Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:31378/24.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:EFEITO DEVOUTIVO
NÃO ADMISSÃO DOCUMENTOS
ENSINO SUPERIOR
NÃO ACREDITAÇÃO
PERICULUM IN MORA
Sumário:I - O efeito do recurso de decisão proferida em processo cautelar é meramente devolutivo ope legis, a saber, por expressamente cominado na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA;
II - De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 651º do CPC as partes podem juntar documentos às alegações ou contra-alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância;
III - O encerramento de um estabelecimento de ensino superior privado pode ter como causa a não acreditação institucional, mas não decorre imediata e necessariamente desta;
IV - A Requerente apenas alega prejuízos que poderão resultar do posterior e ainda eventual encerramento do ISMT, pelo que não se verifica o requisito do periculum in mora;
V - Os critérios de decisão das providências cautelares, previstos no artigo 120º do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles determina a não adopção da providência requerida.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Instituto Superior M... [I...] e Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, devidamente identificados como requerentes nos autos de outros processos cautelares instaurados contra a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior [A3ES], inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 25.3.2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a providência cautelar requerida e, em consequência, recusou o seu decretamento e absolveu a Entidade requerida do pedido [de “suspensão de eficácia do acto de não acreditação institucional do I... proferido pelo Conselho de Administração da Entidade requerida e de intimação desta a abster-se de publicitar no site a decisão suspendenda até decisão final da acção administrativa principal].
No requerimento os Recorrentes referem que o recurso tem efeito suspensivo e nas respectivas alegações, formulam as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. Na data da instauração do presente procedimento cautelar conservatório, o Conselho de Administração da A3ES já havia proferido deliberação sobre o relatório institucional da CAE, tendo decidido pela não acreditação do I..., pretendendo o Recorrentes a suspensão de eficácia dessa deliberação.
2. A sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente os artigos 112.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 120.º do CPTA, os artigos 10.º, alínea a) e 18.º da Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto, os artigos 11.º, n.º 1, 18.º, 33.º, 34.º, 35.º e 38.º do Regulamento n.º 392/2013, violando-os.
3. É incorreta violando essas normas legais a decisão da sentença recorrida que refere não se verificar o periculum in mora pela circunstância de a decisão de não acreditação não ter como efeito jurídico direto, nem automático, o encerramento da IES.
4. A decisão de encerramento compulsivo do I... decorre e é consequente da decisão de não acreditação institucional, sendo esta última pressuposto da ulterior decisão de encerramento.
5. O que é entendimento do Diretor-Geral do Ensino Superior, da DGES e da jurisprudência (acórdão TCA N de 6 de março de 2016, proc. n.º 00337/16.7BEPRT).
6. A decisão de encerramento do I... tem como pressuposto e é ato consequente da decisão de não acreditação institucional do Conselho de Administração da A3ES.
7. O ato de não acreditação da A3ES implica e tem como consequência o ato de encerramento do I... porquanto, in casu, o único fundamento para o encerramento é a decisão de não acreditação.
8. O ato de encerramento não é um ato autónomo da DGES ou do Governo, mas sim um ato consequente da não acreditação já praticada.
9. Junta-se dois documentos (Doc. 1, datado de 29 de outubro de 2024 e Doc. 2, datado de 5 de março de 2025) em sede de recurso, que se faz nos termos dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC, porquanto são objetiva e subjetivamente supervenientes à instauração do procedimento cautelar.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser anulada a sentença recorrida, prosseguindo o procedimento cautelar os seus ulteriores termos.».

