Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:538/12.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO
Sumário:I - Decidiu o Tribunal a quo que “... O Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas constantes dos arts. 21.º e 25.º da Lei no 64-B/2011, de 30 de Dezembro, fundamentando-se o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 21.º na violação do sub-princípio da protecção da confiança, na violação do princípio da igualdade e na violação do princípio da proporcionalidade...”, e que “... Sobre esse pedido foi proferido em 05.07.2012 o Acórdão n.º 353/2012, publicado no DR - I Série, de 20.07.2012, cuja decisão tem o seguinte teor: a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Gozando o referido acórdão de força obrigatória geral ele passou a vincular todas as entidades públicas e privadas, que não mais poderão, a partir daquela decisão, adoptar a norma declarada inconstitucional...”.
II - Termina a decisão recorrida que “... Como decorre do acórdão do Tribunal Constitucional, a referida inconstitucionalidade não produzirá efeitos no que respeita à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012, o que significa que a conduta da ré está salvaguardada pelo facto de a declaração de inconstitucionalidade não produzir efeitos retroactivos...”.
III - A “força obrigatória geral” consiste no efeito jurídico das declarações de invalidade das normas jurídicas (com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade). Haverá a distinguir, quanto ao seu regime, a força obrigatória geral declarada pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de normas e da legalidade de leis e a força obrigatória geral declarada pela Justiça Administrativa e pela Administração, no respeitante ao controlo de legalidade dos regulamentos. E no que diz respeito à Justiça Constitucional, a expressão “força obrigatória geral” consta do n.º 1 do artigo 282.º da CRP e sinaliza três tipos de efeitos:
A) A nulidade da norma inconstitucional ou ilegal que supõe, não só, a sua expulsão da ordem jurídica, mas também a eliminação de todos os efeitos passados que tenha produzido, em regra, desde a sua origem ou desde a ocorrência do vício, com preservação do caso julgado e das situações previstas no n.º 4 do artigo 282.º da CRP, ou seja, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2.
B) A força de caso julgado, que impossibilita que a declaração de invalidade possa vir a ser recorrida ou reapreciada no mesmo processo ou em outros processos com igual objeto;
C) A eficácia “frente a todos” que se traduz na necessidade de acatamento da decisão por todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos.
IV - É por existirem as ressalvas constantes no n.º 4 do artigo 282.º da CRP e no n.º 2 do artigo 76.º do CPTA que não se pode dizer que esta opção coloca em causa o princípio da proteção da confiança, pois, ao juiz, é atribuído o poder-dever de limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, incluindo o efeito repristinatório, quando se verifique que este colocará em causa a segurança jurídica, a equidade ou um interesse público de excecional relevo.
V - Foi o que o citado Acórdão do Tribunal Constitucional decidiu, apesar da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, e que a decisão recorrida subscreveu, com acerto.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

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I – RELATÓRIO

Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, Sindicato dos Bancários do Centro e Sindicato dos Bancários do Norte, recorrentes, vieram interpor recurso da sentença proferida a 04/06/2015, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a ação administrativa comum, por eles intentada, contra a C......., S.A., entidade recorrida, visando, “... a condenação da R. na não adopção de comportamentos que impliquem a suspensão dos subsídios de férias e de natal nas retribuições dos funcionários públicos associados dos AA., sendo, para o efeito, processadas as retribuições na íntegra, incluindo os subsídios de férias e de natal, de acordo com o normativo legal em vigor no ano de 2011 ...”.

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Formulam os aqui Recorrentes, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...
