Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1299/08.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:DESPESAS DE ESTACIONAMENTO
PRO RATA
PODERES DE INSTRUÇÃO DO JUIZ
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1 – A dedução do IVA suportado a montante é, por regra, dedutível, embora o artigo 21.º do CIVA exclua do direito à dedução o imposto contido em determinadas despesas, entre as quais as despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo as portagens (exceto se estas despesas resultarem da organização de congressos e similares, forem contratados diretamente com o prestador do serviço ou através de entidade habilitada, e contribuírem comprovadamente para a realização de operações tributáveis).
2 – Além das portagens, estão incluídos nas despesas de transportes, e por isso excluídos do direito à dedução, os encargos com o estacionamento de viaturas que não sejam de turismo.
3 – No cálculo do pro rata relativo a uma renda devida ao abrigo de um contrato de leasing, é possível a desconsideração da componente de amortização financeira, utilizando-se no cálculo apenas o segmento do pagamento relativo aos juros, desde que a utilização dos bens seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão do contrato.
4 - Quando se mostre necessário proceder a uma correção técnica da matéria coletável declarada, a Administração, além de demonstrar que a declaração do contribuinte não é exata e contém erros, tem também o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à correção, rectius à liquidação.
5 – Se o Autor, na Petição Inicial, protesta juntar documentos mas não o faz, não exerce o seu direito à prova, pelo que o Tribunal nada tem a complementar através dos seus poderes instrutórios.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
Na Impugnação Judicial n.º 1299/08.0BESNT, deduzida por .... , SA (entretanto dissolvida e liquidada, à qual sucedeu .... Limited) contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferida sentença em 31 de março de 2018 que, julgando-a parcialmente procedente, anulou as liquidações de IVA do ano de 2004 quanto “às correcções às deduções de IVA relativo a despesas de estacionamento, e às correcções relativas à escolha do método de afectação real”.
Na parte em que julgou a Impugnação procedente, a decisão ora posta em xeque considerou na sua fundamentação, que:
- A “norma [artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do CIVA] a que a AT lançou mão para efectuar a correcção [relativa às despesas com o estacionamento] não é aquela aplicável ao caso dos autos” [que seria a alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo 21.º]; e que,
- Quanto à escolha do método da afetação real para dedução de despesas conexas com a atividade de locação financeira e renting, a fundamentação do Relatório de Inspeção “é conclusiva, não sendo possível averiguar por que concretos motivos decidiu que certos custas eram na verdade custos comuns e não custos afectados à actividade sujeita a IVA, não isenta, e que confere o direito à dedução”.
Inconformada, a Administração recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos, que julga parcialmente procedente a impugnação deduzida pela impugnante, devidamente identificada nos autos, das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) identificadas nos autos, e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes ao ano de 2004, no valor total de € 939.162,50.
b) No referente aos encargos com estacionamento, divergimos da douta sentença, porquanto se considera incluir a despesa de estacionamento no conceito de despesas de transportes do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.
c) Os serviços de inpecção tributária procederam a correcções no IVA deduzido pela impugnante no referente a encargos com lugares de estacionamento, no valor de € 3.449,94, conforme anexo 23 do Relatório de Inspecção Tributária, por se mostrar a dedução levada a cabo pela impugnante quanto a tais despesas com viaturas ligeiras de passageiros enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, considerando-a por isso como indevida.
d) Das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA decorre a contraposição de dois tipos de despesas: por um lado, as despesas relativas à utilização de viaturas de turismo, e por outro lado, as despesas de transporte do sujeito passivo e do seu pessoal, despesas estas nas quais a Inspecção Tributária entendeu subsumirem-se os encargos com o estacionamento.
e) Sendo que, as despesas de utilização terão de referir-se a encargos necessariamente decorrentes da utilização das viaturas, isto é, encargos que se mostrem indissociáveis e intrínsecos da/à utilização da viatura, o que não acontece com os encargos de estacionamento, porquanto a utilização de uma qualquer viatura não impõe uma necessária despesa com lugares de estacionamento.
f) Pelo que, entendemos que o conceito de utilização vertido na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA não abarca as despesas de estacionamento, as quais, por extrínsecas à utilização do veículo, se subsumem antes nas despesas de transporte incorridas pelo sujeito passivo e seu pessoal.
g) Vejamos que, as rendas pagas em causa nos presentes autos e que se consubstanciam nas despesas de estacionamento incorridas pelo sujeito passivo se reconduzem a encargos que o sujeito passivo tem relacionados com o transporte de pessoal da empresa, de casa para o trabalho, ou do trabalho para casa, ou para qualquer outro local, deslocações essas que implicam o necessário estacionamento da viatura num qualquer espaço físico eventualmente sujeito ao pagamento do preço, como no caso dos autos.
h) Por isso, os encargos com lugares de estacionamento claramente se subsumem, conforme entendimento espelhado no Relatório de Inspecção Tributária, na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, por decorrerem directamente das necessidades de deslocação do pessoal da empresa, constituindo-se como despesas objecto de exclusão da dedução de IVA.
i) No referente à escolha do método de afectação real relativamente a despesas que a AT considera não ser possível relacionar apenas com actividades sujeitas a IVA e que conferem o direito à dedução, mais divergimos da douta sentença, porquanto inexiste qualquer deficiente fundamentação da opção seguida pela AT em sede de procedimento inspectivo quanto à não aplicação do método de afectação real, impondo-se ademais que, conforme afirmado pela douta sentença, e de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, “à impugnante [que cabe] a prova dos factos que alega”.
j) Decorre do Relatório de Inspecção Tributária (a fls.78)que a AT fundamentou a desconsideração do método de afectação real pelo facto de as despesas consideradas pela impugnante se referirem a despesas comuns, por não ser possível determinar a concreta relação dos custos em questão com uma ou outra actividade, mais decorrendo dos anexos 27 e 27.3 ao relatório de inspecção tributária a concreta fundamentação das correcções efectuadas em sede de IVA.
k)Com efeito, tendo o sujeito passivo aqui impugnante deduzido IVA (considerado afecto a custos comuns) no valor de € 11.617,87, do qual foi aceite pela inspecção o valor de € 4.763,33, procedeu a inspecção a correcção em sede de dedução de IVA, neste particular segmento, no valor de € 6.854,54 (videanexo 27 e 27.3),
l) E a impugnante aceita parcialmente a correcção, vindo alegar que do valor corrigido constam custos no montante de € 2.437,15 que não são comuns, por corresponderem à concreta actividade de locação financeira e de renting, mas não os identifica, impedindo o estabelecimento de qualquer nexo causal entre os mesmos e as referidas actividades, pelo que, não poderão ser admitidos como custos a considerar para efeitos de determinação do direito à dedução de IVA segundo o método de afectação real.
m) De facto, à fundamentação da AT aderiu a impugnante, pois que, não a contraditando, porque a percepcionou, antes veio alegar em sede de impugnação a existência de custos no valor de € 2.437,15 que se consubstanciam em custos não comuns, contudo, a tal alegação deveria ter correspondido, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT e no sentido de fazer valer o alegado direito, a prova dos factos invocados mediante a clara identificação dos alegados custos e sua directa e exclusiva relação com as actividades de locação financeira e de renting, não podendo, precisamente porque não o fez, ser aplicado o método de afectação real com referência a tais custos não individualizados.
n) Neste sentido, leia-se o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA do qual decorre que “pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”,e assim, na ausência de tais critérios objectivos que permitam determinar de forma clara e precisa a afectação deverá ser utilizado o método de percentagem de dedução (pro rata).
o) Nos termos expostos é, pois, entendimento da Fazenda Pública, salvo o devido respeito, mostrar-se a douta sentença, quanto ao julgamento procedente relativamente à dedução indevida de IVA referente a lugares de estabelecimento, no valor de € 3.449,94, proferida em erro de julgamento de direito, com violação de lei por ofensa ao disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA (CIVA).
p) Sendo que, quanto ao julgamento procedente decidido pelo Tribunal a quo quanto às correcções levadas a cabo pela AT com referência à escolha do método de afectação real pela impugnante, relativamente a despesas que a AT considerou não ser possível relacionar apenas com actividades sujeitas a IVA e que conferem o direito à dedução, no valor de € 2.437,16, é entendimento da Fazenda Pública mostrar-se a douta sentença proferida em erro de julgamento de facto, com consequente violação de lei no referente aos normativos contidos nos n.º 1 do artigo 74.º da LGT e n.º 2 do artigo 23.º do CIVA.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída, na parte julgada procedente,por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente, com as devidas consequência legais.Sendo que V. Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça
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E contra-alegando concluiu, por sua vez, o Sujeito Passivo:
1.ª O presente recurso foi deduzido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida no processo em epígrafe, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida;
2.ª A Ilustre Representante da Fazenda Pública atribui ao presente recurso o valor de € 939.162,50 (cf. página 12 das alegações de recurso), com o qual a Recorrida não pode conformar-se;
3.ª Com efeito, estando em causa a legalidade de duas correções nos valores de € 3.449,94 e de € 2.437,16, ambas objeto de procedência na sentença recorrida (cf. alegações de recurso), é por referência ao valor destas duas correções que deve ser fixado o valor do presente recurso, à luz das regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e no Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, assim como do artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais;
4.ª No caso em apreço, a sucumbência da Recorrente é perfeitamente determinável à luz dos montantes das correções contestadas, pelo que o valor da presente causa ascende a € 5.887,10, o qual corresponde ao decaimento da ora Recorrente nos autos;
5.ª Razão pela qual, se impugna o valor da causa indicado pela Recorrente no presente recurso, indicando-se em alternativa como valor da causa o de € 5.887,10;
6.ª No que se refere à correção relativa a encargos com estacionamentos, relativamente à qual a Ilustre Representante da Fazenda Pública considera existir erro de julgamento na interpretação do artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do IVA, entende a Recorrida que o recurso deve ser julgado improcedente;
7.ª Com efeito, e desde logo, importa notar que, contrariamente ao que se alude nas alegações de recurso da Fazenda Pública, o Tribunal não subsume as despesas em causa à alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, antes entende que não tem de considerar a aplicação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, por a mesma não ter constituído fundamento da emissão do ato tributário sub judice;
8.ª É à luz do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA – norma que subjazeu à emissão do ato tributário sub judice – que tem de ser apreciada a sua legalidade, sendo que neste âmbito o Tribunal julgou – e bem – que a impugnação judicial deveria ser julgada procedente;
9.ª De facto, na referida alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA não é feita qualquer menção à exclusão do direito à dedução do IVA referente a despesas com estacionamento;
10.ª Sendo uma disposição normativa em matéria de direito à dedução do IVA, a mesma não pode deixar de ser objeto de interpretação estrita, não podendo efetuar-se, como a administração tributária indevidamente efetuou, uma interpretação extensiva do seu alcance (cf., a título de exemplo, o Acórdão C-409/99, de 8 de janeiro de 2002), sob pena de violação do princípio da neutralidade em sede de IVA;
11.ª Assim, não se controvertendo que as referidas despesas com estacionamentos foram incorridas, nem o quantitativo do IVA a deduzir, bem andou o Tribunal recorrido quando concluiu pelo direito à dedução daquele IVA;
12.ª Razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;
13.ª No que se refere à correção relativa à escolha do método da afetação real, relativamente à qual a Ilustre Representante da Fazenda Pública entende que o Tribunal incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, também o recurso deve ser julgado improcedente;
14.ª De facto, é a própria administração tributária que refere no relatório de inspeção tributária que considerou todos os custos identificados como custos comuns, por aparentemente não ter conseguido percecionar a sua verdadeira natureza;
15.ª Deste modo, se é certo que há um ónus da prova que recai sobre a Impugnante, ora Recorrida, no âmbito da impugnação judicial, não é menos verdade que há um ónus da prova prévio que recai sobre a administração tributária e que não está evidenciado no caso sub judice;
16.ª Assim, sendo certo que a administração tributária não comprovou, como se lhe impunha ao abrigo do artigo 74.º da LGT, que aqueles custos eram custos comuns – sendo certo que sobre a mesma recai o ónus da prova de tais factos, não podendo bastar-se com uma singela afirmação de que não foi evidenciado o contrário -, não restam dúvidas de que bem andou o Tribunal recorrido na anulação da correção sub judice;
17.ª Razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida.
