Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 428/09.0BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
| Descritores: | ARTA. 58.º-A E 129.º DO CIRC DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO A CONTAS BANCÁRIAS DE EX-GERENTES |
| Sumário: | I – Tendo sido levantada na p.i. uma questão com relevância para a decisão a tomar, a qual não foi apreciada, verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia da decisão, a implicar que este Tribunal decida em substituição – 665.º n.º 1 do CPC; II - Tratando-se de uma alteração procedimental à norma do n.º 6 do art. 129.º do CIRC, as regras a aplicar à demonstração do preço efectivo são as vigentes à data em que o pedido é submetido. III - Competindo à Recorrente, de acordo com as regras do ónus da prova, a demonstração de que cumpriu os requisitos legais do pedido em questão, ou de que a falta de cumprimento dos mesmos – nomeadamente, a falta de apresentação das autorizações de acesso às contas bancárias dos ex-administradores – não lhe foi imputável, verifica-se que tal não foi por ela logrado, já que, o que resulta do probatório não é a existência de qualquer impossibilidade de obter a autorização desses terceiros, mas uma manifestação expressa e fundamentada de todos os gerentes em funções nos anos de 2003 e 2004 em não conceder essa autorização, não tendo sido, no caso concreto, por inexistência de lei à data, nem pelo facto de ser materialmente impossível obter essa autorização por se tratar de estrangeiros que tal falta de autorização existiu, mas porque, de forma positiva, voluntária e expressa, esses gerentes não quiseram conceder a autorização de acesso às contas bancárias, sendo que do probatório não resulta qualquer facto do qual pudesse decorrer a tentativa falhada de obter autorização, ou de não possibilidade de contacto com os ex-gerentes da sociedade; IV - O Tribunal tem de se debruçar e apreciar a situação concreta, real, não lhe cabendo apreciar situações hipotéticas, não havendo notícia nos autos ou qualquer facto concreto demonstrativo da impossibilidade prática na obtenção das autorizações ou qualquer tentativa gorada por parte da Recorrente nesse sentido; V - O procedimento [de prova do preço efectivo] é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio. Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, (…) através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO J......... LDA. veio interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra, em 10 de Fevereiro de 2023, que julgou improcedente a impugnação judicial, deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 20........., correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 20.........e demonstração de acerto de contas n.º 20........., no montante de € 416.060,54, referente ao exercício de 2004. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos que negou provimento à impugnação deduzida pela ora Recorrente contra a liquidação adicional de IRC n.° 20........., correspondente liquidação de juros compensatórios n.° 20.........e demonstração de acerto de contas n.° 20........., no montante de € 416.060,54, referente ao exercício de 2004. B) A ilegalidade da liquidação adicional posta em crise resulta da ilegalidade do Despacho de Arquivamento do procedimento de prova do preço efetivo na transmissão dos Imóveis, que a AT fundamentou no facto de a J......... não ter apresentado autorização de acesso à informação bancária dos seus gerentes em funções em 2003 e 2004 que, à data de início do procedimento de prova do preço efetivo (2008), já não se encontravam ao serviço da J.......... C) Com efeito, à data em que a J......... foi notificada do VPT dos Imóveis e pôde iniciar o procedimento de prova do preço efetivo, 4 dos 6 gerentes que tinham exercido funções naqueles exercícios, já não se encontravam ao serviço da sociedade, pelo que era impossível a obtenção de autorizações de acesso a informação bancária daqueles ex-gerentes. D) Foi por não ter sido possível à J......... obter as referidas autorizações (e, por conseguinte, fornecê-las à AT) que o procedimento de prova do preço efetivo veio a ser arquivado. E) E a Requerente não poderia ter antecipado este desfecho pois, à data da transmissão, a lei não exigia ainda qualquer autorização para o acesso à informação bancária! F) Assim, a interpretação do então artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC como feita pela AT no Despacho de Arquivamento, no sentido de as declarações de consentimento de acesso a informação bancária de terceiros serem um requisito imprescindível à abertura e continuidade do procedimento e de ser exigível ao sujeito passivo a obtenção de tais declarações de terceiros com os quais não mantém qualquer relação, sem poder antecipar tal situação pois a lei em vigor à data era outra, é manifestamente inconstitucional por traduzir a aplicação de uma presunção inilidível e a violação grosseira dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, ínsitos nos artigos 13.°, 103.°, n.° 1 e 104.°, n.° 2 da CRP. G) A sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125.°, n.