preto e que estaciona também na frente da porta do escritório, olhou a pintura e viu a mesma danificada como se tivesse passado perto de arbustos, não sendo os mesmos danos profundos, nem que tenham sido feitos com intenção, sendo riscos normais de quem conduz um carro.”
36 - E bem assim a testemunha N.G........ no seu depoimento declarou: “tendo visto que os riscos no carro da M........ eram graves e que no caso do carro do D......... pareciam riscos feitos por arbustos e já com algum tempo.”
37 - Resulta ainda do Relatório da GNR que o trabalhador D......... não manifestou àquela Guarda a vontade de procedimento criminal sobre os danos que alegadamente teriam sido feitos no seu carro, tal como consta no ponto 9 daquele relatório, ao contrário da trabalhadora M........ que manifestou essa vontade.
38 - Donde se deve concluir que da análise dos argumentos do trabalhador D......... sobre o estado da pintura da viatura que conduz, não existir suporte para daí se extrair que tivesse havido intervenção de alguém na produção dos riscos que apresenta, e muito menos que a deterioração da pintura decorresse de ação da trabalhadora M........ .
39 - Pelo que a motivação do trabalhador (por vontade de vingança nas palavras do trabalhador ou pelo facto da colega querer dar ordens no serviço ou mandar piadas ou risinhos junto dos fiéis de armazém) não pode justificar o seu comportamento ou desculpar os seus atos.
40 - Sendo também de concluir que o comportamento do trabalhador D......... foi pensado e executado com vista a infligir prejuízos na viatura da colega, e que o fez de forma intencional e premeditada.
41 - Excluindo-se que tal decorresse de um ato negligente, imprudente ou inesperado.
42 - E excluindo-se que o trabalhador não tivesse antevisto o resultado que veio a ocorrer, com a gravidade que provocou.
43 - Ou que tenha agido em erro, em legítima defesa ou em estado de necessidade, ou com qualquer outra causa que excluísse ou diminuísse a sua culpa.
44 - Pelo que, ainda que hipoteticamente estivesse o trabalhador a ser vítima de piadas ou comentários por parte da trabalhadora M........, nada justificava que o trabalhador tivesse produzido tais danos na pintura da viatura da trabalhadora M........ , atingindo intencionalmente a chapa, abrangendo o capot, painel sobre a roda dianteira, a porta dianteira do passageiro, a porta traseira do passageiro, o painel sobre a roda traseira o painel traseiro (mala), comportamento que é diretamente imputável ao trabalhador D......... .
45 - Donde atenta a fundamentação que se acaba de descrever e os factos em questão, pode-se concluir que não se alcança qualquer causa de exclusão da ilicitude.
46 - Pelo que o mesmo possuía o total discernimento necessário, perante o mal que advém da prática da infração em valorar a conduta/resultado, não podendo ignorar que necessariamente com o seu comportamento iria produzir os danos graves na viatura da colega.
47 - No que respeita à utilização pelo trabalhador de linguagem grosseira e vexatória para com a sua colega, M........ , diga-se o seguinte:
48 - Em sede de defesa e posteriormente em sede de audição veio o trabalhador impugnar por não serem verdadeiros os factos que lhe são imputados, negando que tivesse utilizado linguagem grosseira e vexatória, nem que tenha por hábito usar tal linguagem, seja no trabalho, seja na sua vida particular.
49 - Ficou comprovado nos autos que no armazém de aprovisionamento na Franqueada não existia e não existe uma chefia intermédia.
50 - E que o trabalhador D......... não tem relação de subordinação com a trabalhadora M........, e por esse facto nem aceita as ordens desta.
51 - Sendo que antes do dia 1 de julho de 2021 a trabalhadora M........ recebia, através do seu telefone de serviço no escritório, pedidos urgentes das unidades orgânicas com vista a dar seguimento à distribuição dos materiais requisitados.
52 - Na sequência de tais pedidos a trabalhadora M........ dava indicações/instruções ao trabalhador D......... , o que gerava indignação deste, pois que não admitia a interferência desta no seu trabalho.
53 - E que a fim de evitar o conflito gerado por tal situação, a Chefe de Divisão reuniu com a equipa do armazém e implementou a partir daquela data (1 de julho de 2021) a autonomização das funções do trabalhador D......... , nomeadamente com a atribuição de um telemóvel de serviço para que o mesmo pudesse receber diretamente os contactos/urgências dos serviços camarários.
54 - E a partir da mesma data impôs a separação física do armazém e da zona de carga, medidas se mantiveram até à suspensão de funções do trabalhador.
55 - Sendo certo e comprovado que o trabalhador D......... se senta diariamente numa secretária no escritório, onde a trabalhadora M........ trabalha, seja antes de iniciar a volta da distribuição, seja após o regresso da parte da tarde.
56 - Sendo que é aí que existe maior confrontação com a colega M.........
57 - Demonstram os autos, através dos depoimentos dos trabalhadores E........., N.G........, C.M....., C.S......., Ângelo Cavaco, J........ Batista e do ex-trabalhador desta Edilidade C........., que ouviram diretamente no armazém de aprovisionamento (no interior ou exterior), local onde aqueles trabalham ou trabalharam, palavras, expressões e afirmações ofensivas proferidas pelo trabalhador D......... dirigidas à trabalhadora M........ ,
58 - Ofensas que os depoimentos das testemunhas referem ocorrer continuadamente desde setembro de 2019 e mais vincadamente no último ano.
59 - Tais palavras ou expressões que consistem em chamar a trabalhadora de: gorda”, “baleia”, “porca”, “vaca”, “vacalhona, ou esta vaca”, “esta puta”, “vaca gorda, ou expressões como: aquela gorda de merda”, “aquela puta de merda”, “puta de Almancil”, “a gorda tem a mania que é esperta”, “a gorda foi fazer queixinhas a chefe”, “vou fazer a folha à gorda como fiz ao P.........”, “vou tramar a gorda, são utilizadas com frequência pelo trabalhador.
60 - Está comprovado nos autos que no dia 13 de julho de 2022, o trabalhador D......... na presença do colega E........., no armazém do aprovisionamento, por altura dos incêndios de Almancil reagiu aos ditos incêndios proferindo: “agora é que esta vaca de duas pernas de Almancil devia morrer”.
61 - E que no dia 14 ou 15 do mesmo mês, o trabalhador D......... numa chamada telefónica com colega C.M....., na presença da trabalhadora M........ e em resposta a um pedido urgente para distribuição de águas para o Quartel dos Bombeiros, aquele irritado afirmou: “aquela gorda, puta de merda, vacarrona não tem nada que se meter no meu serviço”, “veio para cá e nenhum homem lhe pega, devia ter ficado na Venezuela a andar debaixo de um e de outro, que é o que fazia lá.”
62 - Palavras que eram dirigidas à trabalhadora M........ que é Venezuelana.
63 - Outras ofensas foram também ouvidas pelo ex trabalhador C........., o qual aquando da chegada da trabalhadora ao armazém do aprovisionamento “ouviu o D......... gritar com a M........ , tendo muitas vezes verificado que a M........ se encontrava a chorar depois do mesmo sair de perto de si. Declarando ainda que o ouviu chamar a M........ de “vaca gorda”, “puta de Almancil” e tantas outras expressões que limpou da memória”.
64 - Também o trabalhador C.S....... disse que observou: “os comportamentos ofensivos do trabalhador D......... para com a M........, bastando que a mesma se dirigisse ao armazém para falar com um dos colegas, para que o trabalhador D......... ficasse exaltado e começasse a ofender a trabalhadora, sendo que tal foi presenciado uma vez por si dentro do armazém do aprovisionamento dia em que lhe chamou de “gorda”, sendo que noutras vezes ele trabalhador D......... se dirigia ao declarante no seu armazém ou no exterior dizendo: “vou fazer a folha à gorda como eu fiz ao P.........”, “vou tramar a gorda”, “a gorda tem a mania que é esperta”, “a gorda foi fazer queixinhas a chefe”.
65 - E pelo trabalhador N.G........ que ouviu: “tanto no exterior junto ao banco de madeira onde se senta ou junto ao portão do armazém do aprovisionamento e diante dos colegas do trabalhador D........., ou seja J........ Delfim ou Ângelo ou outras outros trabalhadores das outras divisões, palavras obscenas dirigidas ã mesma ou até aos colegas. Concretizando que tais palavras são: "aquela gorda da merda”, “aquela puta de merda”, “aquela vaca"“, esclarecendo que: “estas expressões têm vindo a ser ditas desde o início em que trabalhador foi para o armazém do aprovisionamento e acontecendo todas as semanas até ao momento”, esclarecendo ainda dentro do escritório ouve “que tais expressões também lhe são ditas cara a cara, o que já aconteceu quando por vezes vai às instalações sanitárias ou beber café.”
66 - E também pelo trabalhador Â.......que admitiu que “ouviu chamar a M........ de “gorda” ouviu duas ou três vezes e nessas alturas até alertou o D......... para deixar de dizer o que dizia que perdia pontos, mas que o mesmo nunca ligou a essa sua observação”
67 - E do trabalhador J........ Batista o qual ouviu o trabalhador apenas de chamar a colega de “gorda”, uma ou duas vezes, admitindo “que se alguma destas coisas existe é dentro do escritório onde o declarante não se encontra, pois normalmente está na rua”.
68 - Tal linguagem também é do conhecimento, ainda que indiretamente, do trabalhador Q........., S........ Vicente, J........ Paulo Filipe, Chefe de Divisão Dr.ª P.........; Diretor de Departamento Dr. F........, Dr. M.R.........
69 - Os quais declararam que sabem que as mesmas ofensas ocorreram porque lhe foram relatadas por outros trabalhadores ou pela própria.
70 - Tendo as chefias solicitado que a trabalhadora M........ formalizasse uma queixa, o que só veio acontecer com a que deu origem aos presentes autos.
71 - E/ou não desconhecem o estado em que a trabalhadora ficava, chorosa, chocada e ofendida na sequência das ofensas.
72 - Provado ficou também através do depoimento das testemunhas que o trabalhador profere tais palavras na conversa com elas, na frente da trabalhadora M........ ou simplesmente atirando para ar para que a mesma oiça.
73 - Bastando que a trabalhadora M........ se dirija a um dos colegas do armazém, o que originava de imediato que o trabalhador D......... a proferir as enunciadas expressões ofensivas.
74 - Como decorre do depoimento da testemunha Q........., corroborado pela Chefe de Divisão, Drª P........., este evita encontrar-se com o trabalhador D......... , entrando ao serviço mais tarde, para não ouvir o que este diz e para não reagir.
75 - Demostrado ficou também que tal comportamento foi objeto de uma Mediação de Conflitos, realizada de julho a setembro de 2021, entre os dois trabalhadores e o Técnico M.R.........
76 - Tendo este declarado em sede de audição que lhe foi relatado que o trabalhador D......... ofendia verbalmente com palavras pesadas e agressivas a trabalhadora M........ .