1 - A sentença recorrida, ao não decidir sobre a inconstitucionalidade material por violação dos artigos 2.º e 13.º da CRP, é ilegal por violação dos referidos normativos, devendo ser substituída por Acórdão que considere as referidas inconstitucionalidades;
2 - O Acórdão 353/2012 de 5/7/2012 decidiu, em suma, "...a) Declara-se a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64 - B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012); b)Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina-se que os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de natal, ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012...";
3 - Ao fugir da ideia do legislador Constituinte, no que respeita à limitação de efeitos, propagando os efeitos de uma decisão inconstitucional para lá da decisão sobre a mesma, a sentença de que se recorre é ilegal por violação dos artigos 280.º e 282.º da CRP e artigos 69.º da Lei do Tribunal Constitucional, devendo ser revogada por Acórdão que, considerando a inconstitucionalidade, não limite os efeitos da decisão, nos termos do artigo 282.º, n.º 4;
4 - Por outro lado, e ainda que assim não se considere, a decisão recorrida não poderia limitar os efeitos de um juízo de inconstitucionalidade, sob pena de violação do artigo 282.º, n.º 4, que apenas o permite em sede de fiscalização abstrata sucessiva;
5 - Assim, a sentença recorrida, ao limitar para o passado e para o futuro, como se de uma decisão abstrata se tratasse, é ilegal por violação dos artigos 280.º e 282.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada por Acórdão que, considerando a inconstitucionalidade, não limite os efeitos da decisão, nos termos do artigo 282.º, n.º 4;
6 - O princípio da liberdade de julgamento e de independência dos Tribunais, normativizado no artigo 203.º da CRP, impõe que o julgador possa invocar a liberdade de julgamento;
7 - Ao julgar como julgou, o Tribunal violou este princípio e a sentença recorrida, por si, é ilegal por violação do artigo 203.º, 277.º, 280.º, 281.º e 282.º da Constituição a República Portuguesa;
8 - As normas em crise são materialmente inconstitucionais por patente e flagrante violação do direito de contratação coletiva, na medida em que, ao se sobreporem, imperativa e taxativamente, à contratação coletiva, lesam os direitos garantidos pelos artigos 56.º, 59.º e 105.º da CRP.
9 - Ao não julgar a inconstitucionalidade material, também por este motivo, a sentença é ilegal, por violação dos artigos 18.º, 56.º, 59.º e 105.º da CRP e deve ser substituída por Acórdão que a revogue.
Deve ser proferido douto e final Acórdão que revogue, nos termos expostos, a sentença recorrida reconhecendo-se a inconstitucionalidade das normas em questão.
…”.
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A entidade recorrida C......., S.A., notificada, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
1. A douta sentença recorrida fez uma corretíssima aplicação do direito, constituindo uma acertadíssima decisão, estando em causa, nestes autos, conhecer da imposição resultante do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2012.
2. A norma em causa é claríssima quanto ao seu âmbito de aplicação, impondo, com natureza imperativa, a suspensão, total ou parcial, do pagamento do subsídio de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, aos trabalhadores de empresas públicas, enquanto vigorar o Programa de Assistência Económica e Financeira (adiante designado abreviadamente por PAEF).
3. Dada a natureza imperativa do artigo 21.º da LOE 2012, tal disposição sobrepôs-se, não só ao disposto no Acordo de Empresa, como na Lei.
4. Os trabalhadores representados pelo Recorrente, sempre estariam abrangidos pela suspensão decorrente daquela disposição, dado que a ora Recorrida é uma empresa pública, abrangida pela enumeração constante do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. De facto, face ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, a Ré, C......., S.A. empresa pública, é uma empresa pública constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo capital social é detido em 100% pelo Estado, nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei n9 287/93, de 20 de agosto.
5. Os trabalhadores com direito a receber da Recorrida um subsídio de férias e um subsídio de Natal, como sucede com os sócios representados pelo Recorrente, encontram-se abrangidos, relativamente a subsídios de Férias e de Natal - como sucede no caso dos autos - pelo regime constante dos artigos 21.º e 25.º da Lei do Orçamento do Estado de 2012.
