Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:129/22.4BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ART. 16.º, N.º 2 RGTAL
TAXA DE AUTARQUIA LOCAL
TRIU
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
ATO INIMPUGNÁVEL
Sumário:I - Da lei decorre com meridiana clareza - concretamente do disposto no n.º 5, conjugado com o n.º 2, ambos do art. 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) - que a impugnação judicial das taxas das autarquias locais depende da prévia dedução da reclamação deduzida perante o órgão que efetuou a liquidação da taxa, no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação, pelo que, quando assim não aconteça, os atos de liquidação das taxas serão inimpugáveis.
II - Não só os atos de aprovação dos projetos de arquitetura relativamente aos quais a Recorrente reagiu administrativamente não configuram atos de liquidação da TRIU, como, por outro lado, ainda que o fossem, o prazo da reclamação necessária sempre se revelaria manifestamente ultrapassado na data da referida reação administrativa por parte da Recorrente.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

V................., S.A., inconformada com a sentença proferida em 2023-10-29 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos impugnados de liquidação de Taxa pela Realização de Infraestruturas Urbanísticas, respetivamente no valor de EUR 12.568,58 e de EUR 56.391,06, e, em consequência, absolveu a Câmara Municipal de Beja da instância, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

III – CONCLUSÕES

A) Os actos de aprovação dos projectos de arquitectura são actos administrativos constitutivos de direitos e de obrigações para a entidade colectiva V................. S.A., na medida em que através deles se definem as concretas regras e parâmetros urbanísticos de cada uma das obras a levar a cabo, designadamente em matéria de encargos.

B) Os pareceres de aprovação dos projectos de arquitetura, anexos ao deferimento do licenciamento, onde a Câmara Municipal de Beja procedeu à fixação do valor da TRIU nos termos legais, comportaram a definição jurídica dos direitos e obrigações da Impugnante em cada um dos processos PC 51/2020 e PC 30/2021.

C) O facto de tais actos de aprovação não terem exigido à V................. S.A. qualquer obrigação tributária a título de TRIU, não altera essa natureza constitutiva de direitos e deveres.

D) “A liquidação da taxa de urbanização mais não é do que uma operação aritmética subsequente ao deferimento de um pedido de licenciamento. Ou seja, neste caso concreto a liquidação da taxa não comporta qualquer definição do direito do particular que já ocorreu com o acto de licenciamento que lhe serve de pressuposto.”

E) Os actos de liquidação da TRIU são meros actos de execução, subordinados aos actos de deferimento do licenciamento e ao normativo legal que contém os critérios de cálculo da taxa devida.

F) Apesar de terem definido os critérios de cálculo da taxa, os actos de aprovação dos projectos de arquitectura não são formalmente actos de liquidação de TRIU e, por essa razão, não estão sujeitos ao prazo de 30 dias do art. 16º do RGTAL, nem a reclamação dos mesmos pode ser qualificada de “reclamação graciosa necessária”, valendo o prazo de 120 dias previsto no art. 70º do CPPT.

G) Nesta óptica, pelo menos a reclamação da taxa TRIU no valor de € 56.391,06, referente ao projecto do Hotel V................. NEP Kids (PC 30/2021), foi tempestiva.

H) Nos seus requerimentos de 30/11/2021, a ora Recorrente mais do que solicitar a isenção das TRIU apuradas, pretendeu colocar em causa a própria sujeição à referida taxa, utilizando a expressão “isenção” num sentido corrente de “não sujeição”, pois quase todos os argumentos utilizados vão nesse sentido.

I) De facto, nessa sede, a V................. S.A. alega que as operações urbanísticas em causa não estão sujeitas àquela taxa municipal, em virtude de o Município de Beja não suportar “custos de realização, manutenção ou reforço de infraestruturas urbanísticas inerentes à realização de operações urbanísticas.” (cfr. art. 58º, n.º 1 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de Beja a contrario sensu);

J) Argumentando que cada uma das operações urbanísticas em causa “não importa a realização, manutenção ou reforço de qualquer infraestrutura urbanística por parte da Câmara Municipal de Beja, dado que … todas as redes de infraestruturas serão executadas pela V................. S.A. e privativas do empreendimento…”

K) À luz da teoria da impressão do destinatário, prevista no art. 236º, n.º 1 do Código Civil, a declaração jurídica produzida pela V................. nos requerimentos, deve ser interpretada nesse sentido por parte do Município de Beja enquanto declaratária normal.

