Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:609/98
Secção:Contencioso Administrativo- 1.ª subsecção
Data do Acordão:03/20/2002
Relator:Edmundo Moscoso
Descritores:INDEFERIMENTO TÁCITO
FALTA DE OBJECTO DO RECURSO
CONTAGEM DO PRAZO
ART72 CPA
Sumário:I- Face ao que resulta do artº 109º do CPA, o indeferimento tácito constitui uma ficção que visa garantir aos administrados, perante uma conduta passiva ou omissiva da administração, a via administrativa ou contenciosa. Presume-se a existência de um acto apenas para efeitos do exercício do respectivo meio de impugnação.
II - Um dos requisitos da formação do acto tácito é que não haja uma expressa decisão durante um determinado prazo sobre pretensão dirigida a um órgão administrativo com competência para a apreciar e decidir.
III- O indeferimento tácito pressupõe ainda que a autoridade a quem a pretensão é dirigida tenha o dever legal de a decidir.
IV- Na contagem dos prazos para a formação do indeferimento tácito, nos termos do artº 72º do CPA não se inclui a contagem do dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados. Só nos prazos legalmente fixados em mais de seis meses é que essa regra sofre alterações, já que na sua contagem se incluem sábados, domingos e feriados (artº 72º nº 2 do CPA).
V - Não é lícito ao administrado presumir tacitamente indeferido um requerimento para efeito de poder exercer o respectivo meio legal de impugnação (administrativa ou contenciosa) antes do decurso do prazo legalmente fixado ao órgão administrativo competente para o decidir.
VI- Tendo sido interposto recurso hierárquico contra pretenso indeferimento tácito, que ainda se não havia formado por falta de um dos pressupostos da sua formação (decurso do prazo para emissão de pronúncia), carece esse recurso hierárquico de objecto, já que com ele se visa a anulação ou alteração de um pretenso ou inexistente indeferimento tácito.
VI- Não tem o órgão competente da administração a obrigação ou o dever de emitir decisão sobre recurso hierárquico que lhe fora dirigido e que não tem objecto.
VIII- Não se forma por conseguinte e de igual modo, indeferimento tácito na ausência de decisão de um recurso hierárquico dirigido contra pretenso ou inexistente indeferimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO:

1 – M..., educadora de infância do quadro único do Ministério da Educação, melhor identificada a fls. 2, interpõe recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA, “que não lhe considera o tempo de serviço prestado na qualidade de auxiliar de educação, como tempo de serviço prestado anteriormente à profissionalização, para efeitos de progressão na carreira”.
Diz em síntese o seguinte:
Desde 1.10.71 e até Fevereiro de 1973 exerceu funções docentes no ensino particular no Jardim Infância “O Ninho” como auxiliar de educação.
Exerceu ainda funções no Jardim Infância da Santa Casa da Misericórdia de Porto Mós, desde 1.10.73 até 30 de Setembro de 1982.
Em 23 de Setembro de 1982 concluiu o curso de educadora de infância, realizado através do curso de promoção, que frequentou ao abrigo do despacho nº 52/80, de 26/5 – DR II Série, de 12.06.82.
Exerceu funções docentes até Setembro de 1982 com a categoria de auxiliar de educação e de Outubro de 1982 até à presente data, com a categoria de educadora de infância, sendo que transitou para o ensino oficial em 1/9/83, onde se mantém.
Em 31.12.89, aquando da transição para a nova estrutura da carreira docente, a requerente foi integrada no 2º escalão porque apenas lhe foram considerados, de todo o tempo de serviço docente que possui, sete anos de serviço, para efeitos de progressão na carreira.
E, com base nessa contagem, tem vindo a progredir na carreira, nos termos da Portaria nº 39/94, de 14 de Janeiro (anexo III), tendo atingido o 4º escalão em Janeiro de 1995.
Entende no entanto a requerente, que nos termos da referida Portaria, deveria estar a auferir vencimento correspondente ao índice remuneratório pelo 6º escalão da carreira docente, de acordo com o tempo de serviço prestado em funções docentes.
Requereu em 22.01.97 ao DREL a contagem de todo o tempo de serviço prestado na qualidade de auxiliar de educação, requerimento esse que não foi objecto de qualquer decisão, tendo do indeferimento tácito que se formou, recorrido hierarquicamente para a entidade recorrida, que igualmente se remeteu ao silêncio, formando-se o indeferimento tácito de que agora se recorre.
Sendo indubitável que as auxiliares de educação exerceram funções docentes, o tempo de serviço é tempo de serviço docente efectivamente prestado antes da profissionalização e que, como tal, deve contar para efeitos de progressão na carreira.
Imputa ao indeferimento impugnado nos presentes autos violação dos artºs 11º nº 1 e 3 do DL 100/86, de 17 de Maio; 25º do DL 35/88, de 4 de Fevereiro; 12º do DL 74/78, de 18 de Abril e 12º do DL 290/75, de 14 de Janeiro.

