Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:439/23.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/20/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
CONTRIBUIÇÕES
FUNDAMENTAÇÃO EXIGÍVEL
Sumário:i) Erros de julgamento, de facto e de direito, não integram o elenco taxativo das nulidades da sentença, previstas no art.º 615/1 do CPC, com correspondência no art.º 125/1 do CPPT.
ii)As contribuições para a segurança social assumem natureza de imposto e estão sujeitas ao regime jurídico da lei geral tributária.

iii)De acordo com o disposto no art.º 77/2 da LGT, «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

iv)Não está suficientemente fundamentada a correcção dos valores declarados pela entidade empregadora como ajudas de custo, deslocações em viatura própria e gratificações nas folhas de remuneração, se o acto correctivo, contendo embora “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários”, omite como calculou os rendimento sujeitos à incidência contributiva com relação a cada trabalhador beneficiário dos abonos, ou seja, a exigida explicação e demonstração das “operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

v) A insuficiente fundamentação equivale a falta de fundamentação e compromete a validade formal do acto tributário ou acto em matéria tributária

Nº Convencional:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (ISS, I.P.), veio, em conformidade com os artigos 280.º e 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 7 de outubro de 2021, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por JUVENAL ………………., LDA., contra a decisão de liquidação oficiosa de contribuições /quotizações para a Segurança Social, proferida pela Unidade de Fiscalização Centro – Sector de Leiria, relativas aos períodos compreendidos entre 01/10/2018 e 28/02/2022, no montante total de € 113.772,75€ .

