Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1589/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CUSTOS 23.º CIRC
CRÉDITOS INCOBRÁVEIS 39.º CIRC
SUPRIMENTOS
Sumário:I - Para um custo ser aceite em termos fiscais é preciso que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa.
II - Da interpretação literal do artigo 39.º do CIRC resulta que a consideração de custos ou perdas pela entidade credora, na circunstância de ocorrer um crédito incobrável, está dependente de tais créditos resultarem de um processo judicial de entre os tipificados no aludido normativo;
III - Subjacente à previsão normativa no artigo 39.º do CIRC está a certeza da incobrabilidade, aí não se encontrando as situações decorrentes dos processos de dissolução e liquidação, os quais o legislador não incluiu no normativo intencional e deliberadamente.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I –RELATÓRIO

G…-SGPS, S.A., (doravante G… ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2005.

A Recorrente, em sede de alegações formula as seguintes conclusões:

1ª) A liquidação impugnada resulta, da não aceitação, por parte da Administração Fiscal, da perda ou incobrabilidade de um crédito que a recorrente detinha sobre a sociedade S…;

2ª) O referido crédito era constituído por suprimentos efectuados à S... pela sociedade C..., que era a sua única accionista, sendo que, com tais suprimentos, a S... adquiriu um património vultuoso, constituído por acções representativas do capital social do Banco S...;

3ª) As referidas “acções S...” geraram, para a S..., dividendos de elevado valor;

4ª) As mesmas “acções S...” geraram, também, quer para a C..., quer para a recorrente, dividendos vultuosos e mais-valias de elevado valor;

5ª) Para pagamento da dívida que a S... tinha para com a sua sócia C..., ela vendeu, a esta, a preço de mercado, as “acções S...”, mas o valor assim obtido foi inferior à dívida, pelo que a C... continuou credora da referida S...;

6ª) A C... veio a ser cindida, dando origem a várias sociedades, entre as quais a recorrente, recebendo esta, como decorre de um processo de cisão, na proporção, activos e passivos da C...;

7ª) Entre os activos recebidos pela recorrente, estavam “acções S...”, uma participação na S... e o crédito sobre esta;

8ª) A S... foi dissolvida e liquidada, apurando-se, nesse processo de liquidação, a inexistência de activos, pelo que o crédito que a recorrente detinha sobre a S... deixou de ser cobrável, razão pela qual a impugnante considerou haver uma perda fiscalmente relevante como custo;

9ª) A Administração Fiscal invocou o n° 1 do art° 23° do CIRC como fundamento para a correcção efectuada, consistente na não aceitação desse custo, ao que parece por considerar que o referido custo não seria indispensável à obtenção de proveitos ou à manutenção da fonte produtora;

10ª) Trata-se de uma errónea concepção sobre a legal e necessária ligação entre custos e proveitos - os custos fiscalmente aceites não são aqueles que geram proveitos, mas sim aqueles que são potencialmente aptos a gerarem proveitos;

11ª) Ora, é evidente que a concessão de suprimentos permite, como permitiu, que a S... adquirisse um relevante património (as “acções S...”) potenciador de rendimentos, quer para si, quer para a sua sócia C..., quer, depois, para a ora recorrente, seja por via de dividendos, seja por via de mais-valias;

12ª) Sendo certo, que o crédito foi concedido à S... no âmbito de operações societárias que se inserem na sua capacidade, tendo em conta o seu escopo societário e estando tal crédito conectado com a obtenção de lucros;

13ª) E que sendo a C... - e, também, a ora recorrente - uma SGPS, o seu escopo era a detenção e gestão de participações sociais, fazendo parte dessa gestão, como resulta ou decorre do Decreto-Lei n° 495/88, de 30/12, a concessão de crédito a participadas;

14ª) É, pois, ilegal, a não aceitação do custo com base no n° 1 do art° 23° do CIRC;

15ª) A Administração Fiscal invocou, também, o art° 39° do CIRC, para não aceitar a incobrabilidade do crédito e o seu concomitante reflexo como custo fiscal;

