Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08099/14
Secção:CT
Data do Acordão:10/26/2017
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:I. O nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II. Os depoimentos testemunhais, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil).
III. A censura da forma de formação da convicção do Tribunal não pode, assentar em juízos subjectivos, na medida em que a divergência de convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida e aquela que o Tribunal formou não se confunde com o vício imputado (erro na apreciação da prova) à sentença sob recurso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário do tribunal central administrativo sul

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA e a Impugnante, C..., recorrem da sentença que, proferida pelo TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LOULÉ, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, no montante global de €9.025,10.

A recorrente FAZENDA PÚBLICA termina as alegações formulando as conclusões seguintes:

«a) A douta sentença recorrida considerou provado na alínea K) da fundamentação (Factualidade provada) que "Os valores constantes no anexo l ao RIT com a menção "Declarações de ...: Pagamento de empréstimo" correspondem ao pagamento através do endosso de cheques que a irmã da Impugnante lhe havia/eito, no valor de € 7.000,00 (cfr. depoimento das testemunhas)."

b) Também na alínea L) da mesma fundamentação, dá-se como provado que "Os valores constantes no anexo I ao RIT com a menção "Declarações da mãe" correspondem a liberalidades feitas por esta à filha, em seu nome ou em nome do falecido avô (cfr. Depoimento das testemunhas)."

c) Por sua vez, na Factualidade não provada (ponto III-2 da douta sentença recorrida) entendeu-se que " Não ficou provado que os valores constantes do anexo I do RIT e que estão assinalados como "ganhos do casino" ou "prendas de casamento" sejam liberalidades ou para com a Impugnante ou empréstimos da mesma ao Dr. ... e Dra. ...".

d) E, bem assim, que: "Não ficou provado que os valores constantes do anexo I do RIT e que estão assinalados como "Em direito de audição não fez referência directa a este crédito" não sejam rendimentos. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito (...)."

e) Na fundamentação do julgamento, o depoimento da testemunha C..., mãe da Impugnante foi sumariado como se segue, no que nos interessa:" O depósito de 10.000 euros foi feito para ajudar a filha na casa que estava a construir, não foi para pagar serviços, ou comprar algo à Impugnante. O cheque de 1000 euros também foi uma doação para ajuda-la. Pagou sempre uma mesada de 1000 euros e ainda lhe vai dando, conforme pode, 500 euros ou mais, dependendo das suas possibilidades, pois o sogro que em vida fazia isso e ela mantém, ainda hoje." (sublinhado nosso).

f) Quanto à testemunha ... ..., o depoimento foi sumariado na douta sentença recorrida donde se retira: (...) "Recebeu cerca de 7000 euros da irmã, para pagar um motor para o carro, para o escritório e outras despesas que a testemunha tinha (...)"

g) A decisão recorrida considerou que "A prova testemunhal revelou-se essencial para o esclarecimento dos autos, nomeadamente com o testemunho da irmã da Impugnante e da mãe"

h) A valoração de tal meio probatório levou a Mma Juiz "a quo" a concluir que os valores descritos no anexo I do RIT com "Declarações de ...: Pagamento de empréstimo" correspondem ao pagamento através do endosso de cheques que a irmã da impugnante recebia dos seus próprios clientes, para pagamento de empréstimo que a Impugnante lhe havia feito, no valor de € 7.000,00.

i) No seu depoimento a referida testemunha não foi convincente no tocante à forma como foi utilizado o dito empréstimo da Impugnante. Na verdade ao dizer que o meio de pagamento do arranjo do motor do seu carro no valor de cerca de € 3000,00 fora efectuado em numerário não corresponde ao comportamento normal de um cidadão comum nas mesmas circunstâncias de facto da testemunha, advogada, pessoa certamente habituada a fazer--se munir de provas dos factos (entre os quais pagamentos). Dito de outro modo, não é razoável esperar que uma pessoa nas condições da testemunha efectue um tal pagamento naquele montante em numerário.

j) Todas as testemunhas arroladas pela Impugnante disseram efectuar pagamentos e depósitos de quantias avultadas em numerário respeitantes aos factos apurados pela Inspecção Tributária no seu relatório para justificar os valores encontrados a crédito nas contas bancárias da Impugnante.

k) São tais afirmações que a FP não pode aceitar que sejam consideradas para dar provimento ao pedido na parte considerada como provada.

l) Efectivamente, não foi entendimento da AT que a Impugnante tenha prestado serviços jurídicos à irmã e à mãe, pois seria normal, se tal acontecesse que os mesmos não fossem cobrados. O que se verifica é que a AT põe em causa a justificação apresentada pela Impugnante da proveniência de tais depósitos, ou seja que os mesmos tenham origem em depósitos da mãe da Impugnante pela falta de prova que tal facto ocorresse e que o endosso de cheques da Dra. ... tenha como motivação o pagamento de um empréstimo feito pela sua irmã.

m) Efectivamente, não foi entendimento da AT que a Impugnante tenha prestado serviços jurídicos à irmã e à mãe, pois seria normal, se tal acontecesse que os mesmos não fossem cobrados. O que se verifica é que a AT põe em causa a justificação apresentada pela Impugnante da proveniência de tais depósitos, ou seja que os mesmos tenham origem em depósitos da mãe da Impugnante pela falta de prova que tal facto ocorresse e que o endosso de cheques da Dra. ... tenha como motivação o pagamento de um empréstimo feito pela sua irmã.

n) Pelo que se invoca erro de julgamento por valorização indevida da prova testemunhal produzida nos autos.