L) Ainda que, porventura, se entenda estarmos perante um mero pedido de isenção das taxas municipais, mas sem conceder quanto ao que dito ficou, os pedidos de isenção encontram a sua base legal no art. 8º n.º 1 alínea g) do Regulamento Geral das Taxas Municipais do Município de Beja, que prevê a isenção de taxas “…quando esteja em causa a prática de atos ou factos que propiciem, comprovadamente, a criação de emprego, o desenvolvimento económico, cultural e social do concelho ou a concretização de ações de manifesto interesse público municipal.”.

M) Este requisito encontra-se desde logo preenchido, tendo inclusive o tribunal a quo dado como provado que “Em reunião de 19.05.1999, a Câmara Municipal de Beja deliberou considerar o projecto de Agro- Turismo V................. SA, de maior interesse económico e social para o Concelho e Região (Cfr doc. 3 junto à petição inicial).”

N) Sendo certo que, o projecto que se iniciou com a construção do Hotel V................. Clube de Campo, actualmente designado “Hotel V................. Alentejo Vineyards”, e teve continuidade com a construção das duas unidades de que temos vindo a falar – Agroturismo V................. Collection Monte do Vilar e o Hotel V................. Nep Kids – veio contribuir ainda mais para a criação de emprego e para o desenvolvimento económico e social do Município de Beja, entre outros benefícios que conferem ao projecto um manifesto interesse público municipal.

O) Ao longo dos anos, a V................. S.A. tem promovido a implantação de um projeto de desenvolvimento agropecuário e turístico nas herdades de que é proprietária em Santa Vitória, concelho de Beja, o qual foi considerado pela Câmara Municipal de Beja, em Janeiro de 2000, do maior interesse económico e social para o Concelho e Região.

P) Por objectivamente preencher todos os requisitos para beneficiar de isenção de TRIU, afigura-se incompreensível e até surpreendente que a Recorrente tenha sido notificada do indeferimento das suas reclamações/pedidos de isenção do pagamento das taxas TRIU, em26/01/2022, para além do prazo legal, e ainda para mais sem que tais decisões contivessem qualquer tipo de fundamentação.

Q) Apenas uma decisão devidamente fundamentada legitimaria o Município de Beja a emitir os actos formais de liquidação com indicação dos respectivos prazo de pagamento, até então suspensos pelos pedidos de isenção da taxa, o que não foi o caso.

R) Atendendo ao enquadramento legal e à importância de tais investimentos para o concelho de Beja e para a região do Alentejo, a Recorrente tinha uma expectativa legítima de que a isenção de TRIU para as duas operações urbanísticas lhe seria concedida.

S) A verdade é que, ao arrepio da lei, a fundamentação dos actos administrativos de indeferimento em questão é inexistente, não contendo a exposição, ainda que sucinta, dos seus fundamentos de facto e de direito, nem reunindo os demais requisitos previstos no art. 153º CPA.

T) A preterição da fundamentação de tais actos administrativos (no sentido de falta / ausência ou sua insuficiência) gera a sua invalidade e, consequentemente, a sua impugnabilidade.

U) Impugnabilidade essa que não pode ser colocada em causa à custa de um rigor excessivo na aplicação das regras formais.

V) Em suma, ao considerar que a impugnação judicial de tais actos foi intempestiva e que, por essa razão, não cumpre apreciar o mérito da causa e há que absolver a Impugnada, ora recorrida, da instância, o tribunal a quo comete um manifesto erro de interpretação dos factos e de julgamento, devendo por isso a sentença recorrida ser revogada e substituída.

Termina pedindo:

Nestes termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por acórdão que se debruce sobre o mérito e julgue procedente a Impugnação Judicial, farão, como sempre inteira e sã JUSTIÇA!


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

II

Conclusões


1. O presente recurso impugna dois despachos que se destinaram à aprovação de dois projetos de arquitetura, (que constam do parecer/informação nº 2613-219/2020 DAU/SAPL1 e do parecer/informação nº 6188-713/2021/ DAU/SAPL1) e que, em detrimento de tal, indicaram o valor das TRIU a que aqueles projetos estavam sujeitos.

