Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:678/23.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:CORREÇÕES ARITEMÉTICAS – IRS E IVA
VALORAÇÃO DA PROVA
VÍCIOS DO ATO IMPUGNADO E VICIOS DA SENTENÇA
ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES DO RECURSO
Sumário:I- A decisão de facto não pode ser povoada de juízos de direito ou juízos conclusivos;

II- O tribunal deve fundamentar a decisão de facto, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado;

III-Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção;

IV- O Tribunal recorrido analisa os vícios do ato e, no recurso, a parte pode evidenciar o seu inconformismo sobre a análise empregue nessa apreciação das ilegalidades do ato feita pelo Tribunal a quo, imputando-lhe erro de julgamento de facto ou de direito ou nulidade, sem que caiba a este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre as ilegalidades do ato;

V-A finalidade das conclusões recursivas, nos termos do artigo 639º do CPC, essencialmente quando está em causa o erro de julgamento do direito, é definir o objeto do recurso, através da identificação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações, sob pena de ficar impossibilitada a apreciação dessa parte do alegado vício/erro.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
*

I - RELATÓRIO

S......., ora recorrente, veio apresentar recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico por si interposto da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa que apresentara contra os atos de liquidação adicional de IRS, consubstanciados nas liquidações n.º 20....... (do ano de 2017) e n.º 20....... (do ano de 2019), bem como, os atos tributários de IVA, n.º 20......., nº 20......., nº 20....... e nº 20.......(do ano de 2017), n.ºs 20......., 20......., 20.......e nº 20....... (do ano de 2019), e as respetivas liquidações de juros compensatórios, no valor global de 38.217,76€.


*




A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

“1-A douta sentença recorrida, não só não deu como provada a matéria de facto adveniente do teor da prova testemunhal e documental, como também não extraiu nenhuma consequência jurídica da mesma, no âmbito da ação, mostra-se assim necessário, ao abrigo do artigo 640° do Código Processo Civil, que a recorrente proceda à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com base nos fundamentos da sentença.

2- A recorrente, considera que existem pontos n.°10, 16, 25 e 27 de facto incorretamente julgados, porque totalmente omitidos na douta sentença, que têm de ser alterados.

3- Ao decidir nos termos em que fez, o Tribunal a quo, violou o disposto no artigo 20° da CRP, impossibilitando a Recorrente de aceder ao principio da tutela jurisdicional efetiva, através do qual, aquele dispõe do direito a um processo equitativo.

4- Não fundamentou de forma clara e suficiente de facto e de direito, esse ato de liquidação oficioso de forma a permitir ao interessado destinatário percecionar o itinerário cognoscitivo - valorativo seguido e que permitiu à AT fixar oficiosamente o seu rendimento global para efeitos de IRS realtivo a 2017 e 2019, tal como prescreve o artigo 268° n.° 3 da CRP, sem que fosse ouvido.

5- O tribunal a quo, sob o pedido da Recorrente em relação à substituição da declaração de acordo com a tributação de rendimentos conjunta e não em separado, conforme consta no pedido, aquando da entrada da ação, não de pronunciou em douta sentença, a mesma é omissa, neste pedido.

6- A omissão de pronúncia geradora de nulidade apenas ocorre quando o tribunal não aprecia ou não decide matérias que a lei impõe que conheça e decida. Essas questões são aquelas que as partes submetam à apreciação do tribunal (cf. n.°2 do artigo 608.° do CPC) e aquelas que o tribunal deve conhecer.

7-A falta de audição do contribuinte antes do indeferimento do recurso hierárquico não dispensada nos termos do artigo 60°, no 3 da LGT, constitui um vício de procedimento determinante, em princípio, da anulabilidade do acto.

8- O que fere de nulidade e /ou de ineficácia jurídica, o ato sob recurso e/ou o respetivo ato de notificação.

9- Sobre estas questões também não se pronunciou a douta sentença sob recurso, o que fere de nulidade a sentença sob recurso por omissão de pronuncia.

10- A falta de audição do marido na decisão do recurso hierárquico; a ausência da fundamentação legalmente exigida para alteração da matéria tributável, através de correcções de natureza meramente aritmética; a ausência da fundamentação legalmente exigida para o recurso aos métodos indirectos; a ausência da fundamentação legalmente exigida do acto tributário; a errónea quantificação da matéria tributável, gera a nulidade do acto.

Ora,

11- A Douta sentença, proferida pela Meritíssima Juiz a quo, fez uma incorreta aplicação da lei e violou o artigo 344°, n.° 2 do CC e os artigos 74°, n.° 3, 87° alínea b) e 88°, alínea b), todos da LGT.

12-A Douta sentença, violou normas legais contidas nos artigos 34°, n.° 1, 154°, n.° 1, 607, n.° 1 in fine 3 e 4 e 615° n.° 1 als. b) e d) e 4 do NCPC, artigos 66° e 149°, n.° 2 e 5 do CIRS, artigo 59°, N.° 1 E 3 AL), 60°, n.° 1 al. a), 62°, 77°, n.° 1, 2, 3 e 95°, n.° 1 e 2 als a), d) e j) da LGT, artigo 3, 6A, 7°, 8, 37 n.°2, 38°, 68°, N.° 1, 100 e ss., 123°, N.° 1 ALS. A ) e d) e 2 e 125°, n.°2 do CPA, artigos7°, 36°, 37°, 38° n.° 1, 39° n.°11, 58°, n.°1 e 190°, n.° 1 do CPTA, artigos 8° e 9 do DL 48.059, de 23/11/1967, artigo 1°, n.° 2 al. d), 14° n.° 2, 3 e 4, 22°, n.°8, 23°, 27° e 50°, n.°1 do DL 135/99 e artigos 12, n.° 1, 17°, 18° n.° 1, 20°, n.° 2, 36°, n.°3, 119°, n.°2 e 3, 204°, 266° n.° 2 e 268°, n.° 3 e 4 da CRP .

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências deve ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se a modificação da matéria da decisão de facto, artigo 662, do cpc ex vi artigo 2° alínea e), do cppt), nos termos supra expostos e a revogação da sentença recorrida, com a consequente anulação dos atos de liquidação de irs e de juros em apreço, praticado com referência ao exercício de 2017 e 2019 e ainda anulando todo o processado após a omissão pela AT do dever de audiência prévia do interessado, nos termos prescritos nos artigos 59, n.° 1 e 60°, n.° 1 alínea a) da LGT e art.° 100° ess. do cpa, e/ou por omissão da notificação pessoal ao cônjuge da Recorrente de todos os atos tributários aqui em causa, com todas as legais consequências.

Como é de

JUSTIÇA!”.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].

Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se a decisão recorrida padece dos seguintes vícios:
(i) - Nulidade por omissão de pronúncia;
(ii) - Nulidade por falta de audição do interessado (marido), antes do indeferimento do recurso hierárquico;
(iii) - Erro de julgamento de facto;
(iv) - Erro de julgamento de Direito e falta de fundamentação da liquidação.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A Impugnante estava coletada desde 26/07/2003 com a atividade "Advogados" com o CAE 6010 e enquadrada no regime normal trimestral em IVA e no regime simplificado de tributação em IRS passando a estar enquadrada a partir de 01/01/2023 em IRS no regime de contabilidade organizada - cf. informação a fls. 509 do PAT apenso aos autos;

2. Em 05/03/2018 foi celebrado um contrato intitulado "Contrato promessa de trespasse de estabelecimento comercial" entre D......., como primeira outorgante e L....... e A......., como segundos outorgantes, tendo por objeto o estabelecimento comercial denominado "V......." localizado no rés do chão do prédio sito em Zona Industrial Nova Doca de Pesca, Olhão, Concelho de Olhão, no qual pode ler-se: «

“(texto integral no original; imagem)”
(cf. contrato, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 270274 do PAT apenso aos autos);

3. Em 03/04/2018 foi efetuada uma transferência bancária da conta n.°00........., do BANCO ......... pertencente à Impugnante no montante de €34.000,00 para o IBAN PT......... em nome de D....... - cf. comprovativo a fls. 269 do PAT apenso aos autos;

4. No ano de 2018 foi emitida a liquidação de IRS n.° 20........., em nome da Impugnante, referente ao ano de 2017, no montante a pagar de €10.624,80 - cf. demonstração da liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 26 do PAT apenso aos autos;

5. No ano de 2020 foi emitida a liquidação de IRS n.° 20........., em nome da Impugnante, referente ao ano de 2017, no montante a pagar de €625,43 - cf. demonstração da liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 32 do PAT apenso aos autos;

6. Em 29/04/2021 foi determinado através da ordem de serviço n.° OI......... a realização de uma ação de inspeção externa à Impugnante de âmbito geral ao ano de 2017 - cf. ordem de serviço a fls. 74 do PAT apenso aos autos;

7. Em 04/05/2021 foi determinado através da ordem de serviço n.°OI.........a realização de uma ação de inspeção externa à Impugnante de âmbito geral ao ano de 2019 - cf. ordem de serviço a fls. 74 do PAT apenso aos autos;

8. Em 28/10/2021 foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém propondo correções aritméticas ao IRS Categoria B do ano de 2017 no montante de €53.654,65 e ao IVA do ano de 2017 no montante de €24.898,30 - cf. projeto de relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 75-93 do PAT apenso aos autos;

9. Em 28/10/2021 foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém propondo correções aritméticas ao IRS Categoria B do ano de 2017 no montante de €172.141,31 e ao IVA do ano de 2019 no montante de €38.809,66 - cf. projeto de relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 139-157 do PAT apenso aos autos;

10. Em 02/11/2021 foram enviados à Impugnante os ofícios n.° 2450 e n.° 2451 pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém aos quais foram juntas cópias dos projetos de relatório de inspeção tributária referidos nas alíneas anteriores para se pronunciar sobre os mesmos - cf. ofícios a fls. 98 e 162 do PAT apenso aos autos;

11. Em 03/12/2021 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém propondo correções aritméticas ao IRS Categoria B do ano de 2017 no montante de €62.838,83 e ao IVA do ano de 2017 no montante de €20.372,61 e no qual pode ler-se:
«(…)

“(texto integral no original; imagem)”

(…)»
(cf. relatório final, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 102-132 do PAT apenso aos autos);
12. Do Anexo ao relatório final de inspeção tributária referido no número anterior consta a seguinte listagem:

“(texto integral no original; imagem)”


».
(cf. Anexo ao RIT a fls. 134-136 do PAT apenso aos autos);

13. Em 06/12/2021 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém propondo correções aritméticas ao IRS Categoria B do ano de 2019 no montante de €147.831,39 e ao IVA do ano de 2019 no montante de €32.597,13 e no qual pode ler-se:
«(…)

“(texto integral no original; imagem)”

(…)»
(cf. Relatório final, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 206-237 do PAT apenso aos autos);

14. Do Anexo ao relatório final de inspeção tributária referido no número anterior consta a seguinte listagem:
«

“(texto integral no original; imagem)”
»
(cf. Anexo ao RIT a fls. 239-241 do PAT apenso aos autos);

15. Em 09/12/2021 foram proferidos despachos pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém sobre os relatórios finais dos anos de 2017 e de 2019 referidos nos números anteriores com o seguinte teor: «Concordo. Confirmo as correções nos termos propostos à margem. Procedimentos subsequentes adequados.» - cf. despachos a fls. 102 e 206 do PAT apenso aos autos;

16. Em 09/12/2021 foram enviados à Impugnante os ofícios n.° 2702 e n.° 2703, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém aos quais foram juntas cópias dos relatórios finais de inspeção tributária referidos nos números anteriores dando conhecimento das correções do rendimento em IRS do ano de 2017 no montante de €62.838,83 e do ano de 2019 no montante de €147.831,39 - cf. ofícios, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 98 e 242 do SITAF;

17. Em 20/12/2021 foi emitida a liquidação de IRS n.°20........., em nome da Impugnante, referente ao ano de 2017, no valor a pagar de €24.860,66 que originou a nota de cobrança n.° 20........., no valor a pagar de €14.235,86 até 31/01/2022 que se encontra parcialmente regularizada/anulada - cf. demonstração da liquidação e informação a fls. 28 e 536 do PAT apenso aos autos;

18. Em 17/12/2021 foi emitida a liquidação de IRS n.° 20........., em nome da Impugnante, referente ao ano de 2019, no valor a pagar de €53.700,78 que originou a nota de cobrança n.° 20........., no valor a pagar de €53.075,35 até 13/01/2022 que se encontra regularizada/anulada - cf. demonstração da liquidação e informação a fls. 34 e 536 do PAT apenso aos autos;
19. Em 21/12/2021 e em 22/12/2021 foram emitidas em nome da Impugnante as seguintes liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios (JC) dos anos de 2017 e de2019:

“(texto integral no original; imagem)”



(cf. Documentos "DETALHE DA LIQUIDAÇÃO" e "DETALHE DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS" a fls. 38-69 do PAT apenso aos autos);

20. Em 01/02/2022 foram emitidas as seguintes declarações por R..........:

«

“(texto integral no original; imagem)”

 »
(cf. DOC. N.° 2 junto pela Impugnante a fls. 607-608 do SITAF);

21. Em 21/02/2022 foi registada no Serviço de Finanças de Tomar a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante contra as liquidações de IRS e de IVA referidas em 17., 18. e 19. supra - cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 244-255 do PAT apenso aos autos;

22. Em 04/03/2022 foi proferido acórdão pela 2.ª secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados no processo n.°57/2020-CS/L, no qual deliberou, por unanimidade, «não dar laudo nos honorários de €68.529,63+IVA, mas dá-los pelo valor de €12.500,00, acrescido do IVA devido e deduzido do montante recebido a título de provisão para honorários» - cf. ofício, laudo e deliberação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 418-427 do PAT apenso aos autos;

23. Em 23/06/2022 foi prestada informação pela Direção de Finanças de Santarém propondo o deferimento parcial da reclamação graciosa e na qual pode ler-se:

«(…)

123.
Nesta conformidade, e atendendo à prova documental apresentada, importa reformar o nosso projeto de correção desconsiderando o montante inicialmente corrigido de €81.102,74 e passando a considerar como rendimento o valor apurado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados de €12.500,00 que, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, totaliza €15.375,00.

