Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:459/04.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/06/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:DOCUMENTO PARTICULAR DE AUTORIA DESCONHECIDA
RECEBIMENTO DE COMPLEMENTO MENSAL DA PENSÃO DE REFORMA
SITUAÇÃO ECONÓMICA DO LESADO E DO LESANTE
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ESPERANÇA DE VIDA
HOSPITAL PÚBLICO
Sumário:I - Um documento particular de autoria desconhecida e não assinado é inapto para, só por si, provar o recebimento de complemento mensal da pensão de reforma.
II - Sendo um ónus dos autores a alegação dos factos constitutivos do seu direito a indemnização, designadamente, dos que integram as circunstâncias valoradas para aferir o montante indemnizatório, tal não invalida que sejam considerados factos que, apesar de não terem sido alegados pelos autores, tenham sido considerados provados e que sejam relevantes para aferir da situação económica dos lesados.
III - Quanto à situação económica do lesante, sendo réu o Estado, carece de fundamento a alegação do recorrente no sentido em que deveria ter sido considerada a situação económica da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, que não é parte nos autos, não recaindo, portanto, sobre a mesma o pagamento da indemnização, o que justifica que, para a fixação do seu montante, seja apenas considerada a situação económica de quem paga, no caso o Estado.
IV - A esperança de vida do falecido não releva em sede de quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, atenta a natureza destes, antes sendo considerada no cômputo dos lucros cessantes, na aferição dos danos patrimoniais.
V - De igual modo, a ponderação da circunstância de o acto ilícito ter ocorrido no serviço de urgência de um hospital público, com insuficiência de meios materiais e humanos, também não tem qualquer cabimento em sede de danos não patrimoniais, além de que, visando o serviço nacional de saúde realizar o direito à protecção da saúde, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, é obrigação do Estado diligenciar pelo funcionamento adequado dos hospitais públicos, não podendo o seu mau funcionamento justificar uma atenuação da indemnização.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