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Já no segmento em que julgou a Impugnação improcedente, a sentença fundamentou-se:
- Quanto à dedução do IVA, na falta de apresentação de documentos de suporte;
- Quanto às regularizações efetuadas a favor do sujeito passivo, na falta de exibição dos comprovativos de que os destinatários das faturas tiveram conhecimento das regularizações, e na falta de identificação dos contratos a que respeitariam tais regularizações;
- Quanto à falta de autoliquidação de IVA de compras e prestações de serviços efetuadas a entidades não residentes, na falta de demonstração, pelo sujeito passivo, de que as despesas se relacionavam com a sua atividade;
- Quanto às correções do cálculo do pro rata, a sentença considerou que a Inspeção agiu bem ao afastar do cálculo as operações financeiras que não estivessem relacionadas com a atividade do sujeito passivo, como é o caso do adiantamentos a empregados, além de o método não ser inovador e se encontrar fundamentado; e
- Quanto à liquidação dos juros compensatórios, que esta se encontra fundamentada.
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Inconformado com este segmento da sentença, o Sujeito Passivo formulou as seguintes conclusões:
1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs 7228752, 7228908, 7228754, 7228756, 7228910, 7228758, 7228761, 7228912, 7228763, 7228765, 7228914 e 7228767 e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 7228753, 7228909, 7228755, 7228757, 7228911, 7228759, 7228762, 7228913, 7228764, 7228766, 7228915 e 7228768, respeitantes ao ano de 2004 e, bem assim, contra os referidos atos tributários;
2.ª No que se refere à correção referente à dedução de IVA sem documentos de suporte, entende o ora Recorrente que, com o devido respeito, não pode proceder a sentença recorrida nesta parte;
3.ª Com efeito, e desde logo, entende a Impugnante, ora Recorrente, que a este respeito foram prestados pelas testemunhas inquiridas nos autos, como inclusive reconhece o Tribunal a quo, os esclarecimentos necessários ao enquadramento da dedução efetuada;
4.ª Ora, a Impugnante protestou juntar na sua petição inicial (cf. artigo 54.º da impugnação judicial) os documentos que fosse possível obter a este título;
5.ª Neste contexto, considera a ora Recorrente que, sendo certo que o Tribunal não se pode bastar com afirmações genéricas e que sobre a Impugnante recaía o ónus da prova dos factos invocados, também se impunha ao Tribunal, neste contexto, a notificação da ora Recorrente para juntar os elementos que conseguisse juntar;
6.ª Só após tal notificação, e se tais documentos não fossem possíveis obter, haveria que julgar como não provados tais factos;
7.ª Efetivamente, o princípio do inquisitório, tradicionalmente contraposto no âmbito processual ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos, atribui ao Tribunal um poder-dever de condução do processo, designadamente de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para a descoberta da verdade material;
8.ª Não o tendo feito, incorre a sentença recorrida, nesta parte, em erro de julgamento, devendo ser anulada;
9.ª Também no que se refere às correções referentes a regularizações a favor da Impugnante, ora Recorrente, entende o ora Recorrente que, com o devido respeito, não pode proceder a sentença recorrida nesta parte;
10.ª No que se refere à primeira situação, em que estão em causa regularizações de imposto efetuadas sem que a Recorrente dispusesse de comprovativo de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, nos termos do artigo 71.º, n.º 5, do Código do IVA, na redação à data aplicável, entende a Impugnante, ora Recorrente, que a este respeito foram prestados pelas testemunhas inquiridas nos autos, como inclusive reconhece o Tribunal a quo, os esclarecimentos necessários ao enquadramento da regularização efetuada;
11.ª Ora, a Impugnante protestou juntar na sua petição inicial (cf. artigo 63.º da impugnação judicial) os documentos que fosse possível obter a este título;
12.ª Neste contexto, considera a ora Recorrente que, sendo certo que o Tribunal não se pode bastar com afirmações genéricas e que sobre a Impugnante recaía o ónus da prova dos factos invocados, também se impunha ao Tribunal, neste contexto, a notificação da ora Recorrente para juntar os elementos que conseguisse juntar;
13.ª Só após tal notificação, e se tais documentos não fossem possíveis obter, haveria que julgar como não provados tais factos;
14.ª Efetivamente, o princípio do inquisitório, tradicionalmente contraposto no âmbito processual ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos, atribui ao Tribunal um poder-dever de condução do processo, designadamente de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para a descoberta da verdade material;
15.ª Não o tendo feito, incorre a sentença recorrida, nesta parte, em erro de julgamento, devendo ser anulada;
16.ª No que se refere à segunda situação, em que estão em causa regularizações efetuadas com recurso a documentos internos também aqui se considera existir, com o devido respeito, erro de julgamento;
17.ª Isto porque, não recaía sobre a Impugnante, ora Recorrente, a obrigação de demonstração de quais os contratos em causa, mas tão só de que a regularização era devida;
18.ª Na verdade, a situação de facto já se encontrava delimitada em sede de inspeção tributária;
19.ª O que se impunha à Recorrente era que demonstrasse a ilegalidade da correção, o que sucedeu nos presentes autos;
20.ª Com efeito, ficou demonstrado nos autos através do depoimento das testemunhas inquiridas .... e .... (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B) que o montante de imposto sub judice respeita a regularizações de imposto efetuadas pela Impugnante a seu favor que têm na sua génese a anulação de rendas de contratos de locação financeira;
21.ª De facto, verificam-se, por vezes, situações em que a Impugnante procede à emissão de faturas de rendas que, por se ter verificado entretanto o termo do respetivo contrato de locação, já não se mostram devidas (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
22.ª Tais situações ocorrem, normalmente, quando se verifica a antecipação do termo dos contratos de locação, por iniciativa do locatário (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
23.ª Neste âmbito, por vezes, poderá verificar-se um lapso temporal entre o momento da formalização do termo do contrato e a comunicação ao sistema informático da Impugnante da alteração da rotina de faturação existente (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
24.ª Assim, durante determinado período de tempo, o sistema poderá continuar a emitir faturas de rendas relativas contratos de locação que, entretanto, deixaram de estar em vigor (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
25.ª Esta faturação origina, no sistema informático da Impugnante, e de forma automática, a liquidação de IVA e, por conseguinte, a entrega deste imposto ao Estado (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
26.ª No entanto, tais faturas não chegam a ser impressas, nem expedidas para o cliente que, não tendo sequer conhecimento das mesmas, não procede, por conseguinte, à dedução do IVA liquidado pela Impugnante, ora Recorrente (cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B);
27.ª Está, pois, evidenciada a razão pela qual a Impugnante não pode dispor de prova de que o adquirente tomou conhecimento das retificações em apreço, pelo que resulta assim evidenciado onde reside o erro da sentença recorrida;
28.ª De facto, o Tribunal não valorou a prova produzida, incorrendo em erro de julgamento de facto;
29.ª Assim, deve dar-se como impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, na parte em que não se consideraram como provados os factos acima elencados nas conclusões 20.ª a 26.ª;
30.ª Razão pela qual, com este fundamento, se impõe a anulação da sentença recorrida;
31.ª Também no que se refere à correção relativa à falta de autoliquidação, no entendimento da ora Recorrente, a prova testemunhal produzida foi suficiente para a demonstração de que se impunha a dedução do IVA correspondente, reiterando-se, para os devidos efeitos legais, os argumentos de facto e de direito já aduzidos na petição inicial, impondo-se, por conseguinte, a anulação da sentença recorrida;
32.ª O Tribunal considerou ainda que, à luz do conteúdo do acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 e do acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-183/13, em 10.07.2014, não assiste razão ao Recorrente no que diz respeito à inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA;
33.ª Não pode o Recorrente deixar de discordar da sentença recorrida, também nesta parte;
34.ª Embora, à luz dos princípios basilares da ordem jurídica europeia da interpretação conforme e da uniformidade de aplicação, em consagração do princípio da efetividade, os tribunais nacionais devam obediência às decisões do TJUE, o que resulta dos acórdãos do TJUE são orientações interpretativas sobre uma determinada norma, cabendo ao juiz nacional a aplicação da norma comunitária ao caso concreto;
35.ª No caso sub judice, o Tribunal a quo considerou que é legalmente inadmissível a inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA, embora não seja possível extrair esta conclusão do aludido acórdão;
36.ª Com efeito, há que ter presente que do acórdão do TJUE – e, por conseguinte, do mencionado acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 –, não é possível extrair a conclusão de que o artigo 23.º do Código do IVA e a correspondente norma da Diretiva do IVA (antigo artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA e atual artigo 174.º da Diretiva 2006/112/CE) devem ser interpretados no sentido de se encontrar excluída do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD;
37.ª A questão sobre a qual aqueles acórdãos se debruçam – bem diferente - trata de saber se o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA se opõe a que a administração tributária obrigue um determinado sujeito passivo a excluir essa componente do cálculo do pro rata de dedução, o que não é a mesma coisa que afirmar que uma determinada norma obriga à exclusão de um determinado componente;
38.ª Assim, dúvidas não restam de que o alcance da decisão do TJUE – e, por conseguinte, do acórdão do STA – se circunscreve à aferição da possibilidade de, à luz do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a administração tributária poder obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução;
39.ª Tal circunstância não significa, pois, que sejam legais as liquidações adicionais ora sindicadas, sendo necessário aferir se, à luz das disposições nacionais vigentes, a administração tributária portuguesa pode efetivamente obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução;
40.ª Ora, contrariamente ao que se determinou na sentença recorrida, a resposta a esta questão é negativa, não se descortinando no artigo 23.º do Código do IVA qualquer norma legal que atribua à administração tributária portuguesa a possibilidade de obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução;
41.ª Com efeito, os únicos dois critérios previstos no artigo 23.º do Código do IVA são a aplicação de uma percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução, prevista na alínea b) do n.º 1, com remissão para o n.º 4 e a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, prevista no n.º 2 do artigo 23.º;