° 1 do CPPT e 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC, ao não ter analisado a argumentação da Recorrente quanto à existência, in casu, de uma presunção inilidível que resulta da interpretação que foi feita pela AT no Despacho de Arquivamento do disposto no então artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC. H) Termos em que a sentença recorrida deve ser declarada nula, decidindo este Venerando TCAS em substituição e anulando a liquidação impugnada, por força da ilegalidade do Despacho de Arquivamento decorrente da interpretação feita pela AT das normas dos artigos 58.°-A e 129.°, n.° 6 do Código do IRC no caso sub judice que determinaram a convolação da presunção do artigo 58.°-A do Código do IRC numa presunção inilidível, logo, inconstitucional e ilegal. I) Ainda que assim não se entendesse, o que somente se equaciona, sem conceder, por dever de patrocínio, sempre seria de concluir pela existência de manifesto erro de julgamento de Direito que determina a anulação da sentença recorrida. J) Com efeito, e em primeiro lugar, o artigo 58.°-A constitui uma norma anti-abuso excecional, que prevê uma presunção legal em derrogação de princípios constitucionais estruturantes do sistema fiscal que só fica legitimada constitucionalmente pelo procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 129.° do Código do IRC, conquanto este artigo permita a ilisão da presunção estabelecida naquele artigo 58.°-A do Código do IRC - o que acontecerá na generalidade dos casos, mas não no caso sub judice, como provado. K) Assim, e em segundo lugar, a apresentação de declarações de autorização de acesso a informação bancária dos gerentes da sociedade requerente em funções no exercício da transmissão e no exercício anterior, nos termos do n.° 6 do artigo 129.° do Código do IRC, no presente caso em concreto, não é, nem pode ser, requisito essencial e imprescindível para a abertura e continuidade do procedimento de prova do preço efetivo. L) Por um lado, o artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC só passou a prever a apresentação de declarações escritas de consentimento de acesso a informação bancária dos gerentes a partir da alteração introduzida pela LOE 2007, que entrou em vigor em 01.01.2007 (muito depois da transmissão dos Imóveis sub judice, que ocorreu em 2004). M) Por outro lado, in casu, o VPT dos Imóveis só foi notificado 3 anos e 3 meses após a transmissão dos Imóveis, momento em que 4 dos 6 gerentes que tinham exercido funções na J......... em 2003 e 2004, já não mantinham qualquer relação com a Recorrente. N) Assim, era manifestamente impossível à J......... a obtenção de declarações de autorização de acesso à informação bancária de tais ex-gerentes, sendo também impossível antecipar a questão, pois a lei em vigor à data da transmissão era outra. O) Como decidido pelo Tribunal Arbitrai no processo n.° 371/2017-T, no qual foram árbitros o ILUSTRE CONSELHEIRO MANUEL MACAÍSTA MALHEIROS, na qualidade de árbitro presidente, e ainda LUÍS MENEZES LEITÃO e AMÉRICO BRÁS CARLOS, impõe-se uma interpretação do artigo 129.° do Código do IRC e da exigência de consentimento de acesso à informação bancária de ex-gerentes da Recorrente à luz das circunstâncias concretas do caso sub judice, quer (i) no que respeita à impossibilidade prática, e não imputável à Recorrente, de obtenção de tais declarações de consentimento, quer ainda (ii) no que concerne à penalização que o artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC traduziria in casu ao vedar à Recorrente a possibilidade de fazer prova do preço efetivo, caso esta norma fosse interpretada no sentido de o acesso à informação bancária dos ex-gerentes constituir um requisito necessário à abertura e/ou continuidade do procedimento de prova do preço efetivo. P) Termos em que é forçoso concluir que a interpretação do então artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC como feita pela AT no Despacho de Arquivamento, no sentido de as declarações de consentimento de acesso a informação bancária de terceiros serem um requisito imprescindível à abertura e continuidade do procedimento e de ser exigível ao sujeito passivo a obtenção de tais declarações de terceiros com os quais não mantém qualquer relação, traduz a imposição ao sujeito passivo de uma presunção inilidível, o que determina a sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e tributação pelo lucro real, consagrados nos artigos 13.° e 103.°, n.° 1 e 104.°, n.° 2, e ilegalidade, por violação do artigo 73.° da LGT. Q) Em terceiro lugar, a circunstância de não serem apresentadas aquelas declarações de autorização de acesso à informação bancária de ex-gerentes (desde logo por impossibilidade, como provado nos autos), não determina o arquivamento do procedimento previsto no artigo 129.° do Código do IRC. R) Com efeito, como entende o TC, a norma do n.° 6 do então artigo 129.° (atual 139.°) do Código do IRC não tem "a natureza férrea de que dependeria afirmar que não é permeável a contextos circunstanciais caracterizados por motivos ponderosos, específicos e fundados, que tornem atendível a impossibilidade de cumprir o ónus a cargo do sujeito passivo e, como tal, como inoperante a cominação para a sua inobservância em certas situações, peculiares e devidamente justificadas" (cfr. acórdão n.° 679/2022, de 20.10.2022). S) Assim, de acordo com o entendimento do TC, o n.° 6 do então artigo 129.° (atual 139.