6. Estando em causa a imperatividade da boa execução do orçamento e, sobretudo, o cumprimento das metas orçamentais que a excepcional situação económica em que o País de encontra, é exigido um concomitante esforço de controlo das contas públicas, de acordo com as metas e compromissos assumidos junto das instâncias comunitárias e internacionais que são do conhecimento público, e que assumem foros de interesse público geral,
7. Justificando-se a adopção de uma medida de redução remuneratória, situação que se sobrepõe à protecção da confiança individual que cada trabalhador possui quanto à manutenção incólume das condições remuneratórias anteriormente detidas.
8. Para além de as normas em causa não consubstanciarem a violação do direito à contração coletiva, está em causa uma situação de necessidade excecional para o Estado.
9. O artigo 21.º da LOE 2012 também não é inconstitucional por violação do direito à contratação colectiva.
10. De resto, os argumentos vertidos pelo Recorrente não são sequer aplicáveis ao caso dos autos pois aqui não está em causa a diminuição da retribuição, mas antes a suspensão do pagamento de duas mensalidades (a 13.ª e a 14.ª) das previstas no Acordo de Empresa.
11. Suspensão essa que se justifica face ao quadro excecional que se deixou explicado e que, de forma alguma, viola o direito à contratação colectiva, sendo, isso sim, uma concretização da hierarquia das normas, sendo certo que, no caso, estamos perante disposição absolutamente imperativa.
Deve negar-se provimento ao recurso mantendo-se a douta sentença recorrida, com o que farão V. Exas inteira
…”.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 608., n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento e se, em consequência, deve o recorrido ser condenado na não adoção de comportamentos que impliquem a suspensão dos subsídios de férias e de natal nas retribuições dos funcionários públicos, associados dos AA., sendo, para o efeito, processadas as retribuições na íntegra, incluindo os subsídios de Férias e de Natal, de acordo com o normativo legal em vigor no ano de 2011.




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III – FUNDAMENTOS

III.1. DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade não vem impugnada, pelo que se mantém:
“...
A. Os AA. representam os trabalhadores seus associados que se encontram ao serviço da R., vinculados por contrato administrativo de provimento;
B. Os AA. e a R. outorgaram o Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 21, 1.ª Série de 8 de Junho de 2008, com as subsequentes alterações publicadas no mesmo Boletim, n.º 14, 1.ª Série de 15 de Abril de 2010;
C. A R. aplicou aos trabalhadores associados dos AA. a Lei do Orçamento de Estado para 2012, no que respeita à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de natal;
D. A presente acção deu entrada em juízo em 5 de Março de 2012 (cf. carimbo aposto a fl. 3 da p. i.).
…”.

Nada mais se consignou quanto à matéria de facto.

III.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.
Alega, em sede de recurso , o SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO CENTRO e DO SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO NORTE, que a sentença recorrida, ao não decidir sobre a inconstitucionalidade material por violação dos artigos 2.º e 13.º da CRP, é ilegal, devendo ser substituída por Acórdão que considere referidas inconstitucionalidades, pois que o Acórdão do TC n.º 353/2012 de 5/7/2012 decidiu, em suma, "...a) Declara-se a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64 - B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012); b)Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina-se que os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de natal, ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.º e, ou, 14.ºmeses, relativos ao ano de 2012...".
Tal significa, na posição do recorrente, que a sentença recorrida, ao limitar para para o futuro, a inconsitucionaldade é ilegal por violação dos artigos 280.º e 282.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada por Acórdão que, considerando a inconstitucionalidade, não limite os efeitos da decisão, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da CRP.
Na verdade, defende, no recurso, que as normas em crise são materialmente inconstitucionais por:
a) violação do direito de contratação coletiva, na medida em que ao se sobreporem, imperativa e taxativamente, à contratação colectiva e lesam os direitos garantidos pelos artigo 56.º, 59.º e 105.ºda CRP;
b) ao inviabilizarem as convenções vigentes e a elaboração de convenções futuras, as normas em crise afetam, irremediavelmente, o núcleo essencial de um direito fundamental - o da contratação coletiva -, violando o artigo 18.º n.° 3 da CRP.