42.ª Todavia, a determinação da afetação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA;
43.ª Neste sentido, veja- se o acórdão arbitral proferido em 20.11.2017 no âmbito do processo n.º 309/2017-T, em que foram árbitros o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Maria Alexandra Mesquita e Nuno Miguel Morujão;
44.ª Assim, em face de todo o exposto, resulta evidente que a legislação nacional não permite à administração tributária a exclusão da componente de capital das rendas para efeitos de aplicação do pro rata de dedução, pelo que a sentença incorreu em erro, devendo a mesma ser anulada;
45.ª Acresce ainda que, mesmo que assim não se entendesse, e subsistissem dúvidas quanto àquela alegada possibilidade legal, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre importa ter em consideração que a própria decisão do TJUE não permite, em qualquer caso, concluir como o Tribunal a quo concluiu na sentença recorrida;
46.ª No que concerne à questão de saber se os Estados-Membros podem excluir do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira, é entendimento do TJUE que os Estados-Membros poderão afastar o método do pro rata geral de dedução e determinar a aplicação da afetação real dos bens e serviços a montante às operações a jusante, prevista no aludido artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva do IVA, com recurso a critérios objetivos com vista a determinar o grau de utilização dos inputs;
47.ª Acrescenta, no entanto, o Tribunal que “(...) há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal(cf. considerandos 33 e 34, sublinhado nosso);
48.ª Em face do conteúdo do acórdão do TJUE, facilmente se constata que a situação subjacente ao caso sub judice é bem diferente e, por conseguinte, crê-se evidenciado o erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito em que incorreu a sentença recorrida;
49.ª Com efeito, sendo certo que o TJUE julgou admissível a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução, não é menos certo que fez depender essa exclusão da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, o que caberia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, recaindo essa obrigação sobre qualquer órgão jurisdicional que pretenda aplicar o entendimento daquele acórdão do TJUE;
50.ª Efetivamente, ao longo do acórdão do TJUE, são várias as referências nesse sentido (cf. considerandos 33 e 34);
51.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente que sobre o Tribunal recaía a obrigação de pronúncia sobre a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, como, aliás, parece de resto ter entendido o STA no processo n.º 1075/13, em que decidiu baixar os autos ao tribunal de 1.ª instância para a pronúncia sobre as questões que ficaram prejudicadas pela decisão;
52.ª No caso sub judice, a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira não é concretamente aferida pelo Tribunal recorrido;
53.ª Com efeito, e tanto quanto o Recorrente consegue depreender, o Tribunal partiu do pressuposto de que, atento o facto de estarem em causa contratos de natureza primacialmente financeira, deve ter-se por imediatamente evidenciada a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou gestão dos contratos;
54.ª Um entendimento de tal ordem não pode proceder, porque a natureza primacialmente financeira dos contratos de locação financeira não é suficiente para concluir por aquela ligação;
55.ª Com efeito, se o TJUE julgou por necessária aquela verificação, é porque a mesma não decorre da natureza dos contratos, mas das circunstâncias concretas de cada caso;
56.ª De facto, se não fosse necessária essa verificação em concreto, bastaria ao TJUE afirmar como princípio que a componente de capital nunca poderia estar incluída para efeitos de cálculo do pro rata de dedução, pelo que, não o tendo feito, foi porque se impunha sempre a verificação em concreto da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira;
57.ª Deste modo, deve concluir-se que a interpretação que o Tribunal realiza das normas nacionais e comunitárias aplicáveis neste âmbito enferma de ilegalidade;
58.ª De facto, outra interpretação que não esta incorre em inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na CRP, já que a interpretação do artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva do IVA), no sentido de que não se impõe a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira atenta a natureza primacialmente financeira dos contratos, viola quer o princípio da tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, quer os princípios e normas conformadores da construção comunitária constitucionalmente aceites por força do artigo 7.º, n.º 6, da CRP, designadamente os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados;
59.ª Em face do exposto, e atenta a errónea interpretação da sentença recorrida, deve determinar-se de imediato a sua anulação, por manifesto erro de julgamento;
60.ª Sendo anulada a sentença recorrida, como espera o Impugnante, ora Recorrente, deve julgar-se procedente a impugnação judicial e determinar-se a anulação dos atos tributários impugnados;
61.ª Com efeito, inexistem quaisquer elementos nos autos que permitam ao Tribunal a conclusão de que essa ligação existe, pelo que, estando em causa um contencioso de mera anulação, cujo ónus da prova sobre os factos constitutivos do direito à tributação recai sobre a administração tributária (cf. artigo 74.º da LGT), tal só pode conduzir, no caso sub judice e à luz dos elementos de prova constantes dos autos, à declaração de ilegalidade dos atos tributários sub judice por falta de prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira;
62.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que se entenda, que se impõe a produção da prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira nos presentes autos, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se impunha ao Tribunal, ao invés do decidido na sentença recorrida, à luz do princípio do inquisitório, que promovesse pela realização das diligências necessárias e disponíveis para obter essa prova, designadamente notificando a parte para a junção dos elementos que reputasse necessários;
63.ª Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objetivo;
64.ª Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da aludida requisição dos documentos não decorrer a prova desse facto;
65.ª A esta conclusão não obsta as regras do ónus da prova estatuídas no artigo 74.º da LGT, na medida em que o princípio do inquisitório funciona a montante das regras do ónus da prova;
66.ª Assim, em face de todo o exposto, também com fundamento neste princípio se imporia a anulação da sentença recorrida;
67.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a prolação de decisão sobre esta questão, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, face aos já mencionado artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;
68.ª Assim, em face de todo o exposto, resultando evidente o erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu, deve revogar-se a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial;
69.ª Por fim, também no que concerne ao vício de forma de falta de fundamentação a sentença recorrida se encontra inquinada, com o devido respeito, de erro de julgamento;
70.ª É que, não se trata de fundamentar singularmente a correção efetuada, mas de uma exigência especial de fundamentação que, no entendimento do Recorrente, não está cumprida;
71.ª Não basta à administração tributária, para afastar a componente de capital das rendas do cálculo do pro rata geral de dedução, invocar que só os juros podem ser integrados nesse cálculo e que há um alegado aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns;
72.ª Este especial dever de fundamentação dos serviços de inspeção tributária é particularmente evidenciado na decisão arbitral que foi proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T, em que se refere que “No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a «sã concorrência» ou a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”;
73.ª Fica, pois, evidenciado que a fundamentação dos presentes atos tributários é inexistente à luz das especiais exigências que impunham a correção sub judice;
74.ª E nem sequer se invoque, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, que é ao contribuinte, e não à administração tributária, que cumpre demonstrar a validade da inclusão daquela componente de capital no cálculo do pro rata de dedução;
75.ª Efetivamente, em face do princípio da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes consagrado no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, por um lado, e da regra de repartição do ónus da prova prevista no artigo 74.º da LGT, impõe-se à administração tributária a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.04.2004, proferido no âmbito do recurso n.º 01680/03);
76.ª Pelo que, atento todo o exposto, a descrita falta de fundamentação da correção em crise inviabiliza, na prática, o controlo rigoroso da legalidade do respetivo ato tributário de liquidação e, concomitantemente, o exercício pelo Impugnante dos meios de defesa que lhe são assegurados por lei. Por conseguinte, verifica-se um vício de forma que afeta a legalidade dos referidos atos tributários os quais, por este motivo, devem ser anulados com fundamento no disposto no artigo 268.º da CRP, no artigo 36.º do CPPT, no artigo 77.º da LGT e ainda no artigo 62.º do RCPIT;
77.ª Deste modo, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e, bem assim, serem anulados os atos tributários impugnados, com as demais consequências legais;
78.ª Por fim, entende o Recorrente que se verificam os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta a conduta processual das partes e a tramitação processual, razão pela qual se requer, também quanto a este aspeto, a revogação da sentença recorrida;
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

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A Administração não contra-alegou.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da sentença por ter sido feita uma correta análise da matéria de facto, bem como a sua subsunção jurídica”, não se opondo à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça solicitado.
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As questões a decidir são, então, as de:
- Fixar o valor do Recurso da Administração;
- Saber se foi violado o princípio do Inquisitório;
- Saber se a sentença errou:
- Na fixação e valoração da matéria de facto;
- Ao considerar que os encargos com estacionamento não integram o conceito de despesas de transportes previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA;
- Ao considerar que a Inspeção não cumpriu o seu ónus de prova quanto ao afastamento do do método pro rata para deduzir o IVA suportado em despesas conexas com as atividades de locação financeira e renting;
- Ao considerar que não é admissível, para efeito do cálculo pro rata, a inclusão das rendas faturadas em contratos de leasing e ALD no valor das operações;
- Ao considerar que foi deduzido IVA sem observância dos requisitos formais;
- Ao considerar que não ficou demonstrada a dedutibilidade do IVA autoliquidado;
- Saber se deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça quanto ao Recurso do Sujeito Passivo.