77 - Sendo que tal relato decorre também da ação mediação de conflitos, na qual os mesmos expuseram ao mesmo Técnico os motivos do conflito, tendo a trabalhadora M........ identificado “ter sido alvo de comportamentos verbais agressivos por parte do trabalhador D......... ; o trabalhador D......... referencia que a trabalhadora M........ interfere constantemente no seu trabalho e que “fala mal nas costas”.
78 - Resultando ainda do dito Relatório que: “nas sessões foi notório um grande ressentimento, de parte a parte, relativamente a comportamentos ocorridos no passado, pelo que o conflito continua latente, podendo eventualmente no futuro ocorrer novos episódios.”
79 - Resultando do supra exposto que as declarações das testemunhas ouvidas nos autos não deixam margem para dúvidas quanto ao facto do trabalhador D......... ter continuadamente vindo a infringir de forma grave o dever de correção para com a trabalhadora M........ .
80 - Comportamento que o trabalhador adotava perante o facto de entender que a colega interferia no seu serviço.
81 - Sendo que tal comportamento, para além de constituir uma grave falta de respeito, de correção e de urbanidade, constitui também um comportamento injurioso e difamatório.
82 - Por fim, diga-se: ainda que o trabalhador tenha declarado estar arrependido da produção dos riscos no veículo da trabalhadora M........ , não existe demonstração nos autos desse arrependimento, nomeadamente, pela reparação do dano, pelo propósito sério da sua reparação, ou até pela apresentação de desculpas à lesada.
83 - Da danificação da porta que dá acesso à cozinha devido a um pontapé
84 - Quanto ao facto do trabalhador ter produzidos danos na porta que dá acesso à sala de refeições, no dia 4 de agosto de 2022, diga-se o seguinte:
85 - É facto que o trabalhador D......... admitiu na sua defesa escrita que forçou a dita porta e em sede de declarações que deu um empurrão na mesma, tendo esta acabado por abrir, negando que tivesse ficado marcada a sola do seu sapato na mesma porta e que voluntariamente arranjou a mesma.
86 - Está comprovado nos autos que no dia 4 de agosto de 2022, por volta das 15:30H o trabalhador D......... dirigiu-se à sala de refeições, no Armazém de Aprovisionamento do parque da Franqueada, para beber um café no dizer das testemunhas ou comer uma sandes e beber um Benuron no dizer do trabalhador D......... .
87 - Sendo que após se ter apercebido que a dita porta estava fechada à chave, produziu um impacto na mesma porta e com tal ato a porta abriu-se.
88 - Provocando tal impacto danos na porta, sendo que os parafusos do puxador ficaram caídos no chão, o aro de madeira que suporta o batente lateral ficou rachado e o batente onde encaixa o trinco da porta ficou caído, e a marca do puxador na parede, tal como demonstram os registos fotográficos insertos nos autos, a fls. 198 a 201.
89 - Comprovado ficou também que o estrondo provocado pelo impacto foi ouvido no interior do armazém de aprovisionamento pelos trabalhadores E......... que se encontrando este mais próximo do escritório ouviu um estrondo e verificou que o D......... tinha arrombado com um pé a porta de acesso onde se encontra o frigorifico, deixando lá a sua pegada.
90 - E que o trabalhador Q........., após o colega E......... ter ouvido o estrondo “deslocou-se com o mesmo para ver o que tinha acontecido, altura em que o trabalhador D......... já estava a sair do escritório, tendo então visto a dita porta partida, parafusos no chão e que a mesma tinha sido arrombada com um pé, deixando na porta lá a sua pegada e na parede o sinal em como o puxador bateu na parede”
91 - Sendo que relata o trabalhador Nuno Alexandre Sousa Guerreiro “quanto se dirigia para o escritório da sua divisão ao pé da oficina, a fim de entregar folhas de serviço diárias ouviu um estrondo de algo a rebentar, tendo sabido pouco depois que o D......... tinha arrombado a porta que dá para a sala da máquina de café.”
92 - Dos relatos e dos registos fotográficos não se alcança que um simples forçar da fechadura pudesse produzir o estrondo que foi ouvido no interior ou exterior do armazém, até porque existem paredes em alvenaria que dividem estes espaços.
93 - Nem se alcança que perante os danos provocados, comprovados nos autos, o trabalhador não tivesse usado de violência, tenha ela sido produzida através de um empurrão ou encontrão, como admitiu o trabalhador D......... na sua audição.
94 - Ou tenha ela sido produzida através de um pontapé como referem as testemunhas E......... e Q......... que viram uma marca da sola de um calçado na dita porta, como consta de fls. 201.
95 - Marca que o trabalhador alega que não é do seu calçado, uma vez que usa habitualmente alpercatas de pano no dia a dia, o que para o efeito sendo importante não é determinante para diminuir a sua responsabilidade, em face da atitude de violência relatado e do dano provocado.
96 - Argumenta o trabalhador na sua defesa que o seu comportamento foi motivado pelo facto de querer comer uma sandes e tomar um Benuron.
97 - Está demonstrado nos autos que o trabalhador solicitou através de chamada telefónica, efetuada para o secretariado da Divisão nesse mesmo dia, a intervenção dos serviços camarários da carpintaria para que estes procedessem à reparação dos danos, facto que resulta das declarações das trabalhadoras Nélia Café e S........ Vicente.
98 - E que no telefonema efetuado para a trabalhadora N......... o trabalhador D......... deu indicação de que “queria beber café, que a porta se encontrava trancada à chave e que não se encontrava ninguém no armazém para abrir a porta e que nessa sequência tinha forçado a fechadura, tendo esta ficado danificada e a necessitar de arranjo.”
99 - E que perante a estranheza de tal telefonema e após o Diretor de Departamento ter tomado conhecimento da situação, o mesmo não deu consentimento para o arranjo por parte da carpintaria, sendo que este pediu, por escrito, explicações do sucedido ao trabalhador.
100 - Tendo sido este o facto que deu origem a que o trabalhador tenha tentado pelos seus meios remediar a situação com a reparação parcial dos danos provocados, antes da entrada dos colegas no dia seguinte.
101 - Afigura-se, assim, que os motivos invocados pelo trabalhador (beber um café, tal como referiu às testemunhas N......... ou S........ Vicente na hora da ocorrência ou comer uma sandes/tomar um benuron, como mencionou no email que enviou no dia seguinte ao Diretor de Departamento, Dr. F........), sem estrita observância dos pressupostos e requisitos que afastariam a ilicitude do facto praticado, designadamente ao abrigo do artigo 34º do Código Penal, não podem merecer colhimento, uma vez que, não se vislumbra do alegado a existência da sensível superioridade do interesse a salvaguardar, não sendo aceitável para um homem médio tal comportamento com aquela motivação.
102 - Tanto mais que ficou demonstrado nos autos e admitido pelo trabalhador D......... que este não encetou qualquer diligência para saber onde se encontrava a chave da porta, sabendo que ao contrário do que indicou o trabalhador no telefonema que fez para a Divisão, os fiéis de armazém afinal encontravam-se no armazém.
103 - Sendo que ato continuo usou de uma ação violenta, arrombando a dita porta que é propriedade da Câmara, causando danos não só na fechadura como no batente de madeira que ficou rachado e uma marca na parede.
104 - Sendo certo que outras alternativas menos danosas se colocavam ao trabalhador para atingir aquela finalidade e suprir a alegada necessidade, nomeadamente procurar saber da chave junto dos fiéis de armazém, o que a ser feito de imediato teria acesso à mesma, telefonar à chefia/secretariado da divisão).
105 - E só o fez depois dos danos causados.
106 - Resulta do que supra se expõe que o não agiu o trabalhador nem em estado de necessidade, nem em erro ou qualquer outra causa que excluísse ou diminuísse a sua culpa, pelo que se tem de concluir que o mesmo possuía o total discernimento necessário para a ação e em consequência para os danos produzidos.
VI - Dos factos provados:
1. Pelo exposto, e atendendo à prova produzida em sede de instrução, constante dos autos, à defesa do trabalhador, documentos anexos e depoimentos das testemunhas arroladas, entende-se ser de considerar provada a seguinte factualidade constante da matéria acusatória, com interesse direto para os autos:
2. O trabalhador foi admitido em 17 de outubro de 1995, integra o mapa de pessoal da entidade empregadora pública Câmara Municipal de Loulé e encontra-se afeto à Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública, que integra o Departamento de Administração e Finanças.
3. O trabalhador tem horário flexível, entrando ao serviço habitualmente por volta das 8:30H e saindo por volta da 16:30H.
4. A Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública assegura o armazenamento e gestão material no armazém geral de aprovisionamento, sito no Parque da Franqueada, concelho de Loulé, também conhecido por Estaleiro da Franqueada,
5. O armazém de aprovisionamento está sob a alçada direta da Chefe de Divisão, Dr.ª P........., reportando esta ao Diretor de Departamento de Administração e Finanças, Dr. F.........
6. O Parque da Franqueada é propriedade da Câmara Municipal de Loulé.
7. O Parque da Franqueada possui diversos serviços camarários (armazém geral de aprovisionamento, salubridade, jardins, carpintaria, etc.) e um parque de estacionamento para uso privativo, totalmente vedado e vigiado com sistema de videovigilância com câmaras exteriores para captação de imagens (CCTV), o qual é gerido pela Serviço Municipal de Proteção Civil, Segurança e Florestas.
8. Estão afetos à Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública - armazém geral de aprovisionamento - os Assistentes Operacionais E......... e M.G......., exercendo as funções de fiéis de armazém, os Assistentes Operacionais D........., J.F....... (também conhecido por J........), Â........, com as funções de distribuição de material de consumo interno nos serviços camarários e a Assistente Técnica M........., com funções administrativas nas compras e encomendas a fornecedores.
9. Os trabalhadores do armazém encontram-se autonomizados em termos físicos e funcionais e reportam diretamente à Chefe de Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública, Dr.ª P..........
10. Não existe um responsável intermédio (coordenador/encarregado) dessa área.
11. O armazém geral de aprovisionamento compõe-se pela área de armazém propriamente dita, área destinada à distribuição de material corrente para uso dos serviços camarários, escritório, instalação sanitária e pela sala de refeições/cozinha.
12. O escritório possui duas secretárias, uma delas adstrita à trabalhadora M........ e a outra para utilização do trabalhador D........., a qual ocupa sem horário fixo mas geralmente no início das manhãs e no final das tardes.
13. A sala de refeições está equipada com frigorífico, máquina de café e micro-ondas.
14. O trabalhador D......... iniciou as funções inerentes à sua categoria Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública/armazém de aprovisionamento em 01 de fevereiro de 2019, sendo que antes exerceu funções na então Divisão do Desporto/Divisão de Gestão de Infraestruturas Desportivas (de 17 de julho de 1998 a 31 de janeiro de 2019) e também anteriormente na Divisão de Turismo (17 de outubro de 1995 a 16 de julho de 1998).
15. O trabalhador tem o 12º ano de escolaridade e é representante sindical do SINTAP- Sindicato dos Trabalhadores de Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (Secção Regional do Algarve).