2. A recorrente reclamou desses despachos em 30/11/2021, com fundamento no art. 16º do RGTAL.

3. O ato administrativo pode ser impugnado de com o artigo 16º da Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro, referente ao Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, no qual é referido que “os sujeitos passivos das taxas das autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respetiva liquidação”.

4. Para que tal ato administrativo possa ser impugnado a lei faz referência a um mecanismo jurídico que serve como pressuposto para a impugnação do ato pela via judicial – a reclamação – a qual deve ser “deduzida perante o órgão que efetuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação”. Não restando quaisquer dúvidas de que para se recorrer à impugnação judicial é necessária a prévia dedução de reclamação.

5. Ainda que os dois pareceres em questão albergassem dois atos de liquidação de TRIU, não tendo os mesmos sido objeto da necessária reclamação graciosa no prazo de 30 dias, acabaram por se consolidar na ordem jurídica, tornando-se inimpugnáveis, o que constitui uma exceção dilatória, prevista no art. 89º nº 4 al. i) do CPTA, ex vi art. 2º al. c) do CPPT.

6. Dos despachos de 21/04/2020 e de 25/08/2021 não resultou qualquer notificação para pagamento ou dever de pagamento das taxas indicadas nos projetos de arquitetura, pelo que, tais notificações só foram efetuadas em 06/12/2021 e em 02/03/2022, posteriormente ao requerimento de reclamação apresentado.

7. Para a reclamação dessas notificações a recorrente dispunha de um prazo de 30 dias ao abrigo do nº 5 do art. 16º do RGTAL, o que não o fez.

8. Desta forma, por força da ausência de reclamação da liquidação, não se preencheu o requisito essencial para a impugnação judicial do ato administrativo – a dedução de reclamação.

9. Mesmo que se pudesse considerar as indicações do valor da TRIU nos pareceres de 20/04/2020 e 25/08/2021 como verdadeiras liquidações de taxa – o que apenas se afere para efeitos argumentativos – as hipotéticas reclamações seriam extemporâneas, pois a reclamação deduzida apenas foi apresentada em 30/11/2021, decorrido já o prazo dos 30 dias disposto para o efeito.

10. Por todo o exposto e dada a extemporaneidade das reclamações da recorrente, não se aferem os pressupostos essenciais para a impugnação do ato administrativo.

11. Não podendo ser consideradas as reclamações apresentadas pela recorrente, pelas razões acima expostas, deve apenas considerar-se os pedidos de isenções de taxa, o que poderiam te sido realizados em separado da reclamação indeferida.

12. A decisão de conceder ou não o pedido de isenção de taxa encontra-se regulado pelo disposto no art. 66º nº 4 do Regulamento Municipal de Urbanização e de Edificação (RMUE) de Beja:

“4. O valor da taxa de realização de infraestruturas urbanísticas é objeto de isenção ou redução proporcional ao valor do encargo que o interessado se disponha a suportar na realização, manutenção ou reforço de infraestruturas ou serviços gerais em sede de reapreciação do projeto de decisão do indeferimento do pedido de licença administrativa”.

13. Visto que a relação da TRIU é de proporcionalidade entre a utilização de infraestruturas urbanísticas e a assunção do encargo da sua realização, reforço ou manutenção, só um encargo total, assumindo a recorrente todas as despesas, é que permitiria a isenção de TRIU.

14. Como melhor descrito nos autos, não se verifica um encargo total da recorrente, sendo que, desta forma, o município terá de suportar os custos de manutenção e reforço das infraestruturas, como foi caso a reabilitação da Estrada Nacional 529 que permite o acesso às propriedades da recorrente. Assim sendo, não se verificando os pressupostos necessários não se poderia ter atribuído a isenção das taxas à recorrente

15. Em conformidade com a Prof. Fernanda Paula Oliveira, in Regime Jurídico de Urbanismo e Edificação, 3ª Edição, Almedina, págs. 713 e 714, a taxa é devida pela simples manutenção das infraestruturas existentes, ainda que o Município não tenha de realizar quaisquer infraestruturas por motivos da operação a realizar pelo promotor, como acontece nos casos em que as infraestruturas estão realizadas e a TRIU é devida, a título de contrapartida, pela manutenção das infraestruturas, não sendo necessário realizar novas. Basta que o interessado na promoção urbanística licenciada utilize infraestruturas municipais, avém logo o desgaste para as mesmas e a necessidade de manutenção a cargo do Município, como se afere no caso em concreto.