O Recorrente alega para tanto, conclusivamente, o seguinte:
«A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no âmbito do processo melhor identificado em epígrafe, que julgou a impugnação procedente e anulou os atos de liquidação referentes ao período compreendido de Outubro de 2018 a Fevereiro de 2022 com fundamento no vicio da falta ou obscuridade da fundamentação do ato ora impugnado.
B. Porém, no humilde entendimento do Recorrente, a Sentença proferida pelo Mm. Juiz do Tribunal a quo deve ser considerada nula por erro de julgamento e por errada interpretação e aplicação do direito, sem olvidar que a mesma procede de uma incorreta valoração dos factos dados como provados e de uma inadequada subsunção dos mesmos ao direito aplicável razão pela qual se apresenta o presente recurso.
C. Efetivamente, entende o Impugnado, agora Recorrente, que o Tribunal a quo ignorou a matéria de facto constante do processo de averiguações, o que contamina de forma irremediável o processo lógico-dedutivo quer para a prova apurada, quer, sobretudo, para o respetivo exame crítico da decisão em causa que a inquinam de ilegalidade, de forma inultrapassável e inequívoca, a Sentença ora recorrida.
D. Por último, entende ainda o Recorrente que existiu uma incorreta valoração dos factos dados como provados e uma inadequada subsunção dos factos ao direito aplicável o que imporia, necessariamente, uma decisão, em certos tópicos diferente daquela que foi levada a cabo pelo Tribunal a quo.
E. É, alias, esse erro de julgamento que passa pela errada decisão, tomada relativamente aos factos constantes do processo, que vem inquinar irremediavelmente, e em último ratio, a Sentença ora colocada em crise.
F. É, pois, tendo por base estas e outras críticas que infra se exporão, que se coloca em crise a Sentença ora recorrida.
G. Importa, assim, salientar os pontos sobre os quais, de resto, incidirá a análise perfunctória a realizar sem descurar que as presentes alegações de recurso versam sobre matéria de facto e de direito, as quais por facilidade e metodologia de exposição, se inicia com uma abordagem do ónus de prova que sobre si impendia e que de resto, o que o Recorrente logrou realizar, e resultam dos factos dados como provados.
H. Através da presente ação vinha a ora Recorrida sindicar o ato de liquidação oficiosa de contribuições, emanado pela Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital de Leiria, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no montante total de 113.772,75 € (cento e treze mil, setecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), relativas ao período compreendido entre 01.10.2018 e 28.02.2022.
I. Contudo, não obstante a decisão do tribunal a quo, considera o aqui Recorrente que não lhe assiste razão.
J. No âmbito do referido processo de averiguações foram efetuadas diversas diligências, a fim de se proceder ao levantamento de elementos relevantes nesta sede, sendo essas as seguintes: notificação da Recorrida para junção de documentação (17.02.2020); audição de trabalhadores da Recorrida (04.02.2022); notificação da Recorrida para apresentação de documentação complementar (18.02.2022); requisição ao IMT das datas de inspeção e dos km registados (desde 2018 até 2022) de alguns dos veículos indicados nos mapas de kms em viatura própria apresentados pela Recorrida; mais, foi consultada pelos Serviços de Fiscalização a informação constante do Sistema de Informação da Segurança Social.
K. Da análise da informação obtida com todas as diligências supra enumeradas concluíram os Serviços de Fiscalização do ora Recorrente que “em função da matéria de facto apurada e enquadramento legal defendido, considera-se que as referidas verbas, independentemente da designação que lhes foi atribuída, ajudas de custo, kms em viatura própria ou gratificações correntes, integram a base de incidência contributiva justificando-se, em conformidade a correspondente correção oficioso." (negrito nosso), cfr. Relatório Final constante em folhas 783 e seguintes do PROAVE.
L. Sobre o pagamento de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria: No período em análise a generalidade dos trabalhadores (eletricistas, motoristas de pesados, encarregados, mas também um engenheiro eletrotécnico, um servente e os dois gerentes) auferiam mensalmente uma verba identificada por ajudas de custo ou kms em viatura própria.
M. A maioria dos trabalhadores em causa integraram o horário de piquetes de 24 horas/7 dias por semana (incluído, portanto, trabalho em dias de semana, fins de semana e feriados) - cfr. folhas 679 e seguintes do PROAVE -, fixado pela Recorrida para cumprimento dos termos contratualizados no âmbito da subempreitada celebrada entre esta e a empresa C..........
N. Mais observaram os Serviços de Fiscalização do Recorrente que, apesar de no âmbito do referido contrato de subempreitada a Recorrida se comprometeu a “(...) colaborar, a qualquer dia e a qualquer hora, nas Áreas Operacionais de Leiria, na execução de trabalhos de assistência à rede e clientes (piquetes) nas classes das obras adjudicadas no objeto do presente contrato, bem como noutras atividades e /ou projetos, nos termos e nas condições descritas no Caderno de Encargos da empreitadas (...)’ (sublinhado nosso) - cfr. contrato de subempreitada a fls. 695 e seguintes do PROAVE - o que, como já se disse, implicava a existência de piquetes com uma disponibilidade de 24 horas/7 dias por semana;
O. Da consulta ao processamento de salários da Recorrida, constataram os Serviços de Fiscalização que a Recorrida não processa valores a título de trabalho suplementar, pelo menos valores consentâneos com a realidade descrita, pois no ano de 2019 a Recorrida processou a título de horas extraordinárias no montante de 572,22 €, já no ano de 2020 o valor foi de 140,20 €, valores claramente irrisórios face ao universo de trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas, cfr. folhas 679 e seguintes do PROAVE.
P. Em contrapartida, de acordo com boletins de ajudas de custo juntos pela Recorrida (respeitantes ao período entre janeiro de 2018 e março de 2020), observou-se que os trabalhadores incluídos naquele planeamento receberam mais ou menos ajudas de custo em proporção com os dias em que se encontravam escalados para o piquete, assim: o trabalhador Tiago ………., em janeiro de 2021 integrou a equipa nos dias 1,2 e 3 (sexta a domingo) e segunda-feira dia 11, recebeu a título de ajudas de custo o valor de 387,36 €; o trabalhador Ricardo ………… integrou a equipa dos dias 1 a 3 de janeiro de 2021, auferiu naquele mês 250,20 € de ajudas de custo; o trabalhador José ………integrou a equipa nos dias 6, 12,15, 16, 17, 18 e 25 de janeiro de 2021 auferiu o valor em ajudas de custo de 423,00 €; o trabalhador Tiago …………… integrou a equipa no mês de janeiro nos dias 6, 8,9,10,29,30 e 31 tendo recebido a título de ajudas de custo naquele mês o valor de 764,28 €.
Q. Não colhe nem pode colher a este propósito o argumento da douta sentença do tribunal a quo que refere “Sabe-se que foram tidas em conta declarações de trabalhadores, mas não concretiza a que declarações se refere, podendo ser declarações de ajudas de custo, declarações de quilómetros feitos em viatura própria, período temporal, ou outra informação útil”. Uma vez que, no sentido de que tais boletins de ajudas de custo não correspondem à realidade, desde logo no que respeita a estadias fora, que de acordo com a informação dos boletins seriam regulares, vejam-se as declarações dos trabalhadores, nas quais pode ler-se “Foi-lhe pedido para identificar um local onde tenha pernoitado durante o período em que trabalhou para a empresa respondeu que não se recorda de nenhum local” - cfr. Auto de declarações do trabalhador António ……………., a folha 722 e seguintes do PROAVE.
R. Declarações não consentâneas com os boletins de ajudas de custo deste trabalhador conforme se pode verificar através de documentos constantes do PROAVE
S. Ou “Questionado se habitualmente dormia fora, respondeu que habitualmente não, ainda assim uma ou outra vez chegou a dormir fora, não se recorda dos locais onde isso aconteceu.” - cfr. Auto de declarações do trabalhador Rui …………… a folha 724 e seguintes do PROAVE.
T. Declarações não consentâneas com os boletins de ajudas de custo deste trabalhador
U. E, ainda, “Questionado se enquanto ajudante de eletricista pernoitava, respondeu que não, ia e vinha todos os dias para …………….” - cfr. Auto de declarações do trabalhador Tiago …………….., a folha 726 e seguintes do PROAVE.
V. Declarações não consentâneas com os boletins de ajudas de custo deste trabalhador.
W. Face ao exposto, puderam os Serviços inspetivos do Recorrente inferir sem margem para dúvidas que as importâncias pagas aos funcionários constituem remunerações acessórias auferidas devido ao trabalho realizado em períodos noturnos, fins de semana e feriados.
X. Além do mais, do cruzamento de informação constante dos documentos remetidos pela Recorrida, nomeadamente do registo de assiduidade e dos boletins de ajudas de custo, foi possível aos Serviços de fiscalização do Recorrente constatar que, inclusive, existia uma sobreposição clara entre dias de férias e dias de trabalho com direito a ajuda de custo, veja-se, a título exemplificativo, a situação dos encarregados Fernando ………… e José …………., ambos com registo de gozo de férias em agosto de 2018, tendo no mesmo período declarado e recebido ajudas de custo
Y. Sendo que, a partir de abril de 2020, passaram os trabalhadores e os gerentes da Recorrida a receber kms em viatura própria.
Z. E, também quanto a estes boletins de kms em viatura própria, toda a prova produzida pelos Serviços de Inspeção do Recorrente vão no sentido de os mesmos não corresponderem à realidade.
AA. Ficando, uma vez mais, documentalmente evidente que os valores pagos a título de ajudas de custo e Kms em viatura própria não são reais, correspondendo antes ao pagamento de trabalho suplementar.
BB. A acrescer a tudo quanto vem de ser dito, vejam-se ainda as declarações dos trabalhadores que apontam no sentido de os boletins de ajudas de custo e de kms nem sequer serem preenchidos pelos próprios, que apenas os assinavam e, ainda, que, independentemente das deslocações efetivamente realizadas em cada mês, o seu vencimento líquido depois de somadas as ajudas de custo daria sempre um montante localizado entre um intervalo de valores que já conheciam, factualidade pouco consentânea desde logo com deslocações que deveriam variar de acordo com os trabalhos de cada mês, ainda mais imprevisíveis no caso das deslocações/trabalhos promovidos no âmbito da subempreitada com a C……….. que, conforme já se viu supra se destinava a prestar trabalhos de assistência à rede, completamente imprevisíveis, ou seja, sem uma regularidade pré-estabelecida, implicando antes uma disponibilidade “(...) a qualquer dia e a qualquer hora (...)", cfr. contrato de subempreitada a fls. 695 e seguintes do PROAVE.
CC. No procedimento inspetivo apuraram os Serviços de Fiscalização do Recorrente que os trabalhadores da Recorrida integram um piquete 24 horas, definido entre a entidade (subcontratada) e a empresa contratante.
DD. Necessariamente, um horário desta natureza exigirá, em linha com o determinado na
legislação laboral, o pagamento de trabalho efetuado em dias de semana, mas também fins de semana, feriados, trabalho noturno, etc.
EE. Conforme consta do n.° 3 da Cláusula Sétima, pág. 4 do Contrato de Subempreitada, o preço contratual compreende o fornecimento, pela Recorrida (2ª outorgante), de todos os serviços e bens/equipamentos/materiais, necessários à completa execução das tarefas, nos termos exigidos pela EDP Distribuição - Energia SA no Caderno de Encargos da Empreitada Contínua, parecendo-nos, salvo melhor opinião, impossível que este fornecimento fosse garantindo sem trabalhadores e mais, sem a sua disponibilidade para assegurar piquetes desta natureza.
FF. Porque se pode ser verdade que alguns dias não tivesse havido necessidade dos trabalhadores se deslocarem durante a noite, a disponibilidade tinha que estar assegurada a 100%, levando a empresa a adotar o processamento de ajudas de custo, com o pressuposto de garantir o pagamento aos trabalhadores pelo dia completo.
GG. Depois, continua o douto tribunal a quo referindo, e tal como referido pelo Recorrente, bem, que “a Impugnante não declarou pagamento de remuneração aos trabalhadores do piquete por terem trabalhado em horário nocturno, feriados, dias de fim-de-semana e trabalho suplementar, mas a estes trabalhadores paga ajudas de custo. Conclui a inspeção: as ajudas de custo foram para pagar remunerações, e não reais ajudas de custo.”
HH. No que respeita aos valores processados sob a designação de “ajudas de custo” e “Kms em viatura própria” a credibilidade e fiabilidade da informação que a Recorrida faz constar nos mapas apresentados ficou irremediavelmente ferida tendo por base os factos apurados em sede inspetiva e que, de forma cristalina, contradizem os elementos constantes dos boletins itinerários.
II. Assim, não existe de facto correspondência entre os mapas de quilómetros apresentados pela empresa e os quilómetros efetivos percorridos pelas viaturas, atenta a informação do IMT;
JJ. Os trabalhadores fazem constar nos boletins itinerários deslocações com pernoita quando, foram claros ao declarar que tal situação não corresponde à realidade;
KK. Os trabalhadores nos dias em que estão de piquete durante a noite, não veem refletidas essas horas de trabalho nos recibos de vencimento, havendo, sim, evidências do aumento do n.° de ajudas de custo processadas nesses meses.
LL. Trabalhadores afirmaram receber uma quantia certa independentemente das deslocações realizadas e horas trabalhadas.
MM. Depois de toda a exposição que o tribunal faz, parece-nos que não subsistirão dúvidas sobre a natureza dos valores que se invocam neste ponto do relatório.
NN. Uma vez que o relatório refere “percentagens apuradas em função das deslocações dos funcionários (segunda a sexta-feira) e inscritas nos boletins de ajudas de custos, considerámos aceitar a ajuda de custo a 25%, que corresponde a deslocações efetuadas no período entre as 13 e as 14 horas", naturalmente refere-se às ajudas de custo pois só o pagamento destas está dependente do horário da deslocação, horário esse que determina o valor (percentual) a pagar.
OO. Ora, tal conclusão está exposta forma clara e não nos parece que a mesma seja de tal forma obscura que a torne impercetível para o tribunal.
PP. Parece que o douto tribunal a quo fica com dúvidas quanto ao enquadramento jurídico invocado no relatório para extrair as conclusões dos factos apurados, nomeadamente quanto ao desrespeito pela percentagem concreta do valor das ajudas de custo.
QQ. Com efeito, compulsado o Relatório, é por demais evidente o enquadramento jurídico prestado aos valores apurados em sede de inspeção, através de menção clara ao regime que titula e enquadra a atribuição das Ajudas de Custo ao setor público e setor privado.
RR. Refere-se também que os montantes das ajudas de custo são os constantes das tabelas presentes na Portaria n.°1553-D/2008, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro.
SS. Incompreensivelmente o tribunal a quo afirma que “As tabelas são completamente omitidas pelo relatório”.
TT. Contrariamente, entende o Recorrente que feita a remissão para os valores constantes da portaria, se encontra cumprido pela administração o dever de fundamentação, não se exigindo o “copy/paste” dos valores constantes na portaria para o relatório.
UU. Nesta mesma linha de raciocínio, estamos longe de poder aceitar a decisão quando o tribunal refere que “não constando do relatório o valor base sobre o qual são aplicadas aquelas taxas, torna-se impossível calcular o resultado. Não se sabe qual o valor base a que respeitam os 25% ou qualquer outra percentagem.”
VV. Ora, os valores, como referiremos detalhadamente infra, são os respeitantes a ajudas de custo (com exceção do pagamento diário do valor de 25% do valor de referência, exposto na Portaria n.°1553-D/2008), Kms em viatura própria e gratificações correntes.
WW. Os valores processados pela entidade sob esta designação, por revestirem natureza remuneratória devem ser base de incidência contributiva, tendo sido incluídos nos mapas de apuramento anexos a relatório, onde contam mensalmente por trabalhador e identificadas as correspondentes taxas contributivas.
XX. Ora, erroneamente ao explanado no ponto 9 - Factos provados da douta sentença, os mapas de apuramento foram elaborados pelos Serviços de Fiscalização da Recorrente e não pela Impugnante (Recorrida).
YY. Pelo que deverá ser substituída a redação por “9. O Impugnado elaborou as epigrafadas “mapa de apuramento de remunerações”, nas quais consta para além do mais o seguinte:”
ZZ. Entende também o tribunal a quo que “Tão pouco é explicada a razão pela qual é considerado “aceitar a ajuda de custo a 25%, correspondente a deslocações efetuadas no período entre as 13 e as 14 horas. Não existem fórmulas, nem cálculos que possibilite sindicar a opção ou o resultado.”
AAA. No entanto os referidos valores foram apurados em função do pagamento de ajudas de custo a cada um dos trabalhadores, consoante fosse, ou não, ultrapassado a percentagem de 25% do valor fixado, por cada dia.
BBB. No respeitante às ajudas de custo foram considerados como tendo natureza remuneratória, e, como tal, base de incidência contributiva os valores processados pela entidade sob a designação de “ajudas de custo”, sempre que o valor diário ultrapassasse o limite de 25% do valor fixado na portaria acima referida;
CCC. Foram considerados como tendo natureza remuneratória, e, como tal, base de incidência contributiva, todos os valores processados pela entidade sob a designação de “km’s em viatura própria”;
DDD. Foram considerados como tendo natureza remuneratória, e, como tal, base de incidência contributiva, todos os valores processados pela entidade sob a designação de “gratificações correntes”;
EEE. Por fim, importa destacar que não existe qualquer vicio de falta ou insuficiência de fundamentação, além do mais, do teor da Impugnação apresentada pela Recorrida é notório que toda a matéria de facto e de direito conducente ao ato de liquidação, ora impugnado, foi devidamente apreendida uma vez que, de outra forma não poderia a Recorrida ter-se defendido nos termos que o fez.
FFF. Ainda assim, a fundamentação de facto e de direito do ato praticado pelo Recorrente, consta em primeiro lugar do Projeto de Relatório e, posteriormente, a mesma
fundamentação de facto e de direito, consta também do Relatório Final, tendo sido anexados em ambos os casos os respetivos mapas de remunerações em causa.
GGG. Assim, o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
HHH. No caso dos autos, a fundamentação do relatório de fiscalização obedece aos parâmetros supra enunciados, pois do mesmo consta a explicação, ainda que minimamente, de todas as razões de facto e de direito que conduziram às correções aqui sindicadas, resultando do teor da própria petição inicial a conclusão de que a Recorrida percebeu, e bem, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Recorrente, motivo pelo qual deverá improceder a invocada ilegalidade das liquidações por falta ou insuficiência de fundamentação.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, E COM O SEMPRE DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXA., DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA
JUSTIÇA!».