o) Vejamos ainda o facto de, quer a irmã quer a mãe da Impugnante se referirem, nos seus depoimentos, ao "cheque" de 1000 euros. Ora, atento o anexo I do RIT, verifica-se que não existe qualquer cheque naquele valor justificado com declarações da mãe.

p) Na verdade, em 2005-06-02 existe um crédito de € 1000 com origem em multibanco (MB 17500), em 26-04-2006, um crédito no valor de € 10 000 com origem num depósito em numerário, em 27-04-2006 um crédito de € 1000 com origem num depósito em numerário e em 19-05-2006 um crédito no valor de € 1000 com origem num depósito em numerário.

q) Porque razão, a mãe da Impugnante, titular de uma conta conjunta com essa filha iria retirar de uma sua outra conta valores elevados em numerário como são € 10 000 para os depositar quando facilmente podia ter efectuado, ou pedido aos empregados bancários, uma transferência conta a conta evitando os riscos inerentes ao transporte e à manutenção em sua casa/outro local de tal quantia.

r) Tal facto, associado ao teor dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pela Impugnante, como se disse, retiram a credibilidade à prova e apontam, a nosso ver e salvo melhor e douta opinião, num erro do julgador de 1ª Instância.

s) Pelo que incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento ao considerar que a Impugnante logrou provar por prova testemunhal que os rendimentos corrigidos pelos SIT com justificação nas declarações da sua mãe e irmã não provêm da sua actividade de profissional independente;

t) Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a decisão administrativa e as liquidações ora impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA»


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A recorrente C... termina as suas alegações com as conclusões seguintes [apresentadas após convite ao aperfeiçoamento]:

«I - Do documento anexo ao RIT como Anexo 1, no que tange a movimentos bancários, sempre teria de se considerar que as contas bancárias da Impugnante eram apenas co-tituladas por si. E que,

II - Apesar de tal ter sido alegado e demonstrado nos autos, nunca a FP impugnou tal factualidade. De sorte que, mesmo que todos os movimentos bancários a crédito nas contas bancárias referidas no documento anexo ao RIT como Anexo 1, como sendo apenas da Impugnante, mesmo considerados todos os movimentos a crédito como rendimentos do trabalho, apenas deviam ter sido considerados na proporção da quota-parte da impugnante (50%).

III - Não faz qualquer sentido, nem se alcança da doura sentença ou da lei, ou de qualquer facto alegado pela FP, que movimentos ori...dos nas contas bancárias do marido da Impugnante (€1 523,61 - 20.12.2004, 7.1.2005, 23.05.2005, 16.12.2005 e 20.12.2005). Tudo conforme ao documento anexo ao RIT como Anexo 1.

IV - Em bom rigor, em face da matéria sujeita a julgamento, nem sequer se vislumbra a que propósito teria a Impugnante de arcar com o ónus da prova para demonstrar que os movimentos bancários em causa diziam respeito a bens ou serviços prestados ou vendidos e sujeitos a IVA. Com a agravante de,

V - A FP ou sequer o Tribunal, tendo na sua posse documentação bancária com pessoas identificadas (cheques, depósitos bancários assinados pelos ordenantes e transferências bancárias de ordenantes identificados), em momento algum questionaram alguma dessas pessoas sobre a natureza dos movimentos bancários efectuados para as contas bancárias co-tituladas pela Impugnante. O que viola a presunção legal prevista no artigo 75° n°1 da LGT.

VI - Conforme se explica nas alegações formuladas, versando os autos sobre impugnação de correcções meramente aritméticas levadas a cabo pela FP para as liquidações oficiosa de IVA impugnadas, o ónus da prova para "destruir" a presunção do artigo 75° n°1 da LGT, cairia sobre a FP e nunca sobra a impugnante. A contrariu sensu.

VII - Sempre que estejam em causa correcções com recurso a métodos indiciários - QUE NÃO FOI ISSO QUE FOI FEITO PELA FP - (sem esquecer que as correcções à matéria tributável em causa nos presentes autos foram feitas com recurso a correcções meramente aritméticas), aí sim, o ónus da prova recairia sobre a Impugnante. E, com manifesta violação de lei, pelos menos no que às regras sobre o ónus da prova,

VIII - Resultaram violados os artigos 74° e 75° da LGT, 100° e 107° do CPPT e, artigo 342° do Código Civil.

IX - Sendo imperativo legal ter-se como firme que, as liquidações oficiosas de IVA em causa nos presentes autos resultaram de correcções meramente aritméticas à matéria tributável e que, segundo as regras do ónus da prova, designadamente no artigo 342° n°do Código Civil e 74° da LGT, não era ã Impugnante que competia fazer prova de que os factos invocados pela FAZENDA PÚBLICA no Anexo 1 do RIT não correspondiam à verdade. Outrossim,

X - Perante as declarações periódicas de IVA (presumivelmente verdadeiras), o ónus da prova de que haveriam outros rendimentos provenientes da actividade profissional da Impugnante, recairia forçosamente em quem os invocasse - a Fazenda PÚBLICA. E não bastaria que se analisassem contas bancárias com mais de um titular (sem que todos os titulares sejam chamados ao assunto), presumindo-se que os saldos bancários são apenas de um dos co-titulares. Seria mister que que a FP demonstrasse inequivocamente que os cheques, transferências bancárias e depósitos em numerário, inequivocamente, fossem rendimentos do trabalho... apenas de um co-titular das contas bancárias analisadas. O que, manifestamente não aconteceu, com as necessárias violações das regras do ónus da prova, tal como supra se invocou e concluiu.