Termina, formulando o seguinte pedido: “... Deve ser proferido douto e final Acórdão que revogue, nos termos nos expostos, sentença recorrida, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das normas em questão...”.
A C......., SA, em sede de contralegações, defende que, estando em causa conhecer da imposição resultante do artigo 21.º da Lei n..º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2012. A entidade recorrida, a norma em causa é clara quanto ao seu âmbito de aplicação, impondo, com natureza imperativa, a suspensão, total ou parcial, do pagamento do subsídio de Férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. E sobre o assunto, clarifica que, embora o Acórdão n.º 353/2012 tenha julgado a inconstitucionalidade do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, por entender que o mesmo contém uma violação do princípio da igualdade, insito no artigo 13.º da CRP, por força do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, foi decidido que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se aplicassem à suspensão do pagamento dos subsídios de Férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.ºmeses, relativos ao ano de 2012. Por esta razão, defende a entidade recorrida, que “... os trabalhadores representados pelo Recorrente, ficaram sujeitos à suspensão supra referida, dado que a ora Recorrida é uma empresa pública abrangida pela enumeração constante do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro...”. Conclui, subscrevendo a ideia de que a redução remuneratória se sobrepõe à proteção da confiança individual que cada trabalhador possui quanto à manutenção incólume das condições remuneratórias anteriormente detidas.
A sentença recorrida, por seu lado, decidiu que “... Estes objetivos passam sobretudo pela redução do défice da Administração Pública e por fazer com que o rácio entre a dívida pública e o PIB baixe, a partir deste ano, de forma a atingir, no futuro, um equilíbrio orçamental; pela regulação e supervisão do sector financeiro; pela implementação de medidas orçamentais estruturais, com vista a melhorar a eficiência da Administração Pública e ainda pela aplicação de outras medidas no sentido de reestruturar o mercado de trabalho e educação, o mercado de bens e serviços, o mercado da habitação, o sistema judicial, entre outras...”
Apreciando e decidindo.
Decidiu o Tribunal a quo que “... O Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas constantes dos arts. 21.º e 25.º da Lei no 64-B/2011, de 30 de Dezembro, fundamentando-se o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 21.º na violação do sub-princípio da protecção da confiança, na violação do princípio da igualdade e na violação do princípio da proporcionalidade...”, e que “... Sobre esse pedido foi proferido em 05.07.2012 o Acórdão n.º 353/2012, publicado no DR - I Série, de 20.07.2012, cuja decisão tem o seguinte teor: a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Gozando o referido acórdão de força obrigatória geral ele passou a vincular todas as entidades públicas e privadas, que não mais poderão, a partir daquela decisão, adoptar a norma declarada inconstitucional...”.
Termina a decisão recorrida afirmando que “... Como decorre do acórdão do Tribunal Constitucional, a referida inconstitucionalidade não produzirá efeitos no que respeita à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012, o que significa que a conduta da ré está salvaguardada pelo facto de a declaração de inconstitucionalidade não produzir efeitos retroactivos...”.
E não vemos razão para divergir do assim decidido.
Ainda importa recordar que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de: atos legislativos praticados no exercício da função política e legislativa - leis, decretos-leis, decretos legislativos regionais (artigo 4.º, n.º 2, do ETAF e artigo 112.º, n.º 1, da CRP). A impugnação direta da constitucionalidade e legalidade das normas, com autoridade para a declaração da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, deve ser submetida, em exclusivo, à apreciação do Tribunal Constitucional, no âmbito da sua competência para a fiscalização abstrata. Parece haver alguma confusão na alegação do recorrente que parece pretender alcançar esse objetivo na decisão de 1.ª instância.

E, aos Tribunais Administrativos apenas compete desaplicar as normas aplicáveis à resolução das questões suscitadas nos casos concretos, com fundamento na sua inconstitucionalidade, se houver um nexo incindível entre a questão de constitucionalidade e a decisão da causa (artigos 204.º, 280.º, n.º 1, alínea a) e 281.º, n.º 1 da CRP).
