Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:819/10.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OMISSÃO DE PROVEITOS À SOCIEDADE
RECEBIMENTOS EM CONTAS PARTICULARES DOS SÓCIOS
ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
Sumário:i) A presunção constante do art.º 6.º, n.º 4, do CIRS só funciona quando estejamos perante lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, nos termos ali previstos.

ii) Não funcionando qualquer presunção, cabe à AT demonstrar que determinados depósitos bancários se configuram como rendimentos da categoria E de IRS.

iii) A falta de demonstração, por parte da AT, do referido em ii) reverte contra a mesma.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

J …………….., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação oficiosa de IRS – Retenções na Fonte, Categoria E-, com o n.° ……………297, relativa ao ano de 2002 que, após compensação, resultou a pagar o montante de €9.371,34.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:

“I - A tributação, em sede do IRS, imputada oficiosamente ao Impugnante/Recorrente louva-se no acréscimo efectuado pela ATA aos rendimentos declarados voluntariamente pelo Impugnante Recorrente, na quantia de 24.160,52€, que esta caracterizou como sendo distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, por força do Art.º 5.º, n.º 1 e n.º 2, al. h) do CIRS (na redacção à data);

II - Só que na verdade, e ao contrário do pretendido ou afirmado pela ATA, a sociedade de que o Impugnante era accionista (U....................... – U……………, SA) nunca entregou ou colocou à disposição do Impugnante/Recorrente qualquer importância, no ano de 2002, a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, a sair dos lucros da própria sociedade, gerados na sua actividade comercial;

III - De qualquer maneira também incumbia à própria ATA, nos termos do Art.º 74.º, n.º 1 da LGT alegar e fazer prova dos pressupostos da tributação na esfera do Impugnante/Recorrente, coligindo e apurando para aquela tributação, mormente e que a sociedade gerou lucros no exercício de 2002; que houve deslocações ou transferências financeiras de fundos próprios da sociedade para o Impugnante e que tal importância foi paga ao accionista da forma X ou Y, etc., etc.;

IV - De qualquer modo o que é certo é que não existiu a entrega, a favor do Impugnante, de. qualquer importância, no sentido técnico jurídico, a título de lucros ou adiantamento por conta dos lucros, proveniente de fundos da sociedade de que era accionista e para si;

V - Também a presente tributação não se pode basear na presunção de rendimentos da Categoria E que resulta da redacção do Art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, já que os rendimentos aí previstos e para serem presumidos terão de constar de lançamentos feitos em quaisquer contas correntes dos sócios escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e que não se prove que resultem de mútuos, do exercício de cargos sociais ou de contrapartida para prestação do trabalho;

VI - Prova que a ATA deveria fazer, mas que não fez, como obviamente resulta do RIT junto ao p.a.;

VII - Por isso a liquidação impugnada, deve ser também anulada por vício de forma por a douta Sentença ter cometido um erro de julgamento, ao violar os pressupostos de facto e de direito inerentes àquela tributação.

Assim, nestes termos,

e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele, deve ser revogada “in totu” a douta Sentença Recorrida.

Como é de Justiça.”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão a resolver reconduz-se, nuclearmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar a qualificação que a Administração tributária fez dos proveitos omitidos à sociedade e pretensamente entrados em contas particulares dos sócios como adiantamentos por conta de lucros.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 03.04.2003 o impugnante entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2002, da qual resultou a liquidação n.° …………863, emitida em 26.08.2003, que apurou imposto a pagar no montante de € 2.320,22 - cf. fls. 30 a 35 do processo administrativo tributário (PAT) apenso.

B) Em cumprimento da ordem de serviço n.° OI200605708, de 27.09.2006, o Impugnante e mulher, M …………….., NIF ……….., foram sujeitos a uma ação e inspeção interna de âmbito parcial (IRS), na sequência de inspeção realizada ao sujeito passivo “U....................... U…………, S.A.” em sede de IRC, considerando a qualidade de acionista que o ora impugnante tem na referida sociedade - cf. o respetivo relatório de inspeção tributária (RIT) a fls. 39 a 48 do PAT.

C) No âmbito da ação inspetiva referida na alínea anterior os sujeitos passivos, notificados para o efeito através do ofício n.° 081989, de 11.10.2006, exerceram o direito de audição prévia, por requerimento entrado nos serviços da AT em 23.10.2006, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde, no essencial, alegaram (i) a falta de notificação prévia nos termos dos art.°s 37 e seguintes do RCPIT, relativa ao início da acção inspetiva e que (ii) a ordem de serviço resulta de informações recolhidas na acção de inspeção à empresa U....................... U……….., S.A., cujo processo não se encontra ainda finalizado - cf. fls. 109 a 111 do PAT apenso.