A Recorrida contra-alegou, referindo que o recurso tem efeito meramente devolutivo e formulando as seguintes conclusões:
«I. A douta sentença recorrida, ao decidir pela improcedência da providência cautelar requerida, com fundamento na não verificação do requisito do periculum in mora, não enferma em qualquer erro de julgamento, pois, não obstante a decisão de não acreditação do I... constituir fundamento para a instauração do procedimento de encerramento compulsivo, aquela apenas significa que a IES avaliada não cumpre os requisitos legais mínimos exigidos no quadro do sistema de garantia de qualidade do ensino superior, mas não tem como efeito jurídico, direto ou indireto, e muito menos automático, o seu encerramento, o qual apenas pode ser decretado por outro órgão, pertencente a outra pessoa coletiva, através de outro procedimento e na base de pressupostos de facto e de direito próprios.
II. Mesmo que se considerassem fundados alguns dos receios e prejuízos referidos pelos Recorrentes no seu requerimento inicial, não há entre o ato administrativo suspendendo e os prejuízos alegados a relação de causalidade e de imediação exigível para que se considerasse verificado o periculum in mora, uma vez que todos os prejuízos invocados derivam de uma eventual decisão de encerramento compulsivo do I..., que não decorre nem poderia decorrer do acto administrativo suspendendo.
III. No cenário hipotético em que os Recorrentes viessem a ser destinatários de uma decisão de encerramento do I..., sempre os seus direitos poderiam ser eficazmente tutelados através da impugnação dos atos que assim o determinassem e do requerimento da adoção de providências cautelares adequadas contra esses atos.
IV. Assim, não se descortinando que do não decretamento da providência requerida resulte qualquer potencial dano ou prejuízo irreparável ou de difícil reparação para os Recorrentes, falece, desde logo, o requisito do periculum in mora, o que basta para que aquela providência devesse ser recusada pelo Tribunal a quo, pelo que não merece qualquer reparo a douta Sentença recorrida, que assim deve ser integramente mantida, improcedendo, também totalmente, o presente recurso.
V. Sem prejuízo do que antecede, não tendo a douta sentença recorrida dado como provados quaisquer dos prejuízos alegados pelos Recorrentes, e não tendo estes recorrido da mesma sentença quanto à matéria de facto, esta transitou em julgado quanto a essa parte, pelo que o decretamento da providência requerida continuaria sempre a ser inviável por falta de periculum in mora».

O juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso com efeito suspensivo, cfr. artigo 143º, nº 1 do CPTA.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelos Recorrentes, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento de direito ao julgar a providência improcedente, por não verificação do requisito do periculum in mora.
A título prévio importa aferir do efeito de subida do recurso e da admissibilidade dos (2) documentos juntos com as alegações de recurso.

A sentença recorrida considera indiciariamente provados, unicamente para efeitos de decisão do presente processo cautelar, os seguintes factos:

«1. O INSTITUTO SUPERIOR M...é uma instituição privada de ensino superior portuguesa e intermunicipal, cuja entidade instituidora é a COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DA REGIÃO DE COIMBRA.
Cf. consulta do documento SITAF a fls. 545-1074 dos autos em paginação eletrónica – PA.

2. Em 07.07.2023, o requerente submeteu/via plataforma eletrónica o relatório designado de ‘Relatório de autoavaliação institucional’, no propósito da acreditação institucional por parte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, ao qual foi atribuído o n.º de Processo AINST/22/2200067.
Cf. consulta do PA junto aos autos, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3. Em 13.10.2023, foi concluída a designação da Comissão de Avaliação Externa (CAE) no âmbito do processo referido em (2).
Cf. consulta do PA junto aos autos.

4. Em 21.01.2024, a Comissão de Avaliação Externa apresentou o relatório preliminar.
Cf. consulta do PA junto aos autos, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

5. Em 23.01.2024, o teor do relatório preliminar referido em (4) foi levado ao conhecimento do INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA.
Cf. consulta do PA junto aos autos.