16. A trabalhadora M........., reside em Almancil e iniciou funções na Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública/armazém de aprovisionamento em 11 setembro de 2019.
17. A trabalhadora estaciona habitualmente a sua viatura ligeira de marca Renault, de matrícula ……32, de cor laranja, no dito parque de estacionamento do Parque da Franqueada/Estaleiro da Franqueada, em frente ao escritório do armazém de aprovisionamento.
18. No dia 18 de julho de 2022 a trabalhadora M........ estacionou a viatura antes identificada no dito local, ou seja, na frente ao escritório do armazém de aprovisionamento e aí esteve durante todo o horário de expediente.
19. Após o almoço do dia 18 de julho de 2022, o trabalhador E......... verificou que o veículo da colega M........ apresentava, na parte lateral direita (lado do passageiro), um risco contínuo.
20. Na manhã do dia 19 de julho de 2022 a trabalhadora M........ foi alertada pelo seu colega E.G........ sobre os danos da sua viatura.
21. Na manhã do dia 19 de julho de 2022 a trabalhadora tomou conhecimento que o seu veículo tinha sido danificado, com um risco contínuo na pintura, fino mas profundos, que atingiu a chapa dos quatro painéis da lateral direita, ou seja, o painel sobre a roda dianteira, a porta dianteira do passageiro, a porta traseira do passageiro, o painel sobre a roda traseira.
22. O risco foram provocados por um objeto pontiagudo de forma intencional.
23. No dia 19 de julho de 2022, pelas 17h:01m a trabalhadora M........ reportou os danos às chefias, tendo enviado email, dirigido à Chefe de Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública, Drª P........., ao Diretor de Departamento, Dr. F........, ao Vereador D......... e à Vereadora My......... informando sobre “Carro riscado”, informando dos riscos no carro e solicitando que fossem vistas as imagens das câmaras de videovigilância.
24. Tal email mereceu resposta da Chefe de Divisão, com conhecimento do Diretor de Departamento Dr. F........, do Sr. Vereador D......... e da Sr.ª Vereadora My........., a fim da trabalhadora informar onde se encontrava o veículo.
25. Tendo a trabalhadora respondido: “Estaciono sempre no mesmo sítio de frente ao nosso armazém, como pode ser visto numa das fotos que enviei ontem em anexo, hoje vou ao posto da GNR fazer queixa do sucedido como várias pessoas me têm sugerido, incluindo a Dr.ª, liguei mas tem que ser lá no posto, vou na hora do almoço”.
26. Nesse dia a Sr.ª Vereadora My......... autorizou a visualização das imagens.
27. Igualmente no dia 27 de julho de 2022, a trabalhadora estacionou a sua viatura pessoal antes das 9:00h, em frente ao escritório do armazém do aprovisionamento, no Parque da Franqueada/Estaleiro da Franqueada.
28. O trabalhador D......... entrou nesse dia ao serviço às 8:25H.
29. Nesse dia 27 de julho, pela hora de almoço, constatou a trabalhadora M........ a existência de novos riscos na sua viatura.
30. Desta feita no capot e na mala (traseira) e outro risco na lateral direita da mesma.
31. Pelas 14h19m desse dia 27 de julho, a trabalhadora reportou também a situação às suas chefias, tendo enviado email dirigido à Chefe de Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública, Drª P........., ao Diretor de Departamento de Administração e Finanças, Dr. F........, ao Vereador D......... e à Vereadora My........., informando o seguinte:
32. “Informo que acabo de chamar a GNR, isto não pode continuar a acontecer. Peço desculpa mas estou muito nervosa e farta de chorar”.
33. Nesse dia 27 de julho de 2022, pelas 14h:45h, a GNR de Loulé deslocou-se ao local onde se encontrava estacionada a viatura de matrícula ……32, de cor laranja, pertencente à trabalhadora M........ - a pedido da mesma.
34. A patrulha da GNR efetuou no local relatório fotográfico confirmando que o veículo da trabalhadora M........ apresentava riscos no capot, na lateral direita do mesmo, de um extremo ao outro e na traseira (mala do veículo).
35. Os riscos produzidos no veículo da trabalhadora apresentavam as mesmas caraterísticas dos riscos produzidos no dia 18 de julho do mesmo ano: riscos finos e profundos na pintura, atingindo a chapa do veículo, produzidos por um objeto pontiagudo, efetuados de forma intencional.
36. A GNR solicitou aos serviços da Edilidade a visualização das imagens das câmaras de videovigilância existentes no Parque da Franqueada.
37. Após visualização das imagens de vídeo de várias câmaras, dos fotogramas ampliados e em “slow motion”, confirmou-se que o autor dos danos na pintura no veículo da trabalhadora M........, é o trabalhador D..........
38. Nas instalações da GNR veio o trabalhador E........., o trabalhador Q......... e a trabalhadora M........, identificaram o trabalhador como autor dos danos através das imagens de videovigilância visualizadas.
39. Das imagens obtidas pela câmara de videovigilância situada na portaria da entrada do parque da Franqueada, confirmou-se o seguinte:
40. Pelas 9h:13m.30s, o trabalhador D......... saiu do estacionamento onde se encontrava a viatura de serviço, entrou na porta do escritório às 9h:13m:48s, saiu às 9h:13m:59s, e ato contínuo dirigiu-se ao veículo da trabalhadora estacionado em frente da porta.
41. O trabalhador circundou o veículo em questão pela frente (capot), tendo após isso prosseguido a sua marcha contornando o veículo pela lateral direita (do passageiro), sempre junto ao veículo.
42. E ato contínuo, contornando a traseira (mala) do veículo, fê-lo em marcha com o braço esticado em direção ao mesmo veículo e a mão direita fechada deslizando-a sobre a chapa/pintura do veículo, facto que ocorreu pelas 9h:14m:11s, tal como é visível nas imagens captadas da câmara de videovigilância a portaria e vistas de costas.
43. Após este percurso o trabalhador D......... afastou-se em direção à carrinha do serviço e neste percurso (cerca de três a quatro metros do veículo da trabalhadora M........) introduziu o objeto que levava na mão no bolso dos calções que vestia.
44. Na tarde desse dia 27 de julho, o trabalhador D......... arremessou um objeto em direção à rede de vedação, junto da sala de convívio da Divisão da Salubridade, no Parque da Franqueada.
45. Tendo a testemunha E......... verificado que no local se encontrava um parafuso com cerca de 5 cm pontiagudo, parafuso que foi guardado e entregue à trabalhadora M.........
46. Tal objeto é compatível com o objeto que produziu os riscos na pintura do dito veículo, riscos finos mas profundos que atingiu a chapa do mesmo.
47. O trajeto efetuado junto do carro, contornando o mesmo desde o capot até à traseira, com a mão do trabalhador fechada a deslizar sobre a pintura do veículo e a introdução do objeto que levava na mão no bolso dos calções, e ainda, pelas características dos riscos, indicam que este produziu de forma intencional os danos na pintura da viatura da trabalhadora M.........
48. E que o fez por vingança, pois que “interiorizou que a colega M........ uma semana antes lhe tinha riscado o seu carro, já que o mesmo apareceu com riscos e a viu com ar de troça a olhar para o carro e para si.”
49. E por não aceitar que a trabalhadora M........ desse “ordens a todos os colegas, metendo-se no trabalho de cada um”, e por “mandar piadas e pôr-se aos risinhos com os fiéis de armazém, quando o trabalhador D......... passa por ela”
50. A Informação da GNR e o relatório fotográfico da GNR concluíram que o veículo da queixosa apresentava “riscos” na parte traseira, no capô e na lateral do veículo.
51. E da forma como os “riscos” se apresentavam, concluiu tal relatório ainda que “não se tratou de um ato negligente, mas sim, claramente de um ato doloso, com o propósito concretizado de danificar toda a pintura do veículo, nos vários painéis (capô, traseira e lateral), o que obriga a uma pintura completa do exterior do veículo, para a devida reparação”.
52. Sendo que tal relatório da GNR (fls.2 a 9), menciona ainda que:”O denunciado D........., astutamente, denunciou que também lhe tinham danificado a pintura do seu veículo, de marca Renault, de matricula ……-82 (veículo de que faz uso, mas que se encontra registado em nome do filho), alegando que os danos já tinham ocorrido em 19.07.2022 e também em 25.07.2022.
53. Contudo, do registo fotográfico realizado pela patrulha ao veículo do ora denunciado - em fls.4 e verso - deste expediente, verifica-se que não apresenta "riscos" semelhantes aos do veículo da queixosa M........, mas, tão somente se verifica o desgaste natural da pintura, contrariamente aos “riscos” que são bem visíveis e “frescos” que se apresentam no veículo da queixosa, através dos quais se nota que tinham sido produzidos momentos antes - pela ausência de pó ou outros elementos corrosivos que se acumulariam no interior dos “riscos”/rasgos realizados na pintura.”
54. Facto corroborado pela testemunha E......... que declarou que, “nunca tendo o declarante se apercebido de riscos no mesmo veículo para além do que era normal.”
55. Também pela testemunha Q......... “...estando próximo do carro do colega D........., sabendo que é um Renault preto e que estaciona também na frente da porta do escritório, olhou à pintura e viu a mesma danificada como se tivesse passado perto de arbustos, não sendo os mesmos danos profundos, nem que tenham sido feitos com intenção, sendo riscos normais de quem conduz um carro.”
56. E bem assim pela testemunha N.G........: “tendo visto que os riscos no carro da M........ eram graves e que no caso do carro do D......... pareciam riscos feitos por arbustos e já com algum tempo.”
57. O trabalhador D......... não manifestou àquela Guarda Nacional a vontade de procedimento criminal sobre os danos que alegadamente teriam sido feitos no seu carro.
58. Ao contrário da trabalhadora M........ que manifestou essa vontade.
59. A deterioração da pintura não decorreu de ação da trabalhadora M.........
60. O trabalhador D........., para além das suas funções na distribuição do material de consumo interno nas unidades orgânicas da Câmara Municipal de Loulé, tem atribuída uma secretária e um computador no escritório que utiliza, para vários fins, incluindo pessoais e sem horário definido, colocada ao lado da secretária da trabalhadora M…...
61. O armazém do aprovisionamento não tem responsável intermédio (coordenador/encarregado), formal ou informal.
62. Na data em que a trabalhadora M........ iniciou funções no armazém de aprovisionamento (11 de setembro de 2019) e até 30 de junho de 2021, esta recebia via telefone fixo chamadas dos serviços camarários, com vista a saber o estado das requisições, as datas previstas para entrega do material requisitado e a solicitar urgência na entrega.
63. A trabalhadora M........ na sequência destas chamadas diligenciava/solicitava junto do trabalhador D......... de forma a este poder dar seguimento a esses pedidos que os serviços entendiam serem urgentes.
64. O trabalhador D......... não tem relação de subordinação com a referida trabalhadora, não recebendo instruções de trabalho da trabalhadora M........, mas tão somente da Chefe de Divisão, Drª P........., reportando diretamente à mesma.