16. Em sintonia com o sentido defendido no Acórdão do TCAN, de 29/03/2019, disponível em www.dgsi.pt: “[o] direito a uma fundamentação dos atos administrativos não é de modo algum um direito fundamental, nem decorre da lei ordinária um especial dever de fundamentar os atos administrativos, a ponto de se entender que tal dever representa a garantia única ou essencial de salvaguardar um valor fundamental”, razão pela qual nenhuma falta de fundamentação se verifica.

17. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, razão pela qual negando provimento ao recurso farão Vossas Excelências JUSTIÇA.


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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são apontados pela Recorrente.


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II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III FUNDAMENTAÇÃO

III.I De facto

Factos provados

Com relevância para a decisão da causa, e com base na prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos:

a) Em reunião de 19.05.1999, a Câmara Municipal de Beja deliberou considerar o projecto de Agro-Turismo V................. SA, de maio interesse económico e social para o Concelho e Região; Cfr doc 3 junto à petição inical

b) Em data concreta não apurada, mas anterior a 20.04.2020, a Impugnante deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Beja de um pedido de aprovação de projecto de arquitectura para a reconstrução de edifício existente, identificado como Monte da F...., para turismo em espaço rural na modalidade de agroturismo, em prédio sito na União das Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, em Beja; admitido, teor do parecer n.º 2.......... emitido no âmbito do processo administrativo n.º 51/2020,, invocado pela própria Impugnante, e junto à petição inicial como documento 1

c) Em 23.04.2020, a Impugnante recebeu um email dos serviços da Câmara Municipal de Beja, emitido no âmbito do processo administrativo n.º 51/2020 “herdade da F..........,”, com o seguinte teor:

d) O teor do parecer n.º 219/2020 DAU/SAPL1, que foi anexo, é o que consta do documento um junto à petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte:


(imagem, original junto aos autos)

e) Em data concreta não apurada, mas anterior a 25.08.2021, a Impugnante deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Beja de um pedido de aprovação do projecto de arquitectura para a construção de um empreendimento turístico sob a forma de NDT (Núcleo e Desenvolvimento Túrístico) numa área de 65 ha, na modalidade de hotel de 4*, vocacionado para criança, denominado por Hotel V................. NEP –Resort Rural Infantil – a edificar em três prédios rústicos, denominados Herdade da F.......... Grande, herdade da F.......... e herdade do V…, todos na União das Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, Concelho de Beja; admitido, teor do parecer n.º 6…., , emitido no âmbito do processo administrativo n.º 30/2021, invocado pela própria Impugnante, e junto à petição inicial como documento 2

f) Em 06.09.2021, a Impugnante recebeu ofício da Câmara Municipal de Beja datado de 01.09.2021, com o n.º 3899, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

Cfr doc 2 junto à petição inicial, e doc junto à contestação, constituído pela cópia do próprio ofício e do aviso de recepção com aquela data, sendo que na resposta da Impugnante à contestação da Impugnanda, aquela não impugna sequer que tenha recebido esse ofício nessa data de 06.09.2021

g) O teor do parecer n.º 713/21 DAU/SAPL1, que foi anexo, é o que consta do documento dois junto à petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte:


(imagem, original junto aos autos)

h) Em 30.11.2021, a Impugnante apresentou nos serviços da Câmara Municipal de Beja um requerimento dirigido ao Presidente daquele órgão, com o teor que consta do documento 4 junto à petição inicial e de documento junto à contestação, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

i) Em 30.11.2021, a Impugnante apresentou nos serviços da Câmara Municipal de Beja um requerimento dirigido ao Presidente daquele órgão, com o teor que consta do documento 5 junto à petição inicial e de documento junto à contestação, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

j) Em 26.01.2022, a Impugnante recebeu ofício dos serviços da Câmara Municipal de Beja, com o n.º 375 e datado de 20.01.2022, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