16ª) Estranho e anómalo entendimento, já que a própria Administração Fiscal afirma que a S... não tinha activos e, portanto, não podia pagar as suas dívidas;

17ª) Estranho e anómalo entendimento, já que, em resultado da dissolução/liquidação da S..., “executou-se” todo o seu património, constatando-se que ele era inexistente;

18ª) A dissolução/liquidação da devedora é uma forma clara e evidente de diligência para a cobrança do crédito;

19ª) À semelhança do que acontece num processo de insolvência, através da dissolução/liquidação de uma sociedade, “executa-se” o seu património para, assim, pagar aos credores - ora, nessa “execução” do património da S..., constatou-se a inexistência de qualquer activo para solver dívidas.

20ª) Essa inexistência de bens e, portanto, a indiscutível incobrabilidade do crédito está também demonstrada nas declarações fiscais entregues pela S..., em relação às quais existe, nos termos do art° 75° da LGT, a presunção de verdade;

21ª) A correcção efectuada é, assim, ilegal.

22ª) A douta sentença recorrida não deve, assim, manter-se.


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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA devidamente notificado, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:

1. Pela Ordem de Serviço n.º OI200908349 foi determinada a realização de um procedimento inspectivo de índole externa e parcial à Impugnante incidente sobre o exercício de 2005 – cfr. fls. 93 do processo administrativo junto aos presentes autos.

2. No âmbito do procedimento inspectivo referido em 1. foi elaborado o respectivo relatório de inspecção tributária – cfr. fls. 89 a 103 do processo administrativo junto aos presentes autos.

3. No ponto “2.3.1. Caracterização do sujeito passivo” do relatório referido em 2. consta o seguinte: ¯…A G… SGPS, S.A. resultou da cisão/dissolução da sociedade C... SGPAS, SA, com o NIPC 5…, no âmbito da partilha da herança do Sr… A cisão foi feita a 28 de Dezembro de 2004… Em 28.12.2004 tem início a actividade da G… SGPS, SA, inscrevendo-se com a actividade das sociedades gestoras de participações sociais, CAE 64202. A parte recebida da herança compreende os seguintes conjuntos de activos e passivos…Activos:…11.297.560 acções representativas do capital social do B…, com custo de aquisição de € 108.456.592,92 e respectiva provisão de € 6.552.602,60; - 6 acções representativas do capital social da S..., com custo de aquisição de € 6.000,00 e respectiva provisão de € 6.000,00… - Um crédito de suprimentos no valor de € 11.896.506,76 e respectiva provisão de € 11.887.440,20…” – cfr. fls. 94 do processo administrativo junto aos presentes autos.