65. A relação laboral entre ambos por esse facto, sempre foi uma relação conflituosa desde o início.
66. Em 15 de junho de 2021, em resultado desses conflitos que vinham ocorrendo, foi promovida uma reunião conjunta promovida pela Chefe de Divisão, Drª P........., onde estiveram presentes os trabalhadores do armazém e outros elementos da autarquia.
67. Tal reunião visava a tomada de medidas de forma a evitar os conflitos existentes no armazém entre os vários setores, incluindo os conflitos existentes entre o trabalhador D......... e a trabalhadora M........ e os conflitos daquele com os fiéis de armazém.
68. Nessa reunião foi decidido atribuir, a partir de 1 de julho de 2021, à equipa da distribuição, um telemóvel de serviço para que o trabalhador D......... atendesse diretamente os pedidos urgentes efetuados pelos serviços.
69. Não podendo desta forma a trabalhadora M........ receber pedidos urgentes, devendo os mesmos ser solicitados diretamente através daquele telemóvel.
70. O trabalhador manteve até à data da suspensão de funções o atendimento das chamadas dos serviços.
71. Foi também decidido que os setores do armazém ficariam autonomizados.
72. Ficando os fiéis de armazém responsáveis pela receção da mercadoria, pela conferência e separação para entrega.
73. Criando zonas delimitadas onde se poderia circular e zonas em que não podia ultrapassar, designadamente na zona de armazém geral e zona de carga para distribuição.
74. Os fiéis de armazém não sentiam com à vontade com a permanência dos trabalhadores da distribuição no armazém.
75. Tais medidas alcançaram o objetivo de não se interferir nas funções uns dos outros.
76. Em julho de 2021 promoveu ainda a Chefe de Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública junto da Divisão de Gestão de Pessoas a realização de uma ação de mediação de conflitos entre o trabalhador visado e a trabalhadora M.........
77. Ação que foi levada a cabo através do Técnico Superior M.R........ (psicólogo) e da Assistente Técnica N.R........, e que decorreu entre 8 de julho de 2021 e 17 de setembro de 2021.
78. Tendo apenas sido possível realizar duas sessões efetivas de 50 minutos cada.
79. E de cujo processo resultou o Relatório de Mediação de Conflitos, datado de 22 de setembro de 2021.
80. No decorrer da mediação e segundo tal relatório, foi realizada uma segunda sessão em 18 de agosto de 2021, com a intervenção de ambos trabalhadores, com vista a exporem os motivos do conflito.
81. Tendo a trabalhadora M........ identificado “ter sido alvo de comportamentos verbais agressivos por parte do trabalhador D.........; o trabalhador D......... referencia que a trabalhadora M........ interfere constantemente no seu trabalho e que “fala mal nas costas””.
82. Ainda segundo o relatório de mediação de conflitos, “Com base nos relatos é evidente o escalar do conflito ao longo do tempo, o que provocou uma enorme animosidade entre os intervenientes, com posições nesta fase inflexíveis relativamente à possibilidade de uma reconciliação”.
83. Mediação que concluiu ainda que os “conflitos existentes advêm essencialmente de problemas de comunicação, de interferência no trabalho do outro e, eventualmente, da inexistência de um responsável intermédio (coordenador/encarregado), formal ou informal, pelos serviços localizados no Parque Autárquico da Franqueada.”
84. Mediação que não foi concluída, uma vez que, segundo o dito relatório, o “trabalhador D......... pretendeu terminar o processo estando apenas disponível para continuar se ocorressem sessões em grupo; a trabalhadora M........ estava disponível para continuar o processo, mas não estava disponível para sessões de grupo”
85. E ainda que: “nas sessões foi notório um grande ressentimento, de parte a parte, relativamente a comportamentos ocorridos no passado, pelo que o conflito continua latente, podendo eventualmente no futuro ocorrer novos episódios.”
86. Por altura da entrada da trabalhadora M........ no armazém de aprovisionamento (11 de setembro de 2019), na presença do trabalhador Q......... e na sequência de um pedido de urgência de entrega de material que foi efetuado pelos serviços da Câmara para o telefone daquela trabalhadora, pedido que foi transmitido por esta ao trabalhador D........., este aos gritos disse-lhe: “urgências só no Hospital”, “não te metas no meu serviço”, “o teu lugar é no escritório”.
87. Tendo os gritos prosseguido dentro do escritório, local onde o trabalhador D......... tem uma secretária para sua utilização, deixando a trabalhadora M........ em choro.
88. No local de trabalho e durante o horário de trabalho é frequente o trabalhador D.......... usar linguagem grosseira e vexatória, dirigida à trabalhadora M........ , chamando-a de “gorda”, “baleia”, “porca”.
89. O trabalhador D......... utiliza frequentemente linguagem agressiva e obscena, chamando à trabalhadora “vaca”, “vacalhona”, ou “esta vaca”, “esta puta”, “vaca gorda”, ou utiliza expressões como: “aquela gorda de merda”, “aquela puta de merda”, “puta de Almancil”, “a gorda tem a mania que é esperta”, “a gorda foi fazer queixinhas à chefe”.
90. Sem que ocorra motivo para a utilização da tal linguagem, proferindo tais palavras na conversa com colegas de trabalho, na frente da trabalhadora M........ ou simplesmente atirando para ar para que a mesma oiça.
91. Tais palavras e expressões têm sido proferidas, deste modo, continuadamente semana após semana (com exceção de um período de acalmia na fase do processo de mediação).
92. E mais repetitivamente de há um ano a esta parte (desde setembro de 2021), sem motivo para tal.
93. Bastando que a trabalhadora M........ se dirija a um dos colegas do armazém, o que leva de imediato o trabalhador D......... ........ a proferir as enunciadas expressões ofensivas.
94. Por altura do incêndio na freguesia de Almancil, que ocorreu no dia 13 de julho do corrente ano, o trabalhador D......... ........, no seu local de trabalho, na hora de serviço perante as notícias do agravamento da situação, proferiu em frente à trabalhadora e em frente ao trabalhador E.G........: “agora é que esta vaca de duas pernas de Almancil devia morrer”.
95. Fazendo uma alusão à grande extensão dos incêndios e ao facto da trabalhadora M........ residir nessa localidade.
96. Por volta dos meados de julho de 2022, no dia 14 ou 15 de julho, perante uma chamada telefónica da trabalhadora C.M..... (afeta ao Gabinete de Bombeiros Municipais e Heliporto), efetuada do seu telefone fixo do serviço em mãos livres, para o telemóvel da equipa de distribuição, com vista a confirmar a entrega de garrafas de água para o fim de semana no quartel, que sabia estar em armazém, o trabalhador D......... ........ começou a disparatar ao telefone.
97. Em tom visivelmente alterado e irritado foi dizendo: “aquela gorda, puta de merda, vacarrona não tem nada que se meter no meu serviço”, “veio para cá e nenhum homem lhe pega, devia ter ficado na Venezuela a andar debaixo de um e de outro, que é o que fazia lá.”.
98. O que deixou a trabalhadora C.M..... em estado de choque perante tais afirmações e a trabalhadora M........ que presenciou o telefonema em pranto.
99. O ex trabalhador C........., aquando da chegada da trabalhadora ao armazém do aprovisionamento (por volta de setembro de 2019) ouviu o D......... gritar com a M........ , tendo muitas vezes verificado que a M........ se encontrava a chorar depois do mesmo sair de perto de si.
100. E que ainda que o ouviu chamar a M........ de “vaca gorda”, “puta de Almancil”.
101. O trabalhador C.S....... observou os comportamentos ofensivos do trabalhador D......... para com a M........, bastando que a mesma se dirigisse ao armazém para falar com um dos colegas, para que o trabalhador D......... ficasse exaltado e começasse a ofender a trabalhadora,
102. Tendo presenciado no armazém do aprovisionamento que chamou a trabalhadora M........ de “gorda”, e noutras vezes lhe disse no interior ou exterior dizendo: “vou fazer a folha à gorda como eu fiz ao P.........”, “vou tramar a gorda”, “a gorda tem a mania que é esperta”, “a gorda foi fazer queixinhas à chefe”.
103. O trabalhador N.G........ ouviu, tanto no exterior junto ao banco de madeira onde se senta ou junto ao portão do armazém do aprovisionamento e diante dos colegas do trabalhador D........., ou seja J........ ou Â……. ou outras outros trabalhadores das outras divisões, palavras obscenas dirigidas à mesma ou ate aos colegas.
104. Tendo ouvido dirigir-se à trabalhadora como: “aquela gorda da merda”, “aquela puta de merda”, “aquela vaca””,
105. Expressões que têm vindo a ser ditas desde o início em que trabalhador foi para o armazém do aprovisionamento e acontecendo todas as semanas até ao momento.
106. E que tais expressões também lhe são ditas na cara da trabalhadora M........ , o que já aconteceu quando por vezes vai às instalações sanitárias ou beber café.”
107. O trabalhador Â....... ouviu chamar a M........ de “gorda” “duas ou três vezes e nessas alturas até alertou o D......... para deixar de dizer o que dizia que perdia pontos, mas que o mesmo nunca ligou a essa sua observação”
108. E do trabalhador J........ o qual ouviu o trabalhador apenas de chamar a colega de “gorda”, uma ou duas vezes, admitindo “que se alguma destas coisas existe é dentro do escritório onde o declarante não se encontra, pois normalmente está na rua”.
109. O trabalhador profere tais palavras na conversa com elas, na frente da trabalhadora M........ ou simplesmente atirando para ar para que a mesma oiça.
110. Bastando que a trabalhadora M........ se dirija a um dos colegas do armazém, o que originava de imediato que o trabalhador D......... a proferir as enunciadas expressões ofensivas.
111. Como decorre do depoimento da testemunha Q........., corroborado pela Chefe de Divisão, Drª P........., este evita encontrar-se com o trabalhador D........., entrando ao serviço mais tarde, para não ouvir o que este diz e para não reagir.
112. A linguagem utilizada pelo trabalhador é do conhecimento, ainda que indiretamente, do trabalhador Q........., S........, J........, Chefe de Divisão Drª P.........; Diretor de Departamento Dr. F........, Dr. M.R.........
113. Os quais sabem que as mesmas ofensas ocorreram porque lhe foram relatadas.
114. Tendo as chefias solicitado que a trabalhadora M........ formalizasse uma queixa, o que só veio acontecer com a que deu origem aos presentes autos.
115. E/ou não desconhecem o estado em que a trabalhadora ficava, chorosa, chocada e ofendida na sequência das ofensas.
116. A relação do trabalhador D......... com os fiéis de armazém é conflituosa desde o início em que este iniciou funções no armazém (fevereiro de 2019).
117. Ao ponto do trabalhador Q......... evitar o contacto pessoal com o trabalhador D......... nas instalações do armazém, fazendo horário que lhe permita não se cruzar o mesmo, com vista a não ouvir as provocações do trabalhador D......... e a não haver confusão.
118. Comportamento que o trabalhador Q......... manteve até à data em que aquele foi suspenso de funções.
119. A trabalhadora M........ reside em Almancil e por isso toma diariamente o seu almoço na sala de refeições do escritório do armazém de aprovisionamento, equipada com frigorífico, micro-ondas, máquina de café, etc.