Consequentemente, nos termos dar razões e fundamentos amplamente apontados, nos demais termos da lei e do Direito, sem esquecer os essenciais e decisivos termos do sempre Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, tudo conforme já se concluiu, que - sic:

Especialmente nos termos do disposto no artigo 100° do CPPT, dada a mais que evidente e insanável dúvida sobre a quantificação (e qualificação como contrapartidas de serviços restados) dos factos tributários invocados pela Fazenda Nacional para ilidir a presunção legal de verdade das declarações de (VA oportunamente apresentadas pela Impugnante nos anos de 2004, 2005 e 2006, deverão Vossas Excelências proferir decisão que anule a douta sentença aqui trazida ao Alto Desembargo desse Venerando Tribunal e que anule os actos impugnados -todas as liquidações oficiosas de IVA dos anos 2004, 2005 e 2006.

Sempre com a certeza que, da mais DOUTA JUSTIÇA, dirão Vossas Excelências.»



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Nenhuma das recorrentes, enquanto também recorridas, apresentou contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 437 e 438 dos autos, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos vistos legais, cumpre decidir em conferência.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, atento o exposto, o objecto dos recursos está circunscrito às seguintes questões:
- se, errou o Tribunal de forma ostensiva na apreciação crítica da prova testemunhal produzida com as inerentes consequências ao nível da matéria de facto dada como não apurada - recurso da Fazenda Pública-;
- se, errou o Tribunal na apreciação da matéria de facto, violou os artigos 74.° e 75.° da LGT e artigo 100.º do CPPT- recurso da Impugnante-.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) A impugnante encontra-se colectada pelo exercício da actividade com o CIRS 6010 - ADVOGADOS, de 01/01/2004 (cfr. fls. 92 do processo de reclamação graciosa e 16 verso do p. a.);

B) A Impugnante encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral desde 01/01/2004 (cfr. fls. 17 do processo de reclamação graciosa);

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI200800942/43/44, foi iniciada em 01/01/2008 e concluída em 04/11/2208, uma acção externa de inspecção levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças de ... (cfr. fls. 16 verso do p.a.);

D) Foi elaborado o projecto de relatório final de inspecção e a Impugnante apresentou resposta ao mesmo (cfr. fls.147 e seguintes dos autos e 35 do processo de reclamação graciosa);

E) No âmbito do procedimento de inspecção foram apresentadas várias declarações sobre compromisso de honra, cujo teor se dá aqui por reproduzido e insertas a fls. 78 a 127 dos autos);

F) Em 02/12/2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, nomeadamente, consta o seguinte:
l – 2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Decorrente das correcções descritas nos pontos 111 do presente relatório, apura-se IRS e IVA em falta nos montantes discriminados nos quadros seguintes:
Ano
Base tributável
IVA
2004
2,385,00
453,15
2005
18.462,26
3,739,89
2006
23.009,70
4.832,04
TOTAL
43,856,96
9.025,08

2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Em cumprimento dos despachos n°DI200702622 e DI200702623, de 2007.07.18, foi efectuado procedimento externo de inspecção ao SP, com o objectivo de consultar, recolher e cruzar elementos, relativos aos anos 2004, 2005 e 2006.
Decorrente da análise efectuada aos elementos, verificou-se a existência de factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado e indícios de prática de crime em matéria tributária, pelo que pelo oficio nº10370 desta Direcção de Finanças de 11 de Setembro de 2006, notificou-se o SP, para, no prazo de 10 dias, autorizar, por escrito, o acesso aos documentos bancários de todas as contas por si detidas, referentes aos movimentos realizados nos anos 2003 a 2006. Em 27 de Setembro o SP veio declarar, por escrito, a não concessão a tal autorização
Face à recusa do SP para autorizar o acesso aos documentos bancários foi elaborada informação fundamentada no sentido de ser autorizado pelo Director Geral dos impostos o acesso aos documentos bancários do sujeito passivo, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 e a) e c) do n°2 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, com a redacção ao tempo dos factos, e nas alíneas a) e b) do n.° 2 e a) do citado artigo Em 2007.11,26, o Director-geral proferiu decisão a autorizar o acesso a todas as contas bancárias e respectivos documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas, referentes aos anos 2004; 2005 e 2006,
Tendo sido notificada, por carta registada com aviso de recepção, em 06 de Dezembro de 2007 para, querendo, recorrer judicialmente da decisão da decisão do Director Geral das Impostos relativa à autorização para derrogação do sigilo bancário, o SP apresentou, em 18 de Dezembro de 2007, recurso perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
Em 24 de Abril de 2008, foi proferida Sentença no processo n°670/07.9BELI.F do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em que é requerente C... e requerido o Director-geral dos Impostos, tendo-se concluído pela intempestividade de recurso.
Foi assim autorizado o acesso aos documentos bancários do SP, referentes aos anos 2004, 2005 e 2006. A fim de se proceder á análise destes documentos foram emitidas as presentes ordens de serviço.
3. Outras situações
Enquadramento / Obrigações declarativas
O SP efectuou a entrega da declaração de rendimentos modelo 3, dos anos 2004, 2005 e 2006. Em 2004 a determinação dos rendimentos foi feita com base na contabilidade, por opção, nos termos do nº3 do artigo 28º do Código do imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e, face ao valor ilíquido dos rendimentos declarados, ficou abrangido, a partir de 2005, pelo regime simplificado de tributação, rios termos da artigo 28º do CIRS.
A declaração mod. 3, do ano de 2004 foi acompanhada dos anexos C e H, tendo declarado um resultado liquido da categoria B de € 9.170,38. e dos anos de 2005 e 2006 pelos anexos B e H, tendo declarado um rendimento bruto da categoria B de € 39.087,01 para o ano 2005 e € 19.345,58 para o ano 2006.
O SP é portador de deficiência de 70%, sendo de se lhe aplicar o estipulado no artº16° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) na redacção em vigor à data, ou seja, isenção de 50% dos rendimentos da categoria B com o limite de € 13 774,86
Em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), o SP encontra-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral, desde 01-01-2004, tendo apresentado as declarações periódicas de IVA do primeiro ao quarto trimestre de 2004, 2005 e 2006.
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1.1. Correcções ao rendimento colectável (IRS) e ao IVA liquidado.
Decorrente do acesso aos documentos bancários do SP, foram analisados os extractos das contas bancárias, dos anos 2004, 2005 e 2006, que este titula em instituições bancárias portuguesas, nomeadamente, contas nºs: 12597088 no ... e n°11.0340.00200018166, nº0003.13948088020 e n°11.0340.00200014405 no ..., concluindo-se que os montantes movimentados não reflectem os valores declarados na sua actividade. As prestações de serviços declaradas nos anos objecto da presente acção de inspecção foram:

Ano
      Prest. Serviços (€)
2004
26.411,64
2005
39.087,01
2006
19.345,58


Em 01 de Outubro de 2008, o SP foi notificado para, no prazo de 10 dias, prestar por escrito os seguintes esclarecimentos / elementos (anexo 1 do processo de evidência de trabalho arquivado nesta Direcção de Finanças de ...):
"... Justifique, comprovando documentalmente, a natureza dos créditos nas contas por si tituladas, nomeadamente, contas n°s: 12597088 no ..., e n°11.0340,00200018166, n°0003 13948088020 e n°0340.00200014405 no ..., conforme valores constantes nos extractos de conta que constituem o anexo 1, nos casos em que estes valores não foram considerados rendimentos em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares..."
O SP apresentou a resposta à notificação em 21 de Outubro de 2008, a qual constitui o anexo 2 do processo de evidência de trabalho.
Analisados os esclarecimentos e elementos apresentados pelo SP, conclui-se que não comprovou documentalmente a natureza dos créditos nas referidas contas bancárias, identificados, na coluna 9 do quadro que constitui o anexo 1, no sentido de não serem considerados rendimentos, enquadrados no artigo 3º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Os motivos pelos quais se considerou a inexistência ou insuficiência de comprovativos documentais estão descritos na coluna 7 e 8 do quadro atrás referido e no ponto IX deste relatório.
Junta-se, em anexo 2, fotocópias dos cheques identificados em anexo 1, cujos valores foram considerados rendimentos.
Determinam-se os rendimentos omitidos, expurgando, do total dos créditos das contas bancárias, as transferências entre contas do SP, os financiamentos bancários obtidos, os cheques emitidos sobre contas tituladas pelo SP e os créditos considerados justificados na resposta à notificação atrás referida, tendo-se obtido os valores seguintes:
Ano
      Valores omitidos
2004
2.
385,00
2005
14.049,04
2006
18.426,37

TOTAL
34.860,41

As correcções que são operadas na presente acção de inspecção têm apenas em consideração os créditos detectados nas contas tituladas pelo SP resultantes da análise descrita, deixando de fora quaisquer outras entradas em dinheiro não depositadas no banco, que também constituem parte do seu rendimento, pois não é razoável esperar-se que todas as prestações de serviços efectuadas por um advogado sejam pagas através de cheque, transferência bancária ou que sejam por este depositadas em instituição bancária.
1.2 Conclusões
Face ao exposto, verifica-se que o SP não comprovou documentalmente os valores creditados nas suas contas bancárias, identificados em anexo 1 que totalizam a importância de €34,860,41 nos três anos em análise e conclui-se que estes são rendimentos (honorários) do SP, enquadrados no artigo 3º, n°1 alínea b) do Código do IRS, considerando a actividade para a qual está registado, sobre os quais deve ser liquidado adicionalmente IVA à taxa normal (artigo 18°, n°1 alínea c) do Código do IVA), conforme se discrimina no ponto 1.4.
Em sede de IRS, as omissões de rendimentos praticadas, infringem com o disposto nos artigos 3°, 22° e 97°, do CIRS.
Em sede de IVA, a falta de liquidação de IVA constitui infracção aos artigos 4°, 7°, 8°, 18°, 20° e 26 °, todos do CIVA.
1.3 Determinação do rendimento colectável corrigido
Rubricas
2004
Resultado fiscal declarado (1)
9.170,38
Correcções técnicas – Omissão de valores (2)
2.385,00
Resultado fiscal corrigido (1) + (2)
11.555,38
Rubricas
2005
2006
Prestações de serviços declarados (1)
39.087,01
19.345,58
Correcções técnicas – Omissão de valores (2)
14.049,04
18.426,37
Prestações de serviços corrigidas (1) + (2)
53.136,05
37.771,95
Rendimento colectável corrigido (3)
25.584,77
15.598,11

(3) O rendimento colectável corresponde, ao valor das prestações de serviços deduzido de €13.774,86 (artigo 16° do Estatuto dos Benefícios Fiscais), e da aplicação do coeficiente de 55%, por se encontrar enquadrado no regime simplificado nestes anos.