2 – Respondendo, a entidade recorrida sustenta a improcedência do recurso.

3 - Em alegações a recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:
. A – O objecto do presente recurso contencioso é o acto tácito de indeferimento formado em sede de recurso hierárquico interposto junto do recorrido do acto tácito de indeferimento do Director Regional de Educação de Lisboa, que recusou à recorrente a contagem de tempo de serviço docente por si prestado antes da profissionalização.
B – O acto recorrido a ter por fundamento o despacho de 23.04.91 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação, viola o disposto no artº 18º nº 2 da LOSTA.
C – Uma vez que o referido despacho foi contenciosamente anulado por sofrer de violação de lei, concretamente por violar aquela norma legal.
D – O acto anulado contenciosamente não pode produzir efeitos jurídicos, devendo considerar-se como se nunca tivesse existido na ordem jurídica.
E – Não podem assim ser tidos em conta os seus pretensos efeitos revogatórios. Por essa razão e por existir um despacho válido na ordem jurídica que ordena a contagem do tempo pretendido pela recorrente, solicitou a mesma a sua aplicação ao seu caso concreto. O que foi indeferido por desrespeito àquela determinação.
F – De qualquer forma sempre a recorrente teria direito à contagem do tempo de serviço na qualidade de tempo de serviço docente prestado antes da profissionalização.
G – Já que a recorrente e conforme o atestam as suas declarações de tempo de serviço, emitidas pelos estabelecimentos onde trabalhou, exerceu de facto funções docentes.
H – Situação, aliás, admitida e admissível nos termos da lei.
I – Analisando os diplomas que estipulam qual o tempo de serviço contável para efeitos de progressão na carreira, conclui-se que o legislador deu relevância à prestação do serviço em si, como serviço docente e não tanto à categoria.
J – A recorrente tem direito à contagem integral do tempo de serviço docente que prestou antes da profissionalização, em conformidade com o que dispõe as normas conjugadas e contidas nos artºs 11º nºs 1 e 3 do DL 100/86, de 17 de Maio; artº 12º do DL 74/78, de 18 de Abril; artº 12º do DL nº 290/75, de 14 de Janeiro e ainda artº 7º nº 4 do DL nº 409/89, de 18 de Novembro.
Deverá assim o acto recorrido ser anulado por contrariar as citadas normas, devendo consequentemente ser contado à recorrente o tempo de serviço pretendido.

4 - Contra-alegando a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões:
A – Do acto submetido a recurso só se presume a existência de um acto para efeitos do respectivo meio de impugnação, conforme o disposto no artº 109º do CPA. A lei não ficciona no indeferimento tácito uma fundamentação.
B - A anulação contenciosa do despacho revogatório de 23.4.91 no processo nº 29.821 baseou-se na fundamentação ilegal do acto constitutivo de direito atribuído à respectiva recorrente. Consequentemente deve entender-se que a eficácia da decisão de anulação apenas produz efeitos inter-partes.
C – Relativamente à ora recorrente não foi proferido algum acto com igual teor ao de 2.10.90.
D – Apenas a frequência com aproveitamento do Curso de Promoção a Educadores de Infância criado pelo Despacho nº 52/80, de 12 de Junho, equivale à conclusão da profissionalização e confere habilitação profissional de educadora de infância, conforme ponto 12 daquele despacho.
E – Quer no ensino particular, artº 24º/1 do Dec. 37545, de 1969, artº 2º do DL nº 603/76, de 23 de Julho e posteriormente conforme artº 50º do DL 553/80, de 21 de Novembro, quer no ensino público, o exercício de funções de educadora de infância está condicionado pela titularidade de um curso de infância, nº 2 da Base XXI da Lei 5/73, de 25 de Julho e artº 45º/1 do DL 542/79, de 31 de Dezembro.
F – Contudo a Lei permitiu uma excepção a esta regra, desde que os docentes fossem portadores de habilitações mínimas fixadas nas Portarias nºs 473/77, de 28 de Julho e 493/79, de 13 de Setembro e titulares de uma autorização especial de leccionação, concedida anualmente, conforme art.º 8º do DL 603/76, de 23 de Julho e DL 60/77, de 27 de Fevereiro. Excepção que não abrange a recorrente, a qual não dispõe de uma autorização especial ou provisória de leccionação.
G – Não possuindo a recorrente as habilitações académicas legalmente exigidas para o exercício de funções de educadora de infância nem uma autorização provisória de leccionação emitida pela Inspecção-Geral do Ensino Particular, o tempo de serviço prestado antes da obtenção de habilitação profissional adquirida com o Curso de Promoção a Educadores de Infância não pode relevar para efeitos de progressão na carreira docente, nos termos do artº 72º do DL 553/80, de 21 de Novembro.
H – Consequentemente, tendo concluído o referido Curso a 23.09.82, só o tempo prestado posteriormente a esta data releva para efeitos de progressão na carreira docente.
Pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