124.
Resumidamente, o direito de participação e a prova documental acrescentada pela reclamante permite afastar de tributação um montante total adicional de €78.939,91 aquele inicialmente proposto no nosso projeto de decisão.

125.
Para o ano de 2019, e atentos ao montante que já havíamos considerado no projeto de decisão adicionado daquele que foi apurado na apreciação do direito de participação, a reclamante logrou apresentar prova documental válida e suficiente que permita aceitar, para o ano de 2019, um montante total de €83.061,11 subjacente aos movimentos bancários acima escalpelizados, enquadrável como reembolso de despesas incorridas em nome de clientes ou reembolso de valores indevidamente cobrados e, por esse motivo, excluída de tributação, em observância do estatuído na alínea b) do n°1 do artigo 116º CIRS.

126.
Como as justificações aceites totalizam num montante bruto de €83.061,11 e correspondem ao recebimento com IVA incluído, então o valor a corrigir, em sede de IRS, para efeitos de Rendimento Ilíquido de Categoria B será de €67.529,36, a que correspondem €15-531,75 de IVA, conforme se demonstra no quadro infra:

127.
A - Rendimento bruto a desconsiderar: €83.061,11
B = (A/1.23) - IRS: €67.529,36
C = (A-B)- IVA 23%: €15.531,75

128.
Desta forma, no campo 403 do anexo B da declaração MOD3 IRS referente ao ano de 2019 deverá deixar de constar o montante corrigido de €153.521,64, expurgando o montante ora apurado de €67.529,36 e passando a constar o rendimento ilíquido de €85.992,28.

129.
No que ao IVA respeita, importa imputar e fazer refletir nas bases tributáveis e imposto apurado, evidenciadas no campo 3 e 4 das DPIVA, os valores aceites como reembolso de despesas incorridas por conta do cliente, por período.

130.
Assim, resulta no apuramento seguinte:

201903T: Não há correção a registar
201906T - Montante de rendimento a reduzir: €1.502,44 Montante de imposto a reduzir: €345,56
201909T - Montante de rendimento a reduzir: €1.496,91 Montante de imposto a reduzir: €344,29
201912T -Montante de rendimento a reduzir: €67.529,36 Montante de imposto a reduzir: €15.531,75

VIII - DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

131.
Nos termos do artigo 43.° da LGT, não há lugar, in casu, à atribuição de Juros indemnizatórios.

IX – CONCLUSÃO

132.
Neste desiderato, considerando:
- A informação que antecede:
- A documentação em anexo;
- A informação constante no sistema informático da AT;
- O estipulado no artigo 55.°. da LGT;

X - PROPOSTA

133.
Em face do exposto, e tendo em consideração os factos novos e a prova documental acrescentada pelo direito de participação, propõe-se o DEFERIMENTO PARCIAL do pedido, resultando dessa decisão:

134.
I - A recolha de DCU-MOD 3 IRS para os anos de 2017, onde se mostre evidenciado no campo 403 do anexo B o montante de €81.325,74;

II- A recolha de DCU-DPIVA para o período 201703T. onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4, respetivamente, a redução melhor descrita no nosso projeto de decisão nos montantes de €97,18 e €22,35;

III- A recolha de DCU-DPIVA para o período 201706T, onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4. respetivamente, a redução melhor descrita no nosso projeto de decisão nos montantes de €2.235,37 e €514,13;

IV- A recolha de DCU-DPIVA para o período 201712T, onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4, respetivamente, a redução melhor descrita no nosso projeto de decisão nos montantes de €126,83 e €29,17;

E bem assim

135.
V- A recolha de DCU-MOD 3 IRS para os anos de 2019, onde se mostre evidenciado no campo 403 do anexo B o montante de €85.992,28;

VI - A recolha de DCU-DPIVA para o período 201906T, onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4. respetivamente, a redução melhor descrita no nosso projeto de decisão nos montantes de €1.502,44 e €345,56;

VII - A recolha de DCU-DPIVA para o período 201909T, onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4, respetivamente, a redução melhor descrita no nosso projeto de decisão nos montantes de €1.496,91 e €344,29, e

VIII- A recolha de DCU-DPIVA para o período 201912T, onde se mostrem evidenciados nos campos 3 e 4, respetivamente, a redução melhor descrita acima nos montantes de €67.529,36 e €15.531,75;

(…)»
(cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 428-447 do PAT apenso aos autos);

24. Em 28/06/2022 foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém sobre a informação referida no número anterior com o seguinte teor: «Concordo. Face à informação que antecede e com os fundamentos nela aduzidos, assim como, com os constantes no projeto de decisão anteriormente notificado ao reclamante, e considerando que o reclamante no exercício do seu direito de audição prévia não logrou trazer aos autos argumentos passiveis de inverter a projetada decisão, defiro parcialmente o pedido, determinando assim que o ato reclamado se mantém em vigor na ordem jurídica.» - cf. despacho a fls. 428 do PAT apenso aos autos;

25. Em 29/06/2022 foi enviado à Impugnante o ofício n.° 650-A pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém dando conhecimento da informação e despacho referidos nos números anteriores que foi recebido em 05/07/2022 - cf. ofício e aviso de receção a fls. 449-450 do PAT apenso aos autos;

26. Em 08/07/2022 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRS n.° 20........., referente ao ano de 2017, no valor a pagar de €23.856,26 que originou a nota de cobrança n.° 20......... no valor de €0,00 - cf. demonstração da liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e informação a fls. 36 e 535-536 do PAT apenso aos autos;

27. Em 08/07/2022 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRS n.° 20........., referente ao ano de 2019, no valor a pagar de €24.780,87 que originou a nota de cobrança n.° 20........., no valor a pagar de €24.780,87 até 31/08/2022 que se encontra regularizada - cf. demonstração da liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e informação a fls. 36 e 535-536 do PAT apenso aos autos;

28. Em 27/07/2022 foi registado no Serviço de Finanças de Tomar o recurso hierárquico apresentado pela Impugnante contra a decisão a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa - cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e informação a fls. 452-456 e 462 do PAT apenso aos autos;

29. Em 06/09/2022 foi prestada informação pela Direção de Finanças de Santarém propondo a manutenção da decisão de deferimento parcial, bem como a apreciação do Recurso hierárquico pela Direção de serviços da Justiça Tributária por terem sido cumulados o IRS e o IVA - cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 466-474 do PAT apenso aos autos;

30. Em 19/09/2022 foi proferido despacho de concordância com a informação referida no número anterior pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Santarém - cf. despacho a fls. 466 do PAT apenso aos autos;

31. Em 22/11/2022 foi prestada informação pela Direção de Serviços do IVA propondo o indeferimento do recurso hierárquico e a manutenção da decisão de deferimento parcial da reclamação e na qual pode ler-se:
«(…)

101.Vejamos então, se lhe assiste razão.

102. A primeira nota é a de que, dúvidas não subsistem de que se encontram registadas entradas de valores nos anos 2017 e 2019, na conta bancária titulada pela Recorrente, domiciliada no Banco .........., com o n.° 00..........

103.Tal facto resulta da prova documental que se consubstancia na informação bancária consultada e exaustivamente analisada pela equipa inspetiva.

104. Da análise minuciosa aos movimentos a crédito de cada um dos períodos de tributação, resultou o apuramento de um determinado valor substancialmente superior ao valor declarado na Modelo 3 de IRS, tendo levado os SIT a indagar a Recorrente sobre tal discrepância.

105. Diga-se que foram dadas várias oportunidades à Recorrente para vir justificar aos autos a existência de tal diferença, tais como em sede do procedimento inspetivo, de direito de audição, de RG e certo é que foram aproveitadas para esclarecer e juntar ao procedimento documentos comprovativos da existência de despesas, tendo sido deduzidas ao valor considerado rendimento.

106. Conforme se pode ler ao longo de todo o processo administrativo, todos os esclarecimentos e documentos juntos adicionalmente foram devidamente apreciados pela AT, tendo sido aceites todas as despesas com suporte documental, por se considerar imprescindível a necessária prova documental já que estamos perante uma factualidade que apenas se consegue provar através deste meio de prova.

107.Sucede que, em sede de RH, a Dra. S.......... veio impugnar a decisão de deferimento parcial da RG com o fundamento de que logrou provar os movimentos n.°s 24, 85, 114, 77 de 2017 e os movimentos 87 de 2019.

108. Ora, quanto a estes movimentos cumpre referir que, tal como exposto na Pronúncia da DF Santarém de 06.09.2022, a AT já exerceu o contraditório relativo a estes movimentos em sede do exercício do direito de audição, ao qual aderimos na íntegra, nos termos infra expostos.

109.Assim, relativamente aos movimentos n.°s 24, 85 e 114, já foram alvo de análise nos n.°s 35 a 46 da decisão final que deferiu parcialmente a RG, proferida em 28.06.2022, onde pode ler-se no seu n.° 46. que “à míngua de prava válida e suficiente que permita alterar o sentido da decisão, parece-nos ser de manter a decisão anteriormente projetada".

110. Quanto ao movimento 77 de 2017, foi, igualmente, alvo de análise nos n.°s 47 a 57 da supra identificada decisão final, podendo ler-se no seu n.° 56 e 57, que "padece de falta de prova que permita alterar o sentido da decisão projetada”, “[p]or isso não se poderá considerar satisfeito o ónus da prova que lhe cabia e será de manter a correção ao rendimento operada".

111. Por último, o movimento 87 de 2019, a AT também já exerceu o respetivo contraditório nos n,°s 70 a 74 da mesma decisão final, e onde se pode ler no n,°s 73 e 74 que inexiste “outra alternativa que não seja a de confirmar, na sua plenitude, toda a apreciação à prova documental rececionada com a petição inicial uma vez que a reclamante nada complementa, esclarece ou acrescenta àquilo que foi apresentado inicialmente", “[a]ssim, e tai como demonstrado no projeto de decisão, apenas poderá ser aceite o gasto de €408.00 como despesa por conta do cliente por se tratar do montante documentalmente comprovado."

112. Não obstante a adesão ao escalpelizado no contraditório em sede de exercício do direito de audição, afigura-se importante fazer uma breve referência ao ónus da prova, invocando, desde já, o teor do artigo 74.° da LGT que estatui que: "1. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos outros contribuintes recai sobre quem os invoque,"

113.Este dispositivo normativo vai de encontro ao disposto no artigo 342.° do Código Civil que determina que:
“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3.Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”

114. Mais, "Qualquer liquidação que se afaste dos elementos declarados pelo contribuinte carece de prova pela administração (nos casos mais habituais, efetuada no relatório inspetivo).” (In, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada por José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Almedina, 2015, pág. 816).