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Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que:
a)
A impugnante foi alvo de acção de inspecção, em cumprimento da OS n.ºOI200600060 e da OS n.º OI200600061 (cfr. documento de fls. 69 e ss. dos autos, ponto II., a fls. 80);

b)
Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. documento de fls. 68 e ss. dos autos):
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
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c)
Da acção de inspecção, a AT concluiu, além do mais, pela correcção ao IVA, determinando um valor em falta, relativamente a 2004, de 880.652,04euros (cfr. quadro de fls. 67 dos autos);

d)
A impugnante foi alvo das seguintes liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios (cfr. documento de fls. 246 e ss.):




e)
A 12/12/2007, a impugnante reclamou graciosamente das liquidações a que se refere a alínea anterior (cfr. documento de fls. 271 dos autos);
f)
No edifício em que laborava a impugnante, ao tempo a que respeitam os autos, era disponibilizado estacionamento (cfr. depoimento das testemunhas).

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.
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Vejamos, pois:
QUANTO AO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO INTERPOSTO PELO SUJEITO PASSIVO:
Nas conclusões 2 e 3, 9 e 10 e 31 do seu Recurso, o Sujeito Passivo advoga que, no que se refere à correção referente à dedução de IVA sem documentos de suporte, às correções referentes a regularizações a seu favor, e à correção relativa à falta de autoliquidação, as testemunhas inquiridas prestaram os esclarecimentos necessários ao enquadramento da dedução efetuada.
Por sua vez, sustenta nas conclusões 20 a 26 que através do depoimento das testemunhas .... e .... “(cf. fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e B)” ficou demonstrado que o montante de imposto respeita a regularizações de imposto efetuadas pela Impugnante a seu favor que têm na sua génese a anulação de rendas de contratos de locação financeira, pugnando – conclusões 28 e 29 – pela impugnação da matéria de facto, dada a existência de erro no julgamento de facto por o Tribunal não ter valorado a prova produzida.
*
Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Como logo resulta da sua epígrafe (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), foi intenção do legislador impor o cumprimento de uma faculdade ao Recorrente para conseguir colocar em crise a decisão da matéria de facto fixada na sentença como provada ou não provada.
Tal ónus consiste em especificar obrigatoriamente 1) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, 2) os concretos meios de prova produzidos que impunham uma decisão da matéria de facto diferente, e 3) a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada.
Quanto àquela alínea b), acresce que, por força do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do CPC, “Quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante”.
Se o Recorrente cumprir este triplo ónus, pode impugnar a matéria de facto fixada na sentença; se não cumprir, o Recurso sobre a questão de facto deve ser rejeitado.
A opção do legislador por esta rejeição do Recurso compreende-se na medida em que foi sua intenção que o objeto do recurso ficasse bem identificado, assim como a alteração à matéria de facto pretendida, exigindo, então, que a impugnação da matéria de facto fosse concretamente impugnada e complementada pela defesa da decisão que o Tribunal ad quem deve sobre ela proferir.
Daí que caso seja perfeitamente percetível qual o objeto do recurso e qual a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente, se deva dar por cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do CPC.
*
No caso, a Recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, uma vez que não identifica as passagens relevantes dos depoimentos, por referência ao minuto/segundo inicial e final, limitando-se a remeter para a fita magnética da inquirição de testemunhas, lados A e/ou B.
E, assim sendo, impõe-se concluir que a Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação, pelo que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado.
*
QUANTO AO VALOR DO RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO:
A Administração atribuiu ao seu Recurso o valor de € 939.162,50.
Na conclusão 5 da sua contra-alegação, o Sujeito Passivo “impugna o valor da causa indicado pela Recorrente no presente recurso, indicando-se em alternativa como valor da causa o de € 5.887,10”. Advoga, para o efeito, que “estando em causa a legalidade de duas correcções nos valores de € 3.449,94 e de € 2.437,16, ambas objecto de procedência na sentença recorrida (cf. alegações de recurso), é por referência ao valor destas duas correcções que deve ser fixado o valor do presente recurso, à luz das regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e no Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, assim como do artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais” – cfr. conclusões 2 a 4, maxime 3.
Ou seja, aquilo que a Recorrida pretende é que, para efeito de tributação do Recurso, seja considerado o valor de € 5.887,10, “o qual corresponde ao decaimento da ora Recorrente”, que não o valor de € 939.162,50 fixado na sentença como valor da causa, e indicado no Recurso.
Vejamos, então.
Nos termos do artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais, por regra, “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo”.
Todavia, por força do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do RCP, epigrafado «Fixação do Valor em Casos Especiais», “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção”.
A sucumbência é o valor do prejuízo da parte que decaiu, expresso em moeda legal, o qual representa a diferença entre o valor do interesse da parte antes da lide, e o montante que lhe é reconhecido pela sentença.
Assim, no caso de ser julgada procedente uma Impugnação Judicial, a sucumbência da Administração é o resultado da diferença entre a importância das liquidações impugnadas e a importância que o Tribunal considerou legal ser cobrada. Já se a Impugnação for julgada improcedente, a sucumbência do Sujeito Passivo é o resultado da diferença entre a importância cuja anulação pretendeu e a importância que o Tribunal considerou legal ser cobrada.
No caso dos autos, a Administração emitiu várias liquidações de IVA no valor global de € 973.175,97 – cfr. alínea d) do probatório -, tendo a sentença anulado estas liquidações na parte relativa a correções referentes à dedução indevida de IVA suportado com lugares de estacionamento (no valor de € 3.449,94) e com despesas comuns a várias atividades (no valor de € 2.437,16) que totalizam € 5.887,10.
Uma vez que a Administração se arroga à cobrança do IVA respetivo, impõe-se aplicar a taxa normal de IVA de 19% àquelas correções, fixando-se a sucumbência em € 1.118,55.
Assim, fixa-se em € 1.118,55 a base tributável para efeito da taxa de justiça devida no recurso interposto pela Administração.
Este valor para efeito de custas no recurso não altera o valor da ação – fixado na sentença em € 939.162,50 -, nem briga com a admissibilidade do recurso, uma vez que, nos termos do artigo 6.º, n.º 6, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, “A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a ação” e em 2008 o artigo 280.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispunha que “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.º instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância”.
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QUANTO À ANULAÇÃO DAS CORREÇÕES RELATIVAS ÀS DESPESAS DE ESTACIONAMENTO (RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO):
A sentença anulou estas correções por considerar que o Relatório de Inspeção Tributária “se ancorou no disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CIVA”, a qual não é “aplicável ao caso dos autos, pois o que está em causa é o IVA relativo a «encargos com lugares de estacionamento», o que não se confunde com o vertido [naquela alínea c)] onde encontramos a exclusão de deduções de IVA relativa a “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”. Considerando que “o que cumpre apreciar não é o direito àquela dedução, mas a validade do acto administrativo que decidiu pela correcção”, determinou a anulação das liquidações na parte que respeita a tal correção.
Inconformada, a Administração defende – conclusões b) a h), maxime d), e) e g) - que os encargos com o estacionamento se subsumem a despesas de transporte do sujeito passivo e do seu pessoal, uma vez que “as despesas de utilização terão de referir-se a encargos necessariamente decorrentes da utilização das viaturas, isto é, encargos que se mostrem indissociáveis e intrínsecos da/à utilização da viatura, o que não acontece com os encargos de estacionamento” que estão, antes, “relacionados com o transporte de pessoal da empresa, de casa para o trabalho, ou do trabalho para casa, ou para qualquer outro local, deslocações essas que implicam o necessário estacionamento da viatura num qualquer espaço físico eventualmente sujeito ao pagamento do preço, como no caso dos autos”.
A Recorrida advoga que “na referida alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA não é feita qualquer menção à exclusão do direito à dedução do IVA referente a despesas com estacionamento”, pelo que tratando-se de “uma disposição normativa em matéria de direito à dedução do IVA, a mesma não pode deixar de ser objeto de interpretação restrita, não podendo efetuar-se, como a administração tributária efetuou, uma interpretação extensiva do seu alcance” – cfr. conclusões 6 a 12, maxime 9 e 10.
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Como é sabido, o IVA é um imposto geral que visa tributar a capacidade contributiva evidenciada no consumo de bens e serviços. Pretende-se, pois, que seja o consumidor final a suportar o tributo, funcionando os operadores económicos como cobradores, uma vez que lhes é exigido receberem, juntamente com o preço do bem, o montante do imposto que, depois, devem entregar ao Estado, funcionando assim como sujeitos passivos de direito.
Deste modo, cada operador deve, na fase do circuito económico em que se encontre, pôr em funcionamento o método subtrativo indireto (ou das faturas ou do crédito do imposto) que consiste, em cada fase de produção ou distribuição, em subtrair à importância resultante da aplicação da taxa do IVA ao preço da venda o montante do imposto suportado na compra (que mais não é que a importância resultante da aplicação da taxa do IVA ao preço da venda pelo fornecedor do operador económico, na fase imediatamente anterior do circuito económico).
O IVA é, pois, um tributo plurifásico que incide sobre o valor acrescentado em cada transação e se apura com a liquidação do tributo a jusante (na venda) e a respetiva subtração ou dedução a montante (na compra), o que assegura a neutralidade do imposto no comércio interno já que a dedução do imposto suportado nas compras evita várias tributações, antes assegura a repercussão do imposto até ao consumidor final que, por não efetuar outra transação no circuito económico, não pode deduzir o imposto pago na compra.
O direito à dedução é, portanto, um elemento central no IVA, estando o seu exercício dependente da verificação cumulativa de requisitos objetivos relacionados com o tipo de despesa e requisitos subjetivos atinentes ao sujeito passivo. Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 4.ª edição, 2009, pp. 195-196.
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Por regra é admissível a dedução do IVA que tenha incidido sobre serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas – artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.
Durante o ano de 2004, nos termos da redação do artigo 21.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, então em vigor, “Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com caráter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor; (…)
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;”
Contudo, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 21.º, estas exclusões não se verificam, além do mais:
- Quando as despesas mencionadas naquela alínea a) respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto de atividade do sujeito passivo – alínea a);
- Quando as despesas mencionadas na predita alínea c) resultem da organização de congressos, feiras, exposições, seminários e conferências, forem contratados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e que comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto será dedutível na proporção de 50% - alínea d).