D) No âmbito da ação inspetiva referida na alínea B), foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética à matéria coletável de IRS dos do ano de 2002, as quais alteraram o rendimento coletável de € 35.452,23 para € 59.612,75, resultando do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como dos respetivos documentos anexos, designadamente os cheques e documentos relativos a transferências bancárias a que correspondem os “Docs. 2 e 3” do qual resulta, além do mais, o seguinte:
“[…]

III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

Apuramento do rendimento Categoria E

No decurso da acção de fiscalização à empresa U....................... U………, S.A., NIPC ……….., constatou-se que na venda de imóveis, foram omitidos valores que não concorreram para a formação dos proveitos da mesma.

Foram notificados os adquirentes dos imóveis comercializados no ano de 2002, para se pronunciarem sobre a referida compra, solicitando que se fizessem acompanhar de todos os elementos subjacentes à operação em causa, nomeadamente contrato promessa de compra e venda e comprovativos dos meios de pagamento utilizados.

Na sequência destas notificações, foram recolhidas provas que evidenciam a existência de movimentos financeiros à ordem duma conta bancária sediada no Banco ………… com o n° ………, em nome de J ………….., NIF …………. Esta conta e conforme declaração prestada pelo próprio que se junta em anexo (Doc.1), é solidária com os restantes accionistas da U......................., J ………….., NIF ……….., A …………., NIF ……….. e G ……………, NIF ………...

Os elementos de prova recolhidos nos processos dos adquirentes são:

Ø Dois cheques do Banco ……….. A……..n°s ………. e …… emitidos em 2002-10-11 e 2002-11-19 respectivamente, nos montantes de € 9.975,96 e €14.963,93, tendo sido depositados na conta bancária referida no ponto 2, ou seja à ordem dos sócios da U......................., em anexo (Doc.2);

Ø Três transferências emitidas à ordem de J …………, especificamente conta …….. sediada no B ……………, perfazendo o montante total de € 168.344,29, em anexo (Doc.3).

Estes valores colocados à disposição dos sócios, consubstanciam um rendimento enquadrável na categoria E, nos termos da alínea h) do n° 2 do artigo 5º do C.I.R.S.; por estarmos perante uma operação que é assimilada a adiantamento por conta de lucros.

Desta forma, o valor de € 193.284,18 apurado junto dos adquirentes deveria ter sido imputado aos quatro sócios – J …………., J ………….., A ………….. e G ……………, no montante de € 48.321,05 /cada.

Como este montante não foi apresentado pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos mod. 3 para o ano de 2002, será de incluir no campo 405 do anexo E o montante de € 24.160,52, correspondente a 50% do valor do adiantamento por conta de lucros que cabe a cada sócio, nos termos do n° 1 do art. 40°-A do C.I.R.S.

[...]

VIII - Direito de Audição - Fundamentação

[...]

8.2.2. - Apreciação das alegações apresentadas pelo contribuinte no exercício do direito de audição prévia

No que respeita à 1ª alegação apresentada pelos sujeitos passivos e descrita no ponto anterior, temos a esclarecer que a presente Ordem de Serviço tem natureza interna conforme indicado no ponto II.2. “Motivo, Âmbito e Incidência Temporal” deste Relatório.

Os artigos mencionados pelos S.P.’s (arts. 37° e seguintes do RCPIT) inserem-se no referido código no Capítulo III - “Notificações e Informações”, do Título IV - “Actos de inspecção” da Parte I - Procedimentos de Inspecção Tributária que define de forma generalista as regras a que devem obedecer as notificações efectuadas pela inspecção tributária aos S.P.’s, no decurso do procedimento de inspecção.

A obrigatoriedade de notificação prévia do início do procedimento inspectivo, está regulada no n.° 1 do art°. 49° do RCPIT, aplicando-se exclusivamente aos procedimentos externos de inspecção.

Os artigos referidos pelos contribuintes na sua alegação não constituem de forma alguma um motivo que justifique colocar em causa a presente acção inspectiva, uma vez que as acções de inspecção intemas (como é o caso) não estão sujeitas ao formalismo de envio da notificação de início do procedimento de inspecção.

Quanto à 2ª alegação defendida pelos sujeitos passivos, os elementos que levaram à abertura desta ordem de serviço foram efectivamente recolhidos no âmbito da acção inspectiva realizada à empresa U......................., cujo procedimento de inspecção foi concluído com a elaboração e notificação ao sujeito passivo do Relatório Final, conforme disposto no n.° 1 e 2 do art.° 62° do RCPIT. Independentemente do resultado final que vier a ser imputado à empresa U......................., decorrente das incorrecções praticadas em sede de IRC, depois de exercido o direito à reclamação e impugnação, que lhe assiste nos termos da Lei, nada obsta a que se retirem as conclusões que deram origem à presente acção inspectiva.