°) do Código do IRC tem de ser interpretado à luz das circunstâncias concretas do caso, podendo existir motivos que justifiquem a impossibilidade de uma sociedade (como a Recorrente) cumprir o ónus de apresentação do consentimento de acesso à informação bancária dos gerentes (in casu, desde logo de 4 dos 6 gerentes que se encontravam em funções no exercício da transmissão e no exercício anterior e que, à data em que foi notificado o VPT dos Imóveis, já não colaboravam com a sociedade) e, por conseguinte, tornem inoperante a cominação para a falta daquele consentimento, vedando o arquivamento do procedimento de prova do preço efetivo com este fundamento. T) O mesmo entendeu o DMMP em Parecer emitido no processo n.° 0861/15 e citado no acórdão do STA de 30.05.2018, salientando que, na impossibilidade de junção de documentos de autorização de acesso à informação bancária de administradores ou gerentes que já tenham cessado funções à data de apresentação do requerimento de prova do preço efetivo, há que compatibilizar o artigo 129.°, n.° 6 do Código do IRC com outras normas, designadamente aquelas que permitam aceder de outro modo a essa documentação, se necessário. U) Ao decidir nos termos em que o fez no Despacho de Arquivamento, a AT, exigindo elementos que não estão - nem poderiam estar - na disponibilidade do sujeito passivo como pressuposto de efetivação do mecanismo previsto no artigo 129.° do Código do IRC, transformou a presunção ilidível prevista no artigo 58.°-A numa presunção inilidível, logo, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, vertidos nos artigos 13.°, 103.°, n.° 1 e 104.°, n.° 2 da CRP, e ilegal por violação do artigo 73.° da LGT. V) Resulta cristalino do exposto que andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela exigência das declarações de autorização de acesso a informação bancária dos ex-gerentes da J........., comprovadamente impossíveis de obter pela sociedade, como condição indispensável à continuidade do procedimento de prova do preço efetivo, aceitando a transformação da presunção prevista no artigo 58.°-A do Código do IRC numa presunção inilidível no caso concreto. W) Acresce que as razões de prevenção que deram origem à criação da norma anti-abuso prevista no artigo 58.°-A não encontram aplicação no caso concreto, porquanto: (i) nenhuma das partes no contrato de compra e venda dos Imóveis em questão tinha interesse em declarar um valor de alienação dos mesmos inferior ao efetivamente praticado; e (ii) a alienação dos Imóveis por um valor inferior ao VPT deveu-se às circunstâncias concretas do acordo entre as partes (venda de unidade de negócio), estando devidamente justificada. X) Termos em que ficou provado que o arquivamento do requerimento apresentado pela J......... foi ilegal e inconstitucional, de quanto resulta a ilegalidade da liquidação adicional impugnada, que deverá ser anulada por total ausência de base legal. Tendo a ora Recorrente apresentado garantia bancária para suspender o processo executivo subjacente à liquidação adicional impugnada, deverá ser indemnizada pelos custos suportados com a garantia bancária, nos termos do artigo 53.° da LGT e do artigo 171.° do CPPT, inquestionável que é, como demonstrada, a existência de erro imputável aos serviços. Z) Resulta, assim, cristalino que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, devendo ser anulada. AA) Finalmente, verificam-se os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.°, n.° 7 do RCP. Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com fundamento em erro de julgamento de Direito, o que determina a anulação da sentença recorrida, o que desde já se requer com todas as consequências. Mais se requer a dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.°, n.° 7 do RCP.» **** A Recorrida FP, notificada, não contra-alegou. **** **** Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida: i) É nula por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 125.º, n.º 1, do CPPT, e 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, ao não ter analisado a argumentação da Recorrente quanto ao facto de não ser materialmente possível obter a derrogação do sigilo bancário de ex-gerentes que, sendo estrangeiros, deixaram de ter ligação o país, nem ter sido possível antecipar essa exigência por inexistência de lei à data, redundando essa exigência na transformação de uma presunção inilidível, violando os princípios da capacidade contributiva e de tributação do rendimento real; ii) errou no seu julgamento quando decidiu: - Pela não verificação da inconstitucionalidade da interpretação do, então, art. 129.º, nº 6, do CIRC, efectuada pela AT no despacho de arquivamento, por não traduzir a aplicação de uma presunção inilidível e nem a violação dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, previstos nos arts. 13.º, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP; - Erro de julgamento de direito ao não se considerar como inilidível a presunção estabelecida no art. 58º-A do CIRC e ao considerar-se requisito essencial e imprescindível para a abertura e continuidade do procedimento de prova do preço efectivo a apresentação de declarações de autorização de acesso a informação bancária dos gerentes da sociedade requerente, nos termos do n.º 6 do art. 129.