Pretendeu, assim, o legislador afastar, por regra – n.º 1 -, a dedução do IVA suportado, além do mais, com a locação e a utilização de viaturas de transporte de passageiros com menos de 10 lugares, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos, bem como do IVA suportado em despesas com transporte e viagens de negócios, incluindo as portagens, do sujeito passivo e do seu pessoal, por considerar que a locação e a utilização daquelas viaturas, bem como a realização de transportes e de viagens de negócios são, muitas vezes, motivadas por razões alheias à atividade económica do sujeito passivo, configurando, então, consumos finais que devem suportar o IVA.
No entanto, verificando-se que tais despesas estão efetivamente relacionadas com a atividade económica do sujeito passivo, a regra da exclusão do direito à dedução é afastada – n.º 2 -, permitindo-se, pois, a dedução do IVA e a sua repercussão para o cliente final.
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No caso dos autos discute-se se a sentença andou bem ao considerar que os encargos com estacionamento não integram o conceito de despesas de transportes previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.
Vejamos.
Se para realizar determinado trajeto, o sujeito passivo optar por alugar e/ou utilizar viaturas de turismo, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos ou motociclos, as despesas tidas com esta locação e/ou utilização preenchem a previsão da norma da alínea a) do mesmo artigo 21.º, n.º 1, do CIVA.
Já se para realizar o mesmo trajeto, o sujeito passivo optar por alugar e/ou utilizar, por exemplo, viaturas que não sejam de turismo ou transportes públicos ou coletivos, as despesas com tidas com aquela locação, incluindo as portagens, bem como as suportadas na aquisição dos bilhetes que permitem esta utilização preenchem a dita alínea c) uma vez que são “Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens” que não preenchem a alínea a).
Num caso e noutro podem existir encargos com estacionamento que se integram nas despesas de utilização: das viaturas de turismo, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos ou motociclos, no primeiro caso; de viaturas que não sejam de classificar como de turismo, no segundo, sendo que os encargos com portagens e com o estacionamento de veículos de transporte público ou coletivo se encontram, habitualmente, refletido no preço do bilhete da viagem.
É, pois, possível que os encargos com estacionamento preencham o conceito de «despesas de transportes» previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA, pelo que a sentença que assim não entendeu padece de erro de julgamento, devendo ser revogada.
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Por considerar que a norma de que a Inspeção lançou mão não era aplicável ao caso dos autos, a sentença anulou a correção e deixou de conhecer outra causa de pedir que foi colocada à apreciação do Tribunal de 1.ª Instância.
Com efeito, na sua Petição, a Impugnante advogou não só que “a restrição do direito à dedução determinada pela Administração Tributária relativamente ao imposto incorrido com os «encargos com lugares de estacionamento» não encontra fundamento na norma invocada – o artigo 21.º do Código do IVA” (artigos 32.º e 34.º) e que a interpretação da norma da alínea c) “deverá ser efectuada de forma restritiva” (artigo 37.º), mas também sustenta que “tendo presente que as despesas relativas a estacionamento foram incorridas no estrito âmbito da actividade da Recorrente, o referido imposto foi deduzido de acordo com o respectivo pro rata de dedução” (artigo 41.º), não podendo a Administração afastar a possibilidade de a Impugnante exercer o direito à dedução sob pena de violação do princípio da legalidade (artigo 38.º).
Quanto àquelas duas primeiras questões, já se viu que os encargos com lugares de estacionamento podem preencher, logo literalmente (sem necessidade de qualquer interpretação extensiva) o conceito de «despesas de transportes» previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA, pelo que a razão não está aqui com a Impugnante.
Todavia, a última questão não foi apreciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por ter ficado prejudicada pela solução dada à interpretação da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.
Ora, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se a 1.ª Instância tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a 2.ª Instância, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários, devendo o relator, antes de ser proferida decisão, ouvir cada uma das partes pelo prazo de 10 dias – n.º 3.
Notificadas as partes para o efeito, apenas a Recorrente se pronunciou, no sentido de não se opor ao julgamento em substituição, “designadamente quanto à invocada violação do princípio da legalidade (cf. artigo 38.º da p.i.), no segmento referente à contestação da correção relativa à dedução indevida de IVA com lugares de estacionamento”, advogando que “a competência para excluir do âmbito da dedutibilidade do imposto determinados despesas é atribuída à Assembleia da República e ao Governo (mediante autorização legislativa)”, pelo que “não tendo o legislador expressamente consagrado a exclusão da dedutibilidade do IVA incorrido com despesas de estacionamento, não podem os serviços de inspeção tributária substituir-se ao legislador, aditando uma nova categoria de despesa à alínea c) supra citada”, concluindo “que a correção em apreço colide com o princípio da legalidade”.
Vejamos, então.
O IVA é um imposto de origem comunitária, resultando o Código do IVA da transposição da Diretiva IVA, sendo que, por força do princípio do primado, as normas de direito interno não podem ser invocadas para afastar a aplicação das normas de direito da União Europeia.
Ora, nos termos do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.”
Quanto a esta matéria do exercício do direito à dedução (e com relação à eventual violação do princípio da legalidade previsto no direito interno), o Tribunal de Justiça da União Europeia já teve oportunidade de esclarecer que “só são permitidas derrogações ao direito à dedução do IVA nos casos expressamente previstos pelas disposições das diretivas que regem esse imposto”, sendo que “Entre essas derrogações figura o artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve influência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição”, a qual “contém uma cláusula de standstillque abrange “as exclusões do direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA na data de adesão da República Portuguesa à União” – cfr. o despacho do TJUE de 17 de setembro de 2020 – processo C-837/19 (Super Bock Bebidas, SA vs Autoridade Tributária e Aduaneira), parágrafos 25 a 38.
Jurisprudência que, aliás, foi recentemente acolhida, ao mais alto nível, no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de fevereiro de 2025 – processo n.º 02599/05.6BELSB que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “As exclusões do direito a dedução previstas no artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) na data da adesão da República Portuguesa na União Europeia estavam abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva.”
Deste modo, sendo admissível, à luz do direito da União, a exclusão do direito à dedução dos encargos com estacionamento que integrem o conceito de «despesas de transportes» previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA, e não tendo sido apresentada qualquer outra causa de pedir quanto a esta correção, a sentença deve, no ponto, ser revogada, mantendo-se as correções.
Deste modo, o Recurso deve, no ponto, ser julgado procedente, revogando-se a sentença e julgando-se a Impugnação Judicial improcedente quanto à dedução dos encargos com estacionamento.
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QUANTO À ESCOLHA DO MÉTODO DA AFETAÇÃO REAL, EM VEZ DO PRO RATA, PARA DEDUÇÃO DE DESPESAS CONEXAS COM AS ATIVIDADES DE LOCAÇÃO FINANCEIRA E RENTING (RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO):
Relativamente à correção no valor de € 2.437,16 relativa à atividade de locação financeira e renting, a sentença considerou que “a fundamentação da AT [no relatório de inspeção] é conclusiva, não sendo possível averiguar por que concretos motivos decidiu que certos custos eram na verdade custos comuns e não custos afectados à atividade sujeita a IVA, não isenta, que confere o direito à dedução”. “Dito de outra forma, a verdade é que a impugnante não especificou que custos foram afinal desconsiderados pela AT, erradamente, como devendo ser-lhes aplicado o método de afectação real, mas é a própria AT que o não faz, e por essa razão tem de proceder, na medida do pedido, a impugnação, quanto a esta parte das correcções”.
Insurgindo-se contra o decidido, alega a Administração que o Relatório de Inspeção se encontra devidamente fundamentado quanto à não aplicação do método da afetação real, tendo ficado aí expresso que as despesas consideradas pela impugnante se referem a despesas comuns por não ter sido possível determinar a concreta relação dos custos em questão com a atividade de locação financeira ou de renting, sendo “à impugnante que cabe a prova dos factos que alega”cfr. conclusões i) a n) do Recurso, maxime i) e j).
Por sua vez, a Recorrida advoga que a Inspeção refere no Relatório “que considerou todos os custos identificados como custos comuns por aparentemente não ter conseguido percecionar a sua verdadeira natureza”, incumprindo o seu ónus de prova – cfr. conclusões 14 a 16.
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No procedimento tributário vigora o princípio da colaboração, por força do qual o contribuinte deve cumprir as obrigações acessórias previstas na lei (deveres declarativos, avaliativos e organizativos) e esclarecer a Administração Tributária sobre a sua situação tributária, bem como sobre as suas relações económicas com terceiros, quando solicitado – cfr. os artigos 59.º, n.º 4, e 31.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
Este princípio é especialmente importante na determinação da matéria coletável, competindo, então, nesta fase, à Administração Tributária fiscalizar o cumprimento daqueles deveres.
Tanto mais que, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Ora, se no decurso da sua fiscalização a Administração verificar que o sujeito passivo não cumpriu cabalmente as suas obrigações acessórias, é afastada esta presunção, fazendo fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei, as informações prestadas pela inspeção tributária – artigo 76.º, n.º 1, da LGT.
A matéria coletável deve então ser fixada pela Administração através de três tipos de correções: aritmética, técnica ou quantitativa.
Nas correções aritméticas, a matéria coletável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a Administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – direto ou indireto - para determinar o imposto devido: limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações, com o objetivo de garantir a exatidão das autoliquidações.
Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a Administração Tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo.
Distintas desta são as correções técnicas que a Administração faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação direta, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41.º, n.º 1, do CIRC) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23.º, alínea g), do CIRS).
Estas correções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria coletável; qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.
Por fim, as correções podem ter ainda outra natureza, a de correções quantitativas a se, o que acontece quando a Administração se socorre de métodos indiretos, alterando a matéria coletável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de março de 2007 – processo n.º 37/07.
Como se disse, quando as declarações, contabilidade ou escrita do contribuinte revelem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, não se verifica a presunção de veracidade de que gozam os contribuintes – cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.