6. Em 12.02.2024, a Comissão de Gestão do INSTITUTO SUPERIOR M...pronunciou-se sobre o teor do relatório preliminar/proposta de decisão referido em (4).
Cf. consulta do PA junto aos autos, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

7. Em 25.03.2024, a Comissão de Avaliação Externa apresentou o relatório final.
Cf. consulta do PA junto aos autos, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

8. Em 11.07.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR aprovou o relatório final referido em (7), com o que propôs Não Acreditar, com o fundamento que se passa a reproduzir:

As Instituições de Ensino Superior têm a obrigação de garantir a qualidade do seu desempenho (Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto), abrangendo as diversas atividades previstas nos respetivos Planos Estratégicos, adotando os parâmetros legais prescritos na legislação nacional e utilizando como referencial as boas práticas internacionais, designadamente as resultantes dos padrões da European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). A qualidade de cada Instituição de Ensino Superior deverá ser progressivamente consolidada através da clarificação e consensualização da sua estratégia, da adoção de sistemas internos de gestão de qualidade, da afirmação da sua oferta formativa com uma elevada taxa de sucesso, da colocação dos estudantes no centro dos seus processos de ensino e investigação, garantindo a respetiva participação, do desenvolvimento da investigação científica e da cooperação com o meio envolvente, da internacionalização nas suas diversas vertentes. Só deste modo se confirmará a confiança e responsabilidade exigida pela sociedade através do reconhecimento de interesse público. O Conselho de Administração tem intenção de não acreditar a Instituição em concordância com a recomendação e a fundamentação da Comissão de Avaliação Externa (CAE). A Instituição teve uma apreciação de desempenho de abordagem insuficiente em 6 dos 7 capítulos da avaliação institucional. Ao nível da estratégia e governança, a situação jurídico-estatutária da Instituição de Ensino Superior e da Entidade Instituidora esteve por resolver durante o período a que se refere esta Avaliação Institucional. A situação jurídico-estatutária apenas terá sido regularizada em fevereiro do corrente ano. O Plano Estratégico (2016-20) é muito sucinto e incide em áreas de desenvolvimento que não têm tido expressão na atividade do Instituto. A CAE indica que as duas preocupações principais do Instituto têm incidindo na regularização do figurino jurídico e na manutenção do afluxo de estudantes, desprezando a definição da sua estratégia de desenvolvimento, da investigação científica, da internacionalização, da cooperação com a comunidade envolvente. As iniciativas tomadas para alargar a oferta formativa (ambiente e proteção civil) aparecem desarticuladas e não resultam de uma redefinição da estratégia do Instituto, que não existe. E quanto maior for a sua dispersão, mais dificuldade terá de consolidar a sua estrutura e de cumprir os seus padrões académicos. No domínio da informação, o I... coloca uma atenção exclusiva na promoção dos seus ciclos de estudos, desprezando todas as restantes áreas (informação científica, resultados das suas linhas de investigação, etc.), não se verificando a alínea c), do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 38/2007. A carga letiva dos docentes não está adequadamente dimensionada para que estes possam dedicar o tempo necessário à investigação científica, o que coloca em causa o cumprimento da alínea d) do artigo 40.º e a alínea b) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007, e ainda o desempenho nos parâmetros descritos na alínea d) do n.º 1 e na alínea g) do n.º 2, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. O regulamento de avaliação de desempenho de docentes não é aplicado de forma eficaz, como prova a ausência de progressões na carreira, o que, ao limitar a capacidade de atração de docentes e investigadores com bons curricula, dificulta o cumprimento da alínea d) do artigo 40.º da Lei n.º 62/2007. A maioria do corpo docente do I... é constituído por professores auxiliares e por assistentes, o que revela a ausência de esforço na sua qualificação, situação que coloca esta Instituição muito abaixo dos patamares definidos pela legislação. O sistema interno de garantia da qualidade não se pode, neste momento, considerar funcional, pois está focado apenas no controlo dos ciclos de estudos, está dependente de questionários não validados para avaliação da qualidade, e carece de processos formais bem definidos. Tal contribui para falhas de consistência e transparência no sistema. Assim, não está garantido o cumprimento dos artigos 7.º e 25° (alínea b) do Regulamento n.º 392/2013 da A3ES, no âmbito da alínea c), do n.º 1, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. Ao nível da investigação científica, a Instituição tem defendido um aumento das publicações em revistas internacionais; mas os indicadores estão abaixo do que seria aceitável para uma instituição universitária. Não existem projetos de investigação com financiamento competitivo e o número de publicações é ainda muito baixo; por exemplo: somente 0,5 artigos por docente de carreira, e 0,25 artigos por docente (total), em 2022. A IES não consegue produzir investigação com impacto, garantir financiamento externo e envolver os estudantes na melhoria da qualidade da mesma, o que expõe lacunas no seu compromisso com a excelência académica e não permite cumprir a alínea d) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007, e dos parâmetros descritos na alínea d) do n.º 1 e as alíneas g) e h) do n.º 2 do artigo 4.° da Lei n.º 38/2007. A Instituição não dispõe ou participa (institucionalmente) em centros de investigação avaliados e reconhecidos, pelo que não cumpre a alínea e) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007. O fraco historial de acreditação de ciclos de estudos reflete as fragilidades apontadas: taxa de acreditação de apenas 20% das propostas de novos ciclos de estudos, e de apenas 30% nos ciclos de estudos em funcionamento acreditados sem condições, o que denota reiterada dificuldades no cumprimento integral da legislação vigente. Tais dificuldades revelam insuficiência no parâmetro descrito na alínea c) do n.º 1, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. No domínio da internacionalização, a atração de estudantes internacionais tem diminuído. Não há métricas que possibilitem ilustrar o eventual esforço de internacionalização que a Instituição diz fazer, o qual abrange um número reduzido de estudantes, professores e funcionários. Não se verifica a alínea e) do n.º 1 do artigo 4° da Lei n.º 38/2007.
Cf. consulta do PA junto aos autos.