115. Conjugando os dois normativos legais e a doutrina supra mencionada, temos que, no caso em análise, apenas caberia aos SIT fazer a prova dos factos por si alegados.

116.E foi o que aconteceu no caso vertido nos autos, ou seja. os SIT detetaram avultadas divergência entre o rendimento declarado na Modelo 3 de IRS e as entradas de valores registadas na conta bancária titulada pela Recorrente nos anos 2017 e 2019, procederam a uma retificação através de cálculos aritméticos, o que resultou numa liquidação adicional, fazendo prova e demonstrando os motivos justificativos que os levaram a fazer tal correção, amplamente explanados no RIT.

117.Por outro lado, recai sobre a Recorrente demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, ou seja, teria apenas de provar documentalmente que a razão de ser daquela diferença de valores declarados se deve ao depósito de valores por conta de despesas de clientes, ou outra razão de ser, através de registos contabilísticos ou documentais com força bastante para afastar a convicção dos SIT.

118. Não pode a Recorrente pretender provar que parte das entradas monetárias se destinam ao pagamento de despesas de clientes, ou ao pagamento de outras quaisquer rubricas, sem a exibição de documentos que comprovem tal facto.

119. Portanto, desta forma, a Dra. S.......... não logrou demonstrar que a correção efetuada pelos SIT estava errada, ou seja, não logrou provar em termos concretos que:
“a) o recebimento foi declarado como rendimento;
b) para aquele recebimento foi emitido documento de quitação;
c) tratando-se de despesas por conta de cliente, foi emitido documento de quitação;
d) o recebimento não era sujeito a IRS e IVA." (Cfr. página 25 do RIT 2017 e página 26 do RIT 2019).

120. E facilmente o conseguiria fazer se tivesse um meio de controlo efetivo das entradas de valores, por processo ou por cliente e o corresponde documento comprovativo, o que não se afigura ser uma “prova impossível”.

121. Aqui chegados, cumpre apreciar o alegado pela Recorrente sobre o movimento 102 de 2019.

122. Com efeito, conforme já se referiu, a Recorrente argui que o movimento 102 de 2019 está a ser alvo de dupla tributação, uma vez que em 2020 foram emitidos dois recibos (n.°s 135 e 135) referentes á mesma entrada, que totalizam o montante de 50.000,00 €. tendo suportado o corresponde IVA no valor de 11.500,00 € (Vide página 3 do RH).

123. Alega que o indicado IVA no montante de 11.500,00 € não foi levado em consideração pela AT, o que desde já requer (Vide 1§ da página 4 do RH) e que se encontra “(...) a ser tributada duas vezes sobre o mesmo rendimento, ano de 2019 e ano de 2020, o projeto de decisão encontra-se omisso em relação a esta situação." (Cfr. § 7 da página 3 do RH).

124. Advoga ainda, a seu favor que os recibos em apreço foram emitidos “(...) à data da conclusão dos serviços, pois o processo terminou em Janeiro de 2020, motivo pelo qual, se emitiram as duas faturas nessa data.” (Cfr. § 10 da página 3 do RH).

125.Quanto a esta factualidade, torna-se pertinente fazer uma breve alusão sobre o facto gerador e a exigibilidade do imposto, começando por referir que, face aos movimentos constatados na conta bancária da Recorrente, dúvidas não subsistem que se encontra registado um movimento a crédito em 12.11.2019 (movimento 102 de 2019), o qual foi retido para pagamento de honorários devidos pelas suas clientes O.......... e J...........

126. Com efeito, estamos perante uma operação que se consubstancia numa prestação de serviços sujeita a tributação, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° e n.° 1 do artigo 4.°, ambos do CIVA.

(...)

131. Assim, temos que, no caso em apreço, por resultar dos autos que o movimento n.° 102 teve lugar em 2019, o imposto é devido e exigível no período de tributação de 2019 e não de 2020, pelo que nenhuma ilegalidade pode ser assacada à correção efetuada pela AT.

132. Quanto ao alegado pela Recorrente que se encontra “(...) a ser tributada duas vezes sobre o mesmo rendimento, ano de 2019 e ano de 2020, o projeto de decisão encontra-se omisso em relação a esta situação" (Cfr. § 7 da página 3 do RH), cumpre referir que a decisão final que exerceu o contraditório em sede do exercício do direito de audição, procedeu a uma análise ao movimento em apreço ao longo dos seus n.°s 111 a 122, onde se pode ler no seu n.° 122, que "[a] este respeito importa apenas referir que, caso a Reclamante assim entenda, deverá encetar procedimento administrativo próprio, com esse propósito”.

133. Relativamente à produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, lembra-se que o artigo 72.° da LGT dispõe que “[o] órgão decisor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos".

134. Ora, no caso dos autos, os factos descritos no RIT só podem ser titulados por provas documentais, razão pela qual a prova testemunhal mostra-se desnecessária, após análise de todos os argumentos invocados.

135. Como nos ensina Jorge Lopes de Sousa, “[a] limitação dos meios de prova à documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do contribuinte” (In, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, comentário ao artigo 69.°, Comentário 6, Áreas Editora, 2006).

136. Quem dirige a instrução deve justificar (fundamentar) os seus critérios, opções e conclusões, o que foi devidamente feito em sede de procedimento inspetivo.

137. Seria excessiva uma obrigação de se provar, por meio de testemunhas, factos que têm que ser comprovados, de modo inequívoco, por meios documentais.

138. A realização da inquirição tem, por norma, efeitos negativos ao nível da celeridade do procedimento, sendo óbvio que, neste caso, de nada servirá para descobrir a verdade material.

139. Importando salientar que a ora recorrente foi chamada, em sede de procedimento
(…)»
(cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 483-498 do PAT apenso aos autos);

32. Em 05/12/2022 foi prestada informação pela Direção de Serviços de IRS propondo o indeferimento do recurso hierárquico e na qual pode ler-se:

«(…)

4- Analisando os argumentos da recorrente, esclarece-se que:

Do Exercício de 2017

5- Em relação aos movimentos n.° 24 - € 2.250,00 em 20-02-2017, movimento n.° 85 - €1.000,00 em 22-08-2017 e movimento n.° 114 -€2.400,00em 17-11-2017, verifica-se que reitera os mesmos argumentos usados em sede de reclamação graciosa, os quais consistem na apresentação de uma Declaração datada de 01 de fevereiro de 2022, assinada por R.......... (pai da recorrente), ma qual declara ter-lhe doado aqueles valores, argumentos devidamente reproduzidos.

6-Mas sem prescindir, sempre diremos, que estando em causa depósitos em numerário, em que a prova apresentada é um documento particular, portanto, de prova livre, não formal ou vinculada, a sua simples análise desacompanhada de outra prova documental, nomeadamente, movimentos bancários a débito na conta bancária de seu pai, ou através dos talões de depósito, de forma a revelarem a origem dos fundos evidenciados na conta bancária de que a recorrente é titular, não faz prova, como lhe competia, dos factos alegados, conforme determina o n° 1 do art° 74° da LGT, pelo que, tal ónus não se mostra cumprido.

7- Acrescendo, que a Declaração apresentada foi emitida pelo seu pai, a qual não é acompanhada por qualquer documento que revele a origem dos fundos em causa, concretamente, que comprove que os depósitos foram efetuados pelo pai, motivo pelo qual retira credibilidade e falta de isenção à mesma.

8- Efetivamente, no âmbito do procedimento inspetivo relativo ao exercido do ano 2017 (Ordem de Serviço 0…….). o movimento n° 19 (uma transferência MB proveniente de R.......... no montante de € 500,00) foi aceite e excluído das correções propostas, uma vez que foi aceite a explicação oferecida pela contribuinte, considerando este movimento enquadrável como doação ou mútuo entre pai e filha, dado que era conhecida a proveniência do depósito.

9- Já os restantes movimentos (n° 24, n° 66 e n° 1 14}. não foram aceites as justificações da contribuinte e excluídos das correções propostas, uma vez que pela observação do extrato bancário não se conseguia retirar a proveniência dos depósitos.

10-Em relação ao movimento nº 77 -€12.170,50 em 25-07-2017 - TRANSF N.........., a justificação dada pela recorrente para este movimento é que se refere a trabalho executado no âmbito de um trespasse de estabelecimento comercial, tendo junto cópia da uma ordem de transferência bancaria da contribuinte e favor da cliente D......., em 03/04/2016, no montante de € 34.000.00 e cópia do contrato promessa de trespasse de estabelecimento comercial entro a sua cliente e outros outorgado em 06/03/2016 da lavra da Drª A.R........... advogada. NIF 1…….. com escritório em Vilamoura.

11 -Da analise ao contrato promessa da trespassa do estabelecimento comercial apresentado, retira-se, que o pagamento do trespasse foi acordado nos seguintes termos:
-A quantia de € 6.000,00 como sinal, na data de assinatura do contrato em 05 de março de 2013 e a quantia remanescente de €34.000.00, no dia 2 de abril de 2018, o que mostra coerência com a transferência bancária a favor da cliente efetuada no dia seguinte, cuja cópia foi também apresentada.

12- No entanto, não é demonstrada qualquer relação entre estes documentos e o movimento bancário em questão (mov. n° 77), no montante de € 12.170,50. em concreto, nos valores, datas e pessoas envolvidas, pelo que não se mostra cumprido o ónus dá prova previsto no nº1 do artº 74° da LGT, mantendo-se assim a correção em causa.

13- A alegação de que no montante em causa também se encontram valores liquidados a título de despesas, tais como Km efetuados ao Algarve, também não pode proceder, porquanto, para tal despesa ser aceite, tem de estar devidamente documentada, o que na situação em apreço não sé verifica.

14- Efetivamente, nada nos é dito da data em que foi efetuada a viagem, o seu local e o motivo da deslocação, assim como, não é apresentado qualquer documento comprovativo de despesas efetuado, seja portagens, combustíveis ou outros.

DO EXERCÍCIO DE 2019

15-Quanto ao Movimento 87, a justificação dada é que a despesa é efetuada por conta do cliente M.......... — Proc Divorcio e processo de partilhas de seus pais, juntando vários documentos, entre outros, uma declaração assinada por M........... NIF 1……., datada de 30 de setembro de 2019, em que o mesmo afirma ter transferido € 2.500,00, de França, para a reclamante por conta de despesas em relação a dois processos em que o mesmo é interessado, e ainda, cópia da notificação da sentença proferida no processo de divórcio, e expediente vário com ele relacionado, cópia de uma relação de bens apresentada por M.J.........., na qualidade de cabeça de casal, respeitante ao processo de inventário n°2……., e dois comprovativos de pagamento junto do IGFEJ, um datado de 13/07/2020, no montante de € 306.00 e outro datado de 16/01/2019, no montante de € 102.00.

16-Assim, dos documentos apresentados, apenas poderá ser aceite o gasto de € 408,00 como despesa por conta do cliente, por se tratar do montante documentalmente comprovado, e não é apresentado qualquer documento bancário comprovativo da alegada transferência de € 2.500,00 de França para Portugal,

17-Relatlvamente ao Movimento n° 12 - €1.000,00 em 18-02-2019, Movimento n° 21 - € 1 €350.00 em 19-03-2019. Movimento n°71 - € 1.000,00 em 02-08-2019. e Movimento n° 86 - €2.700.00 em 17-09-2019, alega que os movimentos são referentes ao reembolso de despesas incorridas com o cliente P.......... num processo de divorcio e processo de partilhas, juntando declaração assinada em 17 de setembro de 2019 pelo cliente, em que este afirma ter entregue os valores acima descritos por conta das despesas efetuadas no seu processo de divorcio, partilhas, insolvência e compra de um imóvel sito em Matas - Ourém.

18- Mais uma vez, reiteramos os fundamentos da decisão recorrida, ou seja, à mingua de documento de quitação que prove o propósito dos mesmos e a correlação com os movimentos bancários de crédito na sua conta bancária em 2019. não poderão ser aceites como despesas por conta do cliente P...........

19- Quanto ao Quesito 194. Movimento 102. e Valor de € 81.102.74. importa referir que a recorrente não apresenta novos factos os argumentos, pelo que, acompanhamos os fundamentos da decisão recorrida, os quais transcrevemos em síntese:

"Antes do mais, importa esclarecer e sublinhar que, em sede de direito de audição no procedimento inspetivo n° 01202100316, da apresentação de prova documental resultou provada a devolução de € 20.021.26 para a conta das clientes, pelo que o valor inicial apurado de correção à matéria de € 101.124,00 foi reduzido para € 81.102,74.