Rubricas
Ano 2004
Ano 2005
Ano 2006
Rendimento global
11.555,38
25,584,77
15.598,11
Rendimento Colectável
11,555,38
25.564,77
16.598,11
Colecta Total
2,042,77
6.185,74
2.847,43
Deduções à Colecta
1.344,04
989,04
845,11
Colecta Líquida
698,73
5.186,70
2,002,32
Retenções na fonte
93,45
0,00
0,00
Imposto a pagar
605,28
5.186,70
2.002,32
Imposto pago
32,89
2,081,87
1.388,28
(…)
1.4 Em sede de IVA - determinação do imposto a pagar


Período
Base tributável
IVA
0403t
220,00
41,80
0406t
440,00
83,60
0409t
0,00
0,00
0412t
1.725,00
327,75
0503t
4.605,80
875,10
0506t
2.253,61
428,19
0509t
4.325,00
908,25
0512t
2.864,63
601,57
0603t
2.538,97
533,18
0606t
12,600,00
2.646,00
0609t
2.120,00
445,20
0612t
1.167,40
245.15
TOTAL
34.860,41
7.135,80

2. Liquidação de IVA
Da análise comparativa entre o valor total das prestações de serviços constantes dos recibos mod.6 e o valor declarado nas declarações periódicas de IVA, detectaram-se divergências, conforme discriminado no quadro 10, resultando na falta de liquidação e pagamento de IVA, nos montantes de €926,78, €420,00 e €542,36, no quarto trimestre de 2005 e terceiro e quarto trimestre de 2006, respectivamente, com este procedimento o SP infringiu com o disposto no artigo 26°, n°1 do CIVA.
Recibos
DP's
Diferença
BT
IVA
BT
IVA
BT
IVA
0512t
15.719,01
3.300,89
11.305,79
2,374,21
4.413,22
926,73
Total
15.719,01
3.300,99
11.305,79
2.374,21
4.413,22
926,78
0609T
6.000,00
1.260,00
4.000,00
840,00
2.000,00
420,00
0612T
6.665,33
1,400,12
4.082,00
857,76
2.583,33
542,50
total
12.655,33
2.660,12
8,082,00
1.697,76
4.583,33
962,50
(…)

(cfr. fls.15 a 26 do p.a.);

G) Em 03/12/2008, sobre o relatório de inspecção tributária recaiu o seguinte despacho: "Concordo. Proceda-se como se propõe. " (cfr. fls. 15 do p.a.);

H) Em 02/05/2009 a Impugnante apresentou requerimento de reclamação graciosa (cfr. fls. 1 e 2 do processo de reclamação graciosa);

I) Em 24/09/2009 o Director de Finanças de ... emitiu o despacho de indeferimento do pedido de reclamação graciosa (cfr. fls. 96 a 99 do processo de reclamação graciosa);

J) A Impugnante omitiu a declaração dos proveitos descritos no anexo I ao RIT com a menção ''assume a omissão", no valor total de €2.230,78 (cfr. fls. 40 a 45 do processo de reclamação graciosa e 99 e 100 dos autos);

K) Os valores constantes no anexo l ao RIT com a menção ''Declarações de ...: Pagamento de empréstimo" correspondem ao pagamento através do endosso de cheques que a irmã da Impugnante recebia dos seus próprios clientes, para pagamento de empréstimo que a Impugnante lhe havia feito, no valor de €7.000,00 (cfr. depoimento das testemunhas);

L) Os valores constantes no anexo I ao RIT com a menção "Declarações da mãe" correspondem a liberalidades feita por esta à filha, em seu nome ou em nome do falecido avô (cfr. depoimento das testemunhas)».


A título de factualidade não provada, exarou-se na Sentença recorrida que: «Não ficou provado que os valores constantes do anexo I do RIT e que estão assinalados como "ganhos do casino" ou "prenda de casamento" sejam liberalidades ou para com a Impugnante ou empréstimos da mesma ao Dr. ... e Dra. ....
Não ficou provado que os valores constantes do anexo l do RIT e que estão assinalados como "Em direito de audição não fez referência directa a este crédito" não sejam rendimentos.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados».