I…, L… e R… intentou acção administrativa contra o Hospital Distrital de Cascais e A…. Pede a condenação solidária dos réus a pagar-lhe uma indemnização no valor total de 1.407.333,85 €, acrescida de juros desde a data da citação até ao efectivo e integral cumprimento da obrigação, em virtude da morte do marido da autora e pai dos autores, que entendem ter resultado do agravamento do quadro clínico, que atribuem ao desrespeito dos cuidados exigíveis à médica ré, no exercício da sua função.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foi proferida sentença a julgar procedente a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização dos autores quanto ao réu e o absolveu do pedido, e a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização de L… e R… quanto à ré, A…, e a absolveu do pedido. E ainda julgou procedente a excepção de ilegitimidade quanto à ré e ora recorrida A…, absolvendo-a da instância, e julgou improcedente o pedido de condenação do réu, Centro Hospitalar de Cascais e dos autores, por litigância de má-fé.
Interposto recurso da sentença, por este Tribunal Central Administrativo Sul foi concedido provimento ao mesmo, confirmando a decisão recorrida na parte em que julgou parte ilegítima e absolveu da instância a recorrida A…, e revogando a mesma decisão na parte em que julga verificada a excepção peremptória da prescrição contra o recorrido Centro Hospitalar de Cascais, ordenou a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para prosseguimento da acção se a tanto outra causa não obstasse.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando o réu Centro Hospitalar de Cascais a pagar aos autores as seguintes quantias e os juros peticionados respectivos: a) As despesas decorrentes do funeral, no valor de 962,18€; b) A quantia de 25.985.035$50, de lucros cessantes; c) A quantia de 50.000 Euros, a favor da autora, a título de danos morais; d) A quantia de 30.000 Euros, a favor do autor L…, a título de danos morais; e) A quantia de 30.000 Euros, a favor do autor R…, a título de danos morais.
O réu Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
1. Assiste razão aos Recorridos no pedido apresentado de retificação de erros matérias, de cálculo, verificados na douta sentença em recurso, os quais se refletem nos cálculos efetuados na sentença relativos aos lucros cessantes, que devem, assim, e em conformidade, ser retificados nos termos propostos (art.° 614.°, n.° 2 do CPC);
2. Não obstante, para além dos erros materiais invocados pelos Recorridos, deve ainda ser retificado um outro erro de cálculo constante da sentença em recurso, relativo ao desconto do valor de 1/4 considerado como correspondente àquilo que o lesado gastaria para seu sustento se vivesse.
3. Com efeito, e por lapso, a douta sentença recorrida em vez de ter deduzido aquele valor de % aos valores que os Recorridos tinham efetivamente a receber (do montante de Esc. 46.627.598$00), deduziu-o ao montante total dos lucros cessantes, que contemplava valores já recebidos pelos Recorridos, pelo deve a douta sentença ser retificada no sentido de dela ficar a constar que os Recorridos têm direito ao recebimento da quantia de 31.361.242$00, a título de lucros cessantes (40.745.184$00 + (20.320.240$00- 14.437.826)- 15.266.356$00) em vez de 45.799.068$00.
4. Com os fundamentos constantes dos artigos 14 a 20 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a douta sentença recorrida padece de nulidade por se verificar oposição entre os seus fundamentos e a decisão, visto que a fundamentação nela adotada relativa à esperança média de vida do falecido D… (em conjugação com os pontos 33, 13 e 14 da matéria de facto provada), conduziria a concluir que, muito embora a esperança medida de vida dos homens se situasse, à data do falecimento do lesado, nos 70 anos, tal idade não poderia ser considerada no caso concreto dado o lesado estar incluído numa população de risco, tendo em consideração as elevadas taxas de morte ligadas aos enfartes do foro cardio-vascular, e, contudo, em clara contradição com a fundamentação, a douta sentença recorrido concluiu que se deveria tomar como idade de referência os referidos 70 anos;
5. A referida nulidade, prevista na al. c) do art.° 615.°, n.° 1 do CPC, deverá ser suprida nos termos do art.° 617.°, n.° 2 do CPC, fixando-se como idade de referência máxima os 61 anos, nos termos e com os fundamentos constantes dos artigos 22 a 28 das presentes alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, e, em consequência, reduzindo-se o montante global dos lucros cessantes arbitrados aos Recorridos para o valor global de Esc.: 12.159.914$00 (€. 60.653,40), conforme discriminação constante do artigo 29, supra, que aqui se dá por reproduzido;
6. A douta sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento de facto, pois os concretos meios probatórios em que fundamentou a prova do ponto 44 da matéria de facto, relativo ao direto do lesado ao recebimento de pensão complementar de reforma da Companhia de Seguros F…, eram insuficientes para o efeito, conforme decorre do vertido nos artigos 30 a 36 das presentes alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pelo que deve a mesma ser reformada por outra decisão que considere por não provado o facto vertido no referido ponto 44 da matéria de facto provada;
7. A douta sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento de mérito, por ter invertido as regras do ónus da prova, constantes do art.° 342.°, n.° 1 do CCivil, uma vez que formulou conclusões sem que tivessem sido provados os factos de onde as mesmas pudessem decorrer, os quais competiam aos Recorridos provar.
8. Com efeito, e conforme decorre dos artigos 37 a 46 das alegações, que se dão aqui por integralmente reproduzidos, não tendo os Recorridos feito prova de que o CCT dos Trabalhadores da Atividade Seguradora tinha aplicação concreta ao lesado, não podia a douta sentença ter concluído no ponto 44 da matéria de facto provada que aquele CCT lhe era aplicável, e por virtude disso, que o lesado tinha direito ao recebimento da pensão complementar de reforma prevista naquele CCT por parte da Companhia de Seguros F…; Motivo pelo qual deverá a sentença em recurso ser reformada por outra decisão que proceda à devida qualificação jurídica dos factos em causa e em conformidade não dê por provado o referido direito do lesado ao recebimento da pensão complementar de reforma, absolvendo, em consequência a Recorrente do pedido de condenação no pagamento de indemnização, aos Recorridos, a título de lucros cessantes, por conta da referida pensão complementar de reforma.
9. Ainda que assim não se entenda, o que apenas em teoria se concebe, e por cautela de patrocínio, com os fundamentos constantes dos artigos 47 a 53 das presentes alegações, que aqui se dão como integralmente reproduzidos, a douta sentença enferma de erro de julgamento da matéria de facto por ter considerado como provado, no referenciado ponto 44 da matéria de facto provada, que o valor mensal da pensão complementar de reforma auferida pelo lesado ascendia a Esc.: 107.330$00, sem dispor dos indispensáveis meios probatórios para o efeito, devendo ser reformada por outra decisão que considere por não provado o referido valor mensal de pensão complementar de reforma alegadamente percebido pelo lesado;
10. Sem prescindir, violou ainda a douta sentença recorrida as regras de distribuição do ónus da prova, invertendo-as, quando deu por provado o referido valor mensal de pensão complementar de reforma, pois os Recorridos não provaram o referido valor mensal e não obstante a sentença objeto de recurso deu-o por provado, devendo, como tal ser reformada (artigo 54 das alegações, que aqui se dá por reproduzido);
11. Mesmo que assim não se entendesse, o que só teoricamente se concebem, a douta sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento de mérito, pois, no que concerne ao referido valor mensal de pensão de reforma, constante do ponto 44 da matéria de facto, retirou erradas ilações dos factos julgados provados os quais não se coadunam com as disposições legais e de regulamentação coletiva aplicáveis ao caso concreto, designadamente, o disposto na cláusula 52.°, n.° 2 do CCT de Seguros aplicável e do art.° 1.° da Portaria n.° 470/90, de 23/06, de cuja aplicação resulta que o valor mensal eventualmente auferido pelo lesado, á data do seu falecimento, a título de complemento de pensão de reforma deveria ter sido fixado em Esc.: 93.913$75 e não em Esc.: 107.330$00, dando-se aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos constantes dos artigos 55 a 65 das presentes alegações, daí resultando que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que fixe o valor mensal do referido complemento na importância de Esc.: 93.913$75 e, em conformidade, calcule e fixe os lucros cessantes em que a Recorrente foi condenada de acordo com este valor;
12. A douta sentença enferma ainda de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento de mérito quando concluiu que a quantia anual do complemento de pensão de reforma devido ao lesado correspondia ao valor mensal desse complemento de reforma multiplicado por 14 meses;
a. O erro de facto supra apontado decorre de os documentos em que se alicerçou para retirar essa conclusão serem insuficientes para o efeito, conforme alegado nos artigos 66 a 68 das presentes alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pelo que deve a sentença recorrida ser substituída por decisão que não tome em conta, no cálculo da pensão complementar de reforma anual do lesado, do referenciado 14.° mês;
b. E, no que respeita ao apontado erro de julgamento de mérito, decorre o mesmo de o CCT de Seguros aplicável fixar, nos pontos e 3 e 4 da cláusula 52.º e 5 da cláusula 54.°, um limite máximo para a pensão complementar de reforma, daí resultando que, poderia a F… encontrar-se desonerada do pagamento ao lesado do montante que, por força da atribuição da 14.a prestação complementar, excedesse o quantitativo referido, conforme artigos 69 a 76 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos;