Na verdade, o Tribunal de 1.ª instância deverá recusar a aplicação da norma que julgue ser inconstitucional e, se estiver perante uma inconstitucionalidade originária, deverá repristinar a norma revogada pela declarada inconstitucional, e decidir o caso de acordo justamente com a norma repristinada. Todavia, se não houver lugar a repristinação, porque a norma inconstitucional não havia revogado qualquer outra, deverá verificar se o judicativo caso concreto poderá ser decidido com recurso às regras da interpretação [vide, J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 2.ª Reimpressão, 1987, págs. 192 e segs].
O artigo 204.º da CRP é, pois, o ponto de partida necessário da fiscalização concreta da constitucionalidade (e da legalidade) e significa, antes de mais, que todos os Tribunais, seja qual for a sua categoria (artigo 209.º), exercem fiscalização – a qual implica apreciação, e não simplesmente não aplicação - e que essa fiscalização dá-se nos feitos submetidos a julgamento, nos processos em curso em Tribunal, incidentalmente, não a título principal.
Em todo o caso, sempre se clarificará que, face à inserção sistemática do artigo 59.º da CRP, verificamos que o direito à retribuição se encontra efetivamente previsto no Capítulo I, do Título III, da Parte I do texto constitucional, encontrando-se elencado entre os direitos e deveres económicos, sociais e culturais: trata-se de um direito económico e, ainda, de um direito previsto para os trabalhadores e já não enquanto pessoas ou indivíduos. Ora, aquele artigo tem precisamente como epígrafe “Direitos dos trabalhadores”, sendo que o direito à retribuição é apenas um dos elencados naquele catálogo; analisando as normas do artigo 59.º da CRP que se relacionam diretamente com as suas alíneas a) e d), refernentes aos subsídios de Férias e Natal.
O n.º 1 daquele artigo dispõe que “...[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito…”, acrescentando a alínea a) “...[à] retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna...” e a alínea d) “...[a]o repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas...”. Verificamos que a norma consagrada na alínea a), a que nos referimos, conjugada com o corpo do n.º 1, abrange todos os trabalhadores (subordinados) sem exceção – isto é, inclui quer os trabalhadores da função pública, quer os do sector privado –, numa clara manifestação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na sua vertente de proibição de discriminação, prevendo o direito a uma justa retribuição. Isto não quererá dizer que não poderá haver diferenciações de tratamento entre trabalhadores, mas sim que essas diferenciações não possam ser injustificadas. Já na alínea d) do mesmo número, o legislador constitucional procurou acautelar o direito dos trabalhadores (subordinados) de eventuais ofensas por parte da sua entidade patronal ao conceder-lhes a suspensão da sua prestação de trabalho durante um período de tempo que, além de possibilitar a recuperação.
É certo que este direito se encontra elencado no âmbito dos direitos fundamentais de segunda geração, id est, dos chamados direitos sociais, que se entende corporizarem precisamente um elemento de igualdade e, uma vez que apresenta um conteúdo constitucionalmente determinável, não dependendo a sua concretização das disponibilidades estaduais, isto é, não se encontrando sob reserva do possível, é possível afirmar que estamos perante um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, à semelhança do que acontece com os direitos, liberdades e garantias, confere aos seus titulares verdadeiros poderes de exigir de outrem um certo comportamento – in casu, exigir do Estado ou da entidade patronal o pagamento do seu vencimento e quaisquer outras prestações integrantes do conceito de retribuição. Isto quererá dizer que o direito à retribuição beneficia do regime próprio dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º da CRP.
Pode ler-se isso mesmo no Acórdão do TC n.º 620/2007: “... direito à retribuição do trabalho, ainda que sediado no Titulo III da Parte I da Constituição, relativo aos direitos e deveres económicos e sociais, tem sido reconhecido como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, que, como tal, compartilha do regime constitucional próprio destes em todos os aspectos materiais do seu regime, e designadamente com referência ao artigo 18º (…).”