º do CIRC e ao não ter considerado a manifesta impossibilidade de a J......... obter as declarações de autorização de acesso à informação bancária dos ex-dirigentes. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: “A. A J........., Lda., (doravante “J.........”) é uma sociedade comercial dedicada ao comércio e indústria de produtos químicos e farmacêuticos, cujo capital social é integralmente detido pela Impugnante [cf. cópia de certidão do registo comercial - doc. 11 junto à petição inicial, a fls. 106 e 107 do documento SITAF n.2 00495513, de 15.04.2009]. B. No ano de 2003 e 2004, eram gerentes da J.........: i. J........., designada em 21.07.1995; ii. C........., designada em 30.05.2000; iii. M........., designado em 25.01.2001, renunciou em 31.01.2008; iv. A........., designado em 20.01.2001, renunciou em 01.02.2008; v. D........., designado em 20.12.2001, renunciou em 05.11.2003; vi. F........., designado em 27.03.2002, renunciou em 01.10.2005; [cf. cópia da certidão de registo comercial - doc. 11 junto à petição inicial a fls. 106 a 118 do documento SITAF n.2 00495513, de 15.04.2009]. C. Em 15.12.2004, a J........., Lda., contribuinte n.° 50….., procedeu à alienação dos imóveis inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, sob os artigos 2984 e 3273, pelos valores de 563.790,00EUR e 3.228.100,00EUR [cf. cópia da escritura de compra e venda apresentada como doc. 1 junto à petição inicial - fls. 38 a 66 do documento SITAF n.2 00495513, de 15.04.2009]. D. No negócio identificado no ponto anterior foi ainda alienado pela J......... o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Barcarena sob o artigo ……, secção 21, pelo valor de 249.299,00EUR [cf. cópia da escritura de compra e venda apresentada como doc. 1 junto à petição inicial - fls. 38 a 66 do documento SITAF n.2 00495513, de 15.04.2009]. E. As alienações identificadas nas alíneas C) e D) supra fizeram parte de um negócio celebrado entre a J......... e a L..........., S.A., pelo qual a primeira transmitiu, para além daqueles prédios, um prédio rústico, equipamento básico, material rolante e de transporte, ferramentas e utensílios e equipamento administrativo, ao qual foi atribuído o valor total de 7.800.000,00EUR, cujo valor de transação era composto pelos valores identificados em C) e D) supra, acrescido da transferência de inventário no montante de 1.458.811,00EUR e stock no montante de 2.300.000,00EUR [cf. cópia do contrato celebrado apresentado como doc. 12 junto à petição inicial, a fls. 119 do documento SITAF n.2 00495513, de 15.04.2009]. F. Em 27.03.2008 a J......... foi notificada dos valores patrimoniais fixados para os imóveis identificados em C) supra, nos termos do CIMI de 1.434.440,00EUR e 3.685.810,00EUR, respetivamente [cf. cópia das notificações da avaliação dos prédios mencionados - doc. 2 junto à petição inicial, a fls. 67 e 68 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]; G. Em 28.04.2008, a J......... apresentou, junto do Serviço de Finanças de Oeiras 2, um pedido de início do procedimento de prova do preço efectivo na transmissão identificada em C) supra, efectuado nos termos do artigo 129.° do CIRC [cf. cópia do requerimento apresentado - doc. 3 junto à petição inicial, a fls. 69 a 73 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. H. Através do ofício n.° 56.457, de 25.07.2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direção de Finanças de Lisboa, foi a J......... notificada para identificar o perito para representar a empresa na reunião do procedimento de revisão, e para juntar documento que "[a]utorize a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e do(s) respectivo(s) administrador(s) ou gerente(s) referente ao exercício em que ocorreu a(s) transmissões(s) e ao exercício anterior", sob pena de arquivamento do procedimento [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 4 junto à petição inicial, a fls. 74 do documento SITAF n.° 004935513, de 15.04.2009]. I. Em 08.08.2008, a J......... enviou mensagem eletrónica para a AT, indicando o nome do perito, e informando que oportunamente as declarações de autorização bancária seriam enviadas [cf. cópia do email apresentado como doc. 5 junto à petição inicial, a fls. 75 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. J. Em 26.08.2008, a J......... enviou mensagem eletrónica para a AT, remetendo autorização para acesso à informação bancária da empresa, informando ainda que nenhum dos administradores/gerentes se encontravam a trabalhar naquela empresa [cf. cópia do email apresentado como doc. 5 junto à petição inicial, a fls. 75 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. K. Através do ofício n.