Nas contra-alegações a sociedade recorrida prevendo a possibilidade de revogação da sentença recorrida, requereu ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, a ampliação do âmbito do recurso, quanto à apreciação dos restantes vícios invocados em sede de Impugnação Judicial, e à final apresenta as seguintes e doutas conclusões: «
A) - A douta decisão recorrida julgou procedente a causa de pedir “da insuficiente fundamentação de facto dos rendimentos omitidos em sede de segurança social”.
B) - Procedência da referida causa de pedir que se encontra nomeadamente expressa no quarto e quinto parágrafos da página 27 da douta sentença recorrida cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos.
C) - Douta decisão da qual o Instituto da Segurança Social I.P. discorda pelas razões constantes das suas alegações e conclusões.
D) - Contudo, no entendimento da recorrida, nem as alegações nem as conclusões apresentadas pelo Instituto da Segurança Social I.P. apresentam fundamentos suscetíveis de justificar a revogação da douta decisão recorrida. E) – Assim e ao contrário do que a recorrente alega, o resumo das diligências instrutórias executadas no âmbito do processo de averiguações não permite demonstrar, nem explicar, nem quantificar como foram apurados os diversos valores, por trabalhador, por mês e por ano, que constam nas 13 folhas anexas ao relatório final com a designação de “mapa de apuramento de remunerações …” e sobre cujos valores veio a ser efetuada a liquidação das cotizações e contribuições para a Segurança Social nos anos de 2018 a 2022.
F) – Com efeito, as diversas centenas de fls. que compõem o processo de averiguações reconduzem-se a uma multiplicidade de fotocópias de documentos que foram facultados pela recorrida mas que não só não têm organização própria como não existe qualquer menção e ou referência que permita efetuar a correspondência entre os milhares de documentos contidos no processo de averiguações com as centenas dos valores corrigidos
aos trabalhadores nos diversos meses dos anos de 2018 a 2022 e sobre os quais foi aplicada a taxa de 11% para efeitos de cotização e de 23,75% para efeitos de contribuições devidas à Segurança Social.
G) - A partir do primeiro parágrafo da página 16 até ao segundo parágrafo da página 26 das doutas alegações, o Instituto da Segurança Social I. P. procura demonstrar a suficiência da fundamentação de facto e de direito das liquidações impugnadas.
H) - Contudo e tal como é referido na douta sentença recorrida, não é possível entender como foram apurados os valores sobre os quais incidiu a liquidação impugnada, conforme melhor resulta do texto das fls. 25, 26 e 27 da douta sentença que aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos.
I) - Aliás e em termos da insuficiente fundamentação de facto dos rendimentos omitidos em sede de Segurança Social, nos artigos 12º a 44º da p.i. a recorrida demonstra até à exaustão que não se encontra devida e suficientemente fundamentada no processo de averiguações nº…………….968 a quantificação das remunerações sujeitas a Segurança Social, no montante global de € 327.403,64, no período compreendido entre outubro de 2018 até fevereiro de 2022.
J) – A recorrente alega que o valor pago como ajudas de custo destina-se a pagar o trabalho suplementar à qual a recorrida se encontra vinculada pelo contrato celebrado com a firma “C.........”, transformando a obrigação de prontidão de 24 horas em facto gerador automático da obrigação de pagamento de trabalho suplementar, esquecendo-se que a obrigação de prontidão de 24 horas apenas se transforma em obrigação de pagamento de trabalho suplementar nas situações concretas em que ocorre a realização do respetivo trabalho suplementar, sendo que, no relatório inspetivo não foram identificadas situações concretas em que os trabalhadores da recorrida tivessem prestado trabalho para a firma “C.........” em fins de semana ou para além do horário normal, circunstância esta que inquina a respetiva correção de insuficiente fundamentação.
L) - A recorrente alega ainda que a credibilidade e a fiabilidade dos valores processados sob a designação de “ajudas de custo” e “Kms em viatura própria” foi totalmente posta em causa no procedimento inspetivo.
M) - Sucede, no entanto, que ao contrário do alegado pela recorrente, a credibilidade e fiabilidade da informação das ajudas de custo não foi posta em causa, tanto mais que e tal como referido no relatório foi aceite 25% da ajuda de custo, pelo que a afirmação de que as ajudas de custo foram totalmente postas em causa no relatório é em si mesma contraditória.
N) - Do exposto resulta que as alegações apresentadas pelo Instituto da Segurança Social I. P. não contém motivos de facto e de direito que sejam suficientes para revogar a douta sentença recorrida ao ter anulado as liquidações de contribuições devidas à Segurança Social por insuficiente fundamentação de facto na quantificação dos rendimentos objeto de correção para efeitos de liquidação oficiosa.
O) – Caso presente recurso venha a ser julgado procedente, o que apenas por hipótese académica se admite, deve o Tribunal “ad quem” pronunciar-se sobre as questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, nos termos do disposto no art.º 665, n.º2 do CPC e artigo 149º, n.º3 e 5 do CPTA, mais concretamente a preterição de formalidades legais essenciais e a violação de lei no âmbito do procedimento inspetivo efetuado no PROAVE nº …………….968,
P) - A Segurança Social efetuou à recorrida uma liquidação oficiosa de contribuições, no montante global de € 113.772,75, para o período compreendido entre outubro de 2018 e fevereiro de 2022, contribuições devidas à Segurança Social que têm a natureza de impostos, tal como assim é reconhecido por abundante jurisprudência dos nossos Tribunais.
Q) - Deste modo e configurando as contribuições devidas à Segurança Social a natureza de impostos é-lhes aplicável o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, aprovado pelo DL 413/98 de 31 de dezembro, abreviadamente aqui designado por RCPITA, cujo artigo 2º prevê expressamente que “o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias.”
R) - Por sua vez, os nº 1 a 3 do artigo 46º do RCPIT dispõem do seguinte modo: “1 – O início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam e nos nº 1 e 2 do artigo 51º do RCPIT consta nomeadamente o seguinte regime legal: “1 – Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspeção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, exceto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º
S) - Sucede, porém, e tal como resulta do relatório final o procedimento inspetivo levado a efeito à recorrida, de natureza externa, não foi objeto da emissão da respetiva ordem de serviço e da respetiva notificação nos termos legais.
T) – Por sua vez, o artigo 3º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, sob a epígrafe “Direito subsidiário” regula nos seguintes termos: “São subsidiariamente aplicáveis: … c) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo; sendo que deste código fazem parte os seus artigos 53.º, 68º e 110º.
U) - Regime legal dos transcritos artigos 53º, 68º e 110º do CPA que foi violado no procedimento inspetivo instaurado no PROAVE nº …………..968, pois da leitura integral do relatório final não consta que a recorrida tenha sido notificada do início do procedimento administrativo nem consta que a recorrida tenha sido notificada da entidade que ordenou a instauração do procedimento administrativo ou o facto que lhe deu origem, nem da indicação do órgão responsável pela sua direção, a data em que o mesmo se iniciou o serviço por onde correu e o seu objeto, omissão das referidas formalidades legais que constitui vício de forma que torna ilegal a respetiva liquidação.
V) - Por outro lado, nos termos do nº 3 do artigo 40º do CRC a falta ou insuficiência das DR podem ser suprimidas ou corrigidas oficiosamente pela instituição de segurança Social, suprimento oficioso que ocorre nas situações previstas no artigo 27º do Decreto-Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de janeiro, designadamente, quando a entidade não apresente DR ou omita trabalhador ou valores na DR.
X) – Acresce que o artigo 28º do Decreto-Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de janeiro cujo artigo 28º dispõe que “nas situações previstas no artigo anterior, a instituição de segurança social notifica a entidade empregadora da falta detetada, convidando-a a suprir ou a justificar a mesma, no prazo de 10 dias, findo o qual é elaborada declaração oficiosa de remunerações.”
Z) - Sucede, porém, que a recorrida não foi notificada para no prazo de dez dias suprir ou justificar a divergência nas suas DR tal como assim o impõe o citado artigo 28º do Decreto-Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de janeiro, falta de notificação que torna as liquidações impugnadas ilegais por preterição de formalidade legal essencial, prevista no artigo 28º do Dec. Reg. 1-A/2011 de 3 de janeiro.
AA) – A douta sentença recorrida efetuou correta aplicação do nº 3 do artigo 268º da CRP e do artigo 153º do CPA.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente ser julgado improcedente por não provado e em consequência ser mantida a douta sentença recorrida.
Caso assim não se entenda, deve o Tribunal conhecer da causa de pedir da preterição de formalidades legais essenciais e a violação de lei, suscitada na p.i, não apreciada na 1ª instância, e anular a liquidação oficiosa das contribuições e cotizações relativas aos meses de outubro de 2018 até fevereiro de 2022.”.
O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso deve improceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central a dirimir consiste em indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela falta de fundamentação da quantificação das omissões nas contribuições devidas, omissões essas que estão na base da liquidação oficiosa impugnada.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: «