k) Em 26.01.2022, a Impugnante recebeu ofício dos serviços da Câmara Municipal de Beja, com o n.º 374 e datado de 20.01.2022, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

l) Em 06.12.2021, a Impugnante recebeu do Vereador do Pelouro das obras da Câmara Municipal de Beja, o ofício n.º 5529, datado de 26.11.2021, acompanhado de nota de liquidação, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

m) Em 02.03.2022, a Impugnante recebeu do Chefe da Divisão de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Beja, o ofício n.º 1081, datado de 23.02.2022, acompanhado de nota de liquidação com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

n) Em data posterior a 02.03.2022, e 08.03.2023, os serviços da Câmara Municipal de Beja emitiram, no com respeito ao processo administrativo n.º 30/2021, o parecer n.º 200/2022 DAU/SAPL1, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

o) Em 10.03.2022, a Impugnante recebeu este parecer, acompanhado do ofício 1328, datado de 08.03.2022, assinado pelo Chefe da Divisão de Administração Urbanística, com o seguinte teor:


(imagem, original junto aos autos)

p) A presente acção foi interposta em 25.03.2022; cfr consulta aos próprios autos.


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Não ficaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da matéria de excepção suscitada e discutida pelas partes ao longo dos seus articulados.

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A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto, provada e não provada, resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pelas partes, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.

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II.2. Fundamentação de Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença em crise, que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos impugnados de liquidação de TRIU impugnados, e em consequência, absolveu a Câmara Municipal de Beja da instância, por entender que não se fez ali uma correta apreciação e aplicação ao caso do direito aplicável.

Para tanto argumenta, e em síntese, que os atos de aprovação dos projetos de arquitetura são atos administrativos constitutivos de direitos e de obrigações, porque definiram as concretas regras e parâmetros urbanísticos de cada uma das obras a levar a cabo, designadamente em matéria de encargos, tendo-se ali fixado o valor da TRIU; que a liquidação da taxa não comporta qualquer definição do direito do particular que já ocorreu com o ato de licenciamento que lhe serve de pressuposto, sendo um mero ato de execução; que os atos de aprovação dos projetos de arquitetura não são formalmente atos de liquidação de TRIU e, por essa razão, não estão sujeitos ao prazo de 30 dias previsto no art. 16.º do RGTAL, nem a reclamação dos mesmos pode ser qualificada de “reclamação graciosa necessária”, valendo o prazo de 120 dias previsto no art. 70.º do CPPT, pelo que, pelo menos a reclamação da taxa TRIU no valor de EUR 56.391,06, referente ao projeto do Hotel V................. NEP Kids (PC 30/2021), foi tempestiva; que nos seus requerimentos de 30 de novembro de 2021, mais do que pedir a isenção das TRIU apuradas, quis colocar em causa a própria sujeição à referida taxa; que mesmo que se entenda estarmos perante um mero pedido de isenção das taxas municipais, os pedidos de isenção encontram a sua base legal no art. 8º n.º 1 alínea g) do Regulamento Geral das Taxas Municipais do Município de Beja.

Por sua vez, a decisão proferida na sentença sustentou-se na seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir:

(…)

Embora tendo por objecto uma especial relação jurídica administrativa, o acto tributário, aquele que é praticado no âmbito de uma relação jurídica tributária, não deixa de constituir um acto administrativo e, nessa medida, de se sujeitar ao seu regime geral, exigindo as mesmas condições de validade e de existência jurídica.

Nos termos do art.º 148.º do Código do Procedimento Administrativo, “… consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.”

Nos termos do art.º 51.º n.º 1 do CPTA, por sua vez, “…, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos, numa situação individual e concreta, …”

Ora, a demonstração das operações de cálculo da TRIU que constam do parecer/informação n.º 2.........., e do parecer/informação n.º 6188 – 713/2021/ DAU/SAPL1, não contém qualquer conteúdo decisório relativamente qualquer relação jurídica tributária, mas, apenas, relativamente à aprovação dos projectos de arquitectura que a Impugnante havia apresentado, como claramente se conclui da descrição feita no introito daqueles pareceres, e dos despachos do Vereador do Pelouro que sobre eles foi proferido. (Cfr alíneas c) d), f) e g) da matéria de facto provada)

Na verdade, não há qualquer evidência que a Impugnante tenha pedido mais do que a aprovação dos projectos de arquitectura, nomeadamente, que tenha pedido qualquer liquidação de qualquer taxa TRIU.