Neste caso, sendo necessário proceder a uma correção técnica, a Administração, além de demonstrar que a declaração do contribuinte não é exata e contém erros, tem também o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à correção, rectius à liquidação – cfr. o artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
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O Relatório de Inspeção, transcrito na alínea b) do probatório tem, no que ora interessa, o seguinte teor: “III – 2.2.4 PRO RATA (art. 23.º, do CIVA) - € 537.109,51
1 – Validação do Pro Rata
(…) Relativamente às operações efectuadas no âmbito das actividades de locação e rent, a ….. adopta o método da afectação real (…).
Complementarmente, nas denominadas despesas gerais ou comuns, utilizou o método de percentagem de dedução (ou pro rata), apresentando, para o exercício de 2004, um pro rata provisório de 55% e um pro rata definitivo de 80%.
A fim de se validar o pro rata utilizado solicitou-se à … que remetesse toda a informação relativa à forma de apuramento do respectivo método de percentagem de dedução.
Da validação do ficheiro remetido pela …, constatou-se que no cálculo da fracção do pro rata se encontravam quer no numerador quer no denominador, rubricas que não devem ser consideradas para o respetivo cálculo, tendo ainda desprezado operações que devem ser afectas ao denominador.
Assim: (…)
2 – Validação da afectação real / custos comuns
Por forma a validar a dedução do IVA mencionada nas declarações periódicas, foi a …. notificada para discriminar por campos o imposto deduzido segundo o método da afectação real e de percentagem de dedução, bem como indicar as contas do PCSB/POC e as bases tributáveis.
A fim de validar os ficheiros facultados pela …., foram selecionados por amostragem dirigida aos valores mais significativos, e solicitados os respectivos documentos externos, através de notificação.
Da análise efectuada constatou-se que a … aplicou o método de afectação real às actividades de Leasing e Rent, deduzindo a totalidade do IVA suportado em diversos custos que, pela sua natureza, se revelam de difícil desagregação e automatização, pelo que os mesmos são considerados comuns a todas as actividades.
De facto, relativamente aos documentos analisados, a empresa utilizou, incorretamente, como método de dedução do imposto o método da afectação real a bens e serviços que são indiscriminadamente utilizados em todas as actividades, ou seja, referem-se a despesas comuns em que, na prática, é impossível determinar a que actividade dizem respeito, pelo que deveria ter aplicado o método de percentagem de dedução (pro rata).
Deste modo, conclui-se que foi deduzido IVA em excesso, referente às situações abaixo discriminadas: (…)
3. IVA deduzido indevidamente resultante da …. ter aplicado o método de afectação real a custos comuns, originando um ajustamento aos mesmos, resultando uma regularização de IVA a favor do Estado no montante de € 6.246,29, cfr. evidenciado no mapa anexo n.º 27.3.”
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Verifica-se, assim, que ao fiscalizar as operações realizadas pelo Sujeito Passivo no âmbito das atividades de locação e rent, a Inspeção selecionou, de entre os valores mais significativos, uma amostra relativamente à qual solicitou a apresentação dos documentos externos de suporte.
Tendo constatado que o Sujeito Passivo aplicou o método de afetação real àquelas atividades, através do qual deduziu a totalidade do IVA “suportado em diversos custos que, pela sua natureza, se revelam de difícil desagregação e automatização”, considerou que “a empresa utilizou, incorretamente, como método de dedução do imposto o método da afectação real a bens e serviços que são indiscriminadamente utilizados em todas as actividades, ou seja, referem-se a despesas comuns em que, na prática, é impossível determinar a que actividade dizem respeito, pelo que deveria ter aplicado o método de percentagem de dedução (pro rata)”.
O Relatório da Inspeção apenas contém, então, uma consideração genérica relativa à existência de “diversos custos que, pela sua natureza, se revelam de difícil desagregação e automatização” e apresenta a conclusão de que “a empresa utilizou, incorretamente, como método de dedução do imposto o método da afectação real a bens e serviços que são indiscriminadamente utilizados em todas as actividades”.
Ora, aquela premissa não permite identificar os factos constitutivos do direito à correção, rectius à liquidação, pois desconhecem-se quais são os diversos custos e qual a sua natureza, pelo que não se consegue acompanhar as conclusões de que tais custos “se revelam de difícil desagregação e automatização” e, bem assim, “que são indiscriminadamente utilizados em todas as actividades”.
Impondo-se concluir, como a sentença, no sentido de não ter sido cumprido o ónus de prova quanto aos factos constitutivos do direito a que se arroga a Administração.
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Assim, o Recurso interposto pela Administração deverá ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida quanto à dedução dos encargos com estacionamento, mas mantendo-a quanto à escolha do método da afetação real para dedução de despesas conexas com as atividades de locação financeira e renting.
Em substituição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ao abrigo do artigo 665.º, n.º 2, do CPC e na sequência da predita revogação da sentença, julgar-se-á a Impugnação Judicial improcedente quanto à dedução dos encargos com estacionamento.
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Apreciemos, agora, os erros de julgamento quanto à matéria de direito imputados à sentença pelo Sujeito Passivo no seu Recurso.
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QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO (RECURSO DO SUJEITO PASSIVO):
Nas conclusões 4 a 8 e 11 a 15, a Recorrente advoga que tendo, na sua Petição Inicial, protestado juntar documentos, antes de dar como não provados os factos alegados por falta de meios de prova, se impunha, ao abrigo do poder-dever imposto pelo princípio do inquisitório, que o Tribunal a notificasse para juntar os elementos que conseguisse reunir.
Já nas conclusões 62 a 66, a Recorrente sustenta que se impõe ao Tribunal promover “pela realização das diligências necessárias e disponíveis para obter” a prova que considere necessária, uma vez que “o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objetivo”. “Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da aludida requisição dos documentos não decorrer a prova desse facto”.
Mas, adiante-se desde já, sem razão.
Determina o artigo 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, epigrafado «Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual», que “O Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”.
Por sua vez, dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, epigrafado «Poderes dos Juízes», que “Aos Juízes dos Tribunais Tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.
Desta forma, o legislador atribuiu ao Juiz não só a tramitação e a decisão do processo (ao incumbir-lhe a sua direção e julgamento), como lhe conferiu o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências de prova que considere úteis, tendo em vista uma finalidade concreta: o apuramento da verdade relativamente aos factos de que seja lícito conhecer no processo, por terem sido alegados pelas partes ou por tal ser imposto pela lei.
Pretendeu, assim, o legislador criar um sistema processual misto, influenciado quer pelo princípio do dispositivo, quer pelo princípio do inquisitório, em que o Tribunal e as partes, e estas entre si, colaboram para que o processo alcance a sua finalidade: a composição definitiva do litígio, em prazo razoável, mediante processo equitativo – cfr. o artigo 96.º do CPPT.
Ao abrigo do princípio do dispositivo, as partes, que têm total disponibilidade sobre a iniciativa processual [é o Autor quem, através da apresentação da Petição Inicial dirigida ao Juiz, solicita a intervenção do Tribunal – cfr. o artigo 108.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], têm uma função essencial na delimitação do objeto do processo, desde logo através da exposição, no seu articulado inicial, dos factos e das razões de direito que fundamentam o pedido.
Assim, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” – artigo 6.º, n.º 1, do CPC –, sendo estes, em primeira linha, aqueles factos de que é lícito conhecer no processo.
Quanto a eles, e ainda por influência do princípio do dispositivo, o Impugnante deve, na sua Petição Inicial, oferecer os documentos de que dispuser, arrolar testemunhas e/ou requerer as demais provas – cfr. o artigo 108.º, n.º 3, do CPPT -, assim como deve de igual modo proceder, na Contestação, a entidade demandada, além de remeter o processo administrativo – artigo 110.º do mesmo diploma.
Sucede que se a busca pela verdade fosse condicionada, exclusivamente, pelo princípio do dispositivo, o resultado da atividade probatória seria meramente formal, pois resultaria, apenas, da iniciativa e a atuação das partes. Ora, o legislador afastou-se deste modelo e optou por um modelo misto, em que, ao abrigo do princípio do inquisitório, dotou o Juiz de poderes instrutórios, atribuindo-lhe o predito dever de realizar ou ordenar todas as diligências de prova que considere úteis para a descoberta dos factos de que pode conhecer no processo (desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes), procurando, assim, a verdade material. O que bem se compreende: o que interessa à administração da Justiça em nome do povo é que as normas legais sejam aplicadas aos factos que ocorreram na vida das partes, e não apenas aos factos que cada parte consegue demonstrar no processo.
Tal é, aliás, o fundamento do princípio da aquisição processual, segundo o qual as provas produzidas por iniciativa de uma das partes devem ser aproveitadas ainda que beneficiem a parte contrária. E, neste modelo misto, em que as partes colaboram entre si e com o Tribunal, e o Tribunal com estas, também as provas produzidas por iniciativa do Juiz ficam a pertencer ao processo.
No âmbito da sua atividade probatória, ao Juiz compete fixar os meios de prova (definir o meio de prova adequado para demonstrar a realidade do facto), ordenar a produção da prova (a recolha dos elementos probatórios) e valorar a prova produzida (fixar a matéria de facto, discriminando os factos provados dos não provados com a devida fundamentação – cfr. o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT), sempre sujeito ao controlo das partes.
Com efeito, a Constituição da República, ao reconhecer direitos processuais às partes como o direito ao contraditório (para influenciar a decisão do Juiz e não ser surpreendido por esta), à igualdade (de armas) ou quanto à imparcialidade do Juiz (que não pode beneficiar ou prejudicar qualquer uma das partes) -, não admite um modelo processual puramente inquisitório, isto é, exclusivamente centrado na atividade do Juiz.
Daí que o uso dos poderes instrutórios do Juiz possa, e deva, ser controlado, à semelhança, aliás, de toda a sua atividade que não seja discricionária – cfr. o artigo 630.º, n.º 1, do CPC.
E o mesmo se diga em relação ao não uso dos mesmos poderes instrutórios do Juiz.
Este controlo, além de atender aos direitos processuais das partes, deve também considerar a diferente natureza entre o direito à prova das partes e o dever de instrução do Juiz.