4. No capítulo “III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável”, “3.1 – Correcções aritméticas – IRC – 2005”, escreveu-se assim no relatório referido em 2.: …3.1.1 – Crédito de suprimentos sobre a sociedade S... no valor de € 11.898.506,76 e respectiva provisão de € 11.887.440,20 ¯…Da análise aos activos recebido pela G... SGPS, SA, destaca-se um crédito de suprimentos no montante de € 11.896.506,76, sobre a sociedade S... e respectiva provisão no montante de € 11.887.440,20. No entanto, o valor do crédito de suprimentos que a G... SGPS, SA detinha sobre a S... foi considerado custo no exercício de 2005, pelo valor de € 11.846.458,93, tendo sido debitada a conta 69882…pelo valor de € 11.840.458,93 e da conta 411301.1…pelo valor de € 6.000,00. Quanto ao montante da provisão associada a este crédito, a mesma foi anulada por contrapartida a débito nas contas 298401.1…no montante de € 11.881.202,44 e da 411301.2…no montante de € 6.000,00 e da 782… no montante de € 11.887.202,44, constantes da contabilidade da G... SGPS, SA, nos movimentos contabilísticos registados, sob o documento número DD/12/13… O valor da provisão no valor de € 11.887.202,44, considerada como proveito do exercício, foi deduzido ao campo 235 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC…. 3.1.2 Análise do valor de € 11.846.458,93 considerado como custo do exercício…Liquidação S...... Na sequênica da partilha da C..., SA, a G... SGPS, SA ficou com um crédito de € 11.896.506,76, sobre s S..., crédito este que considerou como custo no exercício de 2005, no montante de € 11.846.458,93, conforme descrito anteriormente…3.1.2.2. Análise da situação de facto… Da análise à declaração anual de informação contabilística e fiscal constante do sistema informático da DGCI verificou-se que foi contabilizado na conta 69… o montante de € 11.864.964,34 importando comprovar a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Importa salientar, em que termos é que uma perda associada aos suprimentos pode ser enquadrado como custo fiscal do exercício, nos termos do artigo 23º do…CIRC… Os suprimentos constituem créditos exigíveis (Art.º 245º CSC). A anulação de um crédito implica uma perda, sendo que a sua aceitação fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo23º do CIRC, depende da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade. Dado os suprimentos serem créditos que não resultam da actividade norma da empresa (Art. 34º e 35º , ambos do CIRC), é imprescindível, para aceitação das perdas resultantes da sua alienação onerosa, verificar as condições exigidas para considerar o crédito incobrável. Nos termos do disposto do artigo 39º do CIRC… Assim, as perdas por anulação de suprimentos não são dedutíveis sem o preenchimento dos pressupostos exigidos para a consideração como créditos incobráveis, apenas nessa eventualidade se poderem considerar preenchido o requisito da indispensabilidade. Pelo exposto para que possa aceitar a dedutibilidade fiscal das perdas resultantes da anulação de suprimentos, é necessário, nos termos do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, que o crédito seja incobrável tal como resulte do processo de execução, falência ou insolvência (artigo 39º do CIRC). O sujeito passivo… justifica a incobrabilidade do crédito sobre a S... com o resultado da liquidação desta, uma vez que os activos recebidos eram inferiores ao passivo, conforme se atesta no balancete da S... após encerramento. Na realidade, analisando por grandes rúbricas o Balancete Analítico antes do Apuramento de Resultados da S... em 31.12.2005, verifica-se que a mesma não detinha activos para cumprir as suas obrigações para com terceiros… No entanto, o sujeito passivo não apresentou quaisquer outros elementos que suportem a tentativa de obter por parte da S... o reembolso dos suprimentos, nem este crédito resulta de qualquer processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência. Por outro lado, para efeitos da justificação da indispensabilidade do custo, nos termos do artigo 23º do CIRC, o sujeito passivo não juntou qualquer documento comprovativo que demonstre que os valores dos suprimentos efectuados «foram essenciais ao desenvolvimento da sua actividade económica…», bem como que aquele valor fosse indispensável ¯…para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora…»… 3.1.2.3. Conclusão… De facto, atendendo à justificação apresentada pelo sujeito passivo e aos condicionalismos previstos no artigo 39º do CIRC, para efeitos da aceitação do custo, nos termos do artigo 23º do CIRC, resulta que a justificação mencionada não cumpre com os requisitos do artigo 39º do CIRC. Face a tudo quanto foi exposto, verifica-se que para que a anulação do crédito, seja aceite como custo fiscal, tem que se verificar cumulativamente, os requisitos impostos pelo n.º 1 do artigo 23º, bem como os do artigo 39º do CIRC. Neste sentido, na medida em que o sujeito passivo: - Não apresenta prova de existência do(s) fluxo(s) financeiros; - Não apresenta prova da motivação da operação, da indispensabilidade da mesma na obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora; Não demonstra como os suprimentos, obtidos por partilha, contribuem para a actividade desenvolvida pela G..., SGPS, SA; - Os valores em saldo são divergentes; - Não apresenta comprovativos de quaisquer meios accionados a obter o reembolso dos suprimentos; Não apresenta comprovativos de que a S... se encontrava em processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores, ou de processo de execução, falência ou insolvência, requisitos expressos pelo artigo 39º do CIRC para que um custo derivado de um crédito incobrável seja fiscalmente dedutível. Face ao exposto, o custo extraordinário, contabilizado na conta 69882…no valor de € 11.846.58,93 não poderá ser aceite fiscalmente, pelo que terá de ser acrescido no campo 225 do Quadro 07 da Modelo 22 do exercício de 2005…” – cfr. fls. 96 a 100 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. O relatório referido em 2. foi remetido à Impugnante via correio registado – cfr. fls. 86 a 88 do processo administrativo junto aos presentes autos.