120. E utiliza diariamente o frigorifico aí existente para colocar os seus géneros alimentícios e bebidas, nomeadamente a sua garrafa de coca-cola, os quais permanecem de uns dias para os outros.
121. O local é de utilização comum.
122. No dia 04 de agosto de 2022 a trabalhadora M........ entrou ao serviço no às 08:49H, não tendo quaisquer outras picagens.
123. Nesse dia 04 de agosto o trabalhador D......... foi o primeiro a entrar ao serviço, resultando das suas picagens que entrou às 08:25H e saiu às 16:3H, tendo feito o intervalo para almoço entre as 12:52H e as 13:48H.
124. Também nesse dia o trabalhador E......... entrou às 8.59H e saiu às 17:00H, com intervalo para almoço das 12:58H às 13:56H.
125. O trabalhador Q......... entrou às 8:43H e saiu às 17:06H, com intervalo para almoço das 13:00H às 13:39H.
126. Na manhã desse dia, após ter sido carregada a carrinha da distribuição, o trabalhador D......... esteve a fazer a distribuição nos serviços camarários, juntamente com os elementos da sua equipa, J........ e Â…...
127. Por volta das 10:30H, hora em que o trabalhador D......... já não se encontrava no local, a trabalhadora M........ ausentou-se do Parque da Franqueada para o exterior, tendo deixado uma garrafa de 1,5 L de coca-cola (com cerca de 1/4 de bebida) no congelador do frigorífico.
128. A trabalhadora regressou ao escritório por volta das 12:00h e dirigiu-se ao dito congelador.
129. Retirou a garrafa de coca-cola e verificou que a mesma não apresentava a cor natural, castanha, mas sim uma cor amarelada.
130. De seguida mostrou a garrafa ao trabalhador Q........., E......... e J........ Paulo Filipe que se encontravam na entrada do armazém do aprovisionamento, tendo os mesmos constatado que depois de aberta exalava um odora lixívia.
131. Os trabalhadores Q......... e E......... recomendaram que a trabalhadora fizesse participação do sucedido aos superiores e à GNR.
132. A trabalhadora M........ participou tal facto à GNR e à sua entidade empregadora tendo aquela entidade ficado na posse da mesma garrafa para exames laboratoriais.
133. A trabalhadora a partir da tarde desse dia 4 de agosto do corrente ano passou a trabalhar nos escritórios da Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública na cidade de Loulé, por ordem do Vereador D..........
134. Após a ocorrência deste episódio, por instruções do Vereador P……, a porta da sala de refeições foi encerrada à chave.
135. Por volta das 15:30H o trabalhador D......... dirigiu-se à sala de refeições, tendo verificado que a dita porta estava encerrada à chave e que a mesma não se encontrava pendurada no chaveiro.
136. Ato contínuo o trabalhador D......... deu um empurrão/pontapé violento na mesma porta e com tal ato a porta abriu-se.
137. Provocando com tal impacto danos na porta, sendo que os parafusos do puxador ficaram caídos no chão, o aro de madeira que suporta o batente lateral ficou rachado e o batente onde encaixa o trinco da porta ficou caído.
138. Uma sola do calçado ficou marcada na porta.
139. Nessa tarde encontravam-se no armazém do aprovisionamento o trabalhador E.G........ e o trabalhador Q..........
140. O estrondo foi ouvido no interior do armazém no aprovisionamento pelo trabalhador E.G….. e no exterior do mesmo pelo trabalhador N.G.........
141. O trabalhador D......... não solicitou previamente aos identificados trabalhadores, fiéis de armazém, informação sobre o encerramento da porta, nem sobre o paradeiro da chave.
142. Arrombando, sem que nada o fizesse prever, a porta de acesso à cozinha, tendo provocado os danos supra descritos.
143. Por volta das 15:30H o trabalhador entrou em contacto telefónico com a Assistente Técnica (N.........) da Divisão de Aprovisionamento e Contratação Pública, informando que, por motivo de querer beber um café e não se encontrar ninguém no armazém, tinha forçado a fechadura da porta.
144. Informando ainda que a mesma porta ficado danificada e a necessitar de arranjo, pelo que pedia a intervenção da carpintaria.
145. Tal pedido não foi autorizado pelo Diretor do Departamento, Dr. F........, sendo que em vez disso foi solicitado ao trabalhador que fizesse um email dirigido àquele a explicar o sucedido.
146. No dia seguinte, dia 5 de agosto de 2022, pelas 8:49H, o trabalhador D......... mandou email ao mesmo Diretor informando que: “(…) ontem por volta das 15:30H dirigi-me a sala onde temos a máquina de café, o frigorífico e a caixa dos primeiros socorros para ir buscar umas sandes que tinha no frigorifico e buscar um comprimido para as dores de cabeça, deparei-me com mesma fechada, dirigi-me ao placar onde temos a chave não se encontrava no sítio, para poder ter as minhas coisas forcei um pouco a porta que é oca e o batente saltou. Informei de imediato a divisão. Devo salientar que esta chave se encontra disponível no placar estranhando, pois, a sua ausência pois nessa manhã a usámos para tomar café. informo que também procedi à colocação do batente (…)”
147. O trabalhador D......... na manhã desse dia 5 de agosto tomou a iniciativa de colocar os parafusos da fechadura e fixar o batente sobre a madeira rachada.
148. Nesta data a porta continua com a madeira rachada na zona da fechadura.
149. O trabalhador D......... tem formação académica acima da média (12º ano de escolaridade) na categoria profissional de Assistente Operacional e desempenha funções de representação sindical no sindicato SINTAP- Sindicato dos Trabalhadores de Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (Secção Regional do Algarve).
150. As condutas a que respeitam as ofensas verbais foram praticadas de forma reiterada, bem como causaram danos na honra da mesma, desqualificando e enxovalhando a trabalhadora.
151. E bem assim causaram prejuízos na esfera patrimonial da trabalhadora M........ .
152. Produziram danos nos bens propriedade da autarquia, os quais não foram totalmente reparados e prejudicam a imagem da autarquia.
153. O trabalhador foi admitido em 17 de outubro de 1995 e não tem registo de sanção disciplinar aplicada.
154. Ao trabalhador nunca foi instaurado qualquer processo disciplinar e não tem registo de louvores.
155. O trabalhador apresenta nos últimos 10 anos desempenho relevante (01/01/2012 a 31/12/2014) e desempenho adequado (de 01/01/2015 a 31/12/2020).
156. O trabalhador agiu livre, voluntária e de uma forma consciente e intencional ao proceder como supra exposto, não se coibindo de prejudicar o património da trabalhadora M........ , de a ofender na sua honra e dignidade, continuadamente e de prejudicar a Entidade empregadora.
157. Com as condutas supra descritas cometeu o trabalhador D......... dentro das instalações da autarquia e no seu horário de trabalho, uma infração disciplinar continuada, duas infrações disciplinares premeditadas e uma infração lesiva do património e da imagem da entidade empregadora, as quais violam os deveres supra indicados e que pela gravidade das condutas são puníveis com pena de despedimento prevista no artigo 180º, alínea d) e artigo 187º da predita Lei.
158. Pela gravidade com que foram praticadas as infrações, as mesmas abalam definitivamente a confiança, suporte fundamental da relação de trabalho, e tem repercussões inevitáveis no vínculo de trabalho de modo grave, justificativo da inexigibilidade da respetiva subsistência.
159. As infrações disciplinares supra descritas configuram simultaneamente ilícitos criminais, os quais estão a ser investigados no âmbito do Inquérito - Crime NUIPC 783/22.7GBLLE, que corre termos no DIAP de Loulé.”
VII- Dos factos não provados
Não existem factos relevantes por provar.
VIII - Do enquadramento jurídico-disciplinar
1 - A responsabilidade disciplinar do trabalhador foi analisada à luz do regime da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, que aprovou o Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, diploma em vigor à data da prática dos factos que são objeto do presente processo disciplinar, assim como à data em que foi deduzida a acusação.
2 - A infração disciplinar, tal como descrita no artigo 183º do Anexo à Lei n° 35/2014, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, consiste no comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.
3 - Realizada a violação de tais deveres e não se encontrando preenchida qualquer causa de justificação, tal conduta é de considerar disciplinarmente ilícita.
4 - Contudo, há que averiguar se existem causas de exclusão da responsabilidade disciplinar ou causas dirimentes da responsabilidade disciplinar, caso em que a existir fica desresponsabilizado o respetivo trabalhador.
5 - Consagra o artigo nº 177º e o artigo nº 190º da LGTFP um elenco de situações nas quais se insere a exclusão da responsabilidade: o cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, quando previamente delas tenha reclamado ou exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito; a coação física; a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração; a legítima defesa, própria ou alheia; a não exigibilidade de conduta diversa; o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.
6 - Ora dos factos dados como provados e não provados, constata-se que o trabalhador D......... não atuou em cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico, ou que delas tenha reclamado ou exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
7 - Nem que tenha agido sob coação física ou sob a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração.
8 - Nem em legítima defesa, própria ou alheia.
9 - Nem que lhe fosse exigida conduta diversa.
10 - Nem que estivesse no exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.
11 - Nem sob o direito de necessidade ou o conflito de deveres a que aludem os artigos 34.º e 36.º do Código Penal, como supra se expôs.
12 - Constata-se e comprova-se, como supra se expôs, ter o trabalhador violado de forma continuada o dever funcional que decorre do contrato de trabalho e da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, designadamente por violação de correção, (artigo 73º, nº 2, alínea h) e nº 10 da LGTFP), e, bem assim, o dever de lealdade (artigo 73º, nº 2, alínea g) e nº 9 da LGTFP), o dever de obediência (artigo 73º, nº 2, alínea f) e nº 8 da LGTFP), e por fim o dever de zelo (artigo 73º, nº 2, alínea e) e nº 7 da LGTFP).
13 - Entre os principais deveres do trabalhador que decorre do contrato de trabalho e da citada Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n° 35/2014, de 20 de junho, aplicáveis ao presente processo, encontra-se o dever de correção que consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos, (artigo 73º, nº 2, alínea h) e nº 10 da LGTFP).
14 - Dúvidas não existem que o trabalhador violou tal dever continuadamente mês após mês, não respeitando a colega de trabalho e ofendendo na sua honra e dignidade com as palavras e expressões supra referidas.
15 - E, bem assim, o dever de lealdade que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço (artigo 73º, nº 2, alínea g) e nº 9 da LGTFP).
A este propósito veja-se o que nos diz “Deveres de Lealdade na Relação de Trabalho" Alexandre de Jesus de Almeida Marques de Carvalho - ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa - Outubro de 2016
(…) Os deveres de lealdade resultam do desenvolvimento da relação de trabalho, caracterizando-se pela tutela de interesses específicos e de elementos intensificadores...