c. Assim, e não tendo os Recorridos provado que a F… estava obrigada ao pagamento da referida 14.ª prestação suplementar, e inexistindo quaisquer dados factuais nos autos que pudessem comprovar que por força da atribuição desta 14.a prestação suplementar não seria excedido o limite máximo da referida pensão total complementar, não podia a douta sentença recorrida ter concluído como fez e incluído, como fez, o 14.° mês no cálculo dos lucros cessantes a título de pensão complementar de reforma, com o que inverteu as regras do ónus da prova e violou, assim, o art.° 342.°. n.° 1 do CCivil;
13. Com os fundamentos constantes dos artigos 77 a 80, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a douta sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento de mérito, uma vez que concluiu que o lesado teria direito às atualizações da pensão complementar de reforma recebida da F… sem que tivessem sido provados os factos de onde essa conclusão pudesse decorrer, concretamente, que o lesado à data da reforma, era trabalhador de seguros há mais de três anos, invertendo, assim, as regras do ónus da prova, com isso violando o art.° 342.°, n.° 1 do CCivil, pelo que deve ser reformada em conformidade, ou seja, com a desconsideração dos montantes decorrentes da pretendida atualização na fixação dos lucros cessantes devidos aos Recorridos.
14. Ainda que assim não se entendesse, o que só por cautela de patrocínio se admite, a douta sentença recorrida não poderia ter dado por provado o referido direito a atualização da pensão complementar de reforma recebida da F…, pois atento o disposto na cláusula 54.° do CCT aplicável, a F… poderia encontrar-se desonerada do pagamento de tal montante ao lesado por virtude do mesmo exceder o limite máximo daquela pensão complementar, não tendo os Recorridos provado que esses limites não seriam excedidos, pelo que ao concluir da forma indicada, a douta sentença incorreu em erro de julgamento de mérito e inverteu as regras do ónus da prova, violando, assim, o art.° 342.°, n.° 1 do CCivil, motivo pelo qual deverá ser reformada por decisão que desconsidere as referidas atualizações nos montantes indemnizatórios a pagar aos Recorridos, tudo nos termos e com os fundamentos constantes dos artigos 81 a 84 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos;
15. Finalmente, e nos termos e com os fundamentos constantes dos artigos 85 a 107 das presentes alegações, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de mérito na fixação do quantitativo dos danos morais, pecando por excesso na respetiva fixação, com isso violando o disposto nos artigos 494.° e 496.° do CCivil.
16. Com efeito, atendendo a que a douta sentença recorrida deu por fundada a responsabilidade do Centro Hospitalar de Cascais em mera culpa e que concluiu igualmente que os Recorridos não tinham feito a prova da respetiva situação económica, deveria ter valorado tal fata de prova nos valores concretos da indemnização fixada para ressarcimento dos danos morais, reduzindo-os para valores inferiores aos que fixou, sob pena de se verificar enriquecimento ilegítimo na esfera patrimonial dos Recorridos.
17. Acresce que, no que respeita à situação patrimonial do agente, não relevou a douta sentença recorrida, como deveria, a situação financeira da aqui Recorrente, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, que, conforme resulta dos respetivos documentos de prestação de contas dos últimos quatro exercícios, não é «boa», tendo, ao invés, sem fundamento legal, relevado a situação patrimonial do Estado.
18. Acresce que na fixação do quantitativo dos referidos danos morais deveria a douta sentença recorrida ter tomado ainda em consideração outras circunstâncias, tais como, a idade de D… à data da morte (51 anos) conjugado com o facto de o mesmo não possuir uma esperança média de vida elevada, atendendo às doenças do foro cardiovascular que já padecia à data da morte, que fariam vislumbrar um desfecho de morte antecipado, e ainda o facto de todo este circunstancialismo se ter verificado num Hospital Público, em sede de episódio de urgência, onde são, desde há muito, pública e sobejamente conhecidas as insuficiências de meios materiais e humanos.
19. Donde, e em conclusão, deve a douta sentença recorrida ser reformada por decisão que fixe aqueles danos morais em montante inferior, entendendo-se como adequadas a tal título a indemnização de €. 25.000,00 à Recorrida e de €. 15.000,00 a cada um dos restantes Recorridos, com o que se fará justiça.”
Os autores recorridos responderam à alegação do recorrente, com as seguintes conclusões:
1. Relativamente ao despacho judicial que antecede, de fls. 1004 dos autos, tanto o pedido de retificação de erros materiais suscitado pelos recorridos, como a questão da nulidade suscitada pela recorrente deveriam ter sido objeto de decisão nos próprios autos, em momento anterior ao da subida do recurso. Não constituem matéria para ser decidida em sede de recurso pelo tribunal superior, pelo que devem cair fora do âmbito do mesmo e, obrigatoriamente, decididas pelo juiz de instância que proferiu a decisão final em momento anterior à subida dos autos.
2. A sentença ora em crise deduziu o valor de ¼, considerado como correspondente àquilo que o lesado gastaria para seu sustento se vivesse, à soma dos valores brutos apurados a título de lucros cessantes, não se verificando, quanto a este aspeto qualquer erro de cálculo.
3. Refere a recorrida que a sentença proferida no âmbito dos presentes autos é nula na medida em que os fundamentos estão em oposição com a decisão, alegando, em suma, que o valor indicado como esperança média de vida do falecido (70 anos), marido e pai dos recorridos, é excessivo uma vez que este pertencia a uma "população de risco", tendo em consideração as elevadas taxas de morte ligadas aos enfartes do foro cardiovascular.
4. A idade considerada como esperança média de vida foi apurada de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) à data dos factos, que é o instituto de referência relativamente a questões como esta, pelo que não existe nenhuma contradição entre a decisão e os fundamentos da mesma, não se verificando a nulidade invocada.
5. A recorrente coloca várias questões mas todas têm que ver com a mesma matéria: erro na apreciação do cálculo do complemento mensal da pensão de reforma; e todas elas têm apenas um único objetivo: reduzir o montante indemnizatório a qualquer custo.
6. Em primeiro lugar refere a recorrente que os documentos constantes de fls. 64 e 65 dos autos não poderiam servir como prova de que, à data da morte, o falecido recebia um complemento mensal da pensão de reforma, nem do seu montante. Em segundo lugar alega que a sentença calculou a pensão complementar de reforma anual através da multiplicação do respetivo valor mensal por 14 meses tomando por base os documentos n.º 18 e 19 juntos pelos recorridos com a petição inicial, quando não o poderia ter feito. Por fim, refere que sentença não poderia proceder à atualização da pensão, complementar de reforma com base nos documentos 65 e 66 dos autos.
7. Os documentos referidos pela recorrida foram juntos com a petição inicial, em 16.04.2004, para prova dos mencionados factos, tem deles conhecimento há 11 anos, nunca impugnou a sua veracidade ou força probatória, pelo que se conformou com os mesmos.
8. De acordo com o disposto nos artigos 444.º e 446.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, a impugnação da genuinidade de documento, a ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento têm regras específicas e prazo para o fazer (10 dias a contar da notificação), prazo que há muito se encontra ultrapassado, pelo que deve ser reconhecida força probatória aos documentos de fls. 65 e 66 dos autos.
9. A recorrida alega, por fim, que a situação económica da entidade condenada a pagar a indemnização é muito deficiente, facto que foi ponderado na própria sentença (página 29), tendo o tribunal o quo concluído que "seja como for, em relação ao Estado, que é quem financia a saúde, qualquer um dos valores aqui em causa é irrisório", tendo, apesar de tudo, o Estado capacidade para pagar os montantes pelos quais foi condenado a título de danos morais, que se mostram justos e equitativos atenta a factualidade provada.
Por despacho de 04.04.2025, foi rectificada a sentença nos seguintes termos: “Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, rectifica-se a sentença proferida nestes autos em 28 de Fevereiro de 2025, devendo: a) O valor inscrito no campo “Pensão/lesado. Total/Ano 0 x 14 meses” para o “Total (19 anos) 1992 a 2010 ser substituído por 20.320.240$00; b) O segundo parágrafo da página 25 da aludida sentença passar a ler-se nos seguintes termos: «Feitas as contas pelo que os AA «receberam», temos o seguinte: A esposa recebeu 60% de 19 anos, ou seja 60% de 20.320.240$ = 12.192.144$ Do total dos 5.957.150$, dos 7 anos, o M… recebeu 15%, ou seja: = 893.573$ Do total dos 9.014.060§00, dos 10 anos, o R… recebeu 15% ou seja: = 1.352.109$ Por conseguinte, no total os AA receberam: Significa que, do total dos 19 anos, ou seja 20.320.240$, os AA receberam 14.437.826$. Logo, teriam a receber a diferença de 5.882.414$ Feito agora o resumo, temos: - Total (19 anos) 1992 a 2010: 40.745.184$ - Total (19 anos) 1992 a 2010: 5.882.414$ O que totaliza a quantia de: 46.627.598$ Calculando ¼ sobre o total, a fim de ser descontado, temos o seguinte: - 40.745.184$ + 20.320.240$ = 61.065.424$: 4 = 15.266.356$ Portanto: 61.065.424$ - 15.266.356$ = 45.799.068$00 Ou seja dos lucros cessantes do lesado restam a receber pelos AA: 45.799.068$00»”
Por despacho de 09.07.2025, foram declarados habilitados a prosseguir os termos do presente processo, na qualidade de herdeiros da autora I…, ao abrigo do artigo 353.º, n.º 1, do CPC, os requerentes R… e L….
Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de:
a) Nulidade;
b) Erro de julgamento de facto;
c) Erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:

“Com relevância para a presente decisão, consideram-se provados os seguintes factos (5-Parte dos factos assentes reportam já ao saneador-sentença e ao Ac do TCA-S, como referido na audiência prévia):
1) Em 12/12/1965, a Autora [A], I…, contraiu casamento com D… - Assento de casamento, a fls 18.
2) O casamento acabado de referir foi dissolvido por óbito do cônjuge marido, falecido em 11/07/1992 - Averbamento constante do assento de casamento, a fls 18.
3) O Autor, L…, nascido em 29/09/1975, é filho de D… e da Autora - doc fls 21.
4) O Autor, R…, nascido em 07/04/1978, é filho de D… e da Autora - doc fls 23.
5) Em 11/07/1992, cerca das 05:30H, o D… teve fortes dores nas costas, braços e peito, e tomou dois comprimidos NITROMINT que não lhe diminuíram as dores.
6) Em 11/07/1992, pelas 07H25m, o D… deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Cascais - doc fls 28.
7) No serviço de urgência do Hospital de Cascais, D… foi observado pela médica, A… - acordo e docs.
8) No serviço de urgência do Hospital de Cascais, a médica A…, entre o mais, determinou a realização de electrocardiograma, e após a leitura interpretativa deste exame por um colega médico da equipa de urgência, deu alta a D…, tendo preenchido a respectiva ficha clínica do doente, pelo seu punho - declarações e doc fls 28.
9) Na ficha de atendimento de urgência, a médica A… registou «Doente com cifoescoliose diagnosticada em Novembro/91. Fazendo fisioterapia durante 20 dias (40 tratamentos) (...). Teve fisioterapia E.A.M. 19 + 9 e fez terapia com tracção + R). Agora tem dor na coluna na ± 1 D, dolorosa à palpação que se propaga para o membro superor. Fez NITROMINTsub-lIngual. (...)» - doc fls 79 do PA e fls.
10) A…, em 11/07/1992, era médica interna do Internato Geral, em período de estágio - acordo.
11) E m 11/07/1992, pelas 18H44m, D… deu entrada no serviço de urgência do Hospital de S. Francisco Xavier- doc fls 34.
12) D… entrou em paragem cardio-respiratória no Hospital de S. Francisco Xavier - docs fls 34 e 35.
13) Nesse dia 11/07/1992, às 19H05m, o D… faleceu, no Hospital de S. Francisco Xavier - docs fls 34 e 39.
14) Nos termos do Relatório da Autópsia, realizada em 13/07/1992, o «diagnóstico anátomo PATOLÓGICO» foi de «Aterosclerose generalizada, grave nas artérias coronárias do coração. Hipertrofia do coração (440 grs). Cicatrizes no miocárdio. Enfarte recente do miocárdio»; e a «CAUSA DE MORTE» foi de «Enfarte recente do miocárdio»; e as «CONCLUSÕES MÉDICO LEGAIS» foram «1-A morte (...) foi devida a doença de causa natural: enfarte recente do miocárdio. 2-Esta pode ser causa de morte inesperada. 3-Não se reconhecem lesões traumáticas recentes» -doc 11 fls 36 a 40 dos autos e 109/ss do PA anexo.
15) Em 29/12/1992, a autora remeteu à Inspecção-Geral da Saúde uma participação, na qual relatou as ocorrências havidas no serviço de urgência do Hospital Distrital de Cascais aquando do atendimento médico efectuado ao seu marido, D…pelas 07.25 horas do dia 11 de Julho de 1992, concluindo que o "meu marido morreu por incompetência e negligência da médica que o observou no Hospital de Cascais" - doc fls 236 a 240, para que se remete para todos os efeitos legais.
16) Na sequência da participação acabada de referir, a Inspecção-Geral da Saúde instaurou um processo de inquérito sob o n° 1541/92-I, designado "Inquérito a factos relacionados com a assistência médica prestada ao utente D… em 11 de Junho de 1992 no Serviço de Urgência do Hospital Distrital de Cascais" - doc fls 41 a 56.
17) Em 07/03/1996 a Inspecção-Geral da Saúde elaborou o Relatório Final, no âmbito do inquérito n° 1541/92-I, acabado de referir, do mesmo constando, entre o mais, que «(...) a Dra A… não cuidou, pois, tendo em conta os antecedentes do utente, a sua situação dolorosa no momento da observação clínica e a existência de um E.C.G. patológico, de contactar o cardiologista, ou outro medido especialista escalado ao S.U. para providenciar o internamento do mesmo em S.O. de molde a avaliar a gravidade da situação clínica, concretamente se se tratava de um quadro doloroso de origem cardíaca ou não e a definir a estratégia clínica e a terapêutica a seguir. E tal decisão clínica impunha-se da parte da citada médica por via de se entender que isso poderia evitar o desfecho verificado - morte do utente -... Ao invés, limitou-se a agir de forma descuidada e individual, descurando o dever, a que estava adstrita, de solicitar a emissão de um parecer técnico mais diferenciado sobre o caso clínico em apreço...» - doc 12, fls 41 a 56, e fls 178/ss do PA anexo.
18) Em 1996 foi instaurado processo-crime, sob o n° 505/96.6TACSC, no 3° Juízo Criminal, do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais, sendo autor o Ministério Público, assistente I… e arguida, A… - docs fls 424 e 425.
19) Em 06/02/1997, o Ministério Público deduziu acusação, no âmbito do processo-crime n° 505/96.6TACSC, acabado de referir - doc fls 248 a 250.
20) Em 21/02/1997, a A, I…, deduziu acusação particular e pedido de indemnização cível contra a A… - doc fls 367 a 369.
21) Em 19/10/1998, foi prolatado despacho de não pronúncia da arguida A… e ordenado o arquivamento dos autos, no âmbito do processo-crime n°505/96. 6 TACSC, acima referido - doc fls 72 a 80.
22) Em 26/10/1998, a A, I… deduziu pedido de indemnização cível contra o Hospital Distrital de Cascais - doc fls 371 a 373.
23) Em 26/10/1998, os AA, L… e R…, deduziram pedido de indemnização cível contra a médica, A… e o Hospital Distrital de Cascais - doc fls 374 a 378.
24) Por acórdão de 14/04/1999, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou a prescrição do processo-crime n° 505/96.6TACSC, acima referido - doc fls 379 a 381.
25) Por acórdão de 16/11/2000, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão de 14/04/1999, do Tribunal da Relação, acabados de referir - doc fls 382 a 423.
26) Em 19/03/2003, foi intentada acção cível, sob o n° 359/02, 1° Juízo Cível, no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais - acordo e docs fls 220 e 223.
27) Em 21/04/2003, os AA interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal da Relação de Lisboa, da decisão proferida no âmbito do processo n° 359/02, 1° Juízo Cível, acabado de referir - doc fls 220.
28) Por acórdão de 16/12/2003, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, acabado de referir, mantendo a decisão recorrida, de incompetência material do Tribunal de Cascais - doc fls 133 a 144.
29) Por despacho de 18/02/2004, no âmbito do processo n° 359/02, 1° Juízo Cível, acima referido, foi indeferida a remessa dos autos para o tribunal administrativo competente, por inexistência de acordo das partes, tendo o Centro Hospital de Cascais se pronunciado pelo indeferimento - doc fls 17, para que se remete.
30) Em 20/04/2004 foi proposta a presente acção administrativa comum - doc fls 2.
31) O D…, à data do falecimento, tinha com 51 anos de idade.
32) Em 11/07/1992, a médica A… estava a exercer actividade no Serviço de Urgência do Réu, CH/C, onde também exercia a médica Dr- E….
33) O falecido D… sofreu um enfarte agudo do miocárdio em 1979; na sequência do enfarte, em 1980 reformou-se por invalidez; em 1991 foi-lhe diagnosticada cifoescliose; e em 11/07/1992 estava a fazer terapêutica regular com Isoket Retard.
34) Em 10/11/94, no âmbito do inquérito n° 1541/92-I, acima referido, foi feita a peritagem médica n° 26/94, com base nos seguintes «quesitos»:
«1. Face às queixas manifestadas pelo utente no S.U. do H.D de Cascais e ao facto de o mesmo ser "cardíaco", isto é, ter já feito um enfarte há 13 anos, impunha-se ou não o seu internamento em O.B.S para uma vigilância mais estreita? Pede-se fundamentação (? 6-6 Encontra-se nos quesitos 1 e 2, à frende da palavra «fundamentação», um ponto de interrogação. Tal sinal constitui um manifesto lapso de transcrição dactilográfica, pois não tem sentido lógico a interrogação, mas sim a afirmativa, como, de resto se vê pelo pedido afirmativo de fundamentação, nos quesitos 3 e 4.). 2. O resultado do electrocardiograma obtido no S.U daquele Hospital indicava estar-se perante um enfarte? Em caso afirmativo, qual a atitude assistencial que era no momento aconselhável? Pede-se fundamentação. 3. A terapêutica instituída ao utente era a indicada face patologia revelada pelo mesmo? Pede-se fundamentação. 4. Havia ou não possibilidades de evitar o desfecho "morte" com outro tipo de atitudes assistenciais? Pede-se fundamentação.» -doc fls 80 do PA anexo.