5 – O Mº Pº emitiu parecer a fls. 85/86 que se reproduz, no qual e fundamentalmente salienta o seguinte:
5.1 – O presente recurso deve ser rejeitado por falta de objecto, já que se não formou o indeferimento tácito atribuído ao Director Regional de Educação de Lisboa. E isto porque, tendo o requerimento entrado em 22.01.97, sobre ele não passaram os 90 dias estipulados na lei para se formar acto tácito de indeferimento, antes da interposição do recurso hierárquico necessário, levado a cabo em 12.05.97.
5.2 – A recorrente quer pôr em causa a sua integração, em 31.12.89, no 2º escalão da nova estrutura da carreira docente, bem como a sua integração no 4º escalão em Janeiro de 1995, nos termos da Portaria nº 39/94, de 14 de Janeiro.
Desta situação teve a recorrente conhecimento, pelo menos aquando do processamento do seu vencimento no mês seguinte à mudança de escalões, sendo tal acto de processamento recorrível contenciosamente.
Nestes termos existe caso resolvido ou decidido quanto à impugnação em causa, já que a interessada não reagiu atempadamente contra a situação considerada ilegal, antes se conformando com ela durante cinco anos, questão que já se punha em 31.12.89.
Neste caso o silêncio da administração não equivaleria a indeferimento tácito para efeitos contenciosos.
Termos em que:
a) - Por carência de objecto ou, caso assim se não entenda;
b) – Por existência de caso resolvido ou decidido ou,
c) – Pela aceitação tácita da situação ocorrida em 31.12.89 (artº 53º nº 4 do CPA), deve o recurso ser rejeitado.

6 – Respondendo às questões suscitadas pelo Mº Pº, a recorrente sustenta a sua improcedência.
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Cumpre decidir:
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6 – MATÉRIA DE FACTO:
Resulta dos autos o seguinte:

A – A recorrente “Auxiliar de Educação, prestou serviço na Creche Jardim de Infância “O NINHO” desde 01.10.71 até Fevereiro de 1973” – doc. de fls. 8 que se reproduz.

B – Nos termos da declaração de fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido, a recorrente exerceu funções, no Jardim de Infância da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós - “embora com a categoria de Auxiliar de Educação, exercendo as funções docentes de Educadora de Infância com responsabilidade de um grupo de crianças e de uma sala” - desde 1 de Outubro de 1973 até 30 de Setembro de 1982.

C - Em 23 de Setembro de 1982 a recorrente concluiu o Curso de Educadora de Infância (doc. de fls. 10).

D - Exerceu funções desde Outubro de 1982 até à data com a categoria de educadora de infância (fls. 11/13 que se reproduzem).

E - Em 22 de Janeiro de 1997 requereu ao Director Regional de Educação de Lisboa a contagem de todo o tempo de serviço prestado na qualidade de auxiliar de educação para efeitos de progressão na carreira – doc. de fls. 14/16 que se reproduz.

F – Em 12.05.97 dirigiu ao Secretário de Estado da Administração Educativa “recurso hierárquico do acto tácito de indeferimento do Ex.mo Senhor Director Regional de Educação de Lisboa que não lhe considerou a contagem de tempo de serviço prestado como auxiliar de educação para efeitos de progressão na carreira” pedindo a sua revogação, bem como a contagem de todo o tempo de serviço prestado em funções docentes – doc. de fls. 17/20 que se reproduz.

