Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2730/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:CONTA DE CUSTAS
RECLAMAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
Sumário:I - A reclamação da conta de custas consubstancia incidente processual previsto, nomeadamente, no art.º 31º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais e que implica o prévio pagamento de taxa de justiça nos termos gerais (art.º 7º, n.º 4, do mesmo Regulamento).
II - Se a reclamante não juntou tempestivamente o comprovativo do pagamento da totalidade da taxa de justiça devida, deverá ser convidada/notificada para o efeito, havendo lugar à aplicação da multa prevista no art.º 570.º, n.º3 do Código de Processo Civil.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio, nos termos do art.º 27.º, n.º6 do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), apresentar recurso do despacho proferido a 30/06/2021 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que determinou a aplicação de multa, com base no disposto no art.º 570.º, n.º3 do Código de Processo Civil («CPC»), em razão do não pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de reclamação da conta de custas elaborada nos presentes autos.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra o despacho, proferido em 30 de Junho de 2021, pelo qual o Ilustre Tribunal a quo determinou o cumprimento da Douta promoção do DMMP, de 24 de Junho de 2021, e pela qual o DMMP promoveu que de determinasse a notificação da
Administração Tributária para efectuar o pagamento da taxa de justiça em dívida e em falta pela reclamação da conta de custas elaborada nos autos de oposição supra identificados.
4.2. Foi a Fazenda Pública, em 05-07-2021, notificada do despacho proferido pelo Ilustre Tribunal recorrido, pelo qual esse Ilustre Tribunal determinou o cumprimento da Douta promoção do DMMP, e pela qual este promoveu a notificação da Fazenda Pública a fim desta
efectuar o pagamento da taxa de justiça em falta e devida pela sua reclamação da conta de custas elaborada nos autos de oposição, no montante de 25,50 €, que não foi paga correctamente pela Fazenda Pública aquando a apresentação da reclamação da referenciada conta de custas.
4.3. Mais sendo determinado no despacho recorrido, por promoção do DMMP, o pagamento da multa nos termos do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do CPC.
4.4. É com a última parte da Douta promoção do DMMP, confirmada pela decisão ora em crise, com a qual a Fazenda Pública não concorda, vindo através do presente recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), peticionar a revogação do despacho recorrido, na parte que determina que a Fazenda Pública efetue o pagamento da multa contante no citado n.º 3 do artigo 270.º do CPC.

Isto porque,

4.5. é entendimento da Fazenda Público que o a multa processual descrita no citado n.º 3 do
artigo 570.º do CPC visa regular, apenas e tão só, as circunstâncias em que se verifique que a
peça processual da contestação não se faz acompanhar do documento comprovativo do prévio
pagamento da taxa de justiça devidas pelo impulso processual em questão. Circunstância esta
que não se verifica no caso que ora nos ocupamos.
4.6. In casu não nos encontramos perante uma falta de pagamento de uma taxa de justiça – ou
da junção aos autos do documento comprovativo do seu pagamento – devida pela apresentação da contestação, mas antes perante a falta de pagamento da taxa de justiça – ou da junção aos autos do documento comprovativo do seu pagamento – devida pela apresentação da reclamação da conta de custas.

Razão pela qual,

4.7. entende a Fazenda Pública que, salvo melhor entendimento, não poderá ser a esta aplicada a multa processual referida no citado artigo 570.º, n.º 3, do CPC, por não se verificar a factualidade descrita em tal preceito legal.
4.8. o Ilustre Tribunal a quo, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, ao
assim não entender, no despacho ora em crise, ao determinar que, no caso, a Fazenda Pública
liquide a multa processual constante do artigo 570.º, n.º 3, do CPC, incorreu em erro de julgamento quanto ao direito aplicável.

Razão pela qual,

4.9. se peticiona a este Colendo Superior Tribunal a revogação da decisão constante do despacho ora recorrido, relativamente à condenação da Fazenda Pública na multa processual
a que se refere o n.º 3 do artigo 570.º do CPC.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada
JUSTIÇA!»

*
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1º - Como resulta dos a recorrente apresentou reclamação da conta de custas, sem que efetuasse o pagamento da respetiva taxa.
2º- Notificada para o efeito veio apenas pagar metade do valor respeitante à taxa devida pelo incidente.
3º- Na sequencia e por não se mostrar paga a taxa devida veio a ser determinada a notificação para pagamento omitido e condenada em multa.
4º- O dispositivo legal que fundamentou a aplicação da multa tem aplicação ao caso dos, como resulta da lei e jurisprudência citada, não se verificando assim qualquer erro de direito da decisão recorrida.
5º-Ao contrário do alegado o despacho recorrido não enferma de qualquer vício ou ilegalidade, pelo que se deve manter nos seus precisos termos.

Termos em que o recurso, interposto pela A., deverá ser julgado improcedente.

Vª. Exas. porém farão a devida JUSTIÇA.»
*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

*
II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.



Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogado o despacho de 30/06/2021 proferido pelo Tribunal a quo no segmento em que determinou o pagamento de multa pela Recorrente nos termos do n.º3 do art.º 570.º do CPC.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

Com interesse para apreciação da questão em causa há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório e ainda a seguinte factualidade que resulta dos elementos constantes dos autos:

A. Através do ofício n.º 007012390, datado de 06/01/2021, foi a Recorrente notificada pelo Tribunal a quo da conta de custas elaborada nos presentes autos de oposição à execução fiscal – cf. fls. 116;

B. Por requerimento de 03/02/2021, veio a Recorrente, nos termos do disposto no art.º 31.º, n.ºs 1 e 3, al. a) do RCP, reclamar da conta de custas indicada no ponto anterior – cf. fls. 119 a 126;

C. Através do ofício n.º 007031858, datado de 05/02/2021, foi a Recorrente, com referência à reclamação mencionada no ponto que antecede, notificada para «juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente» – cf. fls. 127;


D. Por requerimento de 19/02/2021, veio a Recorrente proceder à junção aos autos do comprovativo de pagamento de taxa de justiça no valor de 25,50 Euros – cf. fls. 135 a 138;

E. Por despacho de 30/06/2021 do Tribunal a quo, foi determinada a notificação da Recorrente «para efetuar o pagamento da parte restante da taxa em causa, (…), acrescida da respetiva multa, artgº. 570º, nº 3 do CPC.» - cf. fls. 143 a 146;

F. Em 19/07/2021, a Recorrente apresentou o presente recurso jurisdicional – cf. fls. 147 a 155.
*
O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos constantes dos autos (na numeração SITAF), para os quais se remete no final de cada facto, que não foram impugnados.
*
III.B De Direito

Sustenta a Recorrente, fundamentalmente, que não é in casu aplicável o regime ínsito no n.º3 do art.º 570.º do CPC, dado que esta norma legal visa regular as situações atinentes à falta de pagamento da taxa de justiça relativamente à apresentação de contestação, o que não sucede no caso que agora nos ocupa, já que foi apresentada reclamação da conta de custas.

Por seu turno, sustenta o Recorrido que as alegações recursórias devem improceder, uma vez que a liquidação da multa sub judice tem como fundamento o não pagamento tempestivo da totalidade da taxa de justiça devida pelo incidente processual de reclamação da conta de custas dos autos, nos termos do que preceitua o n.º3 do art.º 570 do CPC, aplicável por remissão da parte final do nº. 3 do art.º 145.º do mesmo Código.

Apreciando e decidindo:

Por força das disposições conjugadas dos art.º 145.º, n.º 1 e 539.º, n.º 1 do CPC e 31.º, n.º 6 (1ª parte) do RCP, a reclamação da conta de custas consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo valor previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do art.º 7.º, n.º 4 deste Regulamento (cf. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., 2013, Almedina, pág. 355 e o acórdão da Relação do Porto de 29/05/2014, proc. n.º 643/08.4TVPRT-A, acessível em www.dgsi.pt).

Dispõe o art.º 145.º, n.º 3 do CPC que «Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º» (sublinhado nosso).

Por sua vez, dispõe o art.º 570.º, n.º 3 do CPC (para o qual remete o supra citado preceito legal) que quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria judicial notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

É certo que os art.ºs 570.º e 642.º, ambos do CPC têm, pois, natureza especial face à regra geral do art.º 145.º do mesmo Código, destinando-se a primeira à falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e o segundo aos casos de interposição de recurso jurisdicional. No entanto, às restantes situações não previstas especificamente na lei processual – como por exemplo no caso dos incidentes inominados – aplica-se a regra geral do art.º 145.º do CPC, que no seu n.º 3 estabelece que a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos art.ºs 570.º e 642.º, ambos do CPC.


Como vimos, caso a parte não proceda à junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida (neste caso, pelo incidente de reclamação da conta de custas) nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, aplica-se, pois, o disposto nos art.ºs 570.º e 642.º do CPC, ex vi parte final do n.º 3 do citado art.º 145.º do mesmo diploma legal. Com efeito, relativamente aos casos de falta de pagamento da taxa de justiça devida nos incidentes, tem-se defendido a aplicação do disposto no art.º 570.º do CPC (cf. «Custas Processuais – Guia Prático», Centro de Estudos Judiciários, 3ª ed., abril de 2015, pág. 131 e o acórdão da Relação do Porto que acima se indicou).

Neste mesmo sentido, ainda que com referência a um caso de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, veja-se também o acórdão da Relação de Coimbra de 26/03/2019, disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou o seguinte:
«As normas aplicáveis, relativamente à omissão da junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça no incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte (n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento de Custas Processuais), são as previstas nos artigos 570.º e 642.º Código de Processo Civil e não as previstas para a omissão em causa atinente à petição inicial (artigos 145.º, n.º 3, 552.º, n.º 3, 558.º, al. f) e 560.º, do mesmo código, devendo a secretaria, detetada a omissão, notificar o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo da multa devida.».

Assim sendo, volvendo ao caso que agora nos ocupa, não tendo a reclamante – aqui Recorrente – procedido ao pagamento integral da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas no momento legalmente definido para o efeito, a secretaria judicial notificou, conforme deveria, a mesma para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com o acréscimo previsto no art.º 570.º, n.º 3 in fine do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 145.º, n.º 3 do mesmo Código (cf. ponto E. do probatório).


Donde concluímos, sem esforço, que não tem razão a Recorrente quando pugna pela inaplicabilidade do disposto no art.º 570.º, n.º3 do CPC ao caso dos autos, pois que, como acima se explanou, esta norma tem inteira relevância para o sucedido no que tange à autoliquidação insuficiente da taxa de justiça que foi realizada com referência à reclamação da conta de custas.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo o despacho recorrido ser mantido, o que de seguida se decidirá.
*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)
(Luísa Soares)
(Lurdes Toscano)