Veio, agora, aperfeiçoar e complementar a justificação apresentada remetendo anexo de 10 páginas, composto por cópia do oficio n°857 de 04 de Abril de 2022 e parte do parecer e acórdão aprovado pela 2a secção do Conselho Superior da Ordem dos advogados de 4 de Março de 2022, referente ao processo e laudo n° 57/2020-CL/L onde foram requerentes O.......... e J.........., suas clientes, e requerida a reclamante.
Da leitura do mesmo podemos retirar que as clientes apresentaram o pedido o laudo Junto da Ordem dos Advogados sobre a análise dos serviços alegadamente prestados pela reclamante por considerarem os honorários pretendidos e cobrados exorbitantes e desajustados ao trabalho efetiva mente desenvolvido em sua representação.
Após devida análise, entendeu o Conselho Superior da Ordem doa advogados não dar laudo aos honorários pretendidos pela reclamante, mas dá-lo pelo valor de €12.500,00 acrescido de IVA. Conclui, propondo a remessa de certidão do parecer ao Conselho de Deontologia de Évora, do pedido de laudo e documentos juntos para instauração de procedimento disciplinar contra a reclamante e/ou Junção a eventual processo disciplinar, já pendente contra a mesma.

A reclamante invocou, ainda, ter emitido os recibos n° 134 e 135 em 27/01/2020 e 15/05/2020. respetivamente, no montante total de € 50.000.00 acrescido de IVA. para pagamento de honorários e despesas, que remeteu para comprovação.
Remeteu, ainda, cópia das declarações periódicas de IVA referentes aos trimestres de emissão dos recibos. Refere, a final, que as faturas anteriormente emitidas, no montante total de € 50.000.00 acrescido de IVA terão de ser anuladas e o IVA pago considerado.

A este respeito importa apenas referir que. caso a reclamante assim o entenda, deverá encetar procedimento administrativo próprio, com esse propósito. Nesta conformidade, e atendendo à prova documental apresentada, importa reformar o nosso projeto de correção desconsiderando o montante inicialmente corrigido de € 81.102.74 e passando a considerar como rendimento o valor apurado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados de €12.500.00 que, acrescido de IVA á taxa legal de 23%. totaliza €15.375.00.
Resumidamente, o direito de participação e a prova documental acrescentada pela reclamante permite afastar de tributação um montante total adicional de €78.939.91 aquele inicialmente proposto no nosso projeto de decisão."

20-Pelo exposto, atendendo que os argumentos e prova documental apresentada ser a mesma apresentada no procedimento de reclamação graciosa, deve manter-se o montante aceite na decisão recorrida.

21-Por fim, quanto ao valor do rendimento global do ano 2019. também não lhe assiste razão, como seguidamente demonstraremos:

A Rendimento bruto a desconsiderar: € 83.061.11
B = (A/1,23) — IRS: € 67.529,36
C = (A-B) — IVA 23%: € 1 5.531 ,75

22-Desta forma, no campo 403 do anexo B da declaração mod.3 IRS referente ao ano de 2019 deverá deixar de constar o montante corrigido de € 153.521 .64. expurgando o montante ora apurado de € 67.529.36 e passando a constar o rendimento ilíquido de € 85.992.28.

23-Com efeito se o valor de € 83.061.1 1 inclui IVA à taxa de 23%. então ao valor a corrigir em sede de IRS terá que ser retirado o referido IVA. ou seja:
€ 83.061.11 ……….. 123%
X……………………100%
X = € 83.061,11 X 100%/123%
X = € 67.529,36

24- Atendendo a que o rendimento da categoria B da recorrente apurado em sede inspetiva e constante do campo 403, do anexo B. da respetiva declaração modelo 3. foi de € 153.521.64, o rendimento global na liquidação reclamada foi de € 151.953.38. calculado nos seguintes termos:
Rendimento do SR A (NIF 1..........) - € 17.869.91 de Categoria A
Rendimento do SR B (NIF 2..........— recorrente):
€ 153.521,64 X 75% = € 115.141 .23 — artigo 31°. n° 1, alínea b), do CIRS;
(€ 153.521,64 X 15%) - € 4.104.00 = € 18.924.24 - artigo 31°. n° 13. alínea a), do CIRS
Rendimento Global (RG), resultante da ação inspetiva = (€ 17.869,91+€ 115.114.23 + €18.924.24)
RG = € 151.935,38

25-Do deferimento parcial da reclamação graciosa resultou em sede de IRS do ano de 2019: Rendimento do SP A (NIF 1..........) -€ 17.869,91 de Categoria A
Rendimento do SP B (NIF 2..........- recorrente):
€ 153.521,64 -€ 67.529,36 = € 85.992,28 (campo 403, do anexo B)
€ 85.992,28 X 75% = € 64.494,21 - artigo 31°, n° 1, alínea b), do CIRS;
(€ 85.992,28 X 15%) - € 4.104,00 = € 8.794,84 - artigo 31°, n° 13, alínea a), do CIRS Rendimento Global (RG), após deferimento parcial da reclamação graciosa = (€ 17.869,91 +€ 64.494,21 + € 8.794,84)
RG = € 91.158,96

26-Nos termos expostos, não assiste razão à recorrente, uma vez que a liquidação corretiva de IRS do ano de 2019 número 20......... de 08/07, apurou o valor a pagar de imposto € 23.242,41 e os juros compensatórios de € 1.538,46, no valor total de € 24.780,87.

27-Em suma, em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa, a AT no que concerne ao IRS do ano 2019, anulou de imposto € 27.349,38 (€ 50.591,79 -€ 23.242,41) e de juros compensatórios o montante de € 1.570,53 (€ 3.108,99 - € 1.538,46).

28-E, relativamente à alegação do valor pago de € 1.803,25, parece que a recorrente confunde liquidação com cobrança, porquanto, o referido valor foi abatido ao valor a pagar € 24.780,87 (€ 23.242,41 +€ 1.538,46), apurado na liquidação corretiva, não produzindo qualquer efeito em sede da liquidação.

29-Quanto à prova testemunhal, que se traduz na audição da testemunha G.........., uma vez que o recurso hierárquico é um procedimento de 2º grau, e no caso em apreço não há factos novos que levem a abrir nova fase instrutória, é dispensada a audiência da testemunha indicada, dado a decisão se basear nos mesmos factos em se se fundamentou a decisão anterior.

(…)»
(cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 499-506 do PAT apeno aos autos);

33. Em 13/02/2023 foi prestada informação pela Direção de Serviços de Justiça Tributária propondo o indeferimento do recurso hierárquico e na qual pode ler-se:
«(…)

130. E foi o que aconteceu, no caso vertido nos autos, ou seja, os SIT detetaram avultadas divergências entre o rendimento declarado na Modelo 3 de IRS e as entradas de valores registadas na conta bancária titulada pela Recorrente, nos anos 2017 e 2019, e procederam a uma retificação através de cálculos aritméticos, o que resultou numa liquidação adicional, fazendo prova e demonstrando os motivos justificativos que os levaram a fazer tal correção, amplamente explanados no RIT.

131. Por outro lado, recai sobre a Recorrente demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, ou seja, teria apenas de provar documentalmente que a razão de ser daquela diferença de valores declarados se deve ao depósito de valores por conta de despesas de clientes, ou outra razão de ser, através de registos contabilísticos ou documentais com força bastante para afastar a convicção dos SIT.

132. Não pode a Recorrente pretender provar que parte das entradas monetárias se destinam ao pagamento de despesas de clientes, ou ao pagamento de outras quaisquer rubricas, sem a exibição de documentos que comprovem tal facto.

133.Portanto, desta forma, a contribuinte não logrou demonstrar que a correção efetuada pelos SIT estava errada, ou seja, não logrou provar em termos concretos que:
“a) o recebimento foi declarado como rendimento;
b) para aquele recebimento foi emitido documento de quitação;
c) tratando-se de despesas por conta de cliente, foi emitido documento de quitação;
d) o recebimento não era sujeito a IRS e IVA.” (Cfr. página 25 do RIT 2017 e página 26 do RIT 2019).

134. E facilmente o conseguiria fazer se tivesse um meio de controlo efetivo das entradas de valores, por processo ou por cliente e o corresponde documento comprovativo, o que não se afigura ser uma "prova impossível".

135. Aqui chegados, cumpre apreciar o alegado pela Recorrente sobre o movimento 102 de 2019.

136. Com efeito, conforme já se referiu, a Recorrente argui que o movimento 102 de 2019 está a ser alvo de dupla tributação, uma vez que em 2020 foram emitidos dois recibos (n.°s 135 e 135) referentes à mesma entrada, que totalizam o montante de € 50.000,00, tendo suportado o corresponde IVA no valor de € 11.500,00 (Vide página 3 do RH).

137. Alega que o indicado IVA no montante de € 11.500,00 não foi levado em consideração pela AT. o que desde já requer (Vide 1.°§ da página 4 do RH) e que se encontra ”(...) a ser tributada duas vezes sobre o mesmo rendimento, ano de 2019 e ano de 2020, o projeto de decisão encontra-se omisso em relação a esta situação." (Cfr. § 7 da página 3 do RH).

138. Advoga ainda, a seu favor que os recibos em apreço foram emitidos ''(...) à data da conclusão dos serviços, pois o processo terminou em Janeiro de 2020, motivo pelo qual, se emitiram as duas faturas nessa data." (Cfr. § 10 da página 3 do RH).

139. Quanto a esta factualidade, torna-se pertinente fazer uma breve alusão sobre o facto gerador e a exigibilidade do imposto, começando por referir que, face aos movimentos constatados na conta bancária da Recorrente, dúvidas não subsistem que se encontra registado um movimento a crédito em 12/11/2019 (movimento 102 de 2019), o qual foi retido para pagamento de honorários devidos pelas suas clientes O.......... e J...........

140. Com efeito, estamos perante uma operação que se consubstancia numa prestação de serviços, sujeita a tributação, nos termos da alínea a) do n.°1 do artigo 1,° e n.°1 do artigo 4.°, ambos do CIVA.

141. Nos termos da alínea 1) do artigo 62.° da Diretiva IVA, o facto gerador do imposto corresponde ao “facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto”, por seu turno, a alínea 2) dispõe que a exigibilidade do imposto equivale ao “direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido."

142. A alínea b) do n.°1 do artigo 7.° do CIVA dispõe que, no âmbito da prestação de serviços, o imposto é devido e torna-se exigível no momento da sua realização.

143. Por seu turno, o n.° 1 do artigo 8.° do CIVA regula que, não obstante o disposto no artigo 7.° do CIVA, o imposto torna-se exigível no momento em que se verifica a obrigação de emissão de fatura pelo seu recebimento nos termos do artigo 36.° do CIVA.

144. Em anotação ao artigo 8.° do CIVA, refere Joana Nunes do Reis que “[c]aso o pagamento das transmissões de bens ou prestações de serviços seja efetuado, total ou parcialmente, em momento anterior ao da emissão da fatura, a exigibilidade do IVA ocorre no momento em que é recebido o valor pago e sobre o montante correspondente.", in, anotação ao artigo 8.° do CIVA, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coordenação e Organização exercidas pela Dra. Clotilde Celorico Palma e Dr. António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, página 17).

145.Assim, temos que, no caso em apreço, por resultar dos autos que o movimento n.°102 teve lugar em 2019, o imposto é devido e exigível no período de tributação de 2019 e não de 2020, pelo que nenhuma ilegalidade pode ser assacada à correção efetuada pela AT.

146.Quanto ao alegado pela Recorrente que se encontra “(...) a ser tributada duas vezes sobre o mesmo rendimento, ano de 2019 e ano de 2020, o projeto de decisão encontra-se omisso em relação a esta situação” (Cfr. § 7 da página 3 do RH), cumpre referir que a decisão final que exerceu o contraditório em sede do exercício do direito de audição, procedeu a uma análise ao movimento em apreço ao longo dos seus n.°s 11 1 a 122, onde se pode ler no seu n.° 122, que "[a] este respeito importa apenas referir que. caso a Reclamante assim entenda, deverá encetar procedimento administrativo próprio, com esse propósito".

147. Relativamente à produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, lembra-se que o artigo 72.° da LGT dispõe que “[o] órgão decisor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos",

148. Ora, no caso dos autos, os factos descritos no RIT só podem ser titulados por provas documentais, razão pela qual a prova testemunhal mostra-se desnecessária, após análise de todos os argumentos invocados.