G - Os requerimentos a que se alude em E) e F) não foram objecto de decisão.
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7 – DIREITO:
Entende o Mº Pº que o presente recurso deve ser rejeitado por falta de objecto, já que se não formou o indeferimento tácito atribuído ao Director Regional de Educação de Lisboa. E isto porque, tendo o requerimento entrado em 22.01.97, sobre ele não passaram os 90 dias estipulados na lei para se formar acto tácito de indeferimento, antes da interposição do recurso hierárquico necessário, levado a cabo em 12.05.97.

Vejamos se lhe assiste razão.

Determina o artº 109º nº 1 do CPA que “a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre a pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”.

O prazo a que se alude no nº 1 do artº 109º é “salvo o disposto em lei especial, de 90 dias”, contados nos termos do artº 72º do CPA ou seja, tendo em consideração a situação em apreço, contados a partir do dia seguinte ao da entrada do requerimento nos serviços competentes (artº 109º nºs 2 e 3 do CPA).

O indeferimento tácito constitui por conseguinte uma ficção, que visa garantir aos administrados, perante uma conduta passiva ou omissiva da administração, a via administrativa ou contenciosa. Isto é, presume-se a existência de um acto apenas para efeitos do exercício do respectivo meio de impugnação.

Um dos requisitos da formação do acto tácito é que não haja uma expressa decisão durante um determinado prazo sobre a pretensão dirigida pelo interessado ao órgão com competência para a apreciar e decidir.
Na situação e na ausência de disposição especial, esse prazo é de 90 dias, nos termos do artº 109º nº 2 do CPA.
O indeferimento tácito pressupõe ainda que a autoridade a quem o indeferimento é imputado, tenha o dever legal de decidir a pretensão que o administrado lhe dirigiu.

Como resulta da alínea E) da matéria de facto, em 22 de Janeiro de 1997 o ora recorrente requereu ao Director Regional de Educação de Lisboa a contagem de todo o tempo de serviço prestado na qualidade de auxiliar de educação para efeitos de progressão na carreira.
Face ao referido, dispunha o Director Regional de Educação de Lisboa do prazo de 90 dias para emitir decisão sobre a pretensão que o ora recorrente lhe dirigira em 22.01.97.
Como resulta do disposto no artº 72º do CPA na contagem dos prazos não se inclui a contagem do dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, “suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados”.
Só nos prazos legalmente fixados em mais de seis meses é que essa regra sofre alterações, já que na sua contagem “incluem-se os sábados, domingos e feriados” (artº 72º nº 2 do CPA).
Assim e tendo em consideração a situação em apreço, iniciando-se o prazo em 23.01.97, o ora recorrente apenas podia presumir indeferido aquele requerimento para efeito de poder exercer o respectivo meio legal de impugnação a partir do início do mês de Junho de 1997.

Pelo que, quando o ora recorrente em 12.05.97 dirigiu ao Secretário de Estado da Administração Educativa “recurso hierárquico do acto tácito de indeferimento do Ex.mo Senhor Director Regional de Educação de Lisboa que não lhe considerou a contagem de tempo de serviço prestado como auxiliar de educação para efeitos de progressão na carreira” acabou por impugnar administrativamente um acto “tácito” que não existia ou que ainda se não havia formado, por falta de um dos pressupostos da sua formação (decurso do prazo para emissão de pronúncia).
Não era por conseguinte lícito ao recorrente em 12.05.97 presumir tacitamente indeferido aquele requerimento que em 22.01.97 dirigira ao DREL. Pelo que o recurso hierárquico que o ora recorrente dirigiu em 12.05.97 ao Secretário de Estado da Administração Educativa não tinha objecto, já que com ele visava a anulação de um “pretenso” ou “inexistente” indeferimento tácito,
Tendo o recurso hierárquico sido interposto contra pretenso indeferimento tácito, não tinha o Secretário de Estado da Administração Educativa a obrigação ou o dever de sobre ele emitir decisão, por esse recurso hierárquico carecer de objecto.
Não se formou, por conseguinte o impugnado indeferimento tácito pelo que carece o presente recurso contencioso igualmente de objecto o que determina a sua rejeição.
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9 – Termos em que ACORDAM:
a) - Rejeitar o recurso por falta de objecto.
b) - Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 150 Euros e procuradoria 75 Euros.
Lisboa, 20 de Março de 2002