35) No âmbito do inquérito n° 1541/92-I, acima referido, o Perito, Dr A…, respondeu aos quesitos acabados de referir, no relatório pericial de fls 29/ss e fls 88/ss do PA, cujo teor se dá por reproduzido, dele ora se destacando «Quesito I. Dado haver referência a um enfarte de miocárdio prévio (1979) e estando o doente medicado com fármacos usados na Terapêutica da doença coronária ("Dinitrato de isossorbido") o aparecimento de dor Torácica espontânea que não alivia com o uso de nitroglicerina sub-lingual aconselharia o seu internamento, para vigilância, estabelecimento de diagnóstico definitivo e aplicação de correspondentes medidas Terapêuticas (...) Penso que essa seria a atitude correcta a tomar perante a dúvida se se tratava de um quadro doloroso de origem cardíaca ou não. Assim o doente seria internado em S.O. para parecer especializado e correspondente actuação Terapêutica. (...).
Quesito II. No que diz respeito á valorização do Electrocardiograma podemos afirmar o seguinte: a) É um electrocardiograma claramente patológico. b) Há sinais electrocardiográficos de enfarte de miocárdio em fase não aguda. c) Há sinais electrocardiográficos de "Isquémia Lesão". d) A comparação do presente electrocardiograma com anteriores electrocardiogramas certamente existentes em poder do doente poderia permitir estabelecer com maior precisão a localização topográfica e evolução cronológica das alterações electrocardiográficas observadas no exame efectuado no Serviço de Urgência do Hospital de Cascais. (...) Penso que perante os antecedentes do doente, a situação dolorosa e um electrocardiograma patológico estava indicado o internamento do doente na sala de observações e a chamada do cardiologista de Serviço para a avaliação da gravidade e definição da estratégia clinica e Terapêutica a seguir, dado que um médico de clínica geral não está capacitado nem técnica nem cientificamente em Portugal, para tratar estes doentes.
Quesito III. Não. A Terapêutica prescrita ao doente consistiu em analgésicos e anti-inflamatórios no pressuposto que o quadro doloroso não era de origem cardíaco e que seria resultante da patologia da coluna vertebral de que o doente também era portador.
Quesito IV. No campo da análise de probabilidades haveria essa possibilidade nomeadamente se a situação clínica tivesse sido diagnosticada por médico especialista em tempo útil para o doente beneficiar de Terapêutica em unidade de cuidados intensivos. Recorrendo a este tipo de unidade dotada de meios de diagnóstico e de Staff Médico e de enfermagem especializado com elevada capacidade de actuação Terapêutica em situações de urgência é possível reduzir significativamente a mortalidade de origem cardíaca em síndromes coronários agudos.
De qualquer forma é tecnicamente impossível afirmar que o desfecho "morte " teria sido evitado mesmo que o doente tivesse beneficiado de tal actuação. (...)» -Doc 7, fls 29/ss.
36) A médica A…, naquele dia 11/07/1992, medicou o D… com Flameril e a prescreveu-lhe Nimed e Profenid e, nos termos acima referidos, deu-lhe alta - Doc 8, fls 32 e doc 9, fls 33.
37) A médica A…, naquele dia 11/07/1992, encontrava-se enquadrada numa equipa de urgência, no Serviço de Urgência, devidamente tutelada.
38) O Serviço de Urgência funcionava 24 horas por dia, dispunha de salas de atendimento para Homens, Mulheres e Crianças, de sala de pequena cirurgia, de traumatologia e gessos e de internamento curto.
39) O Serviço de Urgência era apoiado pelo Bloco Operatório, Serviço de Patologia Clínica, Serviço de Radiologia e Serviço de Sangue, que funcionavam 24 horas por dia.
40) Os médicos que asseguravam o Serviço de Urgência estavam constituídos em equipas que contavam sempre com o chefe de equipa, um chefe de Serviço ou Assistente Hospitalar de cada uma das valências, internos de internato complementar; internos do internato geral e médicos de carreira de clínica geral.
41) A médica A… colocou o caso clínico à consideração de médico habilitado, não interpretou sozinha a leitura do electrocardiograma, tendo-o mostrado a um dos responsáveis da equipa e foi com base na informação de um daqueles responsáveis que a mesma escreveu na ficha clínica "sem sinais agudos de isquémia”,
42) Na sequência do falecimento do marido, a autora suportou as despesas decorrentes do funeral, que importaram na quantia de 962,18 Euros [192.900$00] -doc 13, fls 57.
43) O falecido D… era beneficiário pensionista n° 0…, do Centro Nacional de Pensões, desde 05/11/1980, e recebia a pensão mensal que, em Julho de 1992, o mesmo lhe processou, no valor de 52.290$00, e o 14° mês no mesmo valor de 52.290$00, no total de 104.580$00 - docs 20, 21 e 22, fls [68] 65/ss.
44) [eliminado, conforme decisão de impugnação da matéria de facto]
45) Para efeitos de IRS, a Companhia de Seguros F… emitiu a declaração de fls 64, doc 19, de que, o «D… auferiu no ano de 1992 as remunerações (...): TOTAL DE PENSÕES - 751.310$00».
46) O D…, em 1989, passou a trabalhar como mediador de seguros n° 1… da Seguradora F…, em casa, e nessa actividade assentava parte do seu sustento, da sua casa e dos seus filhos.
47) De 1989 a 1992, de comissões de seguros, o falecido D… auferiu da F…:
--Em 1989, 5.841,36 Euros [1.171.087$00] -doc 14, fls 58;
--Em 1990, 7.329,33 Euros [1.469.398$00] -doc 15, fls 59;
--Em 1991, 11.517,64 Euros [2.309.080$00] -doc 16, fls 60;
--No primeiro semestre de 1992, 8.583,66 Euros [1.720.869$00] -doc 17, fls 61.
48) Desde a data do falecimento do marido, a Autora passou a receber mensalmente 60% da pensão de 52.290$00, do falecido, acima referida.
49) Desde a data do falecimento do pai, o L… passou a receber mensalmente 15% da pensão de 52.290$00, do falecido pai, acima referida, até Setembro de 1998.
50) Desde a data do falecimento do pai, o R… passou a receber mensalmente 15% da pensão de 52.290$00, do falecido pai, acima referida, até Setembro de 2001.
51) O falecido D… tinha, à data de sua morte, 51 anos de idade, era pai de dois filhos e o pilar de uma família sólida e unida a qual viveu e vive sentimentos de profunda angústia e saudade provocados pela sua ausência.
52) A sua figura paternal era muito importante no seio da família, contribuindo para que os seus filhos pudessem, um dia, alcançar uma licenciatura e um futuro mais próspero.
53) O falecido constituía um ponto de referência nas atitudes e comportamentos dos filhos, acompanhando-os em tudo o que se prendesse com as suas vidas, desde os estudos ao desporto, interessando-se, tirando dúvidas.
54) O L…, estava sentado na sala, na companhia do pai e do irmão, quando o pai perdeu os sentidos, vítima de enfarte.
55) O L… viveu a sua adolescência preocupado em ajudar a mãe, que caiu em estado de angústia e depressão, bem como o irmão, que, por ser mais novo, tinha menos capacidade para enfrentar a situação.
56) O L…, na altura em que o pai faleceu, andava a preparar- se para entrar na Faculdade.
57) O L…, aos 17 anos entrou para o ano zero da Universidade Católica, onde continuou e lhe foi atribuída uma bolsa de estudos dessa Universidade.
58) O R…, filho mais novo, estava sentado no sofá da sala, na companhia do pai e do irmão, quando o pai perdeu os sentidos, vítima de enfarte, e tombou para cima de si, o que lhe trouxe momentos de recordação e grande angústia.
59) O R… tinha 14 anos quando o pai faleceu, viveu muitas preocupações e angústia por ver a mãe a sofrer, triste, abatida e deprimida, sem ser capaz de lhe poder minorar a dor.
60) O R… entrou para a Universidade Católica, onde lhe foi atribuída uma bolsa de estudos dessa Universidade; e quando era estudante fez trabalho de voluntariado, não remunerado, ao sábado, com crianças órfãs, que estavam a passar por situação idêntica à sua, e esse trabalho não era uma condição de recebimento da sua bolsa de estudos da Universidade Católica.
61) A I… teve como seu namorado, com quem veio a casar, após o regresso da guerra do ultramar, o referido pai dos seus filhos, e carregou consigo, após a morte do mesmo, o seu próprio sofrimento e o sofrimento dos seus filhos.
62) Em consequência do sofrimento e da perda do marido, a autora caiu num estado de grande tristeza, angústia, nervoso, solidão, tendo interrompido a actividade profissional, e sido sujeita a acompanhamento médico; e, decorridos dois anos e meio, foi sujeita a uma junta médica que decretou a sua incapacidade para o trabalho e a remeteu para uma situação de reforma.
63) A I…, quando foi para a referida reforma, era funcionária da Segurança Social.
64) Depois da morte do D…, o agregado familiar viveu dos rendimentos da reforma da autora, da pensão do falecido e das referidas bolsas de estudo que a Universidade Católica deu aos filhos.”

