Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1829/08.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO.
LAPSO MANIFESTO.
Sumário:O órgão jurisdicional autor do acórdão pode, a requerimento da parte, proceder à rectificação de lapsos do mesmo, desde que constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
L ………………….. vem requerer a reforma do Acórdão proferido em 12/09/2024, por meio do qual, na impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRS de 2005, o TCAS concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.
Alega nos termos seguintes:
i) Foi concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida na 1a Instância que foi favorável à impugnante e ora impetrante.
ii) Não cabendo recurso da deliberação do presente acórdão e constatando- se ter havido manifesto lapso do Tribunal ao não levar em consideração documento que só por si implica necessariamente decisão diversa da proferida, vem nos termos do Artigo 616°, n° 2, alínea b) aplicável por força do disposto no Artigo 666°, ambos os preceitos do Código de Processo Civil (CPC), (ex vi do Artigo 2°, alínea e) CPPT), requerer a reforma do acórdão.
iii) Na verdade, a sentença do tribunal a quo que julga procedente a impugnação, considera padecer a liquidação de ilegalidade, com fundamento diverso do invocado pela impugnante e ora impetrante, relativo ao “erróneo apuramento do rendimento”.
iv) E, com efeito, explicita: “Atenta a solução preconizada, fica prejudicada a análise dos demais fundamentos invocados, à excepção da questão referente a indemnização por prestação indevida de garantis (cfr. Artigo 124° do CPPT e artigo 608°, n° 2 do CPC ex vi do artigo 2°, alínea e) do CPPT)”. (pag. 28 da sentença).
v) Ou seja, o fundamento de “erróneo apuramento do rendimento” não foi nem analisado, nem apreciado.
vi) Todavia, inconformada com a decisão do tribunal a quo, a Fazenda Pública interpôs recurso para esse Venerando Tribunal que veio a proferir o douto acórdão e de que ora se pede a reforma.
vii) De facto, a impetrante e então recorrida apresentou, tempestivamente, as contra-alegações às proferidas no recurso da ERFP nelas fazendo o pedido para que fosse analisada no Tribunal Central Administrativo do Sul a fundamentação prejudicada na 1a Instância, designadamente, a fundamentação, de facto e de direito, com referência ao errado apuramento do rendimento colectável, como se alcança da transcrição constante da alínea d) supra.
viii) Foi no âmbito das contra-alegações ao recurso da Fazenda Pública que a impetrante, (na primeira e única oportunidade que teve), solicitou que esse Venerando Tribunal procedesse à análise da total fundamentação expendida pela impugnante e ora recorrida, considerando a fundamentação prejudicada, atento o disposto no artigo 665°, n° 2 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 2o, alínea e) do CPPT (pag. 9 das contra-alegações do recurso).
ix) Porém o douto acórdão limitou-se a seguir o plasmado no Relatório de Inspecção Tributária (RIT) que fundamentou a liquidação de IRS, sem cuidar de analisar o pedido da impetrante no que concerne ao valor de aquisição (trespasse) para cálculo das mais valias, documento de prova plena que. só por si, implica necessariamente, decisão diversa da proferida.
x) Com efeito, o valor de aquisição (trespasse) constitui facto dado como provado na sentença do tribunal a quo (pag 3 - m fundamentação - de facto -Alínea C) sem que tenha sofrido qualquer contestação.
xi) Apesar da clareza da fundamentação, desconsiderando, certamente por lapso, o documento de prova constante dos autos relativo ao trespasse (trata- se do valor de aquisição) e assumindo o errado valor das mais valias apuradas no Relatório da Inspecção Tributária, veio a concluir, também erradamente, repete-se: - “Em face do exposto, impõe-se concluir que o alegado erro não se comprova nos autos (pag 26).
xii) Importa reafirmar, contudo, que é errada a conclusão, supra sublinhada, dado que a impetrante nas contra-alegações proferidas no recurso explicita por um lado que requereu ao Tribunal de 2ª instância que apreciasse o pedido que foi prejudicado na 1a instância, como também de forma muito detalhada explicitou fundadamente, de facto e de direito, a importância da consideração da prova feita nos autos relativa ao valor de aquisição (trespasse).