1. A impugnante é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social registado consiste em executar “instalações eléctricas de alta, média e baixa tensão e serviços conexos, instalação e reparação eléctrica, construção civil, obras públicas, compra e venda de terrenos para construção e exploração de estação de lavagem automática de viaturas ligeiras. Arrendamento de propriedades de investimento” (cf fls. 784 do PA);

2. Datado de 24/09/2018, a Chefe do Sector de Fiscalização de Leiria da Unidade de Fiscalização do Centro do Departamento de Fiscalização do ISS proferiu despacho com o assunto “ações conjuntas de inspecção - cooperação interinstitucional", em que meciona, para além do mais, o seguinte:
“1. ÂMBITO E OBJETIVO
Determina-se pelo presente despacho a realização de ações programadas de inspeção, integradas na cooperação interinstitucional estabelecida há vários anos neste Setor e que, visam corresponder aos pressupostos fixados no âmbito do Plano de Ação do ISS (PAISS) no que respeita à prevenção e identificação de situações de incumprimento perante o sistema de segurança social.
As referidas ações, de natureza proativa, visam diversificar o nível de atuação dos serviços e respetiva abrangência, considerando o universo global de contribuintes, independentemente das áreas específicas de atividade que desenvolvem, priorizando-se os que integram a área geográfica setorial. (...)
No que respeita às ações conjuntas rodoviárias, possuem um objetivo essencialmente preventivo e incidirão sobre veículos ligeiros de mercadorias. (...)
Das ações expostas, trata-se, em concreto, de aferir a regularidade do comportamento das EEs ao nível da relação jurídica de vinculação e contributiva relativamente aos TCO que sejam identificados bem como da eventual relação jurídica prestacional destes últimos com o Sistema de Segurança Social.” (cf. fls. 4 e ss. do PA);

3. A 01/10/2018, pelas 08:00, os serviços da Impugnada participaram com outros órgãos de inspecção numa acção de inspecção rodoviária (cf. fl. 4 e ss. do PA);

4. Nesse âmbito, pelas 11:10, a equipa de fiscalização interpelou o trabalhador da Impugnante Rui …………., condutor da viatura com a matrícula …………….(cf. fls. 5 e ss. do PA);

5. A 28/11/2018, a Impugnante, no seguimento do facto 4., autuou o PROAVE n.° ……………968, em que é denunciada a Impugnante (cf fl. 4 do ficheiro informático do PA);

6. Em data não apurada, a Impugnante apôs carimbo em ofício em papel timbrado do Sector de Leiria do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Serviço de Fiscalização do Centro do Departamento de Fiscalização do ISS, datado de 17/02/2020, com o assunto “notificação”, do qual consta, nomeadamente, que é informado da instauração de um processo de averiguações “tendo em vista a verificação do cumprimento das obrigações impostas aos contribuintes da segurança social, no âmbito das relações jurídicas de vinculação e contributiva. Neste contexto, e para efeitos de eventual liquidação adicional de contribuições referentes ao período compreendido entre Março de 2016 e a presente data”, e que deverá apresentar documentos contabilísticos e outros relativos ao período entre 2016 e 2019 (cf. fl. 6 do PA);

7. A 25/07/2022, no âmbito do PROAVE n.° …………….968, o Serviço de Fiscalização da Impugnada elaborou um projecto de relatório (cf. fis. 748 e ss. do PA);