O procedimento inspectivo que tem por base a OI 20060571, é autónomo sendo o seu âmbito parcial, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e visa tributar o valor apurado pela soma dos cheques à ordem dos sócios, disponibilizados pelos adquirentes das fracções alienadas pela empresa U......................., e como tal colocados à sua disposição, o que consubstancia um rendimento enquadrável na categoria E, nos termos da alínea h) do n° 2 do artigo 5° do C.I.R.S., por estarmos perante uma operação que é assimilada a adiantamento por conta de lucros.

Em face do exposto nos parágrafos anteriores, verifica-se que os sujeitos passivos não juntaram ao processo elementos que permitam contrariar os valores apurados e referidos no projecto de correcções do relatório, pelo que os mesmos se convertem em definitivos.

[...]» - cf. o RIT a fls. 39 e sgts. do PAT.

E) O relatório de inspeção foi superiormente sancionado por despacho de 08.11.2006, pelo “Chefe de Divisão”, J ……………, fazendo a seguinte menção” “Por Subdelegação do Director de Finanças Adjunto (DR II série n.° 61 de 27/3/2006)” - cf. fls. 39 do PAT.

F) Ato Impugnado: Em 29.11.2006, na sequência da ação de inspeção supra referida, foi emitida, em relação ao ano de 2002, a liquidação adicional de IRS n.° ……………297, que apurou imposto no montante de € 10.534,78 e € 1.156,78 de juros compensatórios - cf. doc. 1 junto à p.i..

G) Em 04.12.2006 foi emitida a demonstração de compensação, considerando a liquidação identificada na alínea que antecede e a mencionada em A), apurando a quantia de € 9.371,34 a pagar, com data limite de pagamento voluntário em 10.01.2007 - cf. doc. 1 junto à p.i.

H) Em 10.05.2007 o impugnante e mulher, M …………….., apresentaram reclamação graciosa da liquidação identificada F), a qual, após notificação para efeitos de audição prévia, foi indeferida por despacho de 26.11.2008, com os fundamentos constantes da informação dos serviços de 19.11.2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e notificada aos reclamantes em 05.12.2008 - cf. o processo de reclamação graciosa apenso.

I) Em 02.01.2009 o ora impugnante e mulher, M ………………., apresentaram recurso hierárquico da decisão que antecede, no essencial, com os mesmos fundamentos que servem de causa de pedir na presente impugnação, e que foi objeto de indeferimento por despacho de 12.01.2010, com os fundamentos constantes da informação dos serviços de 04.01.2010, que aqui se dá por reproduzida, sendo dispensado o cumprimento da formalidade de audição prévia, considerando que a Administração Fiscal se limitou a fazer interpretação das normas aplicáveis aos factos, bem como, os factos apresentados no recurso hierárquico terem sido os mesmos da reclamação graciosa, os quais já foram submetidos a audiência de interessados, nessa fase do procedimento [...], nos termos do disposto na alínea a) e c) do n.° 3 da circular n° 13, de 08/07/1999, da Direcção de Serviços da Justiça Tributária - cf. o processo de recurso hierárquico (RH) apenso.

J) Em 25.02.2010 o impugnante foi notificado da decisão que antecede - cf. fls. finais, não numeradas, do RH apenso.

K) A presente impugnação judicial foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por correio registado em 28.05.2010 - cf. fls. 3 dos autos.

*
Factos não provados:

1) Que o cheque do B ………… A…………. n° ……….2, relativo a conta bancária de que é titular N ……………., emitido em 11.10.2002, pelo montante de € 9.975,96, que correspondem ao doc. 2 anexo ao RIT, nada “têm a ver com o exercício comercial da U.......................”, antes se tratando de pagamento que “visavam a satisfação de créditos particulares entre as partes” (cf. artigo 32.° da p.i.)

2) Que as três transferências bancárias ordenadas por M….. ……. para a conta do ora impugnante sediada no Banco …………., perfazendo o montante total de € 168.344,29, nada “têm a ver com o exercício comercial da U.......................”, antes se tratando de pagamento que “visavam a satisfação de créditos particulares entre as partes” (cf. artigo 32.° da p.i.)

Motivação de facto
A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, que não foram impugnados.
Relativamente aos factos dados por não provados, resultam de nenhuma prova ter sido produzida sobre os mesmos.”.