Já maiores são as dúvidas quanto ao regime a aplicar a tal direito, ou seja, saber em que medida pode o direito à retribuição beneficiar daquele regime específico dos direitos, liberdades e garantias. A doutrina portuguesa não apresenta um entendimento uniforme quanto à aplicação, nesta sede do artigo 17.º da CRP, apenas do regime material ou, ainda, do regime orgânico.
Mas, quer se reconheça que o direito à retribuição possui uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, nessa medida, beneficia do mesmo regime (material e/ou orgânico), ou quer se defenda que não se encontram justificações necessárias e evidentes que levem a uma distinção de tratamento dogmático entre os direitos fundamentais de primeira e segunda geração, a verdade é que qualquer limitação/restrição do mesmo terá de ser aferida à luz das regras constitucionalmente definidas.
Pois bem, sem prejuízo da consagração do direito a férias periódicas pagas (artigo 59.º, n.º 1, alínea d)) e da verificação de que a função social da retribuição justifica o estabelecimento de subsídios de Férias e de Natal e a previsão de faltas justificadas que não importam a perda de vencimento, a Constituição não impõe o dever de prestar a retribuição em todos os casos em que é suspensa a prestação de trabalho. Verificamos, assim, que a atribuição de subsídios salariais não resulta nem está diretamente consagrada na CRP. Porém, como veremos, ao analisarmos a concretização infraconstitucional do direito, tem-se considerado que estes subsídios integram o próprio conceito de retribuição.
Embora com inúmeras referências espalhadas por todo o CT, as disposições gerais sobre retribuição podem ser encontradas a partir do artigo 258.º daquele diploma legal, que prevê os princípios gerais sobre esta matéria. Por sua vez, os artigos 263.º e 264.º consagram, respetivamente, o subsídio de Natal e o subsídio de Férias. De resto, verificamos que, nos termos do artigo 254.º do CT, apesar do subsídio de Natal ter começado por ser visto como uma prestação complementar ou acessória, por ter a sua fonte na contratação coletiva e por não ser obrigatório, nos dias de hoje tal visão parece ultrapassada, uma vez que o mesmo subsídio adquiriu, por lei, natureza obrigatória. Deste modo, o mesmo autor sustenta que o subsídio de férias apresenta, para todos os efeitos, carácter de retribuição “normal”. Em todo o caso, sempre se poderia afirmar que esta prestação se considera retribuição, nos termos do artigo 258.º do CT, já que não se encontra elencada entre as prestações excluídas da retribuição, previstas no artigo 260.º do mesmo diploma. Quanto ao subsídio de férias, que deriva do artigo 255.º do CT.
E foi nesse sentido o Acórdão do TC n.º 353/2012, usado como fundamento da decisão recorrida, explicitando que “...atualmente, tanto o subsídio de Férias como o de Natal, quer no regime jurídico do direito privado, quer no do direito público, têm a natureza de retribuição, isto é, de contrapartida ligada ao trabalho prestado, integrando a remuneração anual...”. Apesar de, também ter decidido que, não obstante a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, a referida inconstitucionalidade não produzirá efeitos no que respeita à suspensão do pagamento dos subsídios de Férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012, o que significa que a conduta da ré está salvaguardada pelo facto de a declaração de inconstitucionalidade não produzir efeitos retroactivos.
No ano seguinte, no seu Acórdão n.º 187/2013, quanto à natureza destas prestações, o Tribunal voltou a sublinhar: “... Essa [ideia de que estes subsídios constituem parte da “remuneração anual”] é também a conclusão que se retira dos princípios gerais em matéria laboral, e, designadamente, dos artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho. Pode dizer-se que, no âmbito do contrato de trabalho, a retribuição em sentido estrito compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido acordado e as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da atividade, aqui se incluindo os complementos salariais certos, que correspondem a prestações fixas que se vencem periodicamente, entre os quais subsídios anuais como sejam o subsídio de Natal (artigo 263.º do Código do Trabalho) e o subsídio de férias (artigo 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho)...”.