Mais se consignou quanto à matéria de facto:

“Factos não provados: com interesse para a presente decisão, não se provaram outros factos. Na verdade, excluída a matéria conclusiva, valorativa ou opinativa, não foi feita prova dos restantes factos, também impugnados pela Ré. O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente, no alegado e contra-alegado pelas partes e respetivos acordos, tudo conjugado com o disposto nos artigos 341, 342/ss e 362/ss, todos do CC e ainda 607, do CPC, bem como também se fundou no depoimento da testemunha e nas declarações de parte, prestadas nos termos dos artigos 466, 417, 452/ss e 463, do CPC. O tribunal tem em conta as regras da experiência comum, no que tange à conjugação dos factos representados nos documentos, e nos demais colhidos dos testemunhos, a que adiante se voltará. O tribunal procurou a descoberta da verdade material, buscando juízos de certeza, tendo em conta a plausibilidade, a lógica, a normalidade, a credibilidade e verosimilhança, exigíveis em Direito (7- No direito não há verdades absolutas ou matemáticas. Como ensina o Prof ANTUNES VARELA, com J. BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2§ Ed Revista e Actualizada, Coimbra Ed, 1985, pg 435 e 436, «A demonstração da realidade a que ten de a prova não é uma operação lógia visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemática. (...). A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencid de instrumento de paz social e de realização da justiça e ntre os homens. A prova visa apenas, de acordo com o s critérios de razoabilidade essenciais à aplicação pática do direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto (1). (...)».)
A I…, embora sendo autora e parte interessada, depôs de forma tranquila, isenta e coerente, merecendo credibilidade. Depôs sobre a matéria do seu conhecimento da PI, danos morais, e o seu depoimento encontra-se transcrito na acta.
O L…, embora sendo autor e parte interessada, depôs de forma serena, sincera, isenta e coerente, merecendo credibilidade. Emocionou-se e chorou várias vezes. Depôs sobre a matéria do seu conhecimento, fundamentalmente sobre danos morais, e o seu depoimento encontra-se transcrito na acta.
O R…, embora sendo autor e parte interessada, depôs de forma sincera, espontânea, isenta e coerente, merecendo credibilidade. Emocionou-se e chorou várias vezes. Depôs sobre a matéria do seu conhecimento, fundamentalmente sobre danos morais, e o seu depoimento encontra-se transcrito na acta.
A testemunha A…, apesar de ter sido Ré e visada depôs de forma sincera, espontânea, isenta e coerente, merecendo credibilidade. No final saudou os AA e lamentou a morte e o sofrimento, também ela tendo sofrido com a situação. Explicou, que embora já não se lembre do doente admite que esteve no HC nas urgências. Explicou como funcionava o estágio, as equipas, o atendimento, as competências dos estagiários, os medicamentos em causa nos autos, os diagnósticos, os anti-inflamatórios. Insistiu que só fez o que a mandaram fazer na altura. Não tinha conhecimentos de cardiologia, para ler o electrocardiograma; tinha o apoio dos outros médicos; escreveu o que lhe disseram. Que 'trabalhava com eles (pessoal) todos os dias e depois (disto, diziam) ninguém me conhecia'. Explicou a ficha médica de fls 28 dos autos e 36 do PA [doc 6] que preencheu e reconheceu a letra como sendo sua. Reconheceu como sua a letra da receita médica de fls 32 dos autos e 6 do PA [doc 8] e que foi a própria quem a prescreveu; não obstante não reconhecer como sua a rubrica e ter a vinheta de "Dr E…".”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Da nulidade da sentença