149. Como nos ensina Jorge Lopes de Sousa, “(a] limitação dos meios de prova â documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham não obsta á realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e ã descoberta da verdade material, sem subordinação â iniciativa do contribuinte” (In. Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, comentário ao artigo 69.°. Comentário 6, Áreas Editora, 2006).

150. Quem dirige a instrução deve justificar (fundamentar) os seus critérios, opções e conclusões, o que foi devidamente feito em sede de procedimento inspetivo.

151. Seria excessiva uma obrigação de se provar, por meio de testemunhas, factos que têm que ser comprovados, de modo inequívoco, por meios documentais.

152. A realização da inquirição tem. por norma, efeitos negativos ao nível da celeridade do procedimento, sendo óbvio que. neste caso, de nada servirá para descobrir a verdade material.

153. Importando salientar que a ora recorrente foi chamada, em sede de procedimento inspetivo, a se pronunciar.

154. Assim, e em sede de RG, foi dispensada a inquirição de testemunhas com o fundamento de que estas não podem substituir a prova documental considerada absolutamente necessária ao afastamento de tributação de valores recebidos em conta bancária, encontrando-se os factos suficientemente demonstrados e provados documentalmente nos RIT.

155. De acordo com a alínea e) do art.° 69.° do CPPT, a “limitação dos meios probatórios ã forma documental e aos elementos oficiais que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências indispensáveis à descoberta da verdade material”.

156. Do teor deste preceito retira-se que, em sede de procedimento de reclamação graciosa a prova testemunhal será, em princípio, de dispensar, excetuando-se aquelas situações em que esta se revele indispensável à descoberta da verdade dos factos.

157. Isto é, a produção da prova testemunhal está dependente da sua necessidade para a decisão da causa e descoberta da verdade material (princípio do inquisitório do artigo 58.° da

(cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 508 do PAT apenso aos autos);

34. Em 16/03/2023 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico pela Subdiretora Geral da Autoridade Tributária - cf. despacho a fls. 507 do PAT apenso aos autos;

35. Em 17/03/2023 foi enviado à Impugnante o ofício n.° 171-21/3 dando conhecimento da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que foi recebido em 22/03/2023 - cf. ofício, registo CTT e aviso de receção a fls. 537-539 do PAT apenso aos autos;

36. Em 13/04/2023 foi efetuada pela Impugnante a transferência da quantia de €3.130,87 da sua conta bancária n.°00......... do BANCO ......... para a conta bancária n.°0…….. pertencente a J.......... com a descrição "PROCESSO 373 SANTAREM" - cf. Comprovativo a fls. 32 do SITAF;

37. Em 13/04/2023 foi registado na Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, requerimento intitulado "ACORDO PARA EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL" referente ao processo n.° 373/20.9T9STR no qual pode ler-se:
«

“(texto integral no original; imagem)”

» (cf. DOC. N.° 3 junto pela Impugnante a fls. 609 e 611 do SITAF);

38. Em 07/08/2023 foi efetuada pela Impugnante a transferência da quantia de €85.869,13 da sua conta bancária n.° 00......... do BANCO ......... para a conta bancária n.° 0…….. pertencente a J.......... - cf. Comprovativo a fls. 33 do SITAF;

39. Em 25/09/2023 foram enviadas pela Impugnante as seguintes cartas a J..........e a J..........:
«

“(texto integral no original; imagem)”


»
(cf. DOC N.° 7, DOC. N.° 8, DOC. N.° 10 e DOC. N.° 11 juntos pela Impugnante a fls. 614, 616, 626-627 do SITAF);

40. Em 08/11/2023 foi prestada informação pela Direção de Finanças de Santarém propondo a manutenção das liquidações impugnadas e na qual pode ler-se:
«(…)

V DA APRECIAÇÃO DOS FACTOS E DO DIREITO

9. Argumenta a Impugnante que no âmbito dos procedimentos inspetivos em causa, autorizou a consulta da sua conta bancária — Banco .........., conta essa movimentada tanto a nível pessoal como a nível profissional, tendo todos os valores nela consignados sido somados e considerados como rendimento tributável, quer em termos de IRS, quer em termos de IVA.

10. Não tendo sido levado em consideração que alguns desses montantes seriam adiantamentos para despesas de clientes, outros montantes por conta de despesas efetuadas de clientes, transferências para a aquisição de bens imóveis, doação de seus pais e outros a titulo pessoal.

11. Requerendo, assim, a desconsideração dos valores referidos na presente impugnação judicial, nos seus articulados n° 12 e 16, ou seja, (i) em relação ao ano de 2017, e quanto ao IRS, ser desconsiderado o valor total dos movimentos n°s 24, 85, 114, 77 e 55, no valor total de € 25.717,76 (€ 2.250,00 + € 1.000,00 + € 2.400,00 + € 12.170,50 + € 7.897,26), e em sede de IVA, o valor de € 5.915,08; (ii) em relação ao ano de 2019, e quanto ao IRS, ser desconsiderado o valor total dos movimentos n°s 14, 62, 96, 18 e 102, no total de € 17 250,00, em sede de IVA, o valor de € 3.967,50.

Vejamos, então.

12. A Impugnante na sua petição inicial protestou juntar 12 (doze) documentos para suporte dos factos por si alegados.

13. Em 2023.08.21, notificada pelo Tribunal para juntar aos presentes autos os documentos que protestou juntar na petição inicial, ao abrigo do artigo 423.°, n.°1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, a Impugnante formulou um requerimento com o seguinte teor:

“(...) vem de acordo com o teor do despacho de fls., requerer junto de V. Exa. que se digne admitir aos presentes autos o documento de prova referente ao quesito da p. i. n° 12 e 13, fazendo prova do valor restituído, no montante de 89.000,00 euros, não podendo o mesmo ser tributado em sede de IVA e IRS, conforme na presente data se encontra liquidado, pelos serviços tributários, e pago pela Autora, referente aos anos de 2017 e 2019.
A quantia devolvida não foi no montante de € 81.102,74 euros, mas sim no valor de 89.000,00 euros, motivo pelo qual deverá, tal valor ser desconsiderado, quer em termos de imposto de IRS quer em termos de imposto de IVA."

14. Limitando-se a anexar ao sobredito requerimento, dois registos de operações de transferências bancárias para a conta com o IBAN n° PT5……. cujo titular indicado é J.........., um dos quais efetuado em 2023.04.13. no valor de € 3.130.87 e outro efetuado em 2023.08.07. no valor de € 85.869.13.

15. A Impugnante alega que os registos de transferências bancárias juntos com o requerimento apresentado em 2023.08.21. fazem prova do "quesito da p. I. n° 12 e 13".

16. Todavia, os articulados da R. I. n°s 12 e 13. incluem diversos movimentos bancários (n° 24. n° 85. n° 1 14 e n° 77 (todos do ano de 2017) que nada têm a ver com as transferências para a conta com o IBAN n° PT5…….. cujo titular indicado é J...........

17. Nessa medida, desconhece-se quais são os 12 (doze) documentos que a Impugnante protestou juntar com a sua petição inicial, e se os mesmos correspondem a alguns dos documentos carreados pela Impugnante em sede de reclamação graciosa

18. Não obstante, cumpre referir que os documentos apresentados em sede de reclamação graciosa, não são hábeis a comprovar as alegações da Impugnante.

19.Com efeito, e no que concerne aos movimentos bancários n°s 24. 85 e 114. a Impugnante Juntou uma declaração assinada por R.........., seu pai. na qual este declara ter-lhe doado aqueles valores.

20. Estão em causa depósitos em numerário na conta da Impugnante. pelo que não se tratam de operações em que pela mera observação do extrato bancário se consiga retirar a proveniência dos mesmos.

21. A prova apresentada pela Impugnante naquela sede consubstancia um documento particular, portanto, de prova livre, não formal ou vinculada.

22. Donde, a sua simples análise desacompanhada de outra qualquer prova documental, mormente, movimentos bancários a débito na conta do pai da Impugnante. ou através de talões de depósito, de forma a revelarem a origem dos fundos evidenciados na conta bancária de que a Impugnante é titular, não faz prova, como lhe competia, dos factos alegados.

23. Acrescentando-se que a declaração apresentada foi emitida pelo seu pai, a qual não é acompanhada por qualquer documento que revele a origem dos fundos em causa, concretamente, que comprove que os depósitos foram efetuados pelo pai. motivo pelo qual retira credibilidade e falta de isenção à mesma.

24. Ror sua vez. o movimento n° 77. de 2017.07.25, no valor de € 12.170.50. consiste numa transferência bancária de N.........., cuja justificação dada pela Impugnante em sede de recurso hierárquico foi de que aquele movimento se refere a um trabalho executado no âmbito de um trespasse de estabelecimento comercial, tendo junto cópia de uma ordem de transferência bancária a favor da cliente D......., datada de 2018.04.03. no montante de € 34.000.00 e cópia do contrato promessa de trespasse de estabelecimento comercial entre a sua cliente e outros, outorgado em 2018.03.05.

25. Da análise ao contrato promessa de trespasse de estabelecimento comercial apresentado. Infere-se que o pagamento do trespasse foi acordado nos seguintes termos: - A quantia de € 6.000.00 como sinal, na data de assinatura do contrato (2018.03.05) e a quantia remanescente de € 34 000,00, no dia 2 de abril do 2018, o que mostra coerência com a transferência bancária a favor da cliente efetuada no dia seguinte, cuja cópia foi também apresentada.

26. Não obstante, não é demonstrada qualquer relação entre estes documentos e o movimento bancário em questão, no montante de € 12.170,50, em concreto, nos valores, datas e pessoas envolvidas.

27. No que respeita aos movimentos n° 14, 62, 96 e 18, do ano de 2019, a Impugnante apresentou como justificação que os mesmos consubstanciam valores doados pelo seu pai, tendo junto uma declaração emitida por este, em 2022.02.01, na qual declara isso mesmo.

28. Tal como já mencionado relativamente aos movimentos n°s 24, 85 e 114, a declaração em causa constituí um documento particular, pelo que a sua simples análise destituída de outra qualquer prova documental, designadamente, movimentos bancários a débito na conta do pai da Impugnante, ou através de talões de depósito, de forma a revelarem a origem dos fundos evidenciados na conta bancária de que a Impugnante é titular, não faz prova, como lhe competia, dos factos alegados.

29. Quanto ao movimento n° 102, sustenta a Impugnante que “em relação ao movimento n° 102 todo o valor terá de ser desconsiderado, no valor total de rendimento, conforme atesta o doc. n° 6”.

30. Mais sustenta que “O montante de 12.500,00, existindo ação de honorários, deverá também ser desconsiderado, no valor total de rendimento, conforme atesta o doc. n° 6.”

31. Quanto ao movimento n° 55, de 2017.05.16, no montante de € 26.150,00, a Impugnante argumenta que foi entregue parte do valor ao cliente, no montante de € 7.897,26, pelo que entende que ao valor de € 26.150,00 terá de ser desconsiderada aquela quantia.

32.O referido quantitativo (€ 26.150,00) corresponde ao cheque n° 360 000 0393, do Banco ........., emitido por O.......... a favor da Impugnante, em 2017.05.16.

33. Ora, aquando do exercício do direito de audição prévia no âmbito do processo de reclamação graciosa n° 21……, a Impugnante juntou àqueles autos um parecer e acórdão aprovado pela 2ª secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, relativo ao processo ao n° 57/2020-CS/L, em que são requerentes O.......... e J.......... e requerida, a ora Impugnante.

34. Naquele processo as requerentes suprarreferidas pediram Laudo sobre os honorários devidos à Impugnante, pelos serviços por esta prestados no âmbito do mandato que aquelas lhe conferiram no Processo n° 1034/15.6T8ENT - Juízo de Execução do Entroncamento -J1.

35. Em 2022.03.04, acordaram os membros da 2a Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, não dar laudo aos honorários de € 68.524,53 mais IVA, mas dá-lo pelo valor de €12.500.00, acrescido de IVA e deduzido do(s) montante(s) recebidos(s) a título de provisão para honorários.

36. Atenta a prova produzida pela Impugnante em sede de direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa supracitada, foi reformulado o projeto de decisão, datado de 2022.05.11, desconsiderando-se o montante inicialmente corrigido de € 81.102,74, passando a considerar como rendimento tributável o valor definido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, isto é, € 12.500,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, totalizando € 15.375,00.