E, em sede de fundamentação da matéria de facto, diz-se na Sentença recorrida que: «Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos, no processo de reclamação graciosa e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.
Do depoimento das testemunhas resultou o seguinte:
A testemunha, ... ..., marido da Impugnante, embora separados de facto, disse, em suma, que " entregava cheques à Impugnante para fazer face a despesas da casa e outras, cheques endossados ou ao portador que recebia dos clientes. Recebeu 50.000,00 da Impugnante para comprar um carro, e que foi pago em tranches ao longo do tempo, através de cheques, tendo ficado liquidado em 2005, 2006. O valor de €249.398,95 refere-se a uma indemnização que a Impugnante recebeu de uma seguradora por um acidente. O dinheiro foi depositado nas ilhas Caimão e foi sendo utilizado para obrigações que era preciso pagar, com a casa, fazer face à insolvência de contas bancárias. Nunca teve acesso às contas bancárias da Impugnante. A Impugnante entregou-lhe cheques que estavam ao portador, no valor de €250 cada, para trocar por notas, pois a testemunha normalmente utilizava dinheiro em numerário. A testemunha disse também que a Impugnante emprestou à irmã entre 7 a 8 mil euros que crê estar tudo pago. A Impugnante fazia os empréstimos através da entrega de cheques à irmã.
Prestou serviços jurídicos à mãe, mas não sabe se a Impugnante cobrou honorários. Mais referiu que o avô da Impugnante, em vida, pagava uma mesada de 1.000 euros àquela e a mãe da mesma continuou a manter, depois daquele, morrer, esse costume, mas no valor de 500 euros. O valor de 10.000 euros, entregue pela mãe da impugnante, foi para pagar o portão da moradia que a Impugnante estava a construir. O cheque de 1.000 euros tem a ver com a mesada do avô. Todas as contas são tituladas entre a Impugnante e a mãe desta. Relativamente ao valor que foi depositado nas Ilhas Caimão, só sabe que quando era necessário, o dinheiro aparecia, mas como não tinha acesso à conta da Impugnante, não sabe como é que o dinheiro aparecia na conta bancária, qual a proveniência. Apenas pode falar dos depósitos que ele próprio fazia nas contas da Impugnante e da sogra. Os cheques emitidos pelo ..., eram todos levantados ao balcão. A testemunha levantava e depositava depois nas contas da Impugnante e sogra que eram no .... A Impugnante tinha dificuldade em se deslocar ao banco devido à sua limitação física decorrente de um acidente. A irmã da Impugnante, também era advogada e dividiam entre os três, a renda e o espaço físico. Apenas tinham um cliente comum e o contrato de arrendamento estava no nome da Impugnante. Costumava jogar no casino. Recebia dinheiro da Impugnante para pagar dívidas ao casino. Quem tinha o volume de negócios maior foi sempre a Impugnante."
A testemunha C..., mãe da Impugnante, disse, em suma que "a Impugnante recebeu uma indemnização da seguradora mas não tem ideia dos valores, nem do que fez ao dinheiro. O depósito de 10.000 euros foi feito para ajudar a filha na casa que estava a construir, não foi para pagar quaisquer serviços, ou comprar algo à Impugnante. O cheque de 1.000 euros também foi uma doação para ajudá-la. Pagou sempre uma mesada de 1000 euros e ainda lhe vai dando, conforme pode, 500 euros ou mais, dependendo das suas possibilidades, pois foi o sogro que em vida fazia isso e ela mantém, ainda hoje. Morreu em 12.03.2006. O dinheiro para pagar essa mesada advém ou dos seus próprios rendimentos com o café e residencial que o sogro deixou a si e ao seu marido, ou ainda do dinheiro que o mesmo também lhes deixou e que está no banco a render. O pagamento da mesada é feito através de depósitos no banco (a conta é a mesma) ou dá-lhe em dinheiro directamente ou ainda por transferência da sua conta pessoal no ... para a conta que tem conjuntamente com a Impugnante. Nunca verifica extractos da conta que tem com a filha, pois a conta é da filha, ela só é co-titular porque é uma conta que abriu com ela quando esta era criança.
Disse também que o escritório era dividido entre a Impugnante, o seu marido e a irmã da Impugnante. "
A testemunha, ... ..., disse que "a irmã recebeu os 250.000 euros (à altura, 50.000 contos) da seguradora, por indemnização de um acidente em que lhe foi amputada uma perna. O dinheiro foi empregue na construção da casa, na prótese, tratamentos, etc.
O dinheiro foi depositado no ainda .... Recebeu cerca de 7.000 euros da irmã, para pagar um motor para o carro, para o escritório e outras despesas que a testemunha tinha e como a irmã recebeu esse dinheiro, tinha mais possibilidades e emprestou-lhe sem prazo de pagamento. Foi pagando em tranches ao longo de três anos, através de cheques que os clientes lhe davam. Confrontada com os cheques juntos ao p.a. em seu nome, confirmou serem cheques recebidos a título de honorários e endossados à sua irmã para pagamento do referido empréstimo. Nunca pediu quaisquer serviços jurídicos à irmã, nem a mãe. O avô dava 1.000 euros à Impugnante, mensalmente para pagar as obras na casa. Ainda hoje a mãe vai sempre dando quando pode. O pagamento normalmente era feito por transferência ou em dinheiro.
O depósito de 10.000 euros corresponde a uma doação da mãe, em nome do avô para a Impugnante construir a casa, pois seria o valor que, na altura, ainda em vida, o avô disse que lhe daria.
O cheque no valor de 1.000 euros entregue pela mãe da Impugnante era por conta de uma dessas prestações da mesada.
O contrato de arrendamento estava em nome da Impugnante. O pagamento da renda era feito em cheque e os clientes, em regra, eram próprios de cada um.
A Impugnante sempre tratou muito das coisas do banco, principalmente do ..., pelo telefone. Alguns dos cheques que entregou para pagar o empréstimo que a Impugnante lhe fez, foi ela própria ao MB com o cartão da irmã fazer o depósito na conta dela. Isto porque a Impugnante tinha dificuldade em se deslocar, atendendo ao acidente que teve.
Costumava ir ao casino com o cunhado e com a Impugnante e esta chegou a emprestar-lhe dinheiro, à volta de 50 euros e ao cunhado também. Quem ganhava pedia o que os outros perdiam. "
A testemunha arrolada pela Fazenda Pública, inspector ... Nunes, confirmou, em geral, os fundamentos vertidos no relatório da inspecção e referiu o que constava do RIT. Mais disse que "a Impugnante deu justificação para a maior parte das correcções que constavam do projecto de RIT, em sede de audiência prévia, através de prova documental apresentada. As declarações de familiares e os cheques que eram emitidos em nome da Dra. ... ... não foram aceites e foram considerados proveitos omissos. Considerou-se que como eram declarações de familiares e valores avultados, como é o caso dos 10.000 euros, sem outra prova, não podiam ser aceites. Confirmou que a Impugnante recebeu uma indemnização no valor de 50.000 contos à altura. Recorda-se que a Impugnante referiu que tinha feito empréstimos a familiares, mas durante a inspecção não foram apresentados quaisquer documentos para prova. Consideraram que a relação familiar e o facto dos valores, serem, em grande parte, em numerário, não podia ser aceite como justificação, pois não havia prova documental. Foram expurgadas das correcções tudo o que dizia respeito a valores resultantes de transferências bancárias.”
A testemunha arrolada pela Fazenda Pública, inspectora ..., além de confirmar o que estava no RIT, disse que "a Impugnante justificou algumas situações durante a inspecção e depois no âmbito do direito de audição justificou mais umas quantas. Consideraram que, as declarações dos familiares, sem qualquer outro suporte documental, não poderiam ser aceites como justificação. Apenas a entrega de declaração por um familiar e numerário, é muito difícil de justificar. Foi muito pouco o que foi considerado injustificado. "
A prova testemunhal revelou-se essencial para o esclarecimento dos autos, nomeadamente com o testemunho da irmã da Impugnante e da mãe, que, não obstante, a relação familiar que as une, pelo depoimento claro e articulado, mostraram que tinham conhecimento directo dos factos, nomeadamente, quanto aos valores alegadamente resultantes de doações entre mãe e filha e mútuos entre irmãs. Tais depoimentos, em confronto com os documentos juntos aos autos, nomeadamente os cheques reconhecidos na audiência de julgamento, pela irmã da Impugnante e com os depoimentos das testemunhas da Fazenda Pública, foram determinantes para a prova dos factos.
O depoimento do marido da Impugnante, embora separado de facto, Dr. ... ..., apesar de em certos momentos ser confuso e pouco esclarecedor, no global, mostrou-se esclarecedor da relação, a nível financeiro, do mesmo com a Impugnante, tendo também contribuído para confirmar, em parte, o que veio também a ser referido pelas restantes testemunhas.
A factualidade não provada resulta da contrariedade entre o depoimento do Dr. ... ... e Dra. ..., no que diz respeito aos ganhos com o casino, atenta a diferença de valores apresentados pelas testemunhas. Relativamente aos valores discriminados no RIT como "prenda de casamento" e "em direito de audição não fez referência directa a este crédito" foram considerados como não provados, atenta a falta de documentos sobre os mesmos e a falta de declarações por parte das testemunhas.»