Alega o recorrente que a sentença é nula por se verificar oposição entre os seus fundamentos e a decisão, visto que a fundamentação relativa à esperança de vida do falecido D… (em conjugação com os pontos 33, 13 e 14 da matéria de facto provada), conduziria a concluir que, embora a esperança média de vida dos homens se situasse, à data do falecimento, nos 70 anos, tal idade não poderia ser considerada no caso concreto dado o falecido estar incluído numa população de risco, tendo em consideração as elevadas taxas de morte ligadas aos enfartes do foro cardiovascular, e, contudo, a sentença concluiu que se deveria tomar como idade de referência a de 70 anos.

Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
A nulidade a que se reporta a alínea c) corresponde, ora a um “vício lógico da sentença” - em que o juiz se serve de fundamentos que conduziriam a uma conclusão diversa daquela a que chegou, a qual se mostra, assim, em contradição com aqueles -, ora à ininteligibilidade da decisão por ambiguidade ou obscuridade. Como escreve Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, pp. 370 e 371), “Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que se não confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstrata, vício esse só sindicável em sede de recurso jurisdicional.” A ambiguidade existirá quando se retire da fundamentação ou da decisão mais do que uma interpretação ou do que um sentido, e a obscuridade determina a dúvida para qualquer destinatário normal.
A sentença tomou como referência a esperança média de vida à data do falecimento, 1992, que era de 70 anos, para os homens, no continente, segundo as tabelas do INE27, apesar de o falecido se encontrar “numa população de risco, tendo em consideração as elevadas taxas de causa de morte ligadas aos enfartes do foro cardiovascular, conforme dados acedíveis, entre outros, pelo sítio do INE”, concluindo que deveria ter-se como idade de referência a de 70 anos. Dos pontos 13 e 14 da matéria de facto provada resulta que, em 11/07/1992, faleceu D…, constando do relatório de autópsia que o diagnóstico anatomopatológico foi de “aterosclerose generalizada grave nas artérias coronárias do coração” e que a causa de morte foi de “enfarte recente do miocárdio”, e do ponto 33 resulta que o falecido sofreu um enfarte agudo do miocárdio em 1979, e, na sequência do enfarte, em 1980 reformou-se por invalidez, em 1991 foi-lhe diagnosticada cifoescliose, e em 11/07/1992 estava a fazer terapêutica regular com Isoket Retard.
Ora, o recorrente não invoca qualquer contradição entre a decisão (de condenação do réu a pagar indemnização aos autores) e a fundamentação (a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do réu). Diferentemente, a contradição invocada situa-se entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, o que afasta a nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Todavia, sempre se dirá que não ocorre qualquer contradição entre a referida factualidade conjugada com o enquadramento do falecimento “numa população de risco” e a consideração da esperança média de vida de 70 anos, o qual decorre da adopção do critério da esperança média de vida. No fundo, do que o recorrente discorda é da fundamentação fáctico-jurídica quanto à consideração de tal critério, discordância essa que se reconduz ao erro de julgamento de direito, e não à nulidade da sentença.
Assim, atenta a alegação do recorrente, não se verifica qualquer nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.


B. Do erro de julgamento de facto

Alega o recorrente que a factualidade constante do ponto 44 da matéria de facto não deveria ter sido dada como provada porquanto o documento que a sustenta não é apto a fazer tal prova, acrescentando que, ainda que D… recebesse, à data do falecimento, um complemento mensal da pensão de reforma, atento o montante total de pensões que lhe foi pago no ano do falecimento (constante do documento 19 junto com a p.i., correspondente a declaração da seguradora quanto aos montantes pagos), e em face do disposto na cláusula 52, n.º 2, do CCT de Seguros aplicável e do artigo 1.º da Portaria n.º 470/90, de 23/06, o valor correspondente a tal complemento seria de 93.913$75, e não de 107.330$00.
Vejamos.
O ponto 44 da matéria de facto tem o seguinte teor: 44) O falecido D…, à data do falecimento, recebia um complemento mensal da pensão de reforma, pago pela Companhia de Seguros F… de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora, no valor de 107.330$00.”
De acordo com a motivação da matéria de facto, constante do ponto 44 do probatório, a prova deste facto assentou apenas no documento de fls. 65, correspondendo o mesmo ao documento 20 junto com a p.i.. Este documento, designado na p.i. como “Tabela explicativa dos complementos de pensão de reforma, pagos e a pagar pela Companhia de Seguros F…”, constitui um documento particular de autoria desconhecida, não assinado, e que, por isso, se mostra inapto a provar a dita factualidade, ou seja: (i) que D…, à data do falecimento, recebia um complemento mensal da pensão de reforma, (ii) que tal complemento era pago pela Companhia de Seguros F…, (iii) que o seu montante era de 107.330$00 e que este valor estava de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora. Aliás, como afirma o recorrente, nem sequer decorre do probatório que D… era representado por aquele sindicato. De resto, o documento 19 junto com a p.i. – e na mesma designado como “Comprovativo do pagamento do complemento da pensão de reforma pago pela Companhia de Seguros F…” – corresponde a declaração da Companhia de Seguros F… no sentido em que, no ano de 1992, D… auferiu pensões no montante total de 751.310$00, sem fazer qualquer referência ao complemento da pensão de reforma, pelo que também não prova que este complemento lhe foi pago.
Assim, em face da inadequação do documento que sustentou a enunciação do ponto 44 da matéria de facto para fazer a prova da factualidade que o compõe, nos termos referidos, conclui-se que a mesma não se mostra provada.
Atento o exposto, procede a impugnação da matéria de facto, determinando-se a eliminação do ponto 44 da matéria de facto elencada na sentença recorrida, por não provado.


C. Do erro de julgamento de direito

Nos presentes autos, é pedida a condenação do réu a pagar aos autores uma indemnização no valor total de 1.407.333,85 €, acrescida de juros desde a data da citação até ao efectivo e integral cumprimento da obrigação, em virtude da morte do marido da autora e pai dos autores, que entendem ter resultado do agravamento do quadro clínico, que atribuem ao desrespeito dos cuidados exigíveis à médica em funções ao serviço do réu.
A sentença recorrida condenou o réu a pagar aos autores, as seguintes quantias, e os juros moratórios peticionados respectivos: a) 962,18€, de despesas decorrentes do funeral; b) 25.985.035$50, a título de lucros cessantes; c) 50.000 Euros a favor da autora, a título de danos morais; d) 30.000 Euros a favor do autor L…, a título de danos morais; e) 30.000 Euros a favor do autor R…, a título de danos morais.
O recorrente invoca o erro de julgamento de direito, insurgindo-se contra os montantes fixados a título de lucros cessantes e de danos não patrimoniais.