6. Na sequência das conclusões do relatório referido em 2. foi acrescido o montante de 11.861.642,48€ ao campo 225 da Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2005 da Impugnante, o que levou a que o total a recuperar se cifrasse em 38.796,61€ - cfr. fls. 78 a 83 do processo administrativo junto aos presentes autos.

7. A demonstração do resultado referido em 6. foi notificado à Impugnante através do envio à mesma da liquidação n.º 2010 8500001662 e compensação n.º 2010 00000439067 – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 32 e 33 dos presentes autos.

8. A 22/12/2005 foi deliberado em Assembleia Geral pelos sócios da mesma, entre as quais se encontrava a Impugnante, a qual se fez representar na Assembleia, a dissolução da sociedade S... – Consultoria e Investimentos S.A. – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 34 a 36 dos presentes autos.

9. À data da sua dissolução a sociedade S... apresentava 0.00€ de activo, 106.994,39€ de passivo e capital próprio de -107.342.886,84€ - cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 37 e 8 dos presentes autos.

10. O objecto social da sociedade S... consubstanciava-se em prestação de consultoria económica; elaboração de estudos de desenvolvimento, gestão e maketing; gestão de carteira de títulos de investimento – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial a fls. 39 a 55 dos presentes autos.

11. A 28/12/2004 por escritura pública foi realizada a cisão da sociedade C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. e a criação da sociedades resultantes da cisão de tal sociedade, entre as quais se incluía a Impugnante – cfr. doc. constante de fls. 106 a 117 do processo administrativo junto aos presentes autos.

12. No âmbito da cisão da sociedade C... foram atribuídos à Impugnante um activo consubstanciado num crédito de suprimentos sobre a sociedade S... no valor de 11.896.506,76€ e respectiva provisão de 11.887.440,20€ - cfr. doc. constante de fls. 125 a 149 do processo administrativo junto aos presentes autos.

13. Por efeito de 8. a Impugnante declarou como custo do exercício de 2005 o crédito e montante referido em 12.

14. A presente acção deu entrada no Tribunal em 21/06/2010.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no PA apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente interpõe recurso referente à não aceitação como custo fiscal do valor de €11.896.506,76, relativo ao crédito de suprimentos que a Impugnante detinha sobre a sociedade S... após dissolução e liquidação desta.

Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito quanto à desconsideração do custo no valor de €11.896.506,76, porquanto cumpridos os pressupostos constantes nos artigos 23.º e 39.º, do CIRC.

Apreciando.

A Recorrente alega que a AT invocou o n° 1 do artigo 23.° do CIRC sindicando a falta de indispensabilidade do custo para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, com base numa errónea conceção sobre a legal e necessária ligação entre custos e proveitos, na medida em que o crédito foi concedido à S... no âmbito de operações societárias que se inserem na sua capacidade, tendo em conta o seu escopo societário e estando tal crédito conectado com a obtenção de lucros.

Mais advoga que, existe uma errada interpretação do artigo 39.° do CIRC, porquanto a dissolução/liquidação da devedora é uma forma clara e evidente de diligência para a cobrança do crédito.

Sublinha, adicionalmente, que à semelhança do que acontece num processo de insolvência, através da dissolução/liquidação de uma sociedade, “executa-se” o seu património para, assim, pagar aos credores, sendo que nessa “execução” do património da S..., foi, efetivamente, constatada a inexistência de qualquer ativo para solver dívidas.

A Recorrida DRFP nada contra-alega em defesa da sua posição.

O Tribunal a quo esteou a improcedência da decisão e a manutenção da desconsideração do custo, aderindo à fundamentação jurídica constante no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0939/14, de 11 de abril de 2018, e demais jurisprudência nele citada, convocando, a final, a doutrina vertida no Acórdão do STA, proferido no processo nº 01532/14, de 20 de junho de 2018, concluindo pela legalidade da correção na medida em que “[p]ara que o crédito em causa nos autos, pudesse ser directamente considerado como custo ou perda do exercício de 2005 tinha de ser incobrável, qualidade que devia resultar de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que no caso não se verifica.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida interpretou corretamente o quadro jurídico aplicável à factualidade dos autos.