Aliás, a obrigação tributária emergente da verificação dos pressupostos desta taxa, nasce apenas no momento da emissão dos alvarás, nos termos do art.º 116.º do RJUE, e não aquando da aprovação do projecto de arquitectura.

De resto, é a própria Impugnante que acaba por reconhecer nos seus requerimentos de 30.11.2021, que aqueles pareceres lhe deram conhecimento de que cada uma das obras estava sujeita ao pagamento de TRIU, e não que aqueles pareceres lhe exigiram qualquer obrigação tributária a título de TRIU. (Cfr alíneas h) e i) da matéria de facto provada)

Tanto mais que na sequência disso, aquilo que fez foi justamente, como adiante se verá, pedir ao Presidente da Câmara Municipal de Beja que lhe concedesse isenção do pagamento das mesmas.

Por último, o certo é que, posteriormente ao deferimento dos pedidos de alvará de licença de construção, vieram a ser emitidas duas outras declarações, desta vez por parte de um titular de um órgão municipal, respeitantes à liquidação daquelas taxas, com a indicação do prazo de pagamento, dos prazos e meios de defesas, e com a indicação do quadro legal que fundamentou essas declarações. (Cfr alíneas l), m), n) o) da matéria de facto provada)

Neste quadro, as liquidações de TRIU, enquanto actos de autoridade praticados por um órgão com poderes em matéria tributária, definidores das obrigações tributárias da Impugnante, aconteceram, apenas, em 26.11.2021, e em data posterior a 22.02.2022, asquais não foram reclamadas nem impugnadas judicialmente, e não aquando da emissão dos pareceres n.º 2........, e n.º 6........


*

A reclamação graciosa, é um dos meios de defesa de natureza administrativa, que a lei coloca à disposição dos contribuintes, contra actos tributários inválidos.

A sua finalidade é a eliminação da ordem jurídica desses actos, com fundamento na verificação de qualquer vício que seja causa da sua anulabilidade, como se extrai do disposto nos artigos 68.º n.º 1 e 70.º n.º 1 do CPPT.

As isenções, por sua vez, constituem benefícios fiscais, conforme se encontra expresso no art.º 2.º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

A verificação dos pressupostos legais previstos na norma de isenção, paralisa os efeitos da norma de incidência tributária, mesmo que a sua previsão seja integralmente preenchida pelo facto tributário.

Vistos os fundamentos e as pretensões formuladas pela Impugnante nos seus requerimentos de 30.11.2021, aquilo que se pode concluir é que, após ter tido conhecimento, através daqueles dois pareceres, de que as operações urbanísticas que se propunha executar e para as quais havia pedido aprovação, estavam sujeitas ao pagamento de TRIU num determinado montante, a Impugnante pediu ao Presidente da Câmara Municipal de Beja a concessão de isenção do pagamento dessas taxas. (Cfr alíneas h) e i) da matéria de facto provada)

Naqueles requerimentos, a Impugnante não identificou qualquer acto de liquidação ao qual imputasse qualquer vício, nem pediu a anulação de qualquer acto tributário. (Cfr alíneas h) e i) da matéria de facto provada)

Aquilo que ali fez foi alegar um conjunto de factos com vista a fundamentar o direito ao benefício da isenção de pagamento da TRIU, que ali invocou, e, como consequência, pedir o reconhecimento desse direito, através da concessão daquela isenção. (Cfr alíneas h) e i) da matéria de facto provada)

Não se vislumbra, por isso, que aqueles requerimentos de 30.11.2021, tenham constituído qualquer reclamação graciosa. Em qualquer caso, mesmo que os pareceres n.º 2........, e n.º 6......., comportassem os actos de liquidação das TRIU, e mesmo que os requerimentos apresentados pela Impugnante em 30.11.2023 constituíssem verdadeiras reclamações graciosas, a sua apresentação, nesta data, sempre seria intempestiva face ao disposto no art.º 16.º do RGTAL.