° 76.554, de 10.10.2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a J......... notificada para juntar ao procedimento: “1. O original da declaração de autorização bancária para a Administração Fiscal poder aceder à informação bancária da J..........., Lda., relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão dos imóveis supra identificados e, no exercício que o antecedeu; 2. As declarações de autorização dos gerentes da J..........., Lda., em exercício de funções nos anos de 2003 e 2004, ano em que ocorreu a transmissão dos imóveis em apreço, bem como, o que o antecedeu (...)” [cf. cópia do ofício apresentado como doc. 6 junto à PI, a fls. 77 junto à petição inicial, a fls. 77 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. L. A 23.10.2008, a J......... apresentou um requerimento de resposta ao requerido no ponto anterior, apresentando o original da declaração de autorização bancária para a AT poder aceder à sua informação bancária [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 7 junto à petição inicial, a fls. 77 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. M. No requerimento identificado no ponto anterior constava ainda o seguinte: “[a] Administração Fiscal dispõe de meios, mais do que suficientes, que lhe permitem atestar a veracidade dos elementos fiscais e constabilísticos da J..........., razão pela qual os gerentes da J..........., em funções nos anos de 2003 e 2004, não autorizam o acesso às suas contas bancárias, uma vez que, no entender dos mesmos, este procedimento viola o princípio da reserva da intimidade e vida privada dos cidadãos, previsto no artigo 26.2 da Constituição de República Portuguesa, revelando-se claramente excessivo para atingir o fim que se pretende, violando-se, desta forma, o princípio da proporcionalidade, tutelado constitucionalmente através do artigo 18.2 do diploma fundamental” [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 7 junto à petição inicial, a fls. 77 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. N. Na resposta identificada no ponto anterior a J......... anexou um documento no qual a Impugnante declarou que “[n]ão não compreende a necessidade de levantamento de sigilo bancário dos gerentes da J......... , Lda,, em exercício de funções nos anos de 2003 e 2004, uma vez que nenhum destes gerentes retirou qualquer beneficio, vantagem patrimonial ou outra da realização das referidas operações, as quais foram concretizadas no estrito âmbito da actividade desenvolvida pela J........., Lda. (...) todas as operações da J........., Lda. são realizadas era estrito cumprimento das normas legalmente aplicáveis.” [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 7 junto à petição inicial, a fls. 83 do documento SITAF n.a 004935513, de 15.04.2009]. P. Da decisão identificada no ponto anterior foi interposta ação administrativa que correu termos no Tribunal Administrativo de Sintra sob o n.° 119/09.2BESNT [cf. cópia sentença proferida naqueles autos, a fls. 3 a 14 do documento SITAF n.º 006591324, de 29.11.2022]. Q. Em cumprimento da ordem de serviço n.° OI……, foi despoletado um procedimento de inspeção tributária relativo à Impugnante, referente ao exercício de 2004 [cf. cópia do relatório de inspeção apresentado como doc. 9 junto à petição inicial, a fls. 94 do documento SITAF n.º 004935513, de 15.04.2009]. R. Através do ofício n.° 091765, de 26.11.2008, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada, como sociedade dominante do grupo especial de tributação, do relatório de correções resultantes de análise interna, o qual conclui pela liquidação de IRC na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no n.° 2 do artigo 58.°-A do Código do IRC para o exercício de 2004, referente à J........., uma vez que esta não apresentou autorização para acesso às contas bancárias dos gerentes da J......... em funções nos exercícios de 2003 e 2004 [cf. cópia do ofício e do relatório de inspeção - como doc. 9 junto à petição inicial, a fls. 90 a 102 do documento SITAF n.º 004935513, de 15.04.2009]. S. No relatório identificado no ponto anterior a AT acresceu ao quadro 07 campo 257 da declaração de rendimento da J......... referente ao exercício de 2004 o montante da diferença entre o valor de venda praticado e o valor patrimonial tributário dos Imóveis calculado nos termos do IMI, no valor total de 1.328.360,00EUR [cf. ponto 1.1.13. do relatório de inspeção - como doc. 9 junto à petição inicial, a fls. 90 a 102 do documento SITAF n.º 004935513, de 15.04.2009] . T. A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios decorrentes da correção referida no artigo anterior, no valor de 416.060,54EUR [cf. cópia da notificação da demonstração de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros - como doc. 10 junto à petição inicial, a fls. 104 e 105 do documento SITAF n.2 004935513, de 15.04.2009]. U. A 26.05.2022 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo, em sede do processo n.° 119/09.2BESNT, identificado em P) supra, que concedeu provimento ao recurso da Ré, e julgou verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, absolvendo a Ré da instância [cf. cópia do acórdão proferido15 naqueles autos, a fls. 15 a 49 do documento SITAF n.2 006591324, de 29.11.2022].” **** «Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.» **** «Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.» ***** II.2. De DireitoA sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente e, consequentemente, manteve o acto impugnado. Com esta decisão não se conformou a Recorrente, tendo apresentado recurso, defendendo, em suma, que: - Há omissão de pronúncia da sentença, já que esta não se pronunciou quanto ao fundamento invocado de, pelo facto de não ser materialmente possível obter a derrogação do sigilo bancário de ex-gerentes que, sendo estrangeiros, deixaram de ter ligação ao país, nem ter sido possível antecipar essa exigência por inexistência de lei à data, redundando essa exigência na transformação de uma presunção inilidível, violando os princípios da capacidade contributiva e de tributação do rendimento real; - Há erro de julgamento de direito ao admitir o arquivamento do procedimento numa interpretação que conduz a uma presunção inilidível; - A sentença pronunciou-se sobre questões que a Recorrente não põe em causa, pois concorda que a derrogação do sigilo bancário no procedimento de prova do preço efectivo não é inconstitucional, concordando, por isso, com a jurisprudência citada, apenas entende que o, então, “art. 129.