No caso vertente, atentando na fundamentação contemporânea do ato constante no Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que é colocada em causa a dedutibilidade fiscal do custo, por duas ordens de razão, a saber: a indispensabilidade dos custos para a obtenção de proveitos e ou para a manutenção da fonte produtora e bem assim a existência de normativo específico quanto à incobrabilidade da dívida que acarreta o preenchimento de requisitos legais de natureza cumulativa.

Mas a verdade é que a decisão recorrida, não obstante convoque o teor do artigo 23.º do CIRC e estabeleça considerandos de direito quanto a esse normativo, certo é que fundou o seu discurso jurídico e enfoque no artigo 39.º do CIRC, atenta a existência de requisitos legais próprios e cumulativos.

Face ao exposto, nada apreciando e dilucidando -em concreto e de forma casuística- a decisão recorrida relativamente à indispensabilidade dos custos, não cumpre tecer quaisquer considerandos sobre essa matéria, porquanto não integra erro de julgamento, não tendo, outrossim, sido arguida qualquer nulidade da decisão recorrida, mormente, omissão de pronúncia.

De todo o modo, sempre se dirá que mesmo se reputasse um erróneo juízo de valoração quanto ao requisito da indispensabilidade porquanto se tinha pautado por pressupostos não constantes na lei, mormente uma exigência não aceitável de repercussão direta entre o custo e o proveito e critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito, a verdade é que a dedutibilidade fiscal do custo sempre teria de passar pelo crivo do artigo 39.º do CIRC, o que, como visto, no caso vertente não sucedeu.

Com efeito, para um custo ser aceite em termos fiscais é preciso que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, sendo que, in casu, foi ajuizado que a dedutibilidade estaria afastada pelo âmbito do normativo 39.º do CIRC.

E por assim ser, há, então, que apreciar do erro de julgamento quanto à questão inerente à incobrabilidade e à concreta subsunção normativa no artigo 39.º do CIRC.

Apreciando.

Dispunha o artigo 39.º do CIRC que: “Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.”

Do teor do aludido preceito resultam, inequivocamente, dois pressupostos, cumulativos, para que os créditos incobráveis possam ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício, no caso do exercício de 2005, concretamente que a incobrabilidade resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência e, concomitantemente que não seja admitida a constituição de provisão ou sendo a mesma se mostre insuficiente.

De relevar, neste particular, que o tratamento fiscal dos créditos incobráveis, é distinto, necessariamente, dos créditos para cobrança duvidosa, e isto porque enquanto os primeiros constituem um custo definitivo, nos termos do artigo 39.º do CIRC, e desde que verificados os requisitos nele contemplados, a dedutibilidade fiscal das provisões cujo fito se coaduna com a cobertura de créditos de cobrança duvidosa é apenas provisória, conforme dimana da letra do artigo 34.º, nº1, alínea a) e do n.º 2 do CIRC.

Nessa medida, resulta da interpretação literal do citado artigo 39.º do CIRC que a consideração de custos ou perdas pela entidade credora, na circunstância de ocorrer um crédito incobrável, está dependente da circunstância de tais créditos resultarem de um processo judicial de entre os tipificados no aludido normativo.

Logo, a contrario ter-se-á de extrair que não é admissível a consideração desses custos quando resultem de um processo de dissolução da sociedade devedora, participada, também, pela sociedade Recorrente.

In casu, nada é, expressamente, invocado, donde, controvertido quanto ao segundo requisito contemplado no artigo 39.º, do CIRC, no entanto, como evidenciado e bem pelo Tribunal a quo, no caso vertente, a incobrabilidade não resulta de nenhuma das sobreditas circunstâncias.