Quanto aos lucros cessantes, começa por alegar que não se provou que D…, à data do falecimento, recebia um complemento mensal da pensão de reforma, pago pela Companhia de Seguros F…, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora, no valor de 107.330$00 (cfr. facto 44), pelo que o valor apurado a título de complemento mensal de reforma deve ser deduzido ao montante de lucros cessantes, alegando ainda, subsidiariamente (para o caso de assim não se considerar), que a sentença errou ao concluir que a quantia anual do complemento de pensão de reforma devido ao lesado correspondia ao valor mensal desse complemento de reforma multiplicado por 14 meses, quando o CCT de Seguros aplicável fixa, nos pontos e 3 e 4 da cláusula 52 e 5 da cláusula 54, um limite máximo para a pensão complementar de reforma, daí resultando que, poderia a F… encontrar-se desonerada do pagamento ao lesado do montante que, por força da atribuição da 14.a prestação complementar, excedesse o quantitativo referido. Errou também a sentença, segundo o recorrente, ao concluir que o lesado teria direito às actualizações da pensão complementar de reforma recebida da F… sem que tivessem sido provados os factos de onde essa conclusão pudesse decorrer, concretamente, que o lesado à data da reforma, era trabalhador de seguros há mais de três anos.
Desde já se adianta que assiste razão ao recorrente neste ponto, no seguimento da procedência da impugnação da matéria de facto. Na verdade, não se tendo provado – conforme decorria do ponto 44 da matéria de facto constante da sentença recorrida, e agora eliminado - que D…, à data do falecimento, recebia um complemento mensal da pensão de reforma, não pode manter-se o valor calculado com base em tal recebimento. O montante de lucros cessantes foi calculado na sentença considerando aquela realidade que não se provou, ou seja, que D… recebia, à data do falecimento (Julho de 1992), a título de complemento mensal da pensão de reforma, o valor mensal de 107.330$00, tendo a sentença multiplicado tal valor por 14 meses para apurar o montante anual, e por 19 anos para apurar o valor que considerou no cálculo dos lucros cessantes, ou seja, 40.745.184$00. Assim sendo, este valor deve ser desconsiderado no apuramento da quantia total indemnizatória a pagar, procedendo o recurso nesta parte.

Alega ainda o recorrente o erro na fixação do quantitativo dos danos morais, atendendo a que a sentença concluiu que os recorridos não tinham feito a prova da respectiva situação económica, sem, contudo, valorar tal falta de prova naquele quantitativo, e sem valorar a situação financeira da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, que, conforme resulta dos respectivos documentos de prestação de contas dos últimos quatro exercícios, não é «boa», tendo, ao invés, sem fundamento legal, relevado a situação patrimonial do Estado. Defende ainda o recorrente que deveriam ter sido consideradas as seguintes circunstâncias: a idade de D… à data da morte (51 anos), a sua esperança de vida, atendendo às doenças do foro cardiovascular de que já padecia à data da morte, que fariam vislumbrar um desfecho de morte antecipado, e ainda o facto de todo este circunstancialismo se ter verificado num hospital público, em sede de episódio de urgência, onde são, desde há muito, conhecidas as insuficiências de meios materiais e humanos. Conclui que devem os danos morais ser fixados em montante inferior, entendendo como adequados os de €. 25.000,00 para a recorrida e de €. 15.000,00 para cada um dos restantes recorridos.
Vejamos.
Nos termos do artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código Civil, “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º;”, sendo estas circunstâncias “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (cfr. artigo 494.º), sem que as mesmas correspondam a critérios definidos, precisamente porque se trata de um juízo de equidade.
No que especificamente concerne à situação económica do agente e do lesado, visa a sua análise perceber o impacto que o pagamento da indemnização e a lesão têm na situação patrimonial de ambos.
É certo que a sentença concluiu que os autores não alegaram nem provaram quanto é que a autora auferia, quanto passou a receber de pensão de aposentação, qual a sua profissão, nem quando passou à situação de aposentação. Todavia, ficou provado – sem que o recorrente tenha impugnado tal matéria de facto - que cada um dos filhos teve uma bolsa de estudos da Universidade Católica e que a autora se aposentou da Segurança Social, circunstâncias estas que respeitam à situação económica dos autores, e que foram consideradas na fixação do quantitativo indemnizatório por danos não patrimoniais, como a sentença expressamente refere. É um ónus dos autores a alegação dos factos constitutivos do seu direito a indemnização, designadamente, os que integram as circunstâncias valoradas para aferir o montante indemnizatório. Porém, tal não invalida que sejam considerados factos que, apesar de não terem sido alegados pelos autores, tenham sido considerados provados e que sejam relevantes para aferir da situação económica dos lesados, como sucedeu no caso em apreço, em que o Tribunal a quo atendeu às circunstâncias de os recorridos filhos serem beneficiários de bolsas de estudo e de a recorrida mulher ser aposentada. Com efeito, sobre a relação entre o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal, resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC que o juiz pode fundar a sua decisão, não só (i) nos factos essenciais (que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas), alegados pelas partes nos articulados, mas também (ii) nos factos instrumentais, que resultem da instrução da causa, bem como (iii) nos factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa, (iv) nos factos notórios (que são do conhecimento geral e que não carecem de alegação nem de prova – cfr. artigo 412.º, n.º 1, do CPC ), e (v) nos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (que também não carecem de alegação – cfr. artigo 412.º, n.º 2, do CPC).
Quanto à situação económica do lesante, sendo réu o Estado, carece de fundamento a alegação do recorrente no sentido em que deveria ter sido considerada a situação económica da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, que não é parte nos autos, não recaindo, portanto, sobre a mesma o pagamento da indemnização, o que justifica que, para a fixação do seu montante, seja apenas considerada a situação económica de quem paga, no caso o Estado.
Relativamente à consideração da esperança de vida de D…, atenta a sua idade à data da morte (51 anos) e as doenças do foro cardiovascular de que padecia à data da morte, importa referir que tal circunstância não releva em sede de quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, atenta a natureza destes, além de que a esperança de vida de D… já foi considerada no cômputo dos lucros cessantes, na aferição dos danos patrimoniais.
De igual modo, a ponderação da circunstância de o acto ilícito ter ocorrido no serviço de urgência de um hospital público, com insuficiência de meios materiais e humanos, também não tem qualquer cabimento em sede de danos não patrimoniais, além de que, visando o serviço nacional de saúde realizar o direito à protecção da saúde, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, é obrigação do Estado diligenciar pelo funcionamento adequado dos hospitais públicos, não podendo o seu mau funcionamento justificar uma atenuação da indemnização.
Assim, improcede o recurso quanto à peticionada alteração do montante fixado a título de danos não patrimoniais.

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Vencidas, são ambas as partes responsáveis pelo pagamento das custas em partes iguais, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, considerando a procedência de um dos dois fundamentos invocados.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa ao cálculo da indemnização por lucros cessantes, no qual deve ser desconsiderada a quantia de 40.745.184$00, referente ao complemento da pensão de reforma, mantendo-se no demais.

Custas por ambas as partes em partes iguais.

Lisboa, 06 de Novembro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora) – a relatora atesta o voto de conformidade dos adjuntos
Mara Silveira
Lina Costa