º n.º 6 (actual 139.º) do CIRC tem de ser interpretado à luz das circunstâncias concretas do caso, podendo existir motivos que justifiquem a impossibilidade de uma sociedade (como a Recorrente) cumprir o ónus de apresentação do consentimento de acesso à informação bancária dos gerentes (in casu, desde logo de 4 dos 6 gerentes que se encontravam em funções no exercício da transmissão e no exercício anterior e que, à data em que foi notificado o VPT dos imóveis, já não colaboravam com a sociedade) e, por conseguinte, tornem inoperante a cominação para a falta daquele consentimento, vedando o arquivamento do procedimento de prova do preço efectivo com este fundamento”; - “As razões de prevenção que deram origem à criação da norma anti-abuso prevista no art. 58.º-A não encontram aplicação no caso concreto, porquanto nenhuma das partes no contrato de compra e venda dos imóveis em questão tinha interesse em declarar um valor de alienação inferior ao efectivamente praticado e a alienação dos imóveis por valor inferior ao VPT deveu-se às circunstâncias concretas do acordo entre as partes (venda da unidade de negócio), estando devidamente justificada” Como acima se disse, as questões que cabem ao Tribunal apreciar são, pois, se é nula a sentença por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 125.º, n.º 1, do CPPT, e 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, ao não ter analisado a argumentação da Recorrente quanto ao facto de não ser materialmente possível obter a derrogação do sigilo bancário de ex-gerentes que, sendo estrangeiros, deixaram de ter ligação o país, nem ter sido possível antecipar essa exigência por inexistência de lei à data, redundando essa exigência na transformação de uma presunção inilidível, violando os princípios da capacidade contributiva e de tributação do rendimento real; - Se a sentença errou no seu julgamento quando decidiu: - Pela não verificação da inconstitucionalidade da interpretação do, então, art. 129.º, nº 6, do CIRC, efectuada pela AT no despacho de arquivamento, por não traduzir a aplicação de uma presunção inilidível e nem a violação dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, previstos nos arts. 13.º, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP; - se errou no julgamento de direito ao não se considerar como inilidível a presunção estabelecida no art. 58º-A do CIRC e ao considerar-se requisito essencial e imprescindível para a abertura e continuidade do procedimento de prova do preço efectivo a apresentação de declarações de autorização de acesso a informação bancária dos gerentes da sociedade requerente, nos termos do n.º 6 do art. 129.º do CIRC e ao não ter considerado a manifesta impossibilidade de a J......... obter as declarações de autorização de acesso à informação bancária dos ex-dirigentes. Vejamos, pois, começando pela invocada nulidade por omissão de pronúncia: Nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º.1, al. d), do Código Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra coisa são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37). No processo judicial tributário, o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º1, do CPPT. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Com isto dito, entremos na análise do caso concreto. Como se viu, a sentença recorrida entendeu que constituía questão decidenda “aferir se, no procedimento de prova do preço efectivo praticado na alienação de imóveis, as autorizações de acesso à informação bancária dos seus administradores/gerentes devem ser consideradas como condição sine qua non para a admissão do pedido, cuja falta implica, de modo automático o seu imediato indeferimento”. Para tanto, delimitou as seguintes questões a decidir: “a violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade; o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, decorrente da ilegalidade da decisão de arquivamento do requerimento apresentado pela impugnante ao abrigo do artigo 129.° do CIRC” Após ter exposto o regime legal nesta matéria, a sentença recorrida foi apreciando cada uma das questões acima elencadas, sempre por referência à jurisprudência dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional, ou seja, a apreciação que fez foi na dimensão geral da violação daqueles princípios e não na dimensão concreta invocada pela Recorrente de, no caso concreto, não ser materialmente possível obter essa derrogação do sigilo bancário por se tratar de ex-gerentes sem ligação ao país. Esta é, verdadeiramente, uma questão com relevância para a decisão a tomar, razão pela qual, o Tribunal terá de averiguar se a mesma foi colocada na p.i. ao Tribunal a quo, caso em que, não tendo sido apreciada, se verifica, efectivamente, nulidade por omissão de pronúncia. Analisada a p.i., verifica-se que tal questão foi efectivamente invocada – cfr artigos 86.