Portanto, ao ter assim decidido, o Tribunal a quo e o ad quem não se afastou e não se afastará desta decisão.
Na análise das consequências da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral importa atentar em particular nos n.ºs 1, 3 e 4, do artigo 282.º da CRP, que dispõem, respetivamente, sobre o efeito repristinatório, a exceção de caso julgado e o poder do TC na limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Se a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deriva da particular posição da Constituição no ordenamento, a qual, nas palavras de JORGE MIRANDA [MIRANDA, JORGE, “Manual de Direito Constitucional, Tomo VI – Inconstitucionalidade e garantia da Constituição”, p. 272], “... como base da força intrínseca da norma em causa”, deve “...prevalecer incondicionalmente desde o momento em que esta é emitida ou em que ocorre a contradição ou desconformidade e não apenas desde o instante em que a contradição é reconhecida...”, sendo que o n.º 1 do artigo 282.º da Constituição dispõe que à simples declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral é atribuída eficácia retroativa e repristinatória.
Ora, a “força obrigatória geral” consiste no efeito jurídico das declarações de invalidade das normas jurídicas (com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade). Haverá a distinguir, quanto ao seu regime, a força obrigatória geral declarada pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de normas e da legalidade de leis e a força obrigatória geral declarada pela Justiça Administrativa e pela Administração, no respeitante ao controlo de legalidade dos regulamentos. E no que diz respeito à Justiça Constitucional, a expressão “força obrigatória geral” consta do n.º 1 do artigo 282.º da CRP e sinaliza três tipos de efeitos:
a) A nulidade da norma inconstitucional ou ilegal que supõe, não só, a sua expulsão da ordem jurídica, mas também a eliminação de todos os efeitos passados que tenha produzido, em regra, desde a sua origem ou desde a ocorrência do vício, com preservação do caso julgado e das situações previstas no n.º 4 do artigo 282.º da CRP, ou seja, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2.
b) A força de caso julgado, que impossibilita que a declaração de invalidade possa vir a ser recorrida ou reapreciada no mesmo processo ou em outros processos com igual objeto;
c) A eficácia “frente a todos” que se traduz na necessidade de acatamento da decisão por todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos.
Se se pode dizer que o sistema jurídico procura, prioritariamente, proteger os cidadãos face a mudanças súbitas e imprevisíveis na atuação da Administração, também não é cego a situações pontuais que se possam impor e prevalecer sobre essa proteção.
De facto, o princípio da proteção da confiança tem um quarto pressuposto que, uma vez verificado, justifica a afetação legítima das situações de confiança previamente criadas, como seja um qualquer interesse público que, no caso, se imponha e se reconheça que é mais relevante que a proteção das expectativas criadas. No caso da repristinação como consequência de uma declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, o legislador parece ter feito essa ponderação e considerado que o interesse público na repristinação se impunha, à partida, a qualquer legítima expectativa que o cidadão pudesse reclamar.
É por existirem as ressalvas constantes no n.º 4 do artigo 282.º da CRP e no n.º 2 do artigo 76.º do CPTA que não se pode dizer que esta opção coloca em causa o princípio da proteção da confiança, pois, ao juiz, é atribuído o poder-dever de limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, incluindo o efeito repristinatório, quando se verifique que este colocará em causa a segurança jurídica, a equidade ou um interesse público de excecional relevo.
Foi o que o citado Acórdão do Tribunal Constitucional decidiu, apesar da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, e que a decisão recorrida subscreveu, com acerto.
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Em consequência, será de negar provimento ao recurso, e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente.
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IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em manter a decisão recorrida, com a fundamentação antecedente.
Custas a cargo do recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, dia 9 de maio de 2024
(Eliana Pinto - Relatora)

(Luis Freitas – 1.º Adjunto)

(Teresa Caiado – 2.ª adjunta)