Efectivamente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 desse artigo, os sujeitos passivos das taxas municipais, podem delas reclamar, no prazo de 30 dias a contar da notificação da respectiva liquidação.

A Impugnante foi notificada do parecer n.º 2.........., em 23.04.2020, e foi notificada do parecer n.º 6....., em 06.09.2021. (Cfr alíneas c) e f) da matéria de facto provada)

Sucede que os requerimentos contendo os pedidos de reconhecimento do direito à isenção do pagamento da TRIU, qualificados pela Impugnante como requerimento de reclamação graciosa, apenas vieram a ser apresentados em 30.11.2021, ou seja, quando aquele prazo de reclamação já havia decorrido. (Cfr alíneas h) e i) da matéria de facto provada)

Por outro lado, dispõe o n.º 5 do art.º 16.º do RGTAL, que a impugnação judicial dessas taxas depende da prévia dedução daquela reclamação graciosa, pelo que a abertura desta via impugnatória judicial, depende de ter sido deduzida reclamação graciosa da taxa, prévia e tempestivamente.

Conforme se pode ler no acórdão do STA de 18.11.2015, no processo n.º 0729/15, “A incidência objectiva e subjectiva desta TRIU encontra-se expressamente prevista nos artigos 6º, n.º 1, al. a) e 7º do RGTAL (Lei n.º 53-E/2006) e artigo 116º do RJUE, anteriormente citados. Nestes dois diplomas legais prevê-se expressamente que a TRIU liquidada possa ser impugnada por via de meios graciosos e contenciosos, reclamação graciosa e impugnação judicial, previstos no CPPT, sendo que os prazos e modos para o fazer se encontram estabelecidos no RGTAL. Se por regra o meio impugnatório da reclamação graciosa se assume como um meio impugnatório meramente facultativo para que se abra a via contenciosa, no caso das taxas liquidadas pelas autarquias locais o legislador impôs expressamente a necessidade de lançar mão deste meio impugnatório administrativo prévio para que seja aberta ao interessado a via contenciosa da impugnação judicial, cfr. artigo 16º, n.º 5 do RGTAL. Sendo que, ao contrário do alegado pela recorrente, este Tribunal já se pronunciou diversas vezes pela conformidade de tal opção legislativa aos parâmetros constitucionais protectores dos princípios da confiança, da segurança, da tutela jurisdicional plena e efectiva e da garantia do acesso aos tribunais, cfr. acórdãos datados de 09/10/2013, rec. n.º 0452/13, de 17/12/2014, rec. n.º 01611/13, de 28/01/2015, rec. n.º 0206/13 e de 25/06/2015, rec. n.º 045/14, não se vislumbrando, além do mais, que haja qualquer erro legislativo na elaboração das normas do artigo 16º, n.º 1 do RGTAL, ou até do artigo 117º, n.º 3 do RJUE, uma vez que a redacção do n.º 5 daquele artigo 16º é cristalina, não permitindo dúvidas quanto à sua interpretação, sendo certo, também, que já por diversas vezes o legislador teve oportunidade de alterar a redacção de tais preceitos legais e não o fez.”

Tendo a reclamação graciosa necessária sido apresentada intempestivamente, tudo se passa no mundo jurídico como se ela não tivesse sido apresentada e, sem a sua apresentação, falta uma condição de impugnabilidade judicial das taxas aqui impugnadas.

Nesse sentido, pode ler-se no acórdão do STA de 18.09.2019, no processo n.º 03129/12.9BEPRT / 01398/17, que, “Tendo a reclamação sido deduzida para além do prazo, não pode considerar-se verificada a condição de acesso à via judicial estipulada no n.º 5 do art. 16.º do RGTAL. Na verdade, entendimento diverso postergaria a exigência legal de respeito pelos prazos para o exercício do direito de impugnação contenciosa, podendo este reabrir-se mediante a apresentação em qualquer momento de reclamação graciosa. Como bem salientou a sentença recorrida, a entender-se de outro modo, «estaria aberto o caminho para a transformação da exigência consagrada no art. 16.º n.º 5 do RGTAL em mera faculdade». Assim, como bem concluiu a sentença recorrida, sendo a prévia reclamação graciosa condição necessária à abertura da via judicial, só a tempestiva apresentação da reclamação dá satisfação a essa exigência; se a reclamação não for tempestivamente apresentada, o acto consolida-se na ordem jurídica e não mais será impugnável. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal.”