Desde logo, o direito à prova de que as partes são titulares preclude se não for exercido nos momentos processuais próprios, sendo que no caso de se manter uma incerteza sobre a verificação ou não verificação de determinado facto, ao abrigo das regras do ónus da prova, o Juiz decidirá contra a parte onerada, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Já o dever do Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer é especialmente relevante no processo tributário pois, neste, a relação jurídica material subjacente à lide tem por objeto, muitas vezes, direitos indisponíveis, o que, por natureza, limita a autonomia das partes. Com efeito, um dos corolários do princípio do dispositivo no processo civil traduz-se na faculdade das partes colocarem termo ao processo por acordo, o que no processo tributário, atenta a indisponibilidade do crédito tributário – cfr. o artigo 30.º, n.º 2, da LGT -, não é possível.
Daí que o princípio do inquisitório se encontre, no processo tributário, especialmente subordinado ao interesse da descoberta da verdade material, assumindo-se, aqui, como um princípio geral estruturante, que não um mero princípio da instância ou um mero princípio de boa gestão processual como é muitas vezes visto noutros ramos processuais.
O que significa que, em circunstâncias que devem ser ponderadas caso a caso, pode ser admissível que os poderes instrutórios que a lei atribui ao Juiz no processo tributário sejam utilizados para afastar, por exemplo, as regras de preclusão do direito à prova, oficiosamente ou a requerimento de uma das partes, assim se extravasando o número de testemunhas admissível ao abrigo do artigo 118.º do CPPT, ou os limites temporais para a apresentação de documentos (cfr. os artigos 423.º do CPC e 99.º, n.os 2 e 3, da LGT). Basta, para o efeito, que o Juiz considere tais diligências úteis para criar a sua convicção sobre o apuramento da verdade material relativamente a factos que deva conhecer.
Assim, se o Juiz, face à prova já produzida, tiver formado a sua convicção sobre se determinado facto se verificou ou não se verificou, uma nova diligência será inútil e, como tal, não deve ser realizada ou ordenada. Todavia, se a prova produzida foi insuficiente para o Juiz criar a sua convicção sobre a verificação do facto (por exemplo, por a prova pericial se mostrar, no caso, mais adequada que a testemunhal, ou por haver indícios de que uma pessoa não arrolada poderá esclarecer o que as testemunhas arroladas não conseguiram) e se o Juiz entender que determinada diligência probatória o pode ajudar a ultrapassar a situação de incerteza e contribuir para criar tal convicção, seja no sentido de dar o facto como provado, seja no sentido inverso, então tal nova diligência será útil e deverá ser realizada ou ordenada.
Quanto ao momento em que tais diligências podem ser ordenadas, a lei admite-as expressamente como complemento da prova produzida pelas partes, ao estabelecer que concluso o processo para sentença, se o Juiz não se julgar suficientemente esclarecido, pode ordenar a reabertura da diligência de inquirição de testemunhas, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências probatórias necessárias – cfr., mutatis mutandis, o artigo 607.º, n.º 1, do CPC.
Com efeito, se as partes, depois de alegarem os factos, produzirem prova que se mostre adequada e eficaz para o Juiz formar a sua convicção sobre a realidade dos factos, ao Juiz bastará tramitar o processo e julgá-lo – artigo 13.º, n.º 1, primeira parte, do CPPT.
No entanto, se a atividade probatória das partes não for suficiente para o Juiz formar aquela convicção e entender que há uma diligência que poderá eliminar a incerteza com que se confronta, então, por se mostrar útil para o apuramento da verdade material, o Juiz deve realizá-la ou ordená-la - artigo 13.º, n.º 1, segunda parte, do CPPT.
Também aqui a atividade do Juiz é sindicável, o que deve ser feito caso a caso: se for manifesto que face aos elementos constantes dos autos uma diligência, não ordenada, seria útil para o apuramento da verdade material, e o Juiz não a tiver ordenado, estaremos perante um erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT se houve um despacho de indeferimento, ou uma nulidade processual secundária se houve apenas uma conduta omissiva do Juiz.
Finalmente, se todas as diligências úteis foram efetuadas, oficiosamente ou a requerimento das partes, mas com resultados infrutíferos que não permitiram ao Juiz ultrapassar a incerteza sobre a realidade do facto, a decisão penalizará quem tem o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT.
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No caso dos autos, a Recorrente, na Petição Inicial protestou juntar documentos, mas não o fez, abdicando de exercer, assim, o seu direito à prova.
Esta inércia, após uma declaração de tal teor, faz presumir que a Recorrente procurou meios de prova, mas não os encontrou, pelo que não só o Tribunal nada tinha a complementar através dos seus poderes instrutórios que dão corpo ao seu dever de instrução (atenta a natureza mista do modelo processual que, nos preditos termos, não pode ser puramente inquisitório), como as regras lógicas e de experiência ditam que, face ao insucesso da parte, também as diligências ordenadas pelo Tribunal para obtenção dos documentos que a própria parte não logrou juntar, seriam inúteis para o Juiz eliminar a incerteza relativa à verificação do facto.
Pelo que se conclui que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não se encontrava obrigado a lançar mão dos seus poderes de instrução, não merecendo a sua atuação a censura que lhe vem dirigida.
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QUANTO À EXCLUSÃO DAS RENDAS FATURADAS EM CONTRATOS DE LEASING E ALD NO VALOR DAS OPERAÇÕES, PARA EFEITO DO CÁLCULO PRO RATA:
A sentença, com apoio no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de julho de 2014 – processo C-183/13, considerou que “não é desconforme com o direito da União Europeia a possibilidade de não incluir no cálculo do pro-rata o valor das amortizações financeiras, que se inclui nas rendas, no que respeita aos contratos de locação financeira e ALD, relacionados com o sector automóvel, como é o caso”. E, com respaldo no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de outubro de 2014 – processo n.º 01075/13, entendeu que “Os bancos cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”. Decidiu, ainda, que a Administração aplicou um método de dedução do IVA proporcional ao montante anual das operações que dão lugar à decisão que não é inovador nem retroativo, e se encontra fundamentado.
Nas conclusões 32 a 77, a Recorrente insurge-se contra o assim decidido por o entendimento de “que é legalmente inadmissível a inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA” não pode ser extraída daquele acórdão do TJUE (conclusão 35), uma vez que o acórdão “se circunscreve à aferição da possibilidade de, à luz do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a administração tributária poder obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ADL para efeitos de cálculo do pro rata de dedução” (conclusão 38). Advoga que não há no artigo 23.º do Código do IVA qualquer norma “que atribua à administração tributária portuguesa a possibilidade de obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas facturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução” (conclusão 40), sendo que “a determinação da afetação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA” (conclusão 42).
Alega ainda que nos termos do citado acórdão do TJUE a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução está dependente da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, o que sempre teria de resultar da matéria de facto assente nos autos (conclusões 45 e 49), mas tal “não é concretamente aferido pelo Tribunal recorrido” (conclusão 52). Pugna, então, pela anulação da sentença e pelo julgamento de improcedência da Impugnação Judicial, em substituição do Tribunal de 1.º instância (conclusão 60), ou pela baixa do processo para que seja ampliada a matéria de facto (conclusão 67).
Finalmente, quanto à falta de fundamentação, defende que a correção efetuada está sujeita a “uma exigência especial de fundamentação” que não foi cumprida (conclusões 70 e 73).
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Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIVA, “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução”.
Esta percentagem resulta – n.º 4 – “de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”, não estando, no entanto, incluídas – n.º 5 – “as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo”.
Por outro lado, como se viu supra, por se presumirem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, quando a Administração, no exercício dos seus poderes de fiscalização dos deveres declarativos dos sujeitos passivos, verificar a existência de omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, cessa aquela presunção de veracidade.
E, sendo necessário proceder a uma correção técnica, a Administração, além de demonstrar que a declaração do contribuinte não é exata e contém erros, tem também o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à correção, rectius à liquidação.
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O Sujeito Passivo é uma instituição financeira que pratica quer operações isentas de IVA, como a concessão de crédito, quer operações sujeitas a IVA, como leasing e aluguer de longa duração.
Nos contratos de leasing a prestação mensal é composta pela renda (que amortiza o capital) e pelos juros, estando em causa nos autos, pois, face à existência de operações mistas (que conferem apenas em parte o direito à dedução do IVA), saber se o montante pago a título de renda integra, ou não, o cálculo do pro rata.
A Inspeção Tributária considerou que o Sujeito Passivo, “no cálculo da fracção do pro rata” contém, “quer no numerador quer no denominador, rubricas que não devem ser consideradas para o respetivo cálculo, tendo ainda desprezado operações que devem ser afectas ao denominador”, tendo então desconsiderado “no numerador e denominador […] a amortização financeira, como componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira e ALD, cfr. evidenciado na nota 1 do mapa anexo n.º 26”, e considerado apenas no denominador “a amortização financeira, como componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira e ALD, cfr. evidenciado na nota 1 do mapa anexo n.º 26”, referente a operações isentas.
A sentença validou a correção efetuada pela Inspeção Tributária, ao considerar que os bancos que celebrem contratos de leasing e de aluguer de longa duração de veículos automóveis devem incluir apenas os juros incluídos nas prestações pagas pelos seus clientes, mas já não o montante que corresponde ao capital.
Quanto a esta decisão se insurge a Recorrente, pugnando, no ponto, que a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução está dependente da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, o que sempre teria de resultar da matéria de facto assente nos autos (conclusões 45 e 49), mas tal “não é concretamente aferido pelo Tribunal recorrido” (conclusão 52), defendendo, então, a anulação da sentença e o julgamento de improcedência da Impugnação Judicial, em substituição do Tribunal de 1.º instância (conclusão 60), ou a baixa do processo para que seja ampliada a matéria de facto (conclusão 67).
Ora, no seguimento de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia em que foi formulada a questão de saber se “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”, ficou consignado no acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014 – processo n.º C-183/13 (Fazenda Pública vs Banco Mais) que o direito da União “deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar” – cfr. parágrafos 15 e 35 do citado acórdão do TJUE, disponível em
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=93C74F176E6611C6A9F2058DF3B83916?text=&docid=154819&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=11527582
Deste modo, é legalmente possível a desconsideração, no numerador e no denominador da fração para o cálculo do pro rata, da amortização financeira, utilizando-se no cálculo apenas o segmento do pagamento relativo aos juros, desde que a utilização dos bens seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
O que, nos apontados termos, incumbe à Administração demonstrar, no âmbito do ónus relativo à correção técnica que pretende fazer, uma vez que a declaração do contribuinte beneficia da presunção de veracidade e de boa-fé.