É certo que a Recorrente alega que a dissolução/liquidação da devedora é uma forma clara e evidente de diligência para cobrança do crédito e bem assim que à semelhança do que sucede num processo de falência, através da dissolução/liquidação “executa-se” o seu património para, dessa forma, se pagar aos credores, sendo que, no caso vertente, se constatou a inexistência de qualquer ativo para solver dívidas, mas a verdade é que o legislador foi claro e evidenciou, de forma expressa e taxativa, os processos judiciais que poderiam atribuir relevância para efeitos de dedutibilidade fiscal direta enquanto custos incobráveis.

Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (1-Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189. )

Note-se que se fosse intenção deliberada do legislador subsumir no normativo o processo de dissolução e liquidação tê-lo ia feito de forma expressa e inequívoca, o que, como visto não logrou fazê-lo. Nessa medida, havemos de concluir que não quis, deliberadamente, contemplar o processo de dissolução e liquidação (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CC), e não quis porque o mesmo não contempla uma incobrabilidade, per se.

Com efeito, enquanto em qualquer um dos processos judiciais mencionados no artigo 39.° do CIRC, que vimos analisando, fica comprovada a incobrabilidade do crédito, o mesmo já não sucede no procedimento de dissolução e liquidação da sociedade.

No âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF, aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de abril), para além de toda a tramitação atinente à relação dos créditos, em vários momentos dos diversos processos ali mencionados é possível concluir-se pela incobrabilidade desses mesmos créditos (v., v.g., os artigos 186.º e 187.º, do CPEREF).

No âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, e que revogou o CPEREF), no qual o processo de insolvência é configurado como um processo de execução universal, tal situação ocorre igualmente (cfr. v.g., artigos 39.º, 172.ºa 184.º).

Ao nível do processo de execução, e considerando a disciplina constante do CPC/1961, atento o exercício em apreciação, há toda uma disciplina atinente à localização de credores e de bens, que permite concluir pela incobrabilidade (cfr. v.g. os artigos 808.º, n.ºs 1 e 2, 872.º e ss.).

Na redação atual desta norma surgem, a par, situações relacionadas com a revitalização / recuperação de empresas, de onde decorre, designadamente, que os credores não podem usar de meios de execução dos respetivos créditos, juntamente com vista à viabilização de tal recuperação.

Não obstante a fase de liquidação da sociedade comportar várias etapas, mormente, o apuramento da situação patrimonial da sociedade dissolvida (artigo 149.º do CSC) e a satisfação do passivo social (artigo 154.° do CSC) e só depois a partilha do ativo remanescente (artigo 156.º do CSC), o certo é que os atos praticados em tal procedimento não revestem a natureza de atos praticados em processo judicial e o artigo 39.° do CIRC exige, como visto, de forma perentória e taxativa para a consideração como custos ou perdas dos créditos incobráveis que a incobrabilidade possa ser comprovada judicialmente.

Neste particular, vide Acórdão do STJ (2-Processo nº 08P1740, com data de 6 de novembro de 2008.) “2-São diferentes as consequências da dissolução da sociedade comercial por deliberação dos sócios e por via da declaração de insolvência: sendo aquela feita, primordialmente, no interesse dos sócios e não no dos credores; diferentemente no que nesta última sucede, com o inerente processo colectivo ou concursal de pagamento aos credores; 3 – Dissolvida uma sociedade comercial por deliberação dos sócios, e não terminada ainda a sua liquidação, pode ser requerida, verificados que se verifiquem os respectivos pressupostos, a sua insolvência.”

Não sendo, assim, defensável que os meios de prova contemplados no artigo 39.º do CIRC só façam sentido para os casos em que a sociedade devedora existe, tem a sua atividade e não para as situações de dissolução e liquidação da sociedade devedora, em que esta se extingue, não se retirando, de todo, da letra e do espírito do legislador a assunção que a Recorrente faz.

Aduza-se, em abono da verdade, que subjacente à previsão normativa em causa está a certeza da incobrabilidade (situações especificamente relacionadas com medidas tendentes à recuperação das empresas). Aliás, nesse âmbito, é inclusivamente considerada suficiente a existência de documento no âmbito dos processos em causa que ateste a inexistência de bens, ainda que não seja a decisão final (3-cfr. a este respeito o Acórdão do STA, de 10.10.2012, proferido no processo nº 0782/12.).