xiii) As mais valias e as menos valias são dadas pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, este corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda - por remissão do artigo 32° do CIRS aplicável o artigo 43°, n° 2 (actual artigo 46°) e artigo 44° (actual artigo 47°) do CIRC, pelo que desprezando o valor de aquisição ou considerando-o ZERO, como foi feito no RIT e que o douto acórdão assumiu, o erro é evidente.
xiv) Na fundamentação acima expendida que aliás consta das contra-alegações ao recurso, demonstra-se com detalhe e por isso se pode concluir com certeza que o valor de €773 140,00 apurado padece de erro, sendo que o valor correcto das mais valias objecto de tributação é de €766 780,03, para tanto basta que se considere o valor de aquisição (trespasse) em cumprimento da lei.
xv) Para melhor compreensão volta a indicar-se com detalhe o correcto apuramento das mais valias tributáveis. Assim:
VR -Valor de realização €773 140,00 (considerado pela A.T.)
VA - Valor de Aquisição €99,76 (20 contos, conforme escritura de trespasse).
CDM - Coeficiente de Desvalorização de Moeda 63,75 (Portaria n° 276/2004 de 14 de abril).
Aplicando a fórmula VR - (VA x CDM) = Mais-Valias, teremos:
€773 140,00 - (€99,76 x 63,75) =
€773 140,00 - €6 359,70 = €766 780,03 - Valor das Mais-Valias.
xvi) Deste modo se conclui que o valor correcto das mais-valias a considerar é de €766 780,03 e não de €773 140,00, como indevidamente foi apurado.
xvii) Destarte, verifica-se que o rendimento colectável sujeito a IRS que subjaz à liquidação em crise, no montante de €773 140,00 padece de vício de errónea quantificação, ferindo de ilegalidade a liquidação impugnada.
Requer o deferimento do pedido de reforma de Acórdão.
A contraparte não emitiu pronúncia.
X

II- Enquadramento
2.1. A reclamante requer a reforma do Acórdão proferido pelo TCAS, em 12/09/2024, na parte em que julgou não demonstrado o erro na quantificação da matéria colectável.
O órgão jurisdicional autor do acórdão pode, a requerimento da parte, proceder à rectificação de lapsos do mesmo, desde que constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida (artigos 616.º/2/b), do CPC ex vi artigos 666.º/1, do CPC).
Está em causa o segmento decisório relativo ao ponto 2.2.3. do Acórdão reclamado, no qual se julga improcedente o alegado erro na quantificação da matéria colectável. Ou seja, os demais fundamentos da impugnação considerados improcedentes não são contestados pela reclamante.
No que se reporta ao pedido de reforma em apreço, compulsados os autos, cumpre referir que a assiste razão à reclamante. Ou seja, o cálculo da mais-valia obtida pela impugnante devia ter incluído o valor de aquisição, por trespasse, do estabelecimento em causa, tal como este resulta da alínea C) do probatório e cujo cálculo deve atender aos parâmetros dos artigos 43.º/2 e 44.º do CIRC ex vi artigo 3.º/2/c), do CIRS. Pelo que o cálculo da mais-valia em apreço efectuada pelo acto tributário sob escrutínio, ao não integrar o valor de aquisição do estabelecimento, nos termos referidos, incorreu em erro na quantificação. O que, por manifesto lapso, não foi determinado pelo Acórdão reclamado, mas que sê-lo-á através do deferimento do presente pedido de reforma.
Termos em que se julga procedente a reclamação.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em deferir, por fundada, a presente reforma de Acórdão, passando a constar do seu dispositivo o seguinte:
«Conceder provimento ao recurso da FP, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação, quanto ao erro na quantificação da matéria colectável».
Sem custas.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto – Rui A. S. Ferreira)

(2 ª. Adjunta -Ana Cristina Carvalho)