º a 102.º e 131º da p.i. – pelo que, não tendo sido alvo de apreciação, há, efectivamente, nulidade da decisão, a implicar que este Tribunal decida em substituição – 665.º n.º 1 do CPC. Vejamos, pois. Em primeiro lugar, há que referir que a matéria de facto não foi posta em causa no presente recurso, pelo que a mesma se encontra estabilizada. No caso concreto, estamos perante uma transmissão de imóveis (entre outras circunstâncias), ocorrida no ano de 2004, sendo que apenas em 2008 foram tais imóveis avaliados, tendo resultado de tal avaliação que o valor patrimonial dos mesmos era superior ao valor declarado para efeitos de transmissão. Por isso, foi aplicado o regime da norma do, então, art. 58.º -A do CIRC, norma anti-abuso, de carácter excepcional, destinada a prevenir e a combater a fraude e a evasão fiscal, que dispunha que, se o valor constante do contrato fosse inferior ao valor patrimonial definitivo do imóvel, era este a considerar tanto pelo alienante, como pelo adquirente, para determinação do lucro tributável. Trata-se de uma presunção legal na determinação do lucro tributável e que, como tal, tem de poder ser ilidida. Para tal, surgiu a norma do, então, art. 129.º do CIRC, que previa a possibilidade de o contribuinte demonstrar o preço efectivo da transmissão, por forma a ser tributado pelo lucro real, procedimento a que a Recorrente acedeu, tempestivamente, em Abril de 2008 (G) do probatório). Tal como referiu na sua petição inicial, a versão original do n.º 6 do art. 129.º do CIRC dispunha que “Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”. Este n.º 6 veio a ser alterado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, que entrou em vigor em 01-01-2007, tendo passado a incluir a expressão “devendo, para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”. Começa a Recorrente por defender que, tendo a transmissão ocorrido em 2004, não podia contar com tal exigência legal, sendo que 4 dos gerentes então em funções já não o estavam quando a AT procedeu à avaliação dos imóveis em 2008, o que a impediu de acautelar essa autorização, tornando a presunção legal em inilídivel. Ora, em primeiro lugar, como foi decidido na sentença recorrida, as regras a aplicar à demonstração do preço efectivo são as vigentes à data em que o pedido é submetido. Tal como ali ficou consignado, “Contudo, tratando-se de uma alteração procedimental, entrando a mesma em vigor em 01.01.2007, e aplicando-se a todos os processos que sejam apresentados após essa data, verificamos que a mesma será aplicável ao caso dos presentes autos. Desta forma, e através de uma interpretação literal do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, deve o pedido de prova de preço efectivo de transmissão de imóveis, ser instruído com documentos de autorização que permitam a AT aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, pelo que a decisão impugnada adere à letra da lei.” Por outro lado, competindo à Recorrente, de acordo com as regras do ónus da prova, a demonstração de que cumpriu os requisitos legais do pedido em questão, ou de que a falta de cumprimento dos mesmos – nomeadamente, a falta de apresentação das autorizações de acesso às contas bancárias dos ex-administradores – não lhe foi imputável, verifica-se que tal não foi por ela logrado. Com efeito, de acordo com a alínea M) do probatório, a Recorrente informou a AT do seguinte: “[a] Administração Fiscal dispõe de meios, mais do que suficientes, que lhe permitem atestar a veracidade dos elementos fiscais e constabilísticos da J..........., razão pela qual os gerentes da J..........., em funções nos anos de 2003 e 2004, não autorizam o acesso às suas contas bancárias, uma vez que, no entender dos mesmos, este procedimento viola o princípio da reserva da intimidade e vida privada dos cidadãos, previsto no artigo 26.2 da Constituição de República Portuguesa, revelando-se claramente excessivo para atingir o fim que se pretende, violando-se, desta forma, o princípio da proporcionalidade, tutelado constitucionalmente através do artigo 18.2 do diploma fundamental”. Ou seja, o que resulta do probatório não é a existência de qualquer impossibilidade de obter a autorização desses terceiros, mas uma manifestação expressa e fundamentada de todos os gerentes em funções nos anos de 2003 e 2004 em não conceder essa autorização. Ora, assim sendo, no caso concreto, não foi por inexistência de lei à data, nem pelo facto de ser materialmente impossível obter essa autorização por se tratar de estrangeiros que tal falta de autorização existiu, mas porque, de forma positiva, voluntária e expressa, esses gerentes não quiseram conceder a autorização de acesso às contas bancárias. Do probatório não resulta qualquer facto do qual pudesse decorrer a tentativa falhada de obter autorização, ou de não possibilidade de contacto com os ex-gerentes da sociedade. Improcede, por isso, o fundamento da impugnação da ilegalidade do despacho de arquivamento do procedimento por invocada impossibilidade de suprir a autorização, ou da inconstitucionalidade da norma por transformar a presunção em inilidível, não havendo violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva ou da tributação pelo lucro real. Prosseguindo na apreciação do recurso, invoca, depois a Recorrente o erro de julgamento de direito da sentença recorrida ao admitir o arquivamento do procedimento numa interpretação que conduz a uma presunção inilidível. Para tanto, defende que até concorda que a derrogação do sigilo bancário no procedimento de prova do preço efectivo não é inconstitucional, concordando, por isso, com a jurisprudência citada na sentença recorrida, mas que, no caso concreto, a apresentação de declarações de autorização de acesso a informação bancária dos gerentes não é, nem pode ser, requisito essencial e imprescindível para a abertura e continuidade do procedimento de prova do preço efectivo. Isto porque, por um lado, o art. 129.