37. Desde logo, desconhece-se qual o documento n° 6 a que a Impugnante alude.

38. Também não se perceciona o que pretende a Impugnante quando refere que o montante de € 12.500.0, também deverá ser desconsiderado, uma vez que existe ação de honorários

39. Pois, como antedito, pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados foi dado laudo aos honorários no valor de € 12.500,00. tendo sido exclusivamente este montante que foi considerado como rendimento pela AT.

40. Neste desiderato, inexistindo qualquer documento de quitação complementar àqueles registos de operações de transferência, desconhece-se a que título foi efetuada a restituição do valor global de € 89.000.00, e muito menos se sabe se todos aqueles valores respeitam aos períodos tributários em causa, isto 6, aos anos de 2007 e 2019.

41. Donde, cremos ser patente não ter de todo a Impugnante ultrapassado o ónus probatório que nesta matéria sobre ela recaia, atento o preconizado no artigo 74 ° da LGT.
(…)»
(cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 2- 24 do PAT apenso aos autos);

41. Em 13/11/2023 foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém de concordância sobre a informação referida na alínea anterior - cf. despacho a fls. 2 do PAT apenso aos autos.”

*

A decisão recorrida consignou ainda o seguinte, relativamente aos factos não provados:
“Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.”.

*
Relativamente à motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido disse o seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada nos números 1. a 41. do ponto 1.1. supra, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso aos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório, que mereceram toda a credibilidade por parte do Tribunal, dos quais se salientam, atento o especial valor probatório de que se revestem à luz do artigo 76.°, n.°1, da LGT, os relatórios elaborados pelos Serviços de Inspeção Tributária sendo os demais documentos livremente apreciados pelo Tribunal, cf. artigos 363.°, n.os 1 e 2 e 376.°, n.°1 do Código civil.

No que concerne à prova testemunhal o Tribunal não valorou o depoimento prestado pela testemunha N.........., Contabilista Certificada, na medida em que o mesmo se limitou, essencialmente, a remeter para a documentação que foi apresentada à testemunha pela Impugnante.

Com efeito a testemunha declarou ao Tribunal que a Impugnante não tinha contabilidade organizada nos anos de 2017 e de 2019 e que, apesar de ter colaborado com a mesma no preenchimento das declarações de IRS e das Declarações Periódicas de IVA referentes a esses anos, baseou-se para o efeito na documentação que lhe foi apresentada pela Impugnante.

Acresce que a testemunha declarou ao Tribunal, quanto aos depósitos em numerário, que a Impugnante alegou constituírem doações efetuadas pelo seu pai, R.........., que esses depósitos coincidiam com o aniversário da Impugnante e com as férias da mesma, alturas em que tinha conhecimento pelo que lhe foi transmitido pela Impugnante e pelo pai desta que este oferecia esses montantes à Impugnante, mas a testemunha declarou de forma perentória que nunca acompanhou a Impugnante aquando dos depósitos que foram efetuados na conta bancária daquela.

De notar que advém da matéria de facto provada nos números 11. e 13. do probatório, que os depósitos em numerário em causa foram efetuados na conta bancária n.° 00........., do Banco .......... em nome da Impugnante em 20/02/2017 (€2.250,00), em 22/08/2017 (€1.000,00), em 17/11/2017 (€2.400,00), em 28/02/2019 (€1.080,00), em 18/07/2019 (€1.400,00), em 28/10/2019 (€1.750,00) e em 15/03/2019 (€520,00), perfazendo em 2017 o montante total de €5.650,00 e em 2019 o montante total de €4.750,00.

Por conseguinte esses depósitos foram sendo efetuados em diversas datas sendo certo que a Impugnante não apresentou, para além dos documentos particulares, a saber, declarações assinadas pelo seu pai, quaisquer outros documentos, designadamente cópias de talões de depósito ou registos do levantamento dessas quantias de conta bancária pertencente ao seu pai.

Deste modo serão mobilizadas em sede de apreciação da matéria controvertida as regras do ónus da prova à luz do disposto no artigo 74.°, n.° 1, da LGT.”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Tal como avançado, importa analisar e decidir se a decisão recorrida padece dos vícios que lhe vão assacados e acima elencados.
- Da nulidade da sentença.
Relativamente a este vício, começa a recorrente por defender que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.
Entende a recorrente, a este respeito, que a decisão é omissa quanto à substituição declarativa de acordo com a tributação conjunta e não em separado, que formulara no pedido, assim como relativamente à falta de audição prévia do interessado (marido) antes do indeferimento do recurso hierárquico (cf. conclusões 5 a 9 do recurso).
A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT, só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina que: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Por ser assim é que a omissão de pronúncia se traduz numa denegação de justiça.
Para aferir desta nulidade, temos que atender às questões de fundo, àquelas que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter, não abarcando os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, alegados pelas partes, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.
Uma coisa é a causa de pedir, outra, são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma (causa de pedir). Quer a doutrina, quer a jurisprudência distinguem, por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integram a nulidade por omissão de pronúncia, mas não já a mera falta de discussão das "razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões/causas de pedir (cf. Prof. Alberto dos Reis, C.P.C anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2a. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690)
Posto isto, importa consultar a PI e a decisão recorrida para aferir se esta última está contaminada com a alegada nulidade.
Vejamos então se a decisão é nula por omissão de pronúncia quanto ao pedido de alteração da declaração de IRS em termos conjuntos.
Vendo o pedido formulado pela recorrente na PI, a mesma pediu ao Tribunal recorrido o seguinte:
“(…) face à ilegalidade do acto tributário, requere-se…a liquidação oficiosa de que a requerente foi notificada para pagamento, em termos de IRS e IVA referente ao ano de 2017 e ao ano de 2019, ser retificada, requerendo-se a sua retificação e desconsiderados os valores que aqui se referem na presente impugnação no seu quesito nº 12 e 16, ou seja, em sede de IRS referente ao ano de 2017 desconsiderando o valor de 25.717,76 euros em termos de rendimento e em sede de IVA o valor de 5.915,08 euros, em relação ao ano de 2019 em sede de IRS o valor de 17.250,00 euros e em sede de IVA, o montante de 3.967,50 euros, pois não pode a requerente ser tributada por tais valores, bem como a emissão da nota de crédito referente ao IVA e IRS tributado e liquidado em excesso, nos anos de 2017 e 2019, e a alteração da declaração de IRS de 2017, com tributação de rendimentos conjunta e não em separado conforme se encontra, de acordo com o princípio mais favorável ao contribuinte, pois o imposto a pagamento é muito mais reduzido”.

Pese embora o pedido formulado não seja o mais correto, a verdade é que interpretando o mesmo em todo seu contexto, atentas as causas de pedir elencadas e em que o mesmo repousa, bem se percebe que pretende a anulação das liquidações (sendo a impugnação o meio próprio para tal pretensão).
Ademais, as causas de pedir, são geradores, a proceder, dessa anulabilidade, sendo a impugnação o meio adequado de formular essa pretensão ao Tribunal.
Aliás, foi assim que o Tribunal recorrido interpretou ao considerar a impugnação improcedente, sendo certo que, a ter sido acudida a mesma, além da anulabilidade das liquidações, o seu “recalculo” teria de ter em conta os valores pretendidos pela recorrente que refere no pedido. Contudo, já assim não seria quanto à substituição da declaração de rendimentos (conjunta ou em separado) que não é uma pretensão que seja de dirigir ao Tribunal, na medida em que, sendo apresentada por si junto da Administração Fiscal é ali que deve ser feito o pedido de alteração, cabendo ao Tribunal apenas sindicar os atos (desde logo de liquidação).
Não obstante, na situação colocada, apenas no extenso pedido é solicitada a retificação da declaração de rendimentos, inexistindo nada mais na PI acerca dessa pretensão (seja como causa de pedir/alegação ou sequer argumento).
Por ser assim, apesar da latitude do pedido formulado, tendo o Tribunal julgado improcedentes todas as causas de pedir, concluindo pela improcedência do peticionado, decidindo desse modo o pedido (improcedência), não se pode concluir que tenha havido omissão de pronúncia, inexistindo, aqui, a apontada nulidade.

-Relativamente à nulidade da sentença decorrente da falta de notificação para audição prévia antes do indeferimento do recurso hierárquico, além de não consubstanciar o alegado qualquer nulidade do sentenciado, nos termos do vertido no artigo 125º do CPPT, a verdade é, também, que, essa questão não foi sequer colocada na PI, por isso nada foi dito na mesma. E, sendo essa questão nova, não sendo sequer de conhecimento oficioso, não tinha o Tribunal que emitir pronúncia.
Nesta conformidade, improcede a nulidade da sentença.