Os deveres de lealdade, enquanto concretização do princípio da boa fé, adstringem as partes a prevenir quaisquer comportamentos que impliquem atentados à tutela da confiança, que visa acautelar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem, ou à primazia da materialidade subjacente, que exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efetivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objetivos, falhem em atingi-los substancialmente. (…)
16 - Conclui-se, pois, que a conduta descrita do trabalhador, ao adotar os comportamentos descritos, pôs em crise o princípio da confiança, que visa
acautelar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis, acrescendo ainda que o trabalhador é representante sindical o que denigre a imagem e a instituição “Câmara Municipal de Loulé”.
17 - E também o dever de obediência que consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal, (artigo 73º, nº 2, alínea f) e nº 8 da LGTFP)
18 - E por fim o dever de zelo artigo 73º, nº 2, alínea e) e nº 7 da LGTFP), que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.
19 - Porquanto, o trabalhador não usou do dever de obediência e do dever de zelo nas suas funções, pois que injustificadamente produziu durante o horário de trabalho e nas instalações da Entidade Empregadora (Câmara Municipal), de forma intencional e premeditada, ilícitos disciplinares que consistem em danos materiais no veículo da trabalhadora, no dia 18 de julho e no dia 27 de julho de 2022, riscando a pintura do mesmo desde o capot, lateral direita até à sua traseira, fazendo-o em profundidade até atingir a chapa da viatura, bem como, reiteradamente utilizou palavras e expressões ofensivas e vexatórias dirigidas à trabalhadora M........ e produziu danos nos bens propriedade da autarquia e na sua imagem, os quais não foram totalmente reparados.
20 - O que preenche o requisito da ilicitude, sem que ocorra qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade, supra elencada.
21 - Como supra se expôs, aquando da apreciação critica da defesa, não ficou provado nos autos que o trabalhador D......... tenha atuado em erro, legítima defesa ou em estado de necessidade.
22 - Para além da existência de um facto voluntário e ilícito consubstanciado na violação dos referidos deveres funcionais, a efetivação da responsabilidade disciplinar exige ainda verificar da presença de um terceiro elemento integrativo do conceito de infração disciplinar - a culpabilidade.
23 - A culpabilidade, ou a culpa em sentido amplo, segundo a proposição de Vítor Faveiro, cuja atualidade se mantém, “consiste na verificação de um certo conjunto de requisitos que estabeleçam a ligação entre o facto e a personalidade do agente por forma a poder dizer-se, em relação a este, que o ato é seu.
24 - São requisitos fundamentais da culpabilidade: imputabilidade, a culpa em sentido restrito (dolo ou negligência) e a ausência de circunstâncias que a excluam” (Vítor Faveiro, in A Infracção Disciplinar)
25 - A culpa, tanto na modalidade de dolo como de negligência, pode ainda ser afastada quando ocorra uma consciência errónea sobre a licitude do facto, o que conforme decorre dos argumentos já expendidos quando se procedeu à apreciação crítica da defesa, nenhuma das modalidades de erro sobre a ilicitude em apreço foi provada ou estado de necessidade,
26 - Crê-se, assim, que o trabalhador possuiu o conhecimento necessário à correta orientação da sua consciência intencional para o desvalor da atuação contrária aos dispositivos legais que proibia o trabalhador atuar como atuou.
27 - Conclui-se, pois, que o mesmo atuou com dolo, porquanto manifestou vontade de praticar os factos supra descritos, conformando-se com as consequências, tendo uma atitude de indiferença para com a norma violada, uma vez que não podia, nem devia ignorar que o comportamento de que vem acusado constituía violação dos supra aludidos deveres.
28 - Assim sendo, julga-se verificado o pressuposto da culpabilidade, ou seja, o último elemento de verificação cumulativa necessário à efetivação da sua responsabilidade disciplinar pelos factos que lhe são imputados na acusação e que agora se dão como provados.
29 - Sendo ainda de realçar que ao trabalhador D......... , que detém a representação do Sindicato SINTAP- Secção Regional do Sul, se exige um especial dever de atuação, pelo conhecimento profundo dos direitos e deveres dos trabalhadores, exigindo-se que nesta representação exerça as respetivas funções de forma idónea, integra e respeitadora dos mais elementares deveres, de forma a preservar e dignificar a imagem da instituição onde presta serviço.
IX - Das circunstâncias dirimentes, atenuantes ou agravantes da responsabilidade disciplinar
1 - As circunstâncias dirimentes e atenuantes especiais estão previstas no nº 1 e 2 do artigo 190.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n° 35/2014, de 20 de junho, importando referir que a serem verificadas circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do trabalhador, a sanção disciplinar pode ser atenuada, aplicando-se sanção inferior.
2 - São circunstâncias dirimentes:
a) A coação física;
b) A privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração;
c) A legítima defesa, própria ou alheia;
d) A não exigibilidade de conduta diversa;
e) O exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.
3 - Como supra se demonstrou o trabalhador não atuou sob coação física, nem sob privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração, nem em legítima defesa, própria ou alheia, nem sob a não exigibilidade de conduta diversa, nem no exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, pelo que nenhuma circunstância dirimente se lhe aplica.
4 - São circunstâncias atenuantes especiais da infração disciplinar:
a) A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo;
b) A confissão espontânea da infração;
c) A prestação de serviços relevantes ao povo português e a atuação com mérito na defesa da liberdade e da democracia;
d) A provocação;
e) O acatamento bem-intencionado de ordem ou instrução de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência.
5 - O trabalhador invocou em sua defesa que milita a seu favor a circunstância de ter 37 anos de serviço sem registo disciplinar.
6 - Demostram os autos que o trabalhador tem 25 anos, 01 mês e 17 dias de vínculo à função pública, sendo que o facto do trabalhador não ter registo de sanção disciplinar não pode ser considerado facto integrador da circunstância prevista na alínea a) -a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo.
7 - Com efeito, entende-se, face aos elementos constantes do presente processo, que a não ausência de registo de sanções, não se afigura suficientemente demonstrativo para que possa ser considerada no contexto de circunstância atenuante, nem que o desempenho das funções do trabalhador ao longo dos anos se possa considerar um comportamento de tal forma exemplar que vá para além das qualidades de seriedade, educação, pontualidade e profissionalismo que são exigíveis a todos os trabalhadores.
8 - O entendimento doutrinal é de que “não basta ter um registo biográfico isento de qualquer censura para se poder considerar verificada esta atenuante, sendo nossa opinião que o exemplar comportamento tem de estar traduzido em avaliações de desempenho que demonstrem esse mesmo exemplar comportamento e zelo, o que pressupõe que se tenha pelo menos dez anos de serviço avaliados com a menção máxima”.
9 - O trabalhador apresenta nos últimos 10 anos desempenho relevante (01/01/2012 a 31/12/2014) e desempenho adequado (de 01/01/2015 a 31/12/2020).
10 - Por outro lado, dos autos não consta no histórico pessoal o registo de louvores, o registo de bom exercício das funções em condições precárias, nem a defesa indiscutível dos objetivos e da imagem da entidade empregadora, peio que se considera não poder militar a favor do trabalhador a citada circunstância atenuante especial.
11 - Invoca também o trabalhador que assumiu a infração correspondente aos danos no veículo da colega M........ , querendo significar que por via disso houve confissão espontânea da infração praticada, sendo que em boa verdade os danos provocados no veículo daquela, não foram assumidos imediata e espontaneamente pelo trabalhador, seja aquando da deslocação da GNR ao local para tomar conta da ocorrência, nem aquando da fase de instrução, sendo que a confissão que veio a fazer em sede defesa também não foi essencial para a descoberta da verdade, como demonstra a prova de videovigilância e os registos fotográficos insertos nos autos.
12 - Assim como não foram assumidas as ofensas verbais proferidas contra a trabalhadora M........ , continuando o trabalhador D......... a negar que as tenha proferido.
13 - Sendo que no que respeita aos danos provocados na porta de acesso à sala de refeições no batente de madeira, o trabalhador assumiu que o fez, ainda que não tenha assumido a violência utilizada e ainda que não tenha reparado totalmente os danos.
14 - Invoca ainda o trabalhador que o comportamento que originou a infração corresponde aos danos produzidos no veículo da sua colega foi motivado pelo comportamento desta (ter interiorizado que a trabalhadora teria riscado o seu carro, querer dar ordens no serviço, tecer piadas e risinhos quando o trabalhador passa por ela).
15 - Quanto a este respeito, a questão é a saber se o comportamento do trabalhador integra a circunstância atenuante especial da provocação.
16 - Conforme jurisprudência (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 3842/99, acórdão de 11-04-2002) para que se verifique esta circunstância é preciso que, “relativamente ao homem do tipo médio suposto pela ordem jurídica, a conduta ilícita da vítima determine nele, como consequência adequada, um estado emotivo de excitação e de cólera que lhe altere as condições normais de determinação diminuindo-lhe a censurabilidade ética”.
17 - O facto do trabalhador entender erradamente que a trabalhadora lhe teria riscado o seu carro, que queria dar ordens no serviço e tecer alegadas piadas e risinhos, (sem que tal tivesse ficado provado nos autos), não se afigura ainda assim causa adequada de um estado emotivo que alterasse as condições normais de determinação de um homem médio, sendo que nada justificou o comportamento do trabalhador, com a gravidade e prejuízos causados, notoriamente desproporcional.
18 - Quanto às circunstâncias agravantes especiais da responsabilidade do trabalhador, constata-se que estas se encontram previstas no artigo 191º da LGTFP, com o seguinte elenco:
a) A intenção de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado;
b) A produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;
c) A premeditação;
d) A comparticipação com outros indivíduos para a sua prática;
e) O facto de ter sido cometida durante o cumprimento de sanção disciplinar ou enquanto decorria o período de suspensão da sanção disciplinar;
f) A reincidência;
g) A acumulação de infrações.
2 - A premeditação consiste na intenção de cometimento da infração, pelo menos, 24 horas antes da sua prática.
3 - A reincidência ocorre quando a infração é cometida antes de decorrido um ano sobre o dia em que tenha findado o cumprimento de sanção disciplinar aplicada por virtude de infração anterior.
4 - A acumulação ocorre quando duas ou mais infrações são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior.
19 - Importa para o caso mencionar a circunstância da premeditação (alínea c), que consiste na intenção de cometimento da infração, pelo menos, 24 horas antes da sua prática.
20 - A premeditação funda-se na persistência do desejo ou propósito durante um espaço de tempo para a prática de uma conduta violadora de deveres funcionais e/ou causadora de prejuízos, dado que a firmeza da vontade e a manutenção da determinação para a prática do ilícito disciplinar revela maior grau do desvalor e da censurabilidade da conduta.
21 - Demonstram os autos que o trabalhador D......... levou por diante em 18 de julho de 2022 e posteriormente no dia 27 de julho do mesmo ano, no espaço de 9 dias, os danos na pintura no veículo da trabalhadora M........ , com um objeto pontiagudo, donde resultou riscos semelhantes, com a mesma gravidade e extensão.
22 - Também demonstram os autos que o trabalhador tinha o propósito de causar prejuízos no veículo, como se comprova pelas declarações do trabalhador, assim como pelas características que os riscos apresentam e sobretudo pelas imagens de videovigilância que não deixam margens para dúvidas.