º n.º 6 do CIRC só passou a prever a apresentação das declarações escritas de consentimento a partir de 01-01-2007, sendo que a transmissão dos imóveis ocorreu em 2004, depois, porque o VPT só foi notificado 3 anos e 3 meses após a transmissão dos imóveis, numa altura em que 4 dos 6 gerentes já não mantinham qualquer relação com a Recorrente, não sendo possível a obtenção dessas declarações de autorização (invoca uma sentença arbitral que se refere à impossibilidade prática e não imputável à Recorrente) e, finalmente, porque o facto de não serem apresentadas as declarações de autorização de ex-gerentes não determina o arquivamento do procedimento do art. 129.º do CIRC (cita um Ac do TC que se refere a “contextos circunstanciais caracterizados por motivos ponderosos, específicos e fundados que tornem atendível a impossibilidade de cumprir o ónus a cargo do sujeito passivo). Alega, ainda, que “as razões de prevenção que deram origem à criação da norma anti-abuso prevista no art. 58.º-A não encontram aplicação no caso concreto, porquanto nenhuma das partes no contrato de compra e venda dos imóveis tinha interesse em declarar um valor de alienação dos mesmos inferior ao efectivamente praticado”, sendo que “o valor inferior ao VPT se deveu às circunstâncias concretas do acordo entre as partes (venda de unidade de negócio), estando devidamente justificada”. No que diz respeito à questão de o art. 129.º n.º 6 do CIRC só ter passado a prever a apresentação das declarações escritas de consentimento a partir de 01-01-2007, sendo que a transmissão dos imóveis ocorreu em 2004, e quanto à questão de o VPT só ter sido notificado 3 anos e 3 meses após a transmissão dos imóveis, numa altura em que 4 dos 6 gerentes já não mantinham qualquer relação com a Recorrente, não sendo possível a obtenção dessas declarações de autorização, resulta do decidido acima, na apreciação feita por este Tribunal em substituição, que não tem razão a Recorrente. Com efeito, tendo em conta a matéria factual fixada, não resulta da mesma qualquer impossibilidade de obtenção das autorizações por parte dos ex-gerentes, sendo que o Tribunal tem de se debruçar e apreciar a situação concreta, real, não lhe cabendo apreciar situações hipotéticas, não havendo notícia nos autos ou qualquer facto concreto demonstrativo da impossibilidade prática na obtenção das autorizações ou qualquer tentativa gorada por parte da Recorrente nesse sentido. E, portanto, ainda que houvesse uma explicação lógica (avançada pela Recorrente) para que o valor da alienação dos imóveis fosse abaixo do valor patrimonial, tal não dispensaria a sua confirmação documental através das contas bancárias. Como ficou consignado no Ac. do TC n.º 517/2015, de 14-10-2015, “(…) O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio. Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, (…) através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato. Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil). (…)” Daqui resulta que a sentença que assim concluiu não sofre de erro de julgamento de direito, improcedendo, nestes termos, o presente recurso. *** Dispensa do remanescente da taxa de justiçaA Recorrente pede a dispensa do remanescente da taxa de justiça por entender estarem verificados os requisitos do art.º 6.º n.º 7 do RCP. De acordo com o disposto em tal norma, nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. O valor da presente causa excede € 275.000,00, justificando-se in casu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida para além daquele valor, nos termos do disposto no n° 7 do art. 6° do RCP, tendo em conta a correcta conduta processual das partes, a nãp complexidade das questões decidendas, tendo em conta a existência de jurisprudência que a mitiga e o facto de o montante da taxa de justiça devida em função do valor da acção se afigurar desproporcionado, face ao concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, de acordo com o quadro constitucional vigente (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-04-2019, proc. 0436/18.0BALSB e jurisprudência aí citada.). Nestes termos dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça. III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em: a) Declarar parcialmente nula a sentença por omissão de pronúncia e, em substituição, julgar a impugnação nessa parte improcedente; b) No mais, negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 30 de Setembro de 2025
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