9. Em 05.08.2024, a Comissão de Gestão do INSTITUTO SUPERIOR M...pronunciou-se sobre a proposta de decisão referida em (8).
Cf. consulta do PA junto aos autos, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

10. Em 04.09.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR decidiu Não Acreditar, com o fundamento que se passa a reproduzir:

As Instituições de Ensino Superior (IES) têm a obrigação de garantir a qualidade do seu desempenho, nos termos da Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto, na sua redação atual (RJAES), abrangendo as diversas atividades previstas no respetivo Plano Estratégico, adotando os parâmetros legais prescritos na legislação nacional e utilizando como referencial as boas práticas internacionais, designadamente as resultantes dos padrões da European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). A qualidade de cada IES deverá ser progressivamente consolidada através da clarificação e consensualização da sua estratégia, da adoção de sistemas internos de gestão de qualidade, da afirmação da sua oferta formativa com uma elevada taxa de sucesso, da colocação dos estudantes no centro dos seus processos de ensino e investigação, garantindo a respetiva participação, do desenvolvimento da investigação científica e da cooperação com o meio envolvente, da internacionalização nas suas diversas vertentes. Só deste modo se confirmará a confiança e responsabilidade exigidas pela sociedade e traduzidas no reconhecimento de interesse público. Neste âmbito, e suportado nos diversos documentos produzidos da responsabilidade da Comissão de Avaliação Externa e da Instituição e nos critérios e parâmetros de qualidade do sistema de Ensino Superior, o Conselho de Administração decide não acreditar o Instituto Superior Miguel Torga. A fundamentação da não acreditação encontra-se em anexo.
Cf. consulta do PA junto aos autos.

11. Em 06.09.2024 15:39, a decisão referida em (10) foi levada ao conhecimento do INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA.
Cf. consulta do PA junto aos autos.

12. Em 19.09.2024, o INSTITUTO SUPERIOR M...recorreu da decisão referida em (10).
Cf. consulta do PA junto aos autos, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

13. Em 16.10.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR negou provimento ao recurso referido em (12).
Cf. consulta do PA junto aos autos, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

*
Factualidade NÃO PROVADA:

Não existem factos indiciariamente não provados, e nada mais foi provado, com interesse para a decisão do presente processo cautelar.