**

B.DE DIREITO

Na sequência de acção de inspecção efectuada à recorrente C... ..., pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., foi corrigida a base tributável declarada sujeita a IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006.

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou parcialmente procedente a impugnação, na parte das correcções relativas aos montantes descritos no anexo I do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) sob os descritivos seguintes: «Declarações de ...: Pagamento de empréstimo» e «Declarações da mãe» improcedendo as demais.

Para julgar procedente a impugnação na parte em que o foi, a sentença recorrida entendeu que «fazendo a articulação entre os documentos juntos e o depoimento das testemunhas, essencialmente da irmã e mãe da Impugnante, conclui-se que os valores descritos no anexo l ao RIT com "Declarações de ...: Pagamento de empréstimo'' correspondem ao pagamento através do endosso de cheques que a irmã da Impugnante recebia dos seus próprios clientes, para pagamento de empréstimo que a Impugnante lhe havia feito, no valor de €7.000,00.

Mais resulta, pelo mesmo motivo, que os valores constantes no anexo I ao RIT com a menção ""Declarações da mãe''' correspondem a liberalidades feita por esta à filha, em seu nome ou em nome do falecido avô, quer no âmbito da construção da sua casa, quer para fazer face às necessidades monetárias que a impugnante vai tendo e que a mãe procura ajudar.

Conclui-se por isso, que tais valores não decorrem de qualquer relação profissional entre a irmã e mãe da Impugnante e esta. Do depoimento das testemunhas resultou claro que a impugnante nunca prestou serviços jurídicos àquelas, ou mesmo que o tivesse feito, nunca teria sido cobrado qualquer valor atenta a relação familiar entre as mesmas.

A Fazenda Pública ora recorrente impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que considerou provado: « K) Os valores constantes no anexo l ao RIT com a menção ''Declarações de ...: Pagamento de empréstimo" correspondem ao pagamento através do endosso de cheques que a irmã da Impugnante recebia dos seus próprios clientes, para pagamento de empréstimo que a Impugnante lhe havia feito, no valor de €7.000,00 (cfr. depoimento das testemunhas); e L) Os valores constantes no anexo I ao RIT com a menção "Declarações da mãe" correspondem a liberalidades feita por esta à filha, em seu nome ou em nome do falecido avô (cfr. depoimento das testemunhas)». Alega para tanto, que a sentença recorrida incorre em erro na apreciação e valoração da prova produzida atenta a falta de credibilidade da prova testemunhal.

Vejamos pois, antes de mais, o que entender sobre o vício imputado à sentença e se o mesmo se encontra presente na mesma.

Estamos em presença de erro notório na apreciação da prova sempre que do texto da sentença recorrida resulta, com evidência, um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Ou seja, é necessário que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

Para que seja realizada uma alteração da matéria de facto, quando esta assentou na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que naqueles termos foi decidido, antes sendo essencial que se alegue e demonstre através da concreta prova produzida que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». (Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13-11-2001, disponível na Colectânea de Jurisprudência de 2001, tomo V, pá... 85.).

Os depoimentos testemunhais, que a recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil). E, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.

Como realçou este Tribunal Central Administrativo, em acórdão de 20.10.205, processo n.º 8238/14, (que subscrevemos como 2ª adjunta) « Se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente do ora Recorrente tais depoimentos, não pode este Tribunal Central de ânimo leve pôr em causa a convicção que aquele livremente formou, considerando, para além do mais, que dispôs de outros elementos ou mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal de recurso não detém( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Pois bem, porque, foi invocado o erro ostensivo na apreciação da prova, importará averiguar se o Tribunal a quo incorreu efectivamente nesse erro, isto é, se realizou uma apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto.

Pois bem, tendo-se procedido à audição integral do CD em que ficaram registados os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas ... ... e C... todas elas confirmaram, de forma satisfatória e convincente, a sua versão factual.

O que afinal a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ela adquiriu em julgamento esquecendo a regra da livre apreciação da prova que supra temos conta (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT) .

Assim, e para respeitarmos este princípio se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pela recorrente - alíneas K) e L) do probatório -.