23 - O trabalhador agiu motivado por vingança (nas suas palavras) sem que exista qualquer motivo sério para o efeito, como supra se expôs.
24 - Sendo, portanto, um comportamento pensado e executado com vista a infligir prejuízos na viatura daquela, sendo que os riscos efetuados são compatíveis com a produção intencional e premeditada, como supra se referiu.
25 - Considera-se, igualmente, aplicável ao trabalhador a agravante que consiste na produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, se aplica à conduta do trabalhador.
26 - Ficou demostrado nos autos que o trabalhador produziu também resultados prejudiciais não só restritos à esfera patrimonial e moral da trabalhadora M........ , supra referidos, como também à autarquia, sustentando-se que todo o comportamento, visto na sua globalidade produziu um impacto prejudicial da imagem da autarquia.
X - Em conclusão:
1. Nos termos do artigo 180º e seguintes da citada Lei, são aplicáveis ao trabalhador em funções públicas pelas infrações que cometam as seguintes sanções:
a) Repreensão escrita
b) Multa
c) Suspensão
d) Despedimento disciplinar ou demissão
2. E nos termos do artigo 187º da citada LGTFP, a sanção de despedimento disciplinar ou de demissão é aplicável em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público.
3. O trabalhador encontra-se suspenso preventivamente de funções por infrações que indiciavam consubstanciar violação grave dos deveres do trabalhador, previstos no seu contrato de trabalho e ainda previstos no Artigo 73.º n.º 2 alínea e) (dever de zelo); alínea f) (dever de obediência); g) (dever de lealdade; alínea h) (dever de correção), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (versão atualizada);
4. Infrações que se mostram provadas nos autos, porquanto ficou demonstrado que o trabalhador provocou, em 18 de julho e 27 de julho de 2022, no estacionamento do Parque da Franqueada, propriedade desta Edilidade e na sua hora de serviço, de forma intencional e premeditada, danos graves na viatura pessoal da trabalhadora/colega M........ (riscos finos e profundos no capot, painéis laterais direitos e traseira), bem como usou reiterada e continuadamente desde 2019 de linguagem vexatória e grosseira, difamatória e desrespeitosa da honra e dignidade, resultando em ofensas verbais para com a colega M........ e ainda produziu danos no património da autarquia, usando de arrombamento para abrir uma porta do serviço.
2. As quais constituem infrações graves, sem que ocorra qualquer causa que exclua ou diminua a sua culpa e que inviabilizam de forma definitiva a manutenção do vínculo de emprego público que atualmente detém e compromete de forma irremediável a relação trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador D.........;
3. Tanto mais que é representante sindical do SINTAP - Secção Regional do Sul.
4. O comportamento do trabalhador, tal como supra exposto, configura, assim, quatro infrações disciplinares que inviabilizam definitivamente a manutenção do vínculo de emprego público e a relação funcional com esta Câmara.
5. Considerando-se tudo o que se deixa exposto e por ser manifestamente insustentável a manutenção da relação funcional com esta Câmara, entende-se ser de sancionar o trabalhador pela violação reiterada e grave dos deveres do trabalhador, previstos no seu contrato de trabalho e ainda previstos no Artigo 73.º n.º 2 alínea e) (dever de zelo); alínea f) (dever de obediência); g) (dever de lealdade; h) (dever de correção), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (versão atualizada),
XI - Da proposta de decisão
Nestes termos e ao abrigo do disposto no nº 1 e nº 3 do artigo 219º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho propõe-se a aplicação ao trabalhador D......... da pena de despedimento disciplinar nos termos da alínea d), do nº1 do artigo 180º e artigo 187º daquela Lei, com o consequente afastamento definitivo do órgão e serviço em causa, cessando a relação jurídica de emprego público e todos os direitos do trabalhador, com as demais consequências previstas na norma, face ao que supra se expôs.
Atendendo a que o trabalhador D......... é representante sindical do SINTAP - Sindicato dos Trabalhadores de Administração Pública e de Entidades Com Fins Públicos - Secção Regional do Algarve, deve a Exma. Câmara previamente à decisão remeter uma cópia integral do processo disciplinar ao referido sindicato para parecer fundamentado, conforme estabelece o nº 4 do artigo 219º da LGTFP.
(…)»
(cfr. fls. 425 a 560, contidas nos ficheiros registados no SITAF com os n.ºs 209257, 209259 e 209263, em 2.03.3023);
k) Em 23 de Janeiro de 2023, a Câmara Municipal de Loulé, sob proposta do Presidente da Câmara Municipal de Loulé e mediante declaração de concordância com as conclusões do relatório final do procedimento disciplinar, deliberou aplicar ao requerente a sanção de despedimento disciplinar (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial);
l) Nessa data, o requerente auferia, como contrapartida do trabalho que prestava para a Câmara Municipal de Loulé, uma remuneração base mensal ilíquida de € 899,77 (cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial);
m) Esta retribuição era o único meio de sustento do requerente (cfr. documentos juntos com o requerimento registado no SITAF com o n.º 208530, em 10.02.2023);
n) Por ofício datado de 15 de Fevereiro de 2023, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao requerente, em relação ao pedido de aposentação que o mesmo havia formulado, o seguinte:
«(…)
Informo V.Exa. que da análise dos elementos constantes do processo e em face da legislação em vigor, o pedido formulado irá ser, em princípio, indeferido, com base nos seguintes fundamentos:
Nos termos do nº 2, do art.º 40 do Estatuto da Aposentação, quando a eliminação da qualidade de subscritor tiver resultado de demissão, mesmo com expresso fundamento em infração penal ou disciplinar, a aposentação só poderá ser concedida, a requerimento do interessado, dois anos após a aplicação da pena desde que ele conte, pelo menos, 5 anos de serviço e observada uma das seguintes condições - a) Seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz; b) Tenha atingido o limite de idade.»
(…)»
(cfr. documento junto com o requerimento registado no SITAF com o n.º 208913, em 22.02.2023).
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cingem-se a saber se ocorre:
- erro de julgamento da decisão de facto;
- erro de julgamento da decisão de direito, ao considerar verificados os requisitos da tutela cautelar.

Como questão prévia, afigura-se de constatar que, não obstante a Mma. Juiz a quo ter proferido despacho de sustentação da sentença, e apesar do recorrente aludir nas suas alegações, sob o ponto 3., que, quanto ao facto da alínea m), “existe excesso de pronúncia e erro de julgamento”, não invoca nas conclusões do recurso a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, como bem assinala o Ministério Público no seu douto parecer.
Como tal, uma vez que as conclusões do recurso delimitam o objeto deste, não será de conhecer de tal questão.

a) do erro de julgamento da decisão de facto

Sustenta nesta sede o recorrente que o ponto m) deve ser retirado dos factos e o ponto n) deverá ser aditado ou complementado que a comunicação aí identificada foi para exercício do direito de audiência previa.
Dispõe como segue o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de indicar (i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e (ii) os concretos meios probatórios que impõem decisão distinta, mais devendo identificar precisa e separadamente os depoimentos caso se trate de meios probatórios gravados.
E cabe-lhe alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Há que ter ainda em consideração que é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
O facto dado como indiciariamente assente constante da alínea m) resulta dos documentos juntos com o requerimento registado no SITAF com o n.º 208530, em 10/02/2023, como dali se fez notar.
Em boa verdade não se alcança a argumentação nesta sede pela recorrente, designadamente em que regras da experiência assenta a conclusão de pessoas com a idade do recorrido terem outra ocupação, nem a que rendimentos não sujeitos a imposto se pretende referir.
O decidido não merece qualquer censura, até por resultar inequivocamente indiciado pelo contraponto entre os elementos fiscais do recorrido e os constantes da anterior alínea referentes ao seu vencimento.
Quanto ao facto da alínea n), como aí se assinala, reproduz parte do documento junto com o requerimento registado no SITAF com o n.º 208913, em 22/02/2023, sem que se vislumbre em que assenta a necessidade de referir que o mesmo se reporta à notificação do requerente para o exercício do direito de audiência prévia.
Como tal, ter-se-á de concluir que improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

b) do erro de julgamento de direito

Sustenta o recorrente que não se mostram verificados os requisitos da tutela cautelar, ao contrário do decidido na sentença objeto de recurso.
Vejamos então.
Como é consabido, a tutela cautelar visa concretizar o direito a uma tutela judicial efetiva, com a decretação judicial de medidas adequadas a prevenir a lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, salvaguardando o efeito útil da decisão definitiva a proferir em sede de ação principal. Está, pois, em causa uma regulação provisória do litígio, a propósito do que se fala na provisoriedade da tutela cautelar, assim como da sua instrumentalidade relativamente à ação principal.
Assim, na sequência da apreciação liminar da providência, cabia ao Tribunal a quo proferir decisão quanto à sua eventual adoção.
Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, a providência cautelar é adotada quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos habitualmente designados por periculum in mora e fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio e na aparência do bom direito da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

No que concerne ao periculum in mora, tem-se por evidente a sua verificação.
Com o ato suspendendo, o recorrido deixa de auferir qualquer retribuição, com evidente impacto na sua subsistência, antevendo-se a grande dificuldade que passará a ter em poder cumprir com os encargos financeiros na gestão do seu dia a dia.
E isto porque estamos perante uma diminuição drástica do nível de vida do recorrido, pondo em risco a satisfação das necessidades normais correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/01/2009, proc. n.º 1030/08, disponível em www.dgsi.pt).
Nesta medida, configura-se o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o recorrido visa assegurar no processo principal.

No âmbito da apreciação da aparência do bom direito da pretensão de fundo, consta da sentença a seguinte fundamentação:
[P]ode ainda assim considerar-se, quando lido atentamente o requerimento cautelar, que a alegação do requerente suscita, para além dos vícios expressamente identificados, outras causas de invalidade do acto administrativo que, embora não tenham sido autonomizadas e devidamente qualificadas, devem ser conhecidas e apreciadas (e que, de qualquer forma, poderiam sempre ser identificadas pelo tribunal no processo principal, nos termos e ao abrigo do artigo 95.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Com efeito, invoca o requerente, como se deduz do contexto da sua alegação:
- Que, depois de aberto (ou instaurado) o procedimento disciplinar com base na queixa-crime apresentada pela trabalhadora M........., por ter feito riscos no seu automóvel e por utilizar uma linguagem grosseira e vexatória contra a mesma, também veio a ser acusado de ter causado danos, com um pontapé, na porta que dá acesso à cozinha (cfr. artigos 5.º e 6.º do requerimento cautelar);
- Que não praticou os factos pelos quais foi punido, relativos à “utilização de linguagem grosseira e vexatória para com a sua colega, M........ ” [cfr. artigo 7.º, alínea b), do requerimento cautelar].