*
Motivação:

Na determinação do elenco dos factos considerados indiciariamente provados, o Tribunal considerou a posição das partes assumida nos respetivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos, em concreto o respetivo PA, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

Das questões prévias:

i) Do efeito do recurso

Por força do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA os recursos interpostos das decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes têm efeito meramente devolutivo, significando que a sentença proferida é imediatamente exequível na 1ª instância ainda que a título provisório, por poder ser alterada no âmbito do recurso.
No requerimento de recurso os Recorrentes limitam-se a referir que o mesmo sobe com efeito suspensivo.
Por sua vez o tribunal recorrido fixou o efeito como suspensivo, remetendo para a regra geral do efeito de subida dos recursos, prevista no nº 1 do referido artigo 143º.
No que incorreu em erro por, manifestamente, ser aplicável ao presente recurso o disposto na referida alínea b) do nº 2 do mesmo artigo.
Não sendo de aplicar o estatuído no nº 4 idem, que pressupõe que o efeito meramente devolutivo tenha sido atribuído por despacho e não ope legis, como é o caso, altera-se o efeito do recurso fixado pelo juiz a quo para meramente devolutivo.

ii) Da junção de documentos

Os Recorrentes requerem a junção às alegações de recurso de dois documentos que consistem no ofício 125/2024, da DGES dirigido ao Presidente da Direcção da Comunidade Intermunicipal de Coimbra, cujo assunto é Instituto Superior Miguel Torga/ Avaliação Institucional negativa / Procedimento de encerramento compulsivo, assinado digitalmente em 29.10.2024 e um email proveniente da Rede<rede@dges.gov.pt, de 5.3.2025, assunto Urgente - Guia DGES Ensino Superior Privado 2025 - I... e Instituto Piaget.

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 651º do CPC as partes podem juntar documentos às alegações ou contra-alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
O referido artigo 425º prevê que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
A saber, depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, só a título excepcional e devidamente justificado, é admitida a junção de documentos com as alegações e exclusivamente aqueles cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância.
Na situação em apreciação o recurso foi interposto da sentença, de 25.3.2025, que julgou improcedente a providência cautelar requerida, por falta de periculum in mora, na medida em que os prejuízos que os Recorrentes alegam decorrem do encerramento do estabelecimento que não é consequência directa do acto suspendendo e cujo procedimento é da competência da Direcção Geral do Ensino Superior [DGES] e não da Requerida.
Ora, os referidos documentos respeitam precisamente ao procedimento administrativo de enceramento do I... e são provenientes da DGES, entidade distinta da Entidade requerida, que não é parte nos presentes autos, sendo que qualquer deles tem data anterior à da prolação da sentença recorrida, não tendo os Recorrentes avançado qualquer justificação para não os ter juntado aos autos antes, nem alegado surpresa com o decidido, até porque está em consonância com a defesa da Requerida apresentada no respectivo articulado, o que permite considerar como não verificados os pressupostos exigidos no referido artigo 651º.
Donde, é de indeferir a junção dos referidos documentos e determinar o respectivo desentranhamento dos autos.