8. A 08/08/2022, foi assinado o aviso de recepção relativo ao envio, por correio postal registado com aviso de recepção, para a sede fiscal da Impugnante, de ofício da Impugnada, deste constando:
“Fica V. Exa, por este meio notificado (...) para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias úteis a contar da data do registo do presente oficio, acrescida a dilação de correio de 3 dias, sobre a proposta de decisão constante da Informação em anexo, elaborada na sequência da ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave n.°………….968.” (cf. fls. 764 e ss. do PA, aviso de recepção autografado relativo ao envio postal RF503791797PT);

9. A Impugnante elaborou tabelas epigrafadas “mapa de apuramento de remuneração", nas quais consta, para além do mais, o seguinte:

« Quadros no original»

(cf. fls. 735 e ss .do PA);

10. A 12/10/2022, os serviços de inspecção da Impugnada elaboraram relatório final relativo ao PROAVE n.° …………….968, e que menciona, para além do mais, o seguinte:
3. Análise da documentação remetida pela EE
Conforme resulta da análise à documentação cedida pela empresa, nomeadamente balancetes, extratos das contas 64 e mapas de processamento de vencimentos relativos aos anos de 2018 a fevereiro de 2022, as rubricas identificadas por vencimento, subsídio de férias e subsídio de natal que constituem base de incidência contributiva para a Segurança Social e que se encontram formalmente contabilizados e formalmente processados, foram regularmente declarados bem como sujeitos à devida tributação.
Sem prejuízo do referido, foi igualmente apurado que, no período em averiguação, a generalidade dos trabalhadores com a categoria profissional de eletricistas, encarregados e motorista de pesados, auferem mensalmente uma verba identificada por ajudas de custo ou Kms em viatura própria, a mesma verba é ainda paga a alguns trabalhadores com diferentes categorias profissionais. (...)
Aquando da audição aos trabalhadores no dia 04.02.2022, apurou-se que os mesmos não têm horário fixo, sendo este fixado mensalmente pela EE a fim de cumprir com o contratualizado na subempreitada anteriormente mencionada. Pelo que, a maioria dos trabalhadores integram o piquete 24 horas onde se inclui trabalho em dias de semana, fins de semana e feriados. (...)
A título de exemplo, vejamos agora as remunerações do trabalhador Tiago ………………, Niss: 1……………, declaradas em sede de Segurança Social no ano de 2021. (...)
Apesar do horário de trabalho contemplar dias de trabalho aos sábados, domingos e feriados, em nenhum momento a EE declarou valores devidos ao trabalhador a título de trabalho suplementar.
Como se constata o trabalhador, Tiago …………… trabalhou em dias feriados, sábados e domingos ao longo de todo o ano, com exceção do mês de setembro de 2021.
O referido trabalhador auferiu ajudas de custo/Kms em viatura própria durante 12 meses no ano de 2019. Situação replicada durante todos os meses do ano de 2020 e 2021.Quanto ao ano de 2022 a análise apenas incidiu nos dois primeiros meses do ano, ainda assim o trabalhador naqueles meses auferiu a título de kms em viatura própria, em janeiro o valor de 549.00€ e em fevereiro 466,56€.
A situação retratada para o trabalhador Tiago ………………. aplica-se aos restantes trabalhadores com as categorias profissionais: Ofc. Eletricista/Eletricista, Motoristas de pesados e Encarregados, esta verba é ainda paga a alguns trabalhadores com a categoria profissional de serventes e engenheiro eletrotécnico.
A fim de verificar o número e disponibilidade de veículos pertencentes à EE, foi solicitado informação acerca da frota automóvel da EE.
Da análise ao Inventario de ativos da empresa, temos que a referida frota é constituída por 25 viaturas (...) De facto, da confrontação entre os kms efetivamente realizados, informação disponibilizada pelo IMT, e os Kms alegadamente realizados para efeito de pagamento de kms em viatura própria, verifica-se que os valores não são convergentes, conforme quadro infra.
Nome condutor do veículoMatrículaPeríodo entre inspecção periódica do veículoKms efectuados no período da inspecçãoKms inscritos nos mapas de deslocaçõesDiferença
Orlando
…..
…….2020.05 a 2021.066415 kms14087 kms
7672
José ……..…….2020.09 a 2021.0811412 kms36445 kms
25033
Fernando
………….
……..2020.06 a 2021.0326632 kms26632 kms
22375
José …..2020.12 a 2021.112112 kms3430 kms
1318

Por outro lado, sabe-se que os trabalhadores que integram os piquetes recebem ajudas de custo ou Kms em viatura própria.
Estes piquetes incluem trabalho aos fins de semana e feriados, ou seja, a EE está obrigada a manter operacionais estes piquetes nos 365 dias do ano.
No entanto, da consulta ao processamento de salários, constata-se que a EE não processa valores a título de trabalho suplementar, pelo menos valores consentâneos com a realidade descrita, pois no ano de 2019 a EE processou a título de horas extraordinárias o montante de 572,22€, já no ano de 2020 o valor foi de 140,20€, valores claramente irrisórios face ao universo de trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas.
Assim temos que a EE processa, basicamente, as rubricas universalmente reconhecidas a qualquer trabalhador, tais como: remuneração base e respetivos subsídios de ferias, natal e alimentação, sendo que as únicas rubricas processadas à margem deste conceito universal são as ajudas de custo, Kms em viatura própria e gratificações correntes.
3.2 Gratificações correntes
Nesta medida, foi solicitado junto da EE esclarecimento acerca da rubrica identificada nos recibos de vencimento por Gratificações Correntes.
Em resposta obtivemos a seguinte informação:
“informa-se que as gratificações são uma forma de distribuir pelo pessoal o rendimento obtido pela sociedade, dado o seu contributo para a obtenção daquele rendimento. Não estão previstas no contrato de trabalho e, por isso, não têm natureza contratual, nem têm regularidade nem valores definidos. São atribuídas aos trabalhadores que a gerência entende merecerem essa gratificação e em função das possibilidades financeiras face ao resultado líquido esperado no ano. ” (...)
Da delimitação da base de incidência contributiva para a Segurança Social Ajudas de custo e quilómetros em viatura própria (...)
Presumindo-se que constitui retribuição qualquer prestação realizada pela entidade empregadora ao trabalhador.