Com efeito, como já demos nota, a recorrente põe em causa, os depoimentos das testemunhas ... ... e C.... Ora, estas testemunhas foram unânimes em afirmar que o depósito de 10.000 € corresponde a uma doação da mãe da Impugnante.

Todavia, na tese da recorrente os depoimentos não foram convincentes, isto porque, « (…) ao dizer que o meio de pagamento do arranjo do motor do seu carro no valor de € 3.000,00 fora efectuado em numerário não corresponde ao comportamento normal de um cidadão comum nas mesmas circunstâncias de facto da testemunha, advogada. (…)».

Ora, a censura da forma de formação da convicção do Tribunal não pode, assentar em juízos subjectivos, na medida em que a divergência de convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou não se confunde com o vício imputado à sentença sob recurso.

E, por outro lado, embora compulsado o Anexo I do RIT se verifique não exista qualquer cheque no valor de 1.000€ ao que faz alusão as declarações da mãe da impugnante, este montante encontra-se inscrito no dito RIT sob a referência “MB”.

Por tudo isto, improcedem as conclusões de recurso apresentadas pela Fazenda Pública.

Na parte que ficou vencida, diz a recorrente C... que o ónus da prova «para “destruir” a presunção do artigo 75º n.º1 da LGT, cairia sobre a FP e nunca sobre a impugnante.» pretendendo ainda, a aplicação ao caso das regras contidas no artigo 100.º do CPPT.

Vejamos, então a sorte do recurso.

Como é sabido, as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais se presumem verdadeiras (artigo 75.º, nº 1, da LGT).

Por outro lado, compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT). O que significa que se a Administração Tributária não recolher prova suficiente da existência do facto tributário ou de que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada, não deve proceder à correcção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais nem à consequente liquidação adicional.

Neste sentindo, aderindo a argumentação constante do Acórdão deste TCA de 13.12.2005, in proc. 00287/04, diga-se, não pode exigir-se à recorrente «… prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo, e por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do ato), de modo a caber à Administração apenas provar as exceções invocadas – tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção da legalidade do ato administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjetivo) da ilegalidade do ato impugnado.(…) Por outras palavras ainda, deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova (de o juiz não se ter convencido) da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade (pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares (…).

Assim, atualmente, em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução que corresponde à regra geral do art. 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (Já não será assim se não for a AT que está a afirmar a existência e dimensão do facto tributário, mas o Contribuinte) e que foi acolhida no art. 121.º, n.º 1, do CPT), no art. 100.º, n.º 1, do CPPT, disposição legal que reproduz aquela, e no art. 74.º da Lei Geral Tributária.» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Dito isto, e regressando ao caso sub judice, vejamos se a prova produzida nos autos permite concluir pela existência de facto tributário, ou seja, se permite concluir que as quantias controvertidas constituem rendimentos sujeitos a IVA.

Estão aqui em causa os valores descritos no anexo I do RIT (assinalados como "ganhos do casino" ou "prenda de casamento) respeitantes a cheques emitidos por terceiros correspondentes a rendimentos não declarados, com base na fundamentação externada pela Administração Tributária.

Segundo a sentença recorrida «(…) a falta de documentação aliada ao depoimento confuso e contraditório do marido separado de facto, da Impugnante, não conseguiu convencer este Tribunal da veracidade do alegado por esta, a este propósito.

O mesmo se refira relativamente aos valores constantes do anexo I do RiT e que estão assinalados como "Em direito de audição não fez referência directa a este crédito'" pois quer no âmbito do procedimento de inspecção, processo de reclamação graciosa ou nos próprios autos, a Impugnante não logrou demonstrar a veracidade do alegado a este propósito, por falta de prova quer documental, quer testemunhal.».

Quer isto dizer que, aplicando ao caso dos autos as considerações supra expostas, dúvidas não subsistem, que no tocante à aplicação das regras do ónus da prova neste caso concreto, a sentença recorrida não merece censura.

E isto porque, compete à Administração Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, sendo que, no caso, face à inexistência de suporte justificativo dos montantes em causa, entendemos que se encontra legitimada a correcção vertida nas liquidações sindicadas.

E, nenhuma prova foi produzida pela recorrente no sentido de que tais valores correspondem a "ganhos do casino" ou "prendas de casamento», aliás, conforme se pode constatar das conclusões e respectiva alegação que as suporta, a matéria de facto apurada pelo Tribunal «a quo» não foi objecto de impugnação.

A recorrente invoca ainda o regime da fundada dúvida para justificar a anulação do acto quanto ao segmento impugnado, mas fá-lo, sem razão.

Isto porque, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a Administração Tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a Administração Tributária: in dubio contra Fisco) existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. ( neste sentido entre outros, acórdão do STA (Pleno) de 07.05.2003, proferido no processo n.º 241/03 e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 133).

Todavia, inexiste qualquer dúvida que possa favorecer a recorrente.

Aliás, a dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se fundada se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes (neste sentido vide – Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 28.10.2009, proferido no processo n.º 3224/09).

Pelo que vem dito, cumpre confirmar a sentença neste segmento e julgar improcedente o recurso deduzido, pela recorrente C....

IV.CONCLUSÕES

I. O nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

II. Os depoimentos testemunhais, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil).

III. A censura da forma de formação da convicção do Tribunal não pode, assentar em juízos subjectivos, na medida em que a divergência de convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida e aquela que o Tribunal formou não se confunde com o vício imputado (erro na apreciação da prova) à sentença sob recurso.

V. DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento a ambos os recursos.

Custas a cargo dos recorrentes.

Registe e notifique.


Lisboa, 26 de Outubro de 2017.
[Ana Pinhol]


[Jorge Cortês]


[Cristina Flora]