Entendem os Recorrentes que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação a aplicação do disposto nos artigos 112º e 120º do CPTA e dos artigos 10º, alínea a) e 18º da Lei nº 38/2007, de 16 de Agosto, os artigos 11º, nº 1, 18º, 33º, 34º, 35º e 38º do Regulamento nº 392/2013, porque a decisão de encerramento decorre e é consequente da decisão da não acreditação institucional, ou seja, o acto de não acreditação implica e tem como consequência o encerramento do I..., sendo o seu único fundamento.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se, a propósito, o seguinte:
«Do periculum in mora
Analisado o requerimento cautelar, verifica-se que o presente processo está votado ao insucesso.
Senão vejamos.
O requerente alega que com o encerramento (i) sofrerá um prejuízo anual de € 4.000.000,00, prejuízo esse correspondente ao valor (receitas) que deixará de auferir (artigo 392.º/393.º), (ii) terá que despedir (52) docentes e (26) funcionários (dados do final do ano de 2023), embora refira que o número possa ser superior atendendo às contratações efetuadas recentemente (artigo 396.º), (iii) o que quantificado à data de entrada do requerimento inicial se estima em € 2.000.000.00 só em indemnizações e créditos pela cessação do contrato de trabalho (artigo 397.º), (iv) além de outros créditos laborais já reconhecidos nas contas como passivos (artigo 398.º e ss.), (v) acarretará graves danos na sua imagem, com efeito devastador na reputação a nível nacional e internacional (artigo 411.º e 414.º), e (vi) implicará a perda de diversos projetos que estão em curso a nível nacional e internacional (artigo 417.º).
Assim, a alegação do requerente em sede de danos e/ou prejuízos deriva da circunstância de uma eventual decisão de encerramento compulsivo do estabelecimento de ensino.
Para a compreensão dos efeitos jurídicos do ato suspendendo na esfera do requerente, consideremos ─ e antes de mais ─ um breve enquadramento acerca dos regimes legais aplicáveis.
Do procedimento de avaliação institucional das Instituições de Ensino Superior (IES)
O artigo 3.º n.º 1/Objeto de avaliação da Lei n.º 38/2007, de 16/08, que aprova o regime jurídico da avaliação da qualidade do ensino superior (Cf. artigo 1.º), preconiza que a avaliação tem por objeto a qualidade do desempenho dos estabelecimentos de ensino superior, medindo o grau de cumprimento da sua missão através de parâmetros de desempenho relacionados com a respetiva atuação e com os resultados dela decorrentes.
Depois:
Determina o artigo 6.º/Avaliação da qualidade e acreditação, que a acreditação visa a garantia de cumprimento dos requisitos mínimos que conduzem ao reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino superior e dos seus ciclos de estudo (n.º 1), e que a acreditação dos estabelecimentos de ensino superior e dos seus ciclos de estudos no quadro do sistema de garantia da qualidade do ensino superior é realizada com base na avaliação da qualidade (n.º 2).
De todo o modo:
A acreditação dos ciclos de estudos das Instituições de Ensino Superior (IES) é obrigatória, nos termos do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03 (Cf. artigos 52.º e ss.), que aprova o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, em concretização do disposto nos artigos 13.º a 15.º da Lei n.º 46/86, de 14/10, que estabelece o quadro geral do sistema educativo, e do n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 37/2003, de 22/08, que estabelece as bases do financiamento do ensino superior.
Por sua vez:
A AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR é uma fundação de direito privado, dotada de personalidade jurídica e reconhecida como de utilidade pública, a quem compete a avaliação e a acreditação das instituições de ensino superior e dos seus ciclos de estudos, bem como o desempenho das funções inerentes à inserção de Portugal no sistema europeu de garantia da qualidade do ensino superior, isto nos termos do artigo 2.º/natureza e regime e artigo 3.º n.º 1/Fins do Decreto-Lei n.º 369/2007, de 05/11, o qual cria a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) e aprova os respetivos estatutos.
Além disso, todas as IES deverão ser objeto de uma avaliação institucional a cada (6) seis anos, em conformidade com o artigo 4.º n.º 1/Periodicidade da avaliação do Regulamento n.º 392/2013 da A3ES, que aprova o regime dos procedimentos de avaliação e de acreditação das instituições de ensino superior e dos seus ciclos de estudos.
O procedimento de avaliação institucional das IES culmina numa decisão sobre a respetiva acreditação, ou não.
Do procedimento de encerramento compulsivo das Instituições de Ensino Superior (IES)/privadas
Sucede - todavia - que o procedimento de avaliação institucional das IES não se confunde com procedimento de encerramento compulsivo das IES/privadas.