Ora, no que concerne, em concreto, às ajudas de custo determina o legislador laboral que “Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”.
Nessa senda vai também o CRC ao prever na alínea p) do n.° 2 do seu artigo 46.° que "As importâncias atribuídas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado”, estando sujeitas a incidência contributiva nos mesmos termos previstos no Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, cf. esclarece o n.°3 do referido normativo. Ora, para efeitos da atribuição e da delimitação dos montantes atribuídos a títulos de ajudas de custo e transporte aos trabalhadores como base de incidência contributiva, teremos que recorrer ao Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte ao Pessoal da Administração Pública (doravante, Regime de Ajudas de Custo da AP).
Estabelece aquele diploma que só há direito a abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além dos 20 km do domicílio necessário e nas deslocações por dias sucessivos para além dos 50 km.
Acrescentando ainda o artigo 8.° do predito diploma as condições de atribuição, em concreto as percentagens em que se abonam as ajudas de custo.
Determina que nas deslocações diárias que abranjam o período entre as 13 e as 14 h se abona 25% e as que abranjam o período entre as 20h e as 21h também se abona 25%.
Nas deslocações por dias sucessivos as percentagens são distintas conforme o dia de partida e de chegada: - dia de partida até às 13h abona-se 100%; - das 13 às 21h abona-se 75%; - após as 21h 50%.
No dia da chegada, se esta ocorrer até às 13h o trabalhador não tem direito a abono de ajuda de custo, mas terá direito a 25% se chegar entre as 13h e as 20h e a 50% se a chegada tiver lugar após as 20h00.
Nos restantes dias abona-se 100%.
Ainda que «A prova dos factos necessários para concluir sobre a natureza de pagamentos efetuados a trabalhadores por conta de outrem poder ser efetuada por qualquer meio admissível em direito, não sendo imprescindível que sejam emitidos boletins itinerários com conteúdo semelhante aos previstos para os funcionários do Estado» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2002), a compensação pelas deslocações em viatura própria (quilómetros) está normalmente suportada por boletim de itinerário através do qual é possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos.
Na falta dessa documentação ficam desde logo por saber quais os critérios que presidiram à atribuição dos montantes denominados de compensação por deslocação em viatura própria, o que dificulta muito a respetiva certificação, nos termos das disposições legais aplicáveis acima citadas, sendo ainda a mesma documentação fundamental, na ótica da entidade patronal, para enquadramento de tais verbas como custo fiscal nos termos do art.° 23° do CIRC. (...)
VI. Conclusões
Face ao que ficou exposto, concluídas que foram as diligências de prova e, considerando os factos apurados bem como os preceitos legais enunciados no ponto anterior somos a concluir, relativamente a cada um dos itens analisados, o seguinte:
a) Das ajudas de custo
O processamento e pagamento da verba designada por ajudas de custo aos trabalhadores da EE, no período compreendido entre julho de 2018 a março de 2020, tem suporte na apresentação dos Boletins de ajudas de custo, onde, além da identificação dos trabalhadores (nome e categoria profissional), refere ainda as localidades onde o serviço foi prestado e a percentagem aplicada à referida ajuda de custo, mediante o tempo despendido para a concretização desse serviço.
Apurou-se que os trabalhadores que recebem ajudas de custo integram piquetes de 24 horas, por exigência contratual entre a EE e a empresa C........., empresa adjudicaria da EDP Distribuição - Energia, SA, esta verba é ainda atribuída aos encarregados de obra e ao próprio gerente Carlos ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,.
Mais se apurou, a EE no processamento de salários e respetivos recibos de vencimento, não obstante as exigências contratuais a que está obrigada no que respeita à disponibilidade dos seus trabalhadores, não apresenta valores processados a título de trabalho suplementar, pelo menos consentâneos com essa realidade. De referir que a EE processou valores a título de horas extraordinárias no montante de 572,22€ para o ano de 2019 e de 140,20€ no ano de 2020, valores claramente irrisórios face ao universo de trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas.
Numa análise às declarações prestadas, podemos verificar que o funcionário - Félix Évora admite que quando passou da categoria profissional de ajudante de eletricista para oficial de eletricista, passou a integrar os piquetes 24 horas, o que implicou um acréscimo remuneratório por força do recebimento de ajudas de custo. Declarou ainda que esta alteração de categoria profissional implicou trabalhar noites, fins- de-semana e feriados.
As declarações do trabalhador Tiago …………… vêm exatamente no mesmo sentido, isto é, a alteração da categoria profissional de ajudante de eletricista para oficial eletricista veio acompanhada com a integração no piquete 24 horas e o recebimento de ajudas de custo.
Quando questionado se fazia as mesmas deslocações enquanto ajudante de eletricista respondeu que sim, embora não recebesse qualquer valor a título de ajudas de custo.
Do cruzamento da informação remetida pela EE, registo de assiduidade e ajudas de custo constatámos sobreposição entre dias de férias e dias de trabalho com direito a ajudas de custo. Caso dos encarregados Fernando ……… e José ………….. ambos com registo de gozo de férias em agosto de 2018 (pag.18), não obstante em igual período terem recebido ajudas de custo por alegadamente se encontrarem ao serviço da EF (pag.143 e 144).
Face ao exposto, podemos inferir sem margem para dúvida, que as importâncias pagas aos funcionários constituem remunerações acessórias auferidas devido ao trabalho realizado no período noturno, fins de semana e feriados.
Atendendo às declarações dos trabalhadores e às percentagens apuradas em função das deslocações dos funcionários (segunda a sexta-feira) e inscritas nos boletins de ajudas de custos, considerámos aceitar a ajuda de custo a 25%, que corresponde a deslocações efetuadas no período entre as 13 e as 14 horas.
Quanto ao valor remanescente entendemos que mais não é que o valor devido a título de trabalho suplementar, que conforme decorre do contrato estabelecido com a “EDP” obriga à disponibilidade dos trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas.

b) Kms em viatura própria
A partir de abril de 2020 a EE continuou a processar a verba designada por ajudas de custo aos trabalhadores, mas desta feita com suporte no documento identificado por Mapa de Km em Viatura Própria. Os referidos mapas mantêm a identificação dos trabalhadores nos mesmos moldes do documento Ajudas de Custo, apresentam ainda a identificação da viatura através da respetiva matrícula, os dias, o percurso e os quilómetros realizados pela viatura bem como o valor a pagar aos trabalhadores.
Apurou-se que os referidos mapas de quilómetros não foram elaborados pelos próprios trabalhadores, mas sim pela EE. Vários foram os trabalhadores que declararam assinar os documentos que recebiam no final de cada mês acompanhados dos recibos de vencimento, sem, no entanto, confirmar quaisquer dados aí inscritos, exceto o valor líquido a receber, único valor do conhecimento destes trabalhadores.
Embora os mapas de kms em viatura própria indiquem vários percursos, nomeadamente idas a Lisboa, Alcobaça, Ourem, Leiria, entre outros locais, apurou-se que os trabalhadores se deslocam para as obras da EE a partir de Pombal, onde a EE mantem o seu “estaleiro”, sendo este o local de trabalho de onde partem para os locais onde decorrem as obras a cargo da EE.
De referir que a deslocação efetuada a partir do estaleiro da EE em Pombal é sempre realizada utilizando veículos da empresa, informação transmitida por todos os trabalhadores da EE.
Assim se justifica a existência de uma frota automóvel pertencente à empresa constituída por 25 veículos. Ainda que os trabalhadores refiram utilizar viatura própria entre o domicílio e o estaleiro da empresa em Pombal, confirmaram partilhar viaturas de forma a controlar os gastos. Neste caso, parece-nos impossível, que os trabalhadores tenham efetuado nos mesmos dias o mesmo número de kms,
Acresce que, o direito ao abono de ajudas de custo é devido sempre que as deslocações diárias realizadas pelo trabalhador ao serviço da EE se realizem para além de 20 km do domicílio necessário e as deslocações por dias sucessivos se realizem para além de 50 km do mesmo domicílio.
Por “domicílio necessário” entende-se a localidade onde se situa o centro da atividade funcional do trabalhador, já que é aí que o mesmo se apresenta diariamente para desempenhar as suas tarefas. No caso presente o domicílio necessário é necessariamente em Pombal.
Pelo que, não estão incluídos no âmbito da compensação por utilização da viatura própria, os quilómetros atribuídos pelas deslocações de casa para o trabalho (e vice-versa) devendo este encargo ser considerado como gasto com o pessoal, sendo o montante acrescido ao ordenado do trabalhador, gerente, sócio-gerente ou administrador, ficando sujeito a tributação em sede de IRS e segurança social.
c) Gratificações Correntes
Nos termos da matéria constante nos factos apurados do presente projeto de relatório, as designadas gratificações correntes foram atribuídas a um grupo restrito de trabalhadores, onde se incluem, os responsáveis da empresa, trabalhadores da área administrativa e encarregados de obra.
Já quanto a outros trabalhadores, nomeadamente:
§ José ……………, recebeu esta verba uma única vez em outubro de 2019. Da consulta ao processamento de salários daquele trabalhador no ano de 2019, verifica-se que auferiu mensalmente ao longo do ano de 2019 ajudas de custo com exceção do mês de outubro.
§ Carlos ……………….., recebeu ao longo dos primeiros 4 meses do ano de 2020 a verba Gratificações correntes, nos restantes meses do ano passou a auferir a verba ajudas de custo.
§ Afonso ……………, iniciou funções no contribuinte em 15.03.2021 passou a receber a verba gratificações correntes em abril de 2021.
§ Pedro ………………… com situação idêntica, iniciou funções na EE em 02.07.2021 e no mesmo mês recebeu gratificações correntes.
§ Tiago ……………., apenas exerceu funções na EE entre o dia 09.08.2021 e o dia 08.11.2021, não obstante, recebeu gratificações correntes.
§ Renato ……………., em situação de baixa médica, embora não tenha recebido no mês de janeiro de 2022 qualquer verba a título de kms em viatura própria, ainda assim, recebeu, naquele mês, o montante de 120,00€ a título de Gratificações Correntes
Existe uma manifesta contradição entre as razões apresentadas pela EE para o processamento e pagamento da verba Gratificações Correntes e o momento em que as mesmas são postas à disposição dos trabalhadores.
Alega a EE que as referidas gratificações são uma forma de distribuir pelo pessoal o rendimento obtido pela sociedade, dado o seu contributo para a obtenção daquele rendimento.
Considerando que de entre os trabalhadores que auferiram a referida verba, temos situações em que os trabalhadores iniciaram funções exatamente no mesmo mês em que receberam aquela verba, dificilmente estes trabalhadores terão contribuído para o resultado obtido pela empresa, dado o início de atividade na empresa e o primeiro pagamento da verba gratificações correntes serem coincidentes.
Temos ainda as declarações do trabalhador Fernando ……………, com funções de encarregado, que relativamente aos valores recebidos disse: 'basicamente recebe o recibo de vencimento e mete na gaveta, estando atento apenas ao valor líquido que deverá situar-se entre os 1700€ a 1800€".
Destas declarações poderemos inferir que o trabalhador tem a espectativa de receber aquele montante, independentemente do método em que o mesmo é processado, ao que não será alheio o processamento ao longo de 12 meses das verbas designadas por ajudas de custo e gratificações correntes. Não restam, pois, dúvidas quanto à espectativa do trabalhador em receber aquele montante mensalmente.
Em suma, não resulta claro, se estes trabalhadores, são retribuídos fundamentalmente pelo seu desempenho e consequente contributo para os resultados obtidos pela empresa, ou se são retribuídos por suplementos remuneratórios que correspondem a incrementos salariais que visam remunerar os trabalhadores pelo trabalho suplementar que estes realizam por força da atividade da empresa.
A estrutura remuneratória aplicável aos trabalhadores, especialmente aqueles que integram a equipa piquete, tal como está concebida, propicia um aumento expressivo da remuneração destes trabalhadores, que, claramente, não está justificada pelas deslocações realizadas em viatura própria, pois como ficou provado, os trabalhadores da EE deslocam-se em carrinhas da empresa desde o domicílio necessário (Pombal) ao local das obras. (...)
Entendemos por isso que todas estas componentes (remuneratórias) têm acrescido a realização de trabalho suplementar.
Assim, em função da matéria de facto apurada e enquadramento legal defendido, considera-se que as referidas verbas, independentemente da designação que lhes foi atribuída, ajudas de custo, Kms em viatura própria ou gratificações correntes, integram a base de incidência contributiva justificando-se, em conformidade, a correspondente correção oficiosa.
Do que precede foram elaborados os mapas de apuramento de remunerações, que fazem parte integrante do presente relatório, onde se inscreveram os valores devidos aos trabalhadores anteriormente mencionados. O referido montante perfaz, em termos de remunerações, o valor de 341.876,30€ a que correspondem contribuições no valor de 118.802€(cento e dezoito mil e oitocentos e dois euros). (...)
Ora, conforme dispõe o n.° 1 do artigo 45. °da Lei Geral Tributária (LGT), o direito de liquidar os tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro.
Pelo que, foram elaborados novos mapas de apuramento, onde se incluíram:
1- Os valores pagos a título de Km em viatura própria e ajudas de custo dada a sua natureza de remuneração acessória, no período compreendido entre outubro de 2018 a fevereiro 2022.
O somatório desta verba cifra-se em termos remuneratórios em 327.403,64€ a que correspondem contribuições no valor de 113.772,75€ (cento e vinte e um mil cento e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos), ficando assim essa entidade considerada definitivamente em dívida do valor de contribuições para com a Segurança Social (cento e treze mil setecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos) das declarações de remuneração elaboradas e registadas oficiosamente com os elementos em falta. (...)
VIII. Proposta
Face ao exposto, considerando as conclusões descritas, propõe-se que seja decidida a elaboração oficiosa de declarações de remunerações com os valores em falta, de acordo com os mapas de apuramento em anexo, bem como, seja dado conhecimento do presente relatório à Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital da Segurança Social de Leiria, para que proceda ao lançamento das declarações de remunerações em falta. ” (cf. fls. 783 e ss. do PA);