- Do erro de julgamento de facto.
Dissente ainda a recorrente do sentenciado quanto à decisão da matéria de facto, na medida em que não deu como provada a matéria de facto decorrente da prova testemunhal e documental, entendendo que os pontos 10, 16, 25 e 27 foram incorretamente julgados por serem omitidos na sentença, devendo ser alterados (cf. conclusões 1ª e 2º).
Acrescenta que, o erro de facto nos termos por si elencados afronta a tutela jurisdicional efetiva, através do qual tem direito a um processo equitativo.
Apreciando.
Para analisar esta questão teremos de consultar conjuntamente as alegações e conclusões, na medida em que as conclusões por si só não respeitam as exigências do estabelecido no artigo 640º do CPC.
Assim, lendo as alegações de recurso e as conclusões, apesar de alguma imprecisão neste anotado vício da decisão recorrida, conseguimos perceber que a recorrente não se insurge quanto aos pontos 10, 16, 25 e 27 da decisão de facto, mas, relativamente ao facto da factualidade constante naqueles pontos 10, 16, 25 e 27 não ter incluído que apenas à recorrente foram enviados os ofícios indicados nos pontos 10º, 16º e 25º dos factos provados e que apenas em seu nome foram emitidas as liquidações identificadas no ponto 27º do probatório – Cf. páginas 10 e 11 das alegações de recurso.
Na realidade, apesar de pretender que seja acrescida a expressão “apenas” aqueles pontos da matéria de facto, nenhum ataque desfere à factualidade assente, apesar de também pretender que aos factos provados sejam aditados mais dois factos (alíneas a) e b) das alegações de recurso constante de pág. 11 do recurso), sublinhando, ao mesmo passo que o Tribunal valorou incorretamente os elementos probatórios que juntou aos autos, como documentos e prova testemunhal.
Vejamos.
Relativamente à expressão apenas que pretende que seja acrescida aos pontos de facto acima referidos, importa desde já referir que aquela expressão é meramente conclusiva.
Na verdade, constando daqueles pontos de facto que os ofícios foram remetidos à impugnante, facilmente se percebe que a mesma, e só a mesma (apenas) foi notificada, e o mesmo se diga quanto às liquidações emitidas em seu nome, pois se é o seu nome que ali consta, apenas em seu nome foram emitidas.
Sendo assim, ou seja, sendo aquela expressão conclusiva, não deve povoar os factos provados, os quais devem ser cristalinos e sem se povoar de juízos conclusivos ou de direito.
Com efeito, um facto é um acontecimento da vida real e os factos em causa estão devidamente recortados nos termos em que foram alocados ao probatório, pelo que improcede o pretendido acrescento da expressão “apenas”, o que já se infere/conclui.
Deste modo, inexiste qualquer erro na seleção factual, nem na sua valoração, sendo certo, ademais, que em momento algum, na PI inicial a recorrente alegou que apenas foi emitida a liquidação em seu nome e que apenas a mesma foi notificada dos atos do procedimento.
Continuando.
Relativamente aos factos que pretende aditar ao probatório, constantes das alíneas a) e b), do ponto 27, das alegações de recurso (cf. pág. 11 do recurso), as mesmas não podem igualmente povoar os factos provados.
Não obstante o disposto nos artigos 640º e 662º do CPC, abaixo referidos, a verdade é que aquela pretensão não pode ser acudida.
Vejamos porquê:
Diz a recorrente que:
“Deverá ser dado como provado que a Recorrente:
a) O valor de 12.500,00 euros, terá de ser desconsiderado, porque foi entregue às clientes, conforme resulta da prova documental;
b) em relação aos movimentos n.º 24 – 2.250,00 euros em 20-02-2017, movimento n.º 85 –1.000,00 euros em 22-08-2017 e movimento n.º 114 - 2.400,00 euros em 17-11-2017, foi apresentada prova, em relação ao alegado, juntou uma declaração devidamente assinada por R.........., comprovando que tais valores foram por si doados, tendo inclusivamente solicitado informação ao Sr. Inspetor, de qual seria o documento mais idóneo, de modo, a que tais valores pudessem ser justificados e aceites, a testemunha, N.........., referiu que ouviu o pai da recorrente a afirmar que tais valores lhe foram doados, gravação 00:11:15 a 00:14:10”.
Antes de enfrentar a questão, importa convocar o vertido nos artigos 640º e 662º do CPC para aferir se é ou não de acolher a pretendida adição ao probatório dos factos acima identificados.
Estabelece o artigo 640º do CPC o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nos 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Assim, no que respeita à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
Na seleção dos factos, repousada em elementos de prova que os atestem ou infirmem, o julgador deve evidenciar o caminho que percorreu, por via da motivação, ou seja, aquilo que o julgador decidiu quanto aos factos/acontecimentos (sobre os quais, posteriormente, se vai fazer repousar a lei), deverá assentar num discurso lógico que permita a sua compreensão, para assim se poder acompanhar ou discordar dessa decisão acerca da realidade fáctica adquirida.
Com efeito, decorre do artigo 607º do CPC, que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo dos factos cuja prova seja vinculativa, exigindo formalidade especial (por exemplo, os documentos autênticos, acordo das partes e confissão).
Com a redação do artigo 662º, recorda António Santos Abrantes Geraldes, pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos do artigo 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal de 2ª instância deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinarem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais (complementados ou não pelas regras da experiência), formulando assim a sua própria convicção, com observância do princípio do dispositivo, no que respeita à identificação dos pontos de discórdia Vd. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Almedina, pág. 333 e 334.
A nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. E isto porque, nessa tarefa, o ajuizado pelo julgador não é arbitrário, nem de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto. Pelo contrário, trata-se de uma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objetivado, alicerçado na análise crítica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na, e com, a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, devendo aquela convicção ser explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador, que administra a justiça em nome do povo.
A esta luz, para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, como avançamos já, pelos meios de prova indicados pela recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
In casu, relativamente aos fatos que pretende adicionar ao probatório, a recorrente não se refere a nenhum ponto em concreto do probatório que tenha sido incorretamente julgado, apresentando outros factos que entende relevantes.
Ora, os factos são, como sabemos, acontecimentos da vida real que são recolhidos de elementos de prova que os atestem.
Sendo assim, não pode a decisão de facto conter juízos de direito, juízos conclusivos, nem normas legais.
A verdade é que, no ponto a) e b) acima transcritos, os “factos” não podem habitar o probatório na medida em que, são meras conclusões que se extraem do probatório os juízos ali vertidos, desde logo na alínea a).
Por ser assim é que, todas as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, sobretudo se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão, razão pela qual, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.
HELENA CABRITA salienta que, “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” – in, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107
Daí que, sempre que o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.
E se assim é, não pode ser acudida a pretensão de uma das partes quando pretende fazer povoar o probatório com factos conclusivos que encerrariam o thema decidendum.
Assim, ao dar por assente que, o valor de 12.500,00 EUR tem de ser desconsiderado (do acréscimo à matéria tributável) porque foi entregue às clientes, não é um facto, mas uma conclusão que se extrai de factos, desde logo a entrega daquela quantia, quando ocorreu (data) e quais as clientes, para depois o Tribunal concluir se efetivamente houve entrega, quando e se era de desconsiderar ou não.
Além disso, teria de indicar quais os documentos a suportar aquela alegada entrega, não bastando referir “conforme resulta da prova documental”, sendo imperioso precisar quais os documentos.
Para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
De resto, como se vê da decisão recorrida, os contornos que envolvem aquela quantia de 12.500 euros constam da factualidade assente que foi necessária e bastante para o Tribunal se pronunciar, como o fez, na medida em que aquela questão relativa à desconsideração de tal verba foi evidenciada como questão a decidir e foi analisada, pese embora a discórdia da recorrente que fica evidente ao pretender alocar tal conclusão aos factos provados.
Com efeito, e para apreciar a desconsideração dos 12.500 euros, além do teor do relatório inspetivo e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, que constam do probatório, onde é mencionada a quantia de 12.500 euros, consta também do probatório um laudo da ordem dos advogados que fixou os honorários devidos pelas suas clientes em 12.500 euros, em vez de 68.529,63 EUR + IVA, assim como do probatório consta as quantias que a recorrente entregou às suas clientes em virtude da extinção de um processo crime – Cf. pontos 11, 21, 22, 23, 24, 31, 33, 37 e 38 dos factos provados constantes da decisão de facto.
Estes elementos probatórios foram suficientes para analisar a questão colocada (que agora pretende que seja aditada como facto) e sobre a mesma o Tribunal recorrido, como se disse, pronunciou-se, concluindo, em suma, que as quantias devolvidas às clientes, constantes do probatório não compreendem os 12.500 euros.
E, disse bem, atento o recorte factual.
Decorre dos autos que a AT considerou inicialmente na matéria tributável o valor de honorários cobradas pela recorrente, sendo certo que, em sede do procedimento de reclamação graciosa esse valor foi corrigido, ou seja, o valor dos honorários considerado na base da matéria tributável não foi o considerado inicialmente pela AT, que o corrigiu face ao valor fixado no laudo pela Ordem dos Advogados, passando assim a ser de 12.500 euros e respetivo IVA – Cf. ponto 23 dos factos provados.
Relativamente a este valor apregoa a recorrente que os entregou às suas clientes, tal não se extrai do probatório e não se diga que a prova atinente aquela factualidade foi mal valorada.
Tendo a recorrente cobrado um valor superior aquele que foi fixado no laudo, que passou a 12.500 EUR, foi esse o valor considerado pela AT.
E assim foi na medida em que, por decisão da Ordem dos Advogados, o valor cobrado (e inicialmente contabilizado pela AT), foi reduzido a 12.500 EUR que a AT considerou na sequência da pronúncia no procedimento de reclamação em que fez chegar aquele laudo para evidenciar o excesso contabilizado pela AT na correção da matéria tributável que influenciou as liquidações questionadas, como se vê do probatório, desde logo do ponto 23.
Ora, além do valor fixado no laudo, não há notícia que a recorrente devolveu a totalidade dos honorários recebidos, onde se incluíam os 12.500 EUR.
Por outro lado, o probatório dá conta que em 31.04.2023 a recorrente, como arguida, e as “suas clientes” como assistentes celebraram um acordo para por termo à responsabilidade criminal da recorrente no âmbito do processo 373/20.9 do Tribunal Judicial de Santarém, onde a recorrente se obrigou a pagar a quantia de 89.000,00 EUR, sendo 3.130.87 EUR pagos na data de assinatura do acordo, e o remanescente – 85.869,13 EUR – por transferência bancária, que veio a ocorrer em 07.08.2023 (cf. pontos 37 e 38 dos factos provados).
Portanto, os elementos factuais e documentais referidos apenas autorizam concluir que a recorrente era devedora às clientes e não credora de honorários que “cobrou em excesso”.
A este respeito o Tribunal concluiu que:

“Resulta ainda da matéria de facto provada que no dia 13/04/2023 foi registado na Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, requerimento intitulado "ACORDO PARA EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL" referente ao processo n.° 373/20.9T9STR no qual a Impugnante e O.......... e J.......... acordaram na extinção da responsabilidade criminal da Impugnante após concretizada a restituição da quantia de 89.000,00, cf. facto provado em 37. do probatório.

E advém da matéria de facto provada em 36. e 38. do probatório que 13/04/2023 e em 07/08/2023 foram efetuadas pela Impugnante as transferências das quantias de €3.130,87 e de €85.869,13, respetivamente, da sua conta bancária n.° 00......... do BANCO ......... para a conta bancária n.° 00…… pertencente a J.......... com a descrição "PROCESSO 373 SANTAREM".

Nessa sequência resulta da matéria de facto provada que em sede de procedimento de reclamação graciosa foi desconsiderando «o montante inicialmente corrigido de €81.102,74 e passando a considerar como rendimento o valor apurado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados de €12.500,00 que, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, totaliza €15.375,00», cf. factos provados em 23. e 24. do probatório.

Com efeito sendo esses €12.500,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, que totaliza o montante de €15.375,00, referentes a honorários pelos serviços prestados pela Impugnante cujo recebimento teve efetivamente lugar no dia 12/11/2019, não se vislumbra de que modo se poderá sustentar que essa quantia não constitui rendimento da Categoria B de IRS desse ano de 2019.

E repare-se que a esta conclusão não obsta o facto de na sequência da ação a que se refere o processo n.° 373/20.9T9STR do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém ter sido apresentado um acordo intitulado "ACORDO PARA EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL", na sequência do qual foram efetuadas pela Impugnante a transferência das quantias de €3.130,87 e de €85.869,13, em 13/04/2023 e em 07/08/2023, respetivamente, da sua conta bancária n.° 00......... do BANCO ......... para a conta bancária n.° 00…… pertencente a J.......... com a descrição "PROCESSO 373 SANTAREM".

Com efeito esse litígio que opôs a Impugnante às suas clientes em nada afasta o facto de a mesma ter recebido, em 12/11/2019, a quantia de €15.375,00 (€12.500,00 acrescido de IVA à taxa de 23%), sendo que mediaram mais de quatro anos entre o recebimento dessa quantia e a transferência das quantias de €3.130,87 e de €85.869,13 em 13/04/2023 e em 07/08/2023.

Neste contexto, merece inteiro acolhimento nos presentes autos a posição perfilhada pela Exma. Representante da Fazenda Pública segundo a qual «inexistindo qualquer documento de quitação complementar àqueles registos de operações de transferência, desconhece-se a que título foi efetuada a restituição do valor global de € 89.000,00, e muito menos se sabe se todos aqueles valores respeitam aos períodos tributários em causa, isto é, aos anos de 2007 e 2019.»”
Não obstante o que se disse já, quer quanto ao facto de ser conclusivo o vertido em a), quer quanto ao facto de não ser aí apontado qualquer documento a atestar o recebimento de 12.500 EUR pago ou entregue pela recorrente às clientes, o certo é também que, não merecer censura o ajuizado e valorado a este respeito pelo Tribunal.
Resta referir que, apesar de, após a dedução da presente impugnação ter sido junto aos autos duas cartas enviadas pela mandatária da recorrente, em 2024, a pedir honorários às “clientes”, no valor de 12.500 EUR, a verdade é que diante a factualidade acima recolhida e valorada, ainda assim, não autoriza o teor das missivas concluir que as clientes da recorrente lhe deviam 12.500 relativos aos exercícios de 2017 e 2019 em causa, quando o que o probatório evidencia é que a recorrente recebeu honorários em excesso naqueles exercícios, sendo esse ano o do rendimento a atentar, não estando em causa que esse facto existiu e ocorreu.
Ademais, repete-se, não decorre dos autos um qualquer documento a atestar a existência de uma entrega de 12.500 EUR, nos anos em causa (2017 e 2019) por parte da recorrente às clientes que autorize concluir que a mesma foi feita.
Improcede, por isso, nesta parte o recurso.