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O Relatório de Inspeção, transcrito na alínea b) do probatório tem, no que ora interessa, o seguinte teor: “III – 2.2.4 PRO RATA (art. 23.º, do CIVA) - € 537.109,51
1 – Validação do Pro Rata
(…) Relativamente às operações efectuadas no âmbito das actividades de locação e rent, a …. adopta o método da afectação real (…).
Complementarmente, nas denominadas despesas gerais ou comuns, utilizou o método de percentagem de dedução (ou pro rata), apresentando, para o exercício de 2004, um pro rata provisório de 55% e um pro rata definitivo de 80%.
A fim de se validar o pro rata utilizado solicitou-se à …. que remetesse toda a informação relativa à forma de apuramento do respectivo método de percentagem de dedução.
Da validação do ficheiro remetido pela ….., constatou-se que no cálculo da fracção do pro rata se encontravam quer no numerador quer no denominador, rubricas que não devem ser consideradas para o respetivo cálculo, tendo ainda desprezado operações que devem ser afectas ao denominador.
Assim:
1 – São de desconsiderar no numerador e denominador, as seguintes rubricas:
- a amortização financeira, como componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira e ALD, cfr. evidenciado na nota 1 do mapa anexo n.º 26; (…)
2 – São de considerar no denominador as seguintes rubricas referentes a operações isentas:
- a amortização financeira, como componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira e ALD, cfr. evidenciado na nota 1 do mapa anexo n.º 26; (…)
Destarte, o sujeito passivo não deu cumprimento ao estipulado no n.º 4 do art. 23.º do CIVA, conduzindo a uma percentagem de dedução muito superior àquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns.
Com efeito, a empresa apurou um pro rata definitivo de 80%, quando o resultado da fracção, após recálculo por parte da inspecção tributária, é de 41%, cfr. evidenciado no mapa anexo n.º 26.”
Por sua vez, este mapa anexo n.º 26 é composto por uma tabela que enumera “Contas do PCSB” e os montantes considerados pelo Sujeito Passivo no denominador e no numerador, bem como os valores corrigidos pela Inspeção, e as respetivas diferenças.

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Verifica-se, então, que a Inspeção foi totalmente omissa quanto à utilização dos bens, nenhum juízo tendo formulado quanto à sua relação com o financiamento e a gestão dos contratos.
E, assim sendo, não alegou, nem demonstrou, os factos que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, poderiam justificar a correção que efetuou.
Pelo que não tendo cumprido, também aqui, o ónus de prova quanto aos factos constitutivos do direito à correção e à liquidação, o Recurso deve, no ponto, ser julgado procedente, revogando-se a sentença e julgando-se a Impugnação Judicial procedente quanto à exclusão das rendas faturadas em contratos de leasing e ALD no valor das operações, para efeito do cálculo do pro rata.
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QUANTO À DEDUÇÃO DE IVA SEM OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FORMAIS (RECURSO DO SUJEITO PASSIVO):
A sentença estabeleceu que o Sujeito Passivo não exibiu à Inspeção os comprovativos de que os destinatários das faturas tiveram conhecimento da regularização efetuada e que, na Impugnação, se propôs a fazer prova desse conhecimento. Todavia, sem sucesso, uma vez que “não conseguiu fazer a sua prova, nada juntando, e não tendo as testemunhas demonstrado conhecer as concretas facturas objecto de regularização, ou sobre a tomada de conhecimento que aqui importava dar por provada”. “E quanto às regularizações efectuadas relativamente a contratos que haviam, entretanto, cessado, a impugnante não identifica cada um dos contratos em causa, não provando que as correcções às regularizações em causa sejam de facto aquelas em que afirma não terem sido dadas a conhecer aos destinatários, sequer as facturas emitidas, pelo que não seria de aplicar o artigo 71.º, n.º 5, do CIVA”. Pelo que, por não provado, improcedeu a impugnação nesta parte.
Insurge-se contra o decidido o Sujeito Passivo, advogando que uma vez que a situação de facto já se encontrava delimitada em sede de inspeção tributária, não recaía sobre si a obrigação de demonstrar quais os contratos que deram origem à regularização do IVA, mas tão só que esta era devida e que a correção era ilegal – conclusões 16 a 19.
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Nos termos do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados na forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
Por sua vez, o artigo 35.º do mesmo Código regula aquela forma legal ao dispor sobre o «Prazo de Emissão e Formalidades das Facturas e Documentos Equivalentes» como logo resulta da sua epígrafe.
Por outro lado, as disposições deste artigo 35.º e dos artigos que lhe seguem “devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo” – artigo 71.º, n.º 1, do CIVA. Nos termos do n.º 5 deste artigo 71.º, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução”.
Pretendeu, assim, o legislador que o direito à dedução dependa da emissão de faturas, ou documentos equivalentes, passados na forma legal, mesmo no caso de ser necessário proceder a alguma retificação, sendo que, no caso de esta retificação implicar uma diminuição do IVA liquidado, a regularização só será possível, e a dedução do imposto devida, se o sujeito passivo demonstrar que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.
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No que ora interessa (cfr. pontos 2.1, 2.2 e 2.3 da PI), o Relatório de Inspeção, transcrito na alínea b) do probatório tem o seguinte teor:
- “(…) III – 2.2.2 Dedução Indevida de IVA (…)
4. No que se refere à conta “588095.13 – Taxa 19%”, constatou-se que:
- deduziu o montante de € 2.280,00, cfr. evidenciado no mapa anexo n.º 24.5, suportado num documento interno (UD 15425), sem que para o efeito tivesse exibido factura ou documento equivalente nos termos do art. 35.º do CIVA;
5. Relativamente às regularizações inscritas no campo 40 da declaração periódica do IVA verificaram-se as seguintes situações:
- não exibiu a documentação solicitada nas notificações de 21 de Dezembro de 2006 e 26 de Janeiro de 2007, não tendo até à data da elaboração do presente projecto de conclusões do relatório facultado os documentos em falta, pelo que o sujeito passivo não provou a regularização a seu favor do imposto, nos termos do n.º 5 do art. 71.º do CIVA, no montante de € 20.790,74, cfr. evidenciado no mapa anexo n.º 24.6;
- regularizou a seu favor o montante de € 111.124,69, cfr. evidenciado no mapa anexo n.º 24.7, suportados em documentos internos, sem que tivesse feito prova dos mesmos nos termos do art. 71.º do CIVA; (…)”
Ou seja, no primeiro caso, a Inspeção considerou que o Sujeito Passivo não apresentou fatura ou documento equivalente; no segundo, que o Sujeito Passivo não fez prova que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto; e no terceiro que a retificação não se encontrava suportada em fatura ou documento equivalente.
Na sentença, considerou-se que a impugnação deveria improceder, também por não provada.
No presente Recurso, já se viu que a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada por a Recorrente não ter cumprido o seu ónus impugnatório.
E, assim sendo, mantendo-se estabilizada a matéria de facto, impõe-se acompanhar a sentença.
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QUANTO À DEDUÇÃO DO IVA AUTOLIQUIDADO (RECURSO DO SUJEITO PASSIVO):
No ponto, a Recorrente alega na conclusão 31 que no que se refere à correção relativa à falta de autoliquidação, a prova testemunhal produzida foi suficiente para a demonstração de que se impunha a dedução do IVA correspondente, reiterando, para os devidos efeitos legais, os argumentos de facto e de direito já aduzidos na petição inicial, impondo-se, por conseguinte, a anulação da sentença recorrida.
Todavia, também aqui, por força da rejeição da impugnação da matéria de facto, mantêm-se as premissas de facto que impõem a manutenção da conclusão de direito a que se chegou na sentença. Devendo, então, o Recurso, necessariamente, naufragar.
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FINALMENTE, QUANTO À DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA RELATIVA AO RECURSO DO SUJEITO PASSIVO:
Considerando que:
- “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o Juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento” – artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais;
- A complexidade da causa está relacionada, designadamente, com a existência de conclusões do Recurso prolixas, de questões de elevada especialização jurídica ou técnica, de questões que imponham a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito distinto ou impliquem a realização de diligências de produção de prova neste TCA Sul;
- O montante global da taxa de justiça devida deve ser proporcional ao serviço de Justiça prestado;
Considerando, ainda, que:
- A sentença atribuiu à Impugnação Judicial o valor de € 939.162,50;
- As alegações de recurso são compostas por 28 páginas que, nas conclusões, foram sintetizados em 78 pontos;
- O recurso da matéria de facto foi rejeitado;
- As questões de direito decididas no Recurso foram as de determinar o alcance dos poderes de instrução do Juiz, e o modo como as rendas de contratos de leasing e ADL podem integrar o cálculo do pro rata, tendo as questões relativas aos requisitos das faturas e à dedutibilidade do IVA autoliquidado a não residentes sido resolvidas na sequência lógica da rejeição do recurso quanto à matéria de facto;
- O acórdão é proferido mais de sete anos após ter sido interposto o Recurso,
Verifica-se que:
- As conclusões do Recurso não são demasiado extensas, embora pudessem ser mais sintéticas;
- O recurso da matéria de facto não exigiu a produção de novos meios de prova;
- O serviço de justiça prestado foi moroso,
Assim, encontram-se reunidas as condições para, excecionalmente, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, se dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Termos em que se acorda:
- Conceder parcial provimento ao recurso da Administração:
- Revogando-se a sentença recorrida quanto à dedução dos encargos com estacionamento e, em substituição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando-se a Impugnação Judicial improcedente quanto à dedução dos encargos com estacionamento;
- Mantendo-a quanto à escolha do método da afetação real para dedução de despesas conexas com as atividades de locação financeira e renting.
- Rejeitar o recurso do Sujeito Passivo quanto à matéria de facto;
- Conceder parcial provimento ao recurso do Sujeito Passivo:
- Revogando-se a sentença recorrida quanto à exclusão das rendas faturadas em contratos de leasing e ALD;
- Mantendo-a quanto aos requisitos formais de que depende a dedução do IVA e à dedução do IVA autoliquidado;
- Negando provimento ao recurso na parte relativa à violação do princípio do inquisitório.
- Fixar em € 1.118,55 a base tributável para efeito da taxa de justiça devida no recurso interposto pela Administração.

São devidas custas, na instância e neste TCA Sul, na proporção do vencido, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 13 de novembro de 2025.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Maria da Luz CardosoÂngela Cerdeira