11. A 03/11/2022, o Director do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Leiria, proferiu o seguinte despacho:
“determino o registo oficioso das declarações de remunerações, nos termos dos mapas de apuramento anexos, totalizando 113.772,75€ € (cento e treze mil setecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos) de contribuições em falta.
Remeta-se todo o processado ao Cdist de Leiria e notifique-se a entidade averiguada, bem como o respetivo mandatário constituído, do sentido da presente decisão.(cf. fls. 798 do PA);

12. A 21/04/2023, deu entrada neste Tribunal a petição inicial a partir da qual foi autuado o presente processo (cf. fls. 1 e ss. do SITAF);

4.1.2. Factos não provados

Nada de relevante ficou por provar.
4.1.3. Motivação
O Tribunal formou a sua convicção a partir de documentos e processo administrativo constantes dos autos do processo, cuja autenticidade e genuinidade não foi colocada em causa. O Tribunal apreciou, de forma livre e conjugada, os elementos existentes, confrontados com as regras lógicas, empíricas, científicas e da experiência de vida do cidadão médio. O resultado é uma apreciação objectiva, motivada conforme se indica em cada um dos factos (arts. 341.°, 351.°, 362.°, 366.°, 368.° CC, 607.°/4, /5, 94.°/3 e /4 CPTA).».

Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, altera-se o ponto 9., do probatório, dele passando a constar, no sentido preconizado pelo Recorrente:

«9. O Impugnado elaborou as epigrafadas “mapa de apuramento de remunerações”, nas quais consta para além do mais o seguinte:»

B.DE DIREITO

Antes de mais e relativamente ao vertido no ponto B) das doutas conclusões do recurso, importará referir que o erro na interpretação e aplicação do direito e o erro na valoração dos factos, não consubstanciam nulidades da sentença, as quais, como é pacífico na jurisprudência dos Tribunais Superiores, são taxativas e estão elencadas no art.º 615.º, n.º 1 do CPC, com correspondência em processo tributário no art.º 125.º, n.º 1 do CPPT.

Requalificados, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC, os apontados vícios da sentença, de pretensas nulidades para erros de julgamento, os mesmos não merecem deste Tribunal ad quem a apreciação prioritária por que são enunciados nas doutas conclusões do recurso no pressuposto entendimento de se tratarem de nulidades (cf. ponto EEE) desta peça processual). Isso assente,

Insurge-se o Recorrente, ISS.I.P., contra a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação no entendimento de que se verificava falta de fundamentação dos valores remuneratórios omitidos à base de incidência contributiva e que se apurou, no processo de averiguações a que foi sujeita a entidade empregadora, corresponderem a quantias pagas aos seus trabalhadores a título de ajudas de custo, deslocações em viatura própria ao serviço da entidade patronal e gratificações, sem carácter compensatório.

Tal como a própria recorrida reconhece nas doutas contra-alegações, as contribuições devidas à segurança social assumem natureza tributária. De resto, de há muito, é esse o entendimento da doutrina e da jurisprudência, conforme expressado no ac. deste TCAS, de 01/08/2008, tirado no proc.º 02128/07, em cujo sumário se pode ler: «A partir da revisão constitucional de 1982, acolhendo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência, as contribuições devidas à Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa».

Assim, aplica-se às contribuições para a segurança social o regime da Lei Geral Tributária, conforme previsto no art.º 1.º deste compêndio normativo

De acordo com o disposto no art.º 77.º da mesma LGT, no segmento pertinente para os autos,
«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
3 – (…)».

Vejamos o que se apreende factualmente e com interesse, do relatório final do processo de averiguações, transcrito no ponto 10., do probatório, salientando-se que a questão da falta de fundamentação colocada na P.I. e decidida na sentença, não se prende com a qualificação das quantias abonadas aos trabalhadores da impugnante a título de ajudas de custo, deslocação em viatura própria e gratificações, como remuneratórias ou compensatórias para efeitos da sua consideração, ou não, na base de incidência contributiva, mas sim com a quantificação das remunerações pretensamente omitidas à declaração contributiva pela entidade empregadora com relação a cada trabalhador beneficiário.