- No que concerne à matéria constante da alínea b) acima transcrita, que a recorrente pretende que se adite aos factos provados, também não poderá ser atendida na medida em que já consta da factualidade assente os factos que o Tribunal considerou relevante para aferir se efetivamente as quantias depositadas na sua conta bancária ali elencadas eram ou não doações do seu pai efetuadas em 2017.
Ora, do probatório consta já a factualidade pertinente e apurada.
Com efeito, consta do probatório o teor da declaração feita pelo seu pai relativamente a quantias que o mesmo refere (declara) que doou à recorrente e que depositara na sua conta bancária - Vejam-se os pontos 20 da decisão de facto onde consta o teor da declaração referente a 2017, datada de 01.02.2022 em que, R.......... declara que em 2017 efetuou depósitos na conta da sua filha/recorrente, que lhe doara, discriminando os valores e datas.
Assim como, do mesmo ponto 20 dos factos assentes, consta, uma outra declaração de R.......... a declarar, na mesma data (01.02.2022) que em 2019 efetuou depósitos na conta da recorrente que lhe doara.
Ora, foram estes factos que o Tribunal apurou e é esta “factualidade” que, constando já do probatório a recorrente pretende “novamente” aditar, o que é bastante para improceder tal pretensão, por inexistir erro algum.
Além disso, diante daqueles factos, o Tribunal, na subsunção jurídica concluiu que apenas se provou que o pai da recorrente declarou em 2022 que depositou dinheiro na conta da filha em 2017 (e 2019), mas que essa declaração por si só, sem nenhum outro elemento adicional que permita aferir a circulação do dinheiro (por exemplo talões de levantamento, etc), não permitem só por si concluir que aquelas quantias foram doadas e depositadas pelo seu pai naquelas datas e montante.
Apesar das razões de discórdia da recorrente com a conclusão retirada do Tribunal, o Tribunal andou bem.
De facto, olhando ao facto que pretende aditar (e não pode ser acudida, como se disse), o que a recorrente pretende, efetivamente, é insurgir-se quanto ao modo como foi feita a valoração pelo Tribunal quanto à prova para aquelas doações, desde logo os documentos (declaração) e prova testemunhal.
Mas, também inexiste nada a apontar à valoração feita, desde logo da consulta da decisão recorrida, como referimos,
O Tribunal entendeu que a declaração não era suficiente, e concordamos com esse juízo. Não basta uma declaração feita anos depois de terem sido feitos os alegados depósitos, sem qualquer talão de depósito do seu declarante em conjunto, nomeadamente, de levantamentos da sua conta.
Por outro lado, é verdade que a testemunha inquirida referiu que ouviu no gabinete, quando estavam a preparar a documentação para o processo que o pai da recorrente transmitiu que não só entregou “estes valores” como todos os anos assim o faz, quer no aniversário quer nas férias (gravação 00:11:15 a 00:14:10).
Porém, o facto de a testemunha ouvir o pai da recorrente a dizer que entregou aqueles valores, não é suficiente para, juntamente com a declaração constante do probatório, se concluir que efetivamente se provou que aqueles valores foram doados pelo pai da recorrente e os depositou. Esses elementos não foram, e em nosso entender bem, bastantes para lograr convencer o Tribunal e dar como provado o pretendido pela recorrente, tal como bem o motivou e enfrentou.
Por ser assim, tal como se disse no acórdão do TCAN de 30.09.2015, tirado do processo 00196/09.6BEAV, diremos nós também que: “Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção”.
E, tal como doutrinado por M. Teixeira de Sousa: “(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Importa por fim dar nota de que, ao pôr em causa a decisão de facto e/ou a sua valoração, não basta afirmar que a prova indicada impunha sentido diverso e que foi mal valorada na globalidade, quer documentos quer testemunhas, sem o fazer com rigor e objetividade, indicando o que foi mal valorado, relativamente a que pontos, apontando um raciocínio lógico e alternativo, sem que se confunda factos e juízos conclusivos, etc, como foi feito pela recorrente.
Aqui chegados, tendo em conta o avançado, teremos de concluir que o apontado erro de julgamento de facto e/ou na valoração dos documentos, terá de naufragar.
Ao mesmo passo, impera concluir que, não assiste razão à recorrente quando defende que, atento o erro de julgamento de facto (que naufraga) foi posto em causa o disposto no artigo 20º da CRP, à tutela jurisdicional efetiva e processo equitativo (cf. conclusão 3 do recurso) quando a premissa em que se escorou é improcedente.

- Estabilizada que está a matéria de facto, importa agora apreciar o erro de julgamento de direito.
Advoga a recorrente que inexiste fundamentação de facto e de direito do ato de liquidação que permitiu à AT fixar oficiosamente o seu rendimento para 2017 e 2019, sem que fosse ouvido, nos termos do artigo 268º nº 3 da CRP. (Cf. conclusão 4 do recurso).
Importa desde já referir que uma coisa são os vícios do ato e outra são os vícios da decisão recorrida. O Tribunal de 1ª instância analisa os vícios do ato e, no recurso, a parte pode evidenciar o seu inconformismo sobre a análise empregue nessa apreciação das ilegalidades do ato feita pelo Tribunal a quo, imputando-lhe erro de julgamento de facto ou de direito ou nulidade, sem que caiba a este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre as ilegalidades do ato.
Na situação trazida, além de não ter sido alegada a falta de fundamentação do ato de liquidação (formal), a verdade é que, ao Tribunal de recurso não cabe analisar a legalidade dos atos de liquidação, mas apenas analisar e decidir se o Tribunal recorrido andou bem nessa apreciação. Por assim ser, não tendo sido feita essa análise pelo Tribunal recorrido, não cabe a este Tribunal de recurso aferir também acerca da legalidade imputada aos atos em causa.
Conforme se sumariou, entre outros, no acórdão deste TCAS, datado de 23.01.2025, Processo nº 943/07.0BELRS: “O ato contenciosamente impugnado padece de vícios, enquanto que a sentença recorrida sofre de erros relativos ao julgamento que faz quanto a esses vícios, pelo que, no recurso jurisdicional, devem ser atacados esses erros e refutadas as decisões tomadas e não os vícios do ato”.
Sendo assim, improcede o recurso nesta parte.

Na conclusão 7ª do recurso, apregoa a recorrente que, antes do indeferimento do recurso hierárquico não foi ouvido o contribuinte, o que determina a anulabilidade do ato, gera nulidade ou ineficácia do ato ou sua notificação.
Tal como se disse anteriormente, esta falta de audição prévia geradora de anulabilidade não foi também alegada na PI, tratando-se, além de questão nova, de vício que a ocorrer contaminaria o ato e não a sentença, por isso não cabe a esta instância de recurso apreciar.
Paralelamente, diz a recorrente que sobre estas questões o Tribunal não se pronunciou, acrescentando nós, nem tinha de o fazer por não terem sido alegadas na PI, tratando-se de questão nova que não cabe na nossa apreciação, como, aliás, se disse já acerca da apontada nulidade por omissão de pronúncia.
Por ser assim, naufraga igualmente aqui o recurso.

Já na conclusão 10º, em modo de conclusão, a recorrente aduz que a falta de audição do marido no recurso hierárquico; falta de fundamentação da matéria tributável por correções aritméticas; falta de fundamentação para recurso a métodos indiretos; ausência de fundamentação do ato e errónea quantificação gera nulidade do ato.
De sublinhar, novamente, que estas questões não foram alegadas na PI, não cabendo a este Tribunal apreciar das ilegalidades dos atos mas tão só dos vícios da sentença recorrida.
Por outro lado, independentemente das consequências da ilegalidade daqueles vícios relativamente aos atos de liquidação (se anulabilidade ou nulidade, cuja discussão aqui nos é vedada visto que aquelas questões não foram colocadas ao tribunal a quo na PI), em causa estão correções aritméticas e não métodos indiretos, sendo que, como se sublinhou, estas “ilegalidades” respeitam ao ato e não à sentença (apesar de, sublinhe-se, não terem sido alegadas, por isso também sempre seriam questão nova se se pretendesse sindicar o ajuizado acerca das mesmas pelo Tribunal recorrido).
Improcede, portanto, também aqui o recurso.
Continuando.
Na penúltima conclusão recursiva (11ª), a recorrente entende que a Mª juiz fez incorreta aplicação do artigo 344º nº 2 do CC e dos artigos 74º nº 3, 87º b) e 88º b) da LGT.
Apesar do seu inconformismo, não anota a recorrente em que momento e relativamente a que causa de pedir a sentença recorrida afrontou o princípio do ónus da prova vertido nos artigos 342º e 74º nº 3 da LGT, bastando-se em afirmar genericamente que foram violados aqueles normativos, sem concretizar em que momento, qual o entendimento do Tribunal errado, relativamente a que vícios e com base em que raciocínio traçado e qual seria o (legalmente) correto.
De resto, consultando a decisão recorrida, o que se constata é que a sentença recorrida alinhou de modo claro e correto os ónus de cada uma das partes, o que cabia a cada uma das partes provar e provou, bem como a prova que ficou por fazer e a quem cabia, desde logo por ser insuficiente e/ou não convincente, como decorre da fundamentação jurídica e da própria motivação da decisão de facto.
Diz-se na decisão recorrida a este respeito, de modo claro e acertado o seguinte:
“ Por outro lado, importa trazer à colação, considerando a especial relevância para a apreciação da questão suscitada, as regras do ónus da prova convocando-se para esse efeito o disposto no artigo 74.°, n.° 1, da LGT, norma na qual se prevê que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.»
Neste domínio acolhe-se nos presentes autos, por com ela se concordar integralmente, a jurisprudência proveniente dos tribunais superiores, da qual se destaca o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 04/06/2020, proc. n.° 010704/12, disponível em www.dgsi.pt, por com ele se concordar integralmente e de cuja fundamentação se transcreve, com relevância para os presentes autos, o seguinte excerto:
«(...) O n.° 1 do art.° 75.° do Lei Geral Tributária (LGT) determina que "Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal."
Assim, o artigo 75.° da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a Administração Fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, (art.° 59.° do CPPT) sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75°, n° 2, da LGT).
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.° 75°, n° 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
No entanto, a Administração Tributária tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
E como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, "actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação". - cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
(...)
É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.° do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.°, n.° 1 da LGT. (...)»
Depois de alinhar acertadamente as regras do ónus da prova, a decisão recorrida enfrentou os factos à luz da lei, como se impunha.
Não se vê, por isso, em que momento (nem a recorrente o aponta) errou a decisão recorrida na aplicação do artigo 344º nº 2 do CC e 74º nº 3 da LGT.
Nesta conformidade, também aqui improcede o recurso.

Relativamente à violação dos artigos 87º b) e 88º b) da LGT, não pode igualmente proceder o recurso.
Vejamos porquê.
O procedimento inspetivo que ocasionou as liquidações impugnadas e juros aqui em causa, foi efetuado, como amplamente decorre do probatório (desde logo do RIT ali vertido), que a correção da matéria tributável que antecede as liquidações, foi feita unicamente através de avaliação direta (correções aritméticas) e não através de avaliação indireta (métodos indiretos), razão pela qual aqueles normativos, respeitantes à avaliação indireta/métodos indiretos, não sustentaram o discurso fundamentador do Tribunal recorrido. E, sendo assim, como é, não se vislumbra (e nem a recorrente o circunscreve), em que medida a interpretação e a aplicação daqueles normativos foi afrontada pela decisão recorrida.
Deste modo, improcede o recurso também nesta parte.
Por fim, na última conclusão de recurso (12ª) a recorrente basta-se em afirmar, novamente, que o Tribunal violou cerca de 50 normas legais que elenca.
Também aqui não podemos acudir ao recurso.
Não basta afirmar que a sentença violou determinadas normas legais, sem mais. Ou seja, sem indicar o contexto em que foram afrontadas, a razão pela qual foram erradamente aplicadas ou interpretadas, e como deveria ser feita essa aplicação ou interpretação normativa.
O ataque assim desferido não permite sequer ao Tribunal de recurso identificar o que é que foi erradamente interpretado na sentença e qual seria o sentido “legal” e com eco nas normas, tal como é imposto pelo artigo 639º do CPC, ex vi artigo 2º al. e) do CPPT.
Cabia à recorrente indicar não só as normas jurídicas violadas, como a indicação do sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar (desde logo para se perceber o raciocínio por si traçado e se é de prevalecer ou não); E, perante o eventual erro na determinação de normas aplicáveis, indicar as que deveriam ser aplicadas (Vd neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Almedina, págs 181 e 182).
A verdade é que, nem nas alegações nem nas conclusões são apontadas as razões jurídicas pelas quais entende que foram violados aqueles artigos, isto é, como se decidiu e como deveria ser feita a (correta) interpretação daqueles normativos na situação sujeita, contrapondo um raciocínio jurídico-interpretativo alternativo no contexto factual em causa.
Ora, a finalidade das conclusões recursivas, nos termos do artigo 639º do CPC, essencialmente quando está em causa o erro de julgamento do direito, é definir o objeto do recurso, através da identificação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações, sob pena de ficar impossibilitada a apreciação dessa parte do alegado vício/erro (Neste sentido vd o sumariado no acórdão do STA de 19.05.2016, Processo nº 0203/16).
Ora, o ataque vago assim feito, sem o ser nos termos elencados vota ao insucesso o recurso nesta parte, que terá de naufragar.
Aqui chegados, assuma a conclusão que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida e bem assim as liquidações impugnadas e respetivos juros compensatórios.

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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.

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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


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Lisboa, 18 de setembro de 2025.

Isabel Silva
(Relatora)

Rui Ferreira
(em substituição da 1ª adjunta)
Vital Lopes
(2º adjunto)