B.DE DIREITO

A questão dos autos não é nova e consiste em saber se proveitos omitidos à sociedade e pretensamente entrados em contas particulares dos sócios constituem rendimentos tributáveis em IRS a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS.

Na redacção vigente à data dos factos dispunham os artigos 5.º e 6.º do CIRS, no segmento pertinente:

«Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

a) (…)

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
».
«Artigo 6.º
Presunções relativas a rendimentos da categoria E
1 - (…)

4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.»

Vertendo aos autos e como mostra o probatório, extrai-se do relatório de inspecção tributária que foram omitidos à contabilidade da sociedade proveitos provenientes da venda de imóveis e que se comprovou a entrada de dinheiro em contas bancárias dos sócios, entre os quais, o impugnante, ora recorrente.

Por outro lado, resultou «não provado» que as quantias entradas nas contas particulares dos sócios através de cheque e transferência bancária de adquirentes de imóveis à sociedade não estivessem relacionadas com a actividade social e visavam a satisfação de créditos particulares entre as partes (aqueles adquirentes e o impugnante e demais sócios).

Face a este enquadramento factual, desde já se adianta que assiste razão à Recorrente, pelas razões expendidas no Ac. deste TCAS, de 03/24/2022, tirado no proc.º 1955/09.5BELRS, que se debruçou sobre questão idêntica e cuja linha de raciocínio seguiremos, com as adaptações que se imponham.

Com efeito, a Administração tributária partiu da existência de depósitos na conta bancária dos sócios para a sua configuração enquanto adiantamentos por conta de lucros, nada constando do RIT que permita sustentar tal configuração enquanto rendimento da categoria E.

Na verdade, os valores em causa não estavam escriturados na contabilidade da sociedade, pelo que não se pode lançar mão da presunção consagrada no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS.

Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 31.03.2016 (Processo: 06368/13) e do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.07.2017 (Processo: 00484/07.6BEVIS), de 21.11.2019 (Processo: 00700/11.0BECBR) e de 29.04.2021 (Processo: 00337/14.1BEPRT).

Com efeito, não se pode confundir depósitos em contas bancárias com escrituração na contabilidade, em sede de conta corrente dos sócios. Quando se fala em conta corrente dos sócios pretende-se abarcar a escrituração contabilística de determinados valores, designadamente em diversas das subcontas da conta 25 do Plano Oficial de Contabilidade, então em vigor.

Como tal, não se estando perante situação em que fosse de lançar mão da presunção referida, caberia à AT demonstrar o quid da qualificação efectuada.

No entanto, em sede de RIT, a AT, concluiu, com base fática insuficiente para o efeito, estarmos perante adiantamentos por conta de lucros.

Na verdade, a administração limitou-se a concluir, sem mais, que os depósitos em contas bancárias eram rendimentos de capitais do recorrente.

Aliás, não fica clarificado por que motivo a AT optou por esta qualificação e não por uma outra qualificação.

Dos elementos constantes do RIT não se podem extrair, nem do ponto de vista fáctico, nem do ponto de vista de direito, os pressupostos para esta qualificação efectuada pela AT, porquanto, as conclusões extraídas não estão devidamente alicerçadas.

Por outro lado, a qualificação como rendimento da categoria E tem carácter residual como se extrai do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, não ficando na discricionariedade da Administração escolher se um determinado rendimento há-de ser qualificado, por exemplo, como rendimento da categoria A, ou da categoria E.

Nestes termos, considerando por um lado que não estamos perante uma situação de funcionamento da presunção prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS e que a AT, ao contrário do que lhe impõe o art.º 74.º da Lei Geral Tributária, não logrou demonstrar o que alegou, ou seja, que as quantias depositadas em contas bancárias dos sócios constituem adiantamentos por conta de lucros, forçoso é concluir que assiste razão ao Recorrente.

A circunstância de o Recorrente não ter logrado provar que as entradas de dinheiro em conta particular dos sócios, com origem em cheque ou transferência bancária efectuada por compradores de imóveis da sociedade, não se relacionam com a actividade da empresa, mas com créditos particulares, não releva, face ao erro de qualificação jurídica em que incorreu a AT ao caracterizar aquelas importâncias, sem mais, como adiantamentos sobre lucros.

Na mesma linha decisória e com interesse para o tema dos autos pode ver-se os recentes Acórdãos deste Tribunal tirados nos Processos n.º 146/10.7BESNT e 193/10.9BELRA, ambos de 30/10/2025, em que o Relator é o mesmo deste.

A sentença, que se afastou da linha decisória que tem vindo a ser seguida neste Tribunal, incorreu no apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular a liquidação impugnada.

Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 13 de Novembro de 2025

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Vital Lopes


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Ana Cristina Carvalho


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Sara Loureiro