Consta daquele documento:
«Ora, no que concerne, em concreto, às ajudas de custo determina o legislador laboral que “Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”.
Nessa senda vai também o CRC ao prever na alínea p) do n.° 2 do seu artigo 46.° que "As importâncias atribuídas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado”, estando sujeitas a incidência contributiva nos mesmos termos previstos no Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, cf. esclarece o n.°3 do referido normativo. Ora, para efeitos da atribuição e da delimitação dos montantes atribuídos a títulos de ajudas de custo e transporte aos trabalhadores como base de incidência contributiva, teremos que recorrer ao Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte ao Pessoal da Administração Pública (doravante, Regime de Ajudas de Custo da AP).
Estabelece aquele diploma que só há direito a abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além dos 20 km do domicílio necessário e nas deslocações por dias sucessivos para além dos 50 km.
Acrescentando ainda o artigo 8.° do predito diploma as condições de atribuição, em concreto as percentagens em que se abonam as ajudas de custo.
Determina que nas deslocações diárias que abranjam o período entre as 13 e as 14 h se abona 25% e as que abranjam o período entre as 20h e as 21h também se abona 25%.
Nas deslocações por dias sucessivos as percentagens são distintas conforme o dia de partida e de chegada: - dia de partida até às 13h abona-se 100%; - das 13 às 21h abona-se 75%; - após as 21h 50%.
No dia da chegada, se esta ocorrer até às 13h o trabalhador não tem direito a abono de ajuda de custo, mas terá direito a 25% se chegar entre as 13h e as 20h e a 50% se a chegada tiver lugar após as 20h00.
Nos restantes dias abona-se 100%.

(…)
…a compensação pelas deslocações em viatura própria (quilómetros) está normalmente suportada por boletim de itinerário através do qual é possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos.
Na falta dessa documentação ficam desde logo por saber quais os critérios que presidiram à atribuição dos montantes denominados de compensação por deslocação em viatura própria, o que dificulta muito a respetiva certificação, nos termos das disposições legais aplicáveis acima citadas, sendo ainda a mesma documentação fundamental, na ótica da entidade patronal, para enquadramento de tais verbas como custo fiscal nos termos do art.° 23° do CIRC. (...)

VI. Conclusões
Face ao que ficou exposto, concluídas que foram as diligências de prova e, considerando os factos apurados bem como os preceitos legais enunciados no ponto anterior somos a concluir, relativamente a cada um dos itens analisados, o seguinte:
a) Das ajudas de custo
O processamento e pagamento da verba designada por ajudas de custo aos trabalhadores da EE, no período compreendido entre julho de 2018 a março de 2020, tem suporte na apresentação dos Boletins de ajudas de custo, onde, além da identificação dos trabalhadores (nome e categoria profissional), refere ainda as localidades onde o serviço foi prestado e a percentagem aplicada à referida ajuda de custo, mediante o tempo despendido para a concretização desse serviço.
Apurou-se que os trabalhadores que recebem ajudas de custo integram piquetes de 24 horas, por exigência contratual entre a EE e a empresa C........., empresa adjudicaria da EDP Distribuição - Energia, SA, esta verba é ainda atribuída aos encarregados de obra e ao próprio gerente Carlos Domingos.
Mais se apurou, a EE no processamento de salários e respetivos recibos de vencimento, não obstante as exigências contratuais a que está obrigada no que respeita à disponibilidade dos seus trabalhadores, não apresenta valores processados a título de trabalho suplementar, pelo menos consentâneos com essa realidade. De referir que a EE processou valores a título de horas extraordinárias no montante de 572,22€ para o ano de 2019 e de 140,20€ no ano de 2020, valores claramente irrisórios face ao universo de trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas.
(…)
Face ao exposto, podemos inferir sem margem para dúvida, que as importâncias pagas aos funcionários constituem remunerações acessórias auferidas devido ao trabalho realizado no período noturno, fins de semana e feriados.
Atendendo às declarações dos trabalhadores e às percentagens apuradas em função das deslocações dos funcionários (segunda a sexta-feira) e inscritas nos boletins de ajudas de custos, considerámos aceitar a ajuda de custo a 25%, que corresponde a deslocações efetuadas no período entre as 13 e as 14 horas.
Quanto ao valor remanescente entendemos que mais não é que o valor devido a título de trabalho suplementar, que conforme decorre do contrato estabelecido com a “EDP” obriga à disponibilidade dos trabalhadores que integram os piquetes de 24 horas.
(…)
A estrutura remuneratória aplicável aos trabalhadores, especialmente aqueles que integram a equipa piquete, tal como está concebida, propicia um aumento expressivo da remuneração destes trabalhadores, que, claramente, não está justificada pelas deslocações realizadas em viatura própria, pois como ficou provado, os trabalhadores da EE deslocam-se em carrinhas da empresa desde o domicílio necessário (Pombal) ao local das obras. (...)
Entendemos por isso que todas estas componentes (remuneratórias) têm acrescido a realização de trabalho suplementar.
Assim, em função da matéria de facto apurada e enquadramento legal defendido, considera-se que as referidas verbas, independentemente da designação que lhes foi atribuída, ajudas de custo, Kms em viatura própria ou gratificações correntes, integram a base de incidência contributiva justificando-se, em conformidade, a correspondente correção oficiosa.
Do que precede foram elaborados os mapas de apuramento de remunerações, que fazem parte integrante do presente relatório, onde se inscreveram os valores devidos aos trabalhadores anteriormente mencionados. O referido montante perfaz, em termos de remunerações, o valor de 341.876,30€ a que correspondem contribuições no valor de 118.802€ (cento e dezoito mil e oitocentos e dois euros). (...)
Ora, conforme dispõe o n.° 1 do artigo 45. °da Lei Geral Tributária (LGT), o direito de liquidar os tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro.
Pelo que, foram elaborados novos mapas de apuramento, onde se incluíram:
1- Os valores pagos a título de Km em viatura própria e ajudas de custo dada a sua natureza de remuneração acessória, no período compreendido entre outubro de 2018 a fevereiro 2022.
O somatório desta verba cifra-se em termos remuneratórios em 327.403,64€ a que correspondem contribuições no valor de 113.772,75€ (cento e vinte e um mil cento e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos), ficando assim essa entidade considerada definitivamente em dívida do valor de contribuições para com a Segurança Social (cento e treze mil setecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos) das declarações de remuneração elaboradas e registadas oficiosamente com os elementos em falta. (...)»

Ora, atendendo ao acima extractado do relatório final, realçando-se que os sublinhados são nossos, um destinatário normal consegue apreender, acessivelmente é certo, que os serviços de fiscalização da segurança social corrigiram os montantes declarados pela entidade empregadora nos mapas de remunerações como ajudas de custo, deslocações em viatura própria e gratificações, recuperando-os para a base de incidência contributiva atento o seu carácter remuneratório e não compensatório, com excepção do montante das ajudas de custo abonadas e cuja natureza compensatória foi aceite.

No entanto, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, tal não basta para concluir pela suficiente fundamentação das correcções. Como decorre do disposto no art.º 153.º, n.º 2 do Cód. do Procedimento Administrativo, «Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.».

E essa insuficiente fundamentação, à luz do disposto no citado art.º 77.º da LGT, pode resultar, não obstante a indicação clara das “disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários” da falta de explicação e demonstração das operações de apuramento ou cálculo da matéria tributável e do tributo, com relação a cada um dos trabalhadores beneficiários dos rendimentos corrigidos.

De resto, note-se, compulsada a douta P.I., o que se constata é que a impugnante ali alegava, justamente, que as verbas constantes dos mapas de apuramento de remunerações corrigidas com relação a cada um dos trabalhadores concretamente identificados, não continha explicação clara e suficiente.

E, com efeito, essa explicação não se colhe da fundamentação transversal à correcção dos valores recuperados para a base de incidência contributiva, porquanto, não permite sindicar se ocorreram (como alega a impugnante) divergências entre os valores corrigidos a cada um dos trabalhadores e o que resulta da fundamentação transversal às correcções.

Dito de outro modo, não é possível conhecer as operações de apuramento ou cálculo da matéria tributável (remunerações sujeitas à base de incidência contributiva) relativamente a cada trabalhador em concreto, e sindicar se houve erro na aplicação do critério transversalmente explicado no relatório final de averiguações, o que a alteração do ponto 9., do probatório não permite ultrapassar.

O acto tributário objecto do processo enferma, pois, do vício de forma por falta de fundamentação que inquina a sua validade, sendo de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu e negar provimento ao recurso.


IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 20 de Março de 2025


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Vital Lopes



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Rui Ferreira



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Maria da Luz Cardoso