A Lei n.º 62/2007, de 10/09, estabelece o regime jurídico das IES, regulando designadamente a sua constituição, atribuições e organização, o funcionamento e competência dos seus órgãos e, ainda, a tutela e fiscalização pública do Estado sobre as mesmas, no quadro da sua autonomia.
As causas que podem determinar o encerramento compulsivo de IES são (a) o não preenchimento dos requisitos necessários ao seu funcionamento, (b) no caso dos estabelecimentos de ensino superior privados, a não verificação de algum dos pressupostos do seu reconhecimento de interesse público, (c) a avaliação institucional gravemente negativa e (d) o funcionamento em condições de grave degradação institucional ou pedagógica (Cf. artigo 153.º n.º 1/Encerramento compulsivo da Lei n.º 62/2007, de 10/09).
O procedimento de encerramento compulsivo é instaurado pelos serviços competentes do ministério da tutela isto é, pela Direção Geral de Ensino Superior (DGES) e a competência para a decisão de encerramento compulsivo pertence ao Ministro da tutela, isto é, ao atual Ministro da Educação, Ciência e Inovação, através de despacho fundamentado, publicado na 2.ª série do Diário da República, o qual fixa as condições e prazos em que o mesmo deve ter lugar, bem como as providências necessárias para a salvaguarda dos interesses dos estudantes (Cf. artigo 153.º n.º 2/Encerramento compulsivo da Lei n.º 62/2007, de 10/09).
Uma vez praticado um ato administrativo de não acreditação de uma IES, no âmbito de um procedimento de avaliação institucional, a DGES, tomando conhecimento, pode desencadear um procedimento de encerramento compulsivo da mesma. Porém, para o encerramento compulsivo de uma IES não basta uma decisão de não acreditação, é necessário dar início ao procedimento próprio para o efeito, e que poderá vir a culminar numa decisão de encerramento da IES, designadamente quando a avaliação institucional seja gravemente negativa, o que envolve um juízo valorativo autónomo, a coberto da margem de livre apreciação por parte do órgão competente para o determinar (Ministro da Tutela) ou se verificar qualquer das circunstâncias previstas no artigo 153.º da Lei n.º 62/2007, de 10/09.
Impõe-se assim como uma evidência:
§ O procedimento de encerramento compulsivo das IES não se confunde com o procedimento de avaliação institucional, sendo aquele tramitado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação e a competência para a sua decisão do respetivo Ministro;
§ O Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR não tem competência para determinar o encerramento das IES, mas apenas para decidir pela sua acreditação, acreditação com condições ou não acreditação.
Postos estes breves considerandos teóricos debrucemo-nos, então, sobre o caso presente.
Constitui objeto do presente processo a decisão proferida pelo Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, em 04.09.2024, a qual, no âmbito do Processo de Avaliação Institucional do Instituto Superior M...n.º AINST/22/2200067, decidiu não acreditar o INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA, em concordância com a recomendação e a fundamentação da Comissão de Avaliação Externa.
As alegações do requerente a respeito da verificação do periculum in mora ancoram-se, essencialmente, na convicção de que a não acreditação institucional coloca em causa a continuidade da atividade de ensino do INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA, pressupondo, como consequência lógica e necessária, o encerramento da atividade, gerando-se, por conseguinte, uma situação de facto consumado, com graves e irreparáveis danos, nos (vi) níveis por si identificados.
Sucede - porém - que, como pusemos em manifesto, a decisão de não acreditação não gera, por si, e sem mais, o encerramento da IES.
Em efetivo, e compulsado o probatório, do ato suspendendo - a decisão de não acreditação do INSTITUTO SUPERIOR M...(Cf. ponto (10) do probatório) - não resulta o encerramento compulsivo da INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA. Deste modo, embora a decisão suspendenda conclua que o INSTITUTO SUPERIOR M...não reúne as condições de qualidade necessárias ao nível do ensino superior, a decisão de não acreditação de uma IES não tem como efeito jurídico direto, nem automático, o seu encerramento. É certo que o ato suspendendo constitui fundamento para a instauração do procedimento de encerramento compulsivo. Porém, à data de entrada em juízo do presente processo não há decisão nesse sentido, e o que ocorre é uma suposição/hipótese de que o Instituto em causa possa vir a ser encerrado compulsivamente por conta da sua não acreditação. Assim, o ato suspendendo não é idóneo para desencadear os prejuízos irreparáveis que o requerente alegou. Com o que se constata que não ocorre a causalidade e imediação exigíveis entre o ato suspendendo e os prejuízos alegados pelo requerente para que se considerasse verificado o periculum in mora.
Termos em que se conclui pela não verificação do requisito do periculum in mora.».