Ademais, a existência dos processos enumerados no artigo 39.º do CIRC, tem subjacente a ideia de evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores.

De relevar, in fine, que este foi, justamente, o sentido que este Tribunal acolheu no âmbito do processo nº 2168/10, datado de 05 de junho de 2019, sendo Relatora, a ora Signatária, numa situação com similitude fático-jurídica com a dos presentes autos, e nos quais se apelava, outrossim, à doutrina vertida no Acórdão do STA, datado de 11 de abril de 2018, no âmbito do processo nº 0939/14 e demais jurisprudência nele citada-acórdão a que aderiu a decisão recorrida-dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“Existe no preceito uma exigência específica de “existência de um processo judicial” condicionante da possibilidade de serem relevados na contabilidade da credora os créditos desta considerados incobráveis, que foi afirmada no preceito de forma inequívoca o que se compreende para evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores impondo-se a estes uma atitude ativa, com vista à cobrança do seu crédito, o que ao contrário do alegado na conclusão de recurso 22) não é contrariado pelo acórdão deste STA de 22/02/2006 recurso nº 01077/05. Ali se expressou: (…) Em princípio, não sendo possível aprovisionar o crédito, ele pode ser deduzido como custo, nos termos do referido artigo 37º do CIRC. Mas para isso não deixa de ser necessário que se trate de um crédito incobrável. Um crédito incobrável é algo mais do que um de cobrança duvidosa (ou algo menos, conforme a perspectiva…), pelo que os créditos incobráveis não podem deixar de satisfazer as exigências da lei para o aprovisionamento dos créditos de cobrança duvidosa – artigo 34º nº 1 citado.

Tanto basta para que o crédito em causa não só não pudesse ser aprovisionado, como não pudesse ser directamente considerado como custo.(…)”

Ora, ressalvadas as devidas distâncias, designadamente por nos presentes autos não se discutir a constituição ou não de provisão para o crédito da ora recorrente a verdade é que este crédito nunca podia ser considerado como custo ou perda do exercício de 2005 porquanto não integrava o conceito de crédito incobrável, entendidos estes créditos como aqueles que não podem ser recebidos pelo credor ou porque o devedor não queira pagar ou não tenha realmente com que pagar e relativamente aos quais se reconhece a perda, sem esperança de boa cobrança, designadamente por inexistência de bens penhoráveis evidenciada judicialmente (quanto a esta última asserção vide o Ac. deste STA de 10/07/2012 tirado no rec. 0782/12 disponível no site da DGSI).

Ao invés, a ora recorrente participou na assembleia Geral Extraordinária de 22/12/2005 que deliberou a dissolução da devedora B……….. SA conforme acta nº 38 cuja cópia consta de fls. 47 e 48 dos autos e nessa medida pode afirmar-se que contribuiu para a incobrabilidade do crédito o que contraria o espírito do citado artigo 39º do CIRC que pressupõe uma actividade do credor através de via judicial para cobrança do seu crédito e o inêxito dessa acção por, devido a circunstâncias alheias à sua vontade, se constatar, no próprio processo, que tal crédito passou a incobrável.

Ora, aqui chegados desde já podemos afirmar, sem qualquer dúvida, que não se verifica um dos requisitos, cumulativos, a que se reporta o artº 39º do CIRC na redacção vigente à data dos factos a que se reportam os autos.” (destaques e sublinhados nossos).

Em face de todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais não existindo, in casu, qualquer processo de insolvência, de recuperação de empresa, dimana inequívoco que não se encontram verificados os requisitos contemplados no artigo 39.º do CIRC, para que tal realidade possa ser assumida enquanto custo fiscal.

Pelo que, a decisão recorrida que assim o ajuizou, não padece de qualquer erro de julgamento a sentença que assim o decidiu, improcedendo, assim, o recurso interposto.


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Uma última nota quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, quer pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda 275.000,00 Eur.
Registe. Notifique.


Lisboa, 26 de setembro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Teresa Costa Alemão)

(Jorge Cortês)