Assim, ainda que os dois pareceres em questão albergassem dois actos de liquidação de TRIU, não tendo os mesmos sido objecto da necessária reclamação graciosa no prazo de 30 dias, acabaram por se consolidar na ordem jurídica, tornando-se inimpugnáveis, o que constitui uma excepção dilatória, prevista no art.º 89.º n.º 4 i) do CPTA, ex vi art.º 2.º c) do CPPT, que obsta ao conhecimento de mérito da acção, e determina a absolvição da Fazenda Pública da instância.

(…)

Ora, e ao contrário do alegado pela Recorrente, a sentença fez uma correta interpretação e aplicação ao caso do direito aplicável, não merecendo qualquer censura.

Com efeito, e como é nela referido, da lei decorre com meridiana clareza - concretamente do disposto no n.º 5, conjugado com o n.º 2, ambos do art. 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) - que a impugnação judicial das taxas das autarquias locais depende da prévia dedução da reclamação interposta perante o órgão que efetuou a liquidação da taxa, no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação, pelo que, quando assim não aconteça, os atos de liquidação das taxas serão inimpugáveis (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdão do STA proferidos em 2015-11-18, no proc. 0729/15, em 2019-09-18, no proc. 03129/12.9BEPRT 01398/17, e em 2019-11- 27, no proc. 02819/13.3BEPRT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, não só os atos de aprovação dos projetos de arquitetura relativamente aos quais a Recorrente reagiu administrativamente não configuram atos de liquidação da TRIU, tal como é bem explicitado na sentença recorrida, como, por outro lado, ainda que o fossem, o prazo da reclamação necessária sempre se revelaria manifestamente ultrapassado na data da referida reação administrativa por parte da Recorrente.

Nem se diga, como a Recorrente, que no caso o prazo para o efeito seria o prazo geral de 120 dias, e não o de 30 dias, constante da supracitada norma do RGTAL (!), pois, como aqui se acabou de referir, para a reclamação necessária dos atos de liquidação de taxas emitidas pelas autarquias locais o prazo é o um prazo especial previsto no n.º 2 do art. 16.º do RGTAL, de 30 dias.

Com efeito, não pode deixar de se sublinhar que o raciocínio em que a aqui Recorrente se sustenta é manifestamente contraditório, pretendendo, por um lado, que os atos de aprovação dos projetos de arquitetura fixaram o valor da TRIU, que por esse motivo não terá sido verdadeiramente liquidada nos atos de “liquidação” de que foi posteriormente notificada, que seriam meros “atos de execução”, mas que para o efeito da determinação do prazo de reclamação, já não são “formalmente atos de liquidação de TRIU”.

Ou seja, e dito de outro modo, para a Recorrente os atos de aprovação dos projetos de arquitetura apenas configuraram uma verdadeira liquidação de taxa para os efeitos que lhe interessam.

Donde, e em face do exposto, nada há a censurar à sentença, que fez uma correta interpretação e aplicação do direito pertinente ao caso em apreço, ao considerar que não tendo as liquidações de TRIU sido objeto da reclamação necessária imposta pela lei, as mesmas eram inimpugáveis, tendo em consequência, absolvido a impugnada, aqui Recorrida, da instância.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.


***

Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Da lei decorre com meridiana clareza - concretamente do disposto no n.º 5, conjugado com o n.º 2, ambos do art. 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) - que a impugnação judicial das taxas das autarquias locais depende da prévia dedução da reclamação deduzida perante o órgão que efetuou a liquidação da taxa, no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação, pelo que, quando assim não aconteça, os atos de liquidação das taxas serão inimpugáveis.

II. Não só os atos de aprovação dos projetos de arquitetura relativamente aos quais a Recorrente reagiu administrativamente não configuram atos de liquidação da TRIU, como, por outro lado, ainda que o fossem, o prazo da reclamação necessária sempre se revelaria manifestamente ultrapassado na data da referida reação administrativa por parte da Recorrente.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 21 de novembro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Tânia Meireles da Cunha – Patrícia Manuel Pires.