Ora, como resulta das conclusões do relatório final, que mereceram a concordância do órgão decisor, pressupôs a instrutora do procedimento, para fundamentar a proposta de aplicação da sanção disciplinar de despedimento, que havia ficado demonstrado que o trabalhador, ora requerente:
(i) “provocou, em 18 de julho e 27 de julho de 2022, no estacionamento do Parque da Franqueada, propriedade desta Edilidade e na sua hora de serviço, de forma intencional e premeditada, danos graves na viatura pessoal da trabalhadora/colega M........ (riscos finos e profundos no capot, painéis laterais direitos e traseira)”;
(ii) “usou reiterada e continuadamente desde 2019 de linguagem vexatória e grosseira, difamatória e desrespeitosa da honra e dignidade, resultando em ofensas verbais para com a colega M........ ” e
(iii) “produziu danos no património da autarquia, usando de arrombamento para abrir uma porta do serviço”.
Considerou a instrutora, pois, e concordou o órgão decisor, que estes comportamentos do requerente consubstanciavam “quatro infrações disciplinares”, “graves”, “sem que ocorra qualquer causa que exclua ou diminua a sua culpa”, e que o mesmo devia ser sancionado por “violação reiterada e grave dos deveres do trabalhador, previstos no seu contrato de trabalho e ainda previstos no Artigo 73.º n.º 2 alínea e) (dever de zelo); alínea f) (dever de obediência); g) (dever de lealdade; h) (dever de correção), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (versão atualizada)”.
E pressupôs a instrutora, e como tal o órgão decisor, que tais infracções disciplinares – as quatro, cumulativamente - inviabilizavam ¯definitivamente a manutenção do vínculo de emprego público e a relação funcional com esta Câmara e comprometiam ¯de forma irremediável a relação trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador D......... [acrescentando, algo a despropósito, para reforçar este seu entendimento (“tanto mais”), o facto de o mesmo ser “representante sindical do SINTAP - Secção Regional do Sul”].
Ora, é certo, que, num juízo uma vez mais sumário, quando olhamos à prova (descrita como tendo sido) produzida no procedimento disciplinar, e que converge, toda ela, no mesmo sentido – cuja apreciação, aliás, surge no relatório final, em termos tecnicamente inadequados, amalgamada com a própria descrição dos factos [cfr. artigos 86 a 115 dos “factos provados”, enunciados sob o ponto VI] – não podia a instrutora senão concluir que o requerente utilizou, efectivamente, palavras e expressões ofensivas que eram especificamente dirigidas à trabalhadora M......... e com as quais pretendia desrespeitá-la (independentemente de não ser evidente, até pelo teor da queixa apresentada pela própria trabalhadora, que a tenha injuriado directamente ou que tenha utilizado exactamente as palavras ou expressões que se encontram descritas nos artigos 89 e 94 dos “factos provados” do relatório final): e com tanto, terá o requerente violado, efectivamente, o dever de correção, a que estão sujeitos todos os trabalhadores, e que consiste em tratar com respeito não só os utentes dos órgãos ou serviços e os superiores hierárquicos, mas também os restantes trabalhadores [cfr. artigo 73.º, n.º 2, alínea h), e n.º 10, da LTFP].
Dúvidas não há, outrossim, que o requerente danificou propositadamente o carro da referida trabalhadora, como, aliás, acabou por confessar (ainda que apenas em relação a um dos dias em que foi acusado de o fazer, que a instrutora, de forma algo temerária mas ainda assim não manifestamente errada, acabou por reconduzir a 18 de Julho de 2022), alegando, porém, tê-lo feito “num acto impulsivo, e irreflectido, que lamenta e já se arrependeu” (cfr. artigo 7.º do requerimento cautelar e artigos 17 a 59 dos “factos provados” no relatório final): remanesce apenas por discutir, pois, a invocada “premeditação”, cujos pressupostos, sem prova ou indício algum que o fundamentasse, a instrutora deu por demonstrados, apesar de se ter servido dela como circunstância agravante especial da responsabilidade disciplinar [cfr. artigo 191.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da LTFP].
Não obstante, o juízo sobre a insustentabilidade ou inviabilidade da manutenção do vínculo de emprego público – que é expressamente exigido pelos artigos 187.º e 297.º da LTFP como pressuposto da aplicação da sanção disciplinar de despedimento – fundamentou-se, não só nestes comportamentos do requerente (reconduzidos a três infracções disciplinares), mas também, em cumulação com eles, no alegado arrombamento de uma porta do serviço, de que resultaram “danos no património da autarquia”.
No entanto, como se evidencia de uma forma imediata e ostensiva, não podia o requerente ter sido punido disciplinarmente por este arrombamento da porta do serviço, tão simplesmente porque não foi instaurado ou mandado instaurar, por qualquer superior hierárquico com competência para o efeito, procedimento disciplinar contra o requerente pela prática de tais factos (cfr. artigo 196.º da LTFP).
Com efeito, o único despacho documentado no processo administrativo que mandou instaurar procedimento disciplinar contra o requerente, emitido pelo Presidente da Câmara Municipal em 29 de Agosto de 2022, na sequência da informação que lhe havia sido remetida pela GNR sobre a abertura de um processo de inquérito criminal (acompanhada da queixa apresentada pela trabalhadora M.........), identificou concretamente os comportamentos que o motivavam e que nele deviam ser apurados e valorados para efeitos disciplinares: (i) “no dia 27 de julho de 2022, data em que o trabalhador terá utilizado um objeto com o qual produziu danos no veículo da identificada M.........”; (ii) “no dia 04 de agosto de 2022, data em que terá sido colocada lixívia na garrafa de bebida (Coca Cola) pertencente à mesma, a qual se encontrava no frigorifico do seu local de trabalho” (cuja autoria não chegou a ser imputada ao requerente); e (iii) ainda “ofensas verbais e ameaças reiteradas dirigidas à mesma trabalhadora M.........”.
Dele não consta, pois, ordem alguma para apurar a responsabilidade disciplinar do requerente pelo referido arrombamento da porta do serviço, o qual, aliás, na data, era já do conhecimento de superiores hierárquicos do requerente [cfr. artigos 97 a 99 dos “factos provados” do relatório final].
E porque não foi ordenada a instauração de procedimento disciplinar contra o requerente pela referida infracção, nem através deste despacho, nem de qualquer outro que anteriormente ou subsequentemente tenha sido emitido por órgão competente, não podia a instrutora, por sua iniciativa, perseguir disciplinarmente o trabalhador pela prática destes outros factos – no caso, por este haver arrombado a porta do serviço – os quais, ao contrário do que a mesma fez constar no processo, não “se inserem na mesma cláusula punitiva dos factos inicialmente participados e objeto do presente processo disciplinar, estando uns e outros direta e estreitamente conexionados ou correlacionados” e que, contrariamente ao que a mesma entendeu, não “põem alegadamente em causa os mesmos valores ofendidos” [cfr. alínea g) dos factos provados].
E como tal, na falta de um despacho que motivasse a instauração do procedimento disciplinar - cujo direito, sujeito a caducidade, terá obrigatoriamente que ser exercido (cfr. artigo 178.º da LTFP) - não podia o requerente ter sido sancionado por causa deles.
Pelo que, apesar de não ser evidente, é pelo menos provável que, atendendo ao ora exposto, a decisão que aplicou ao requerente a sanção disciplinar de despedimento, punindo-o - não só, mas também - por este haver arrombado a porta de serviço e por com tanto haver produzido danos no património da autarquia, venha a ser anulada na acção principal.
E como igualmente se prespectiva, não poderá tal decisão manter-se na ordem jurídica, equacionando-se o eventual afastamento do efeito anulatório ao abrigo do artigo 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o acto em causa não é de conteúdo vinculado e não se antevê que o tribunal possa vir a concluir, no respeito pelo princípio da separação e independência dos poderes, que, caso não tivesse sido considerada a dita infracção pela qual o requerente não podia ser sancionado, se manteria ainda assim o juízo sobre a inviabilidade da manutenção do vínculo jurídico e que, como tal, seria exactamente a mesma a sanção disciplinar aplicada.
Por conseguinte, deve concluir-se, ainda que perfunctoriamente e sem prejuízo de entendimento diverso na acção principal, que, embora não seja evidente, é pelo menos provável que a pretensão a deduzir no processo principal venha a ser julgada procedente.
E nessa exacta medida, deve considerar-se igualmente preenchido o requisito do fumus boni iuris, nos termos exigidos pela parte final do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”
Contrapõe o recorrente que, ainda que admitindo que o juiz pode conhecer de outras causas de invalidade do ato administrativo que poderiam sempre ser identificadas pelo tribunal no processo principal, nos termos e ao abrigo do artigo 95.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, teria de proceder à notificação das partes para alegações complementares, nos termos previstos no artigo 95.º, n.º 3, do CPTA, o que não fez.
Vejamos então.
Analisado o requerimento inicial apresentado pelo ora recorrido, afigura-se inequívoco que ali não se vislumbra qualquer argumento, ainda que implícito, que permita equacionar ter sido suscitada a questão apreciada na sentença sob recurso. Qual seja, a de não ter sido ordenada a instauração de procedimento disciplinar contra o requerente para apuramento da responsabilidade disciplinar do requerente pelo arrombamento da porta do serviço.
Questão esta que levou à conclusão da verificação do fumus boni iuris.
Estamos então, inequivocamente, perante causa de invalidade do ato administrativo que não foi suscitada pela parte.
Nesta medida, havia que equacionar, para além do mais, a jurisprudência vertida no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo datado de 10/12/2020, proferido no processo n.º 010/20.1BEMDL-A (disponível em www.dgsi.pt), onde se conclui no sentido do aludido artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, não ser aplicável às providências cautelares, incluindo às que sejam instrumentais de processos impugnatórios, posto que pressupondo o fumus boni iuris um juízo positivo no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, cabe “ao requerente (é um ónus seu) trazer ao processo factos e argumentos que preencham esse juízo de probabilidade”, sendo “necessário alegar fundamentos que, ‘in concreto’, possuam a seriedade bastante para que, no juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos, permitam considerar provável o sucesso da causa principal.”
Todavia, quedamos ainda em momento anterior.
Admitindo a aplicação do aludido normativo legal às providências cautelares, afigurava-se imperativo o cumprimento do contraditório, permitindo às partes que se pronunciassem sobre a questão, tanto mais por se tratar de decisão que não era expectável e dada a clara suscetibilidade de controvérsia da solução encontrada.
O que não foi feito.
Estamos inelutavelmente perante uma omissão suscetível de influir na decisão da causa, uma vez que a pronúncia das partes sobre o vício em questão permitiria equacionar uma distinta decisão do tribunal, nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Nulidade esta que implica a anulação dos termos posteriores à formalidade omitida que dela dependam absolutamente, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do CPC (neste sentido, veja-se o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15/09/2011, proferido no processo n.º 0505/10, disponível em www.dgsi.pt, e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, págs. 767/768).
Cumpre, pois, conceder provimento ao recurso, reconhecer a invocada nulidade e consequentemente anular a sentença recorrida.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e em anular a sentença recorrida, prosseguindo os autos os seus termos.
Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 26 de outubro de 2023

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Rui Pereira)

(Frederico Branco)