Face ao que a discordância manifestada pelos Recorrentes carece de qualquer razão.

Com efeito,
De acordo com o disposto no artigo 120º do CPTA as providências cautelares são adoptadas quando, cumulativamente com os demais requisitos aí previstos, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora].
A providência requerida é de suspensão de eficácia do acto de não acreditação do I..., do Conselho de Administração da Recorrida.
Os prejuízos invocados no requerimento inicial para sustentar a existência do requisito do periculum in mora têm como pressuposto o encerramento do I..., que os Recorrentes consideram ser uma consequência imediata e necessária do acto suspendendo.
No entanto, como bem explicitou o juiz a quo, o encerramento da instituição podendo ter como causa, entre outras, a decisão de não acreditação institucional [se for gravemente negativa – v. alínea c) do nº 1 do artigo 153º do Regime Jurídico das instituições do ensino superior, aprovado pela referida Lei nº 62/2007], pressupõe que seja despoletado um procedimento administrativo específico para o efeito por entidade diversa da Recorrida, a DGES, que, após audição necessária do estabelecimento de ensino e da respectiva entidade instituidora, culmina com uma decisão ministerial, devidamente fundamentada que fixa os termos em que o mesmo deve ter lugar. O mesmo é dizer que o encerramento do estabelecimento de ensino privado superior não resulta de forma automática, imediata ou necessária do acto de não acreditação institucional.
Se vier a ser decidido o encerramento do I... os Recorrentes poderão reagir contra o mesmo instaurando nova acção administrativa impugnatória complementada por providência cautelar de suspensão de eficácia, esclarecendo que impugnaram previamente o acto de não acreditação, que o motivou.
Assim, não está em causa que o encerramento não seja subsequente, designadamente, à decisão de não acreditação, mas apenas que em sede cautelar o requerente tem de alegar e fazer prova de que se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 120º do CPTA para que a providência requerida possa ser decretada, pelo que, quanto ao periculum in mora, impunha-se aos Requerentes que tivessem alegado factos que evidenciassem prejuízos de difícil reparação ou a constituição de uma situação de facto consumado para os interesses que visam assegurar na acção principal, decorrentes da execução imediata do acto de não acreditação do I....
O que não fizeram, referindo apenas prejuízos que poderão vir a resultar do seu posterior e ainda eventual encerramento.
Em face do que o juiz a quo interpretou e aplicou correctamente o disposto nos artigos 112º e 120º do CPTA. E não violou os referidos artigos 10º, alínea a) e 18º da Lei nº 38/2007, de 16 de Agosto – referentes à auto-avaliação, enquanto forma de avaliação da qualidade dos estabelecimentos de ensino superior -, os artigos 11º, nº 1 – sobre a comissão de avaliação externa -, 18º, 33º, 34º, 35º e 38º do Regulamento nº 392/2013 – relativos à decisão dos procedimentos de avaliação, à entidade competente para a proferir, o sentido da decisão, favorável, condicionada e sobre a cessação dos efeitos da acreditação – por não os ter sequer ponderado ou aplicado, dado a sua irrelevância no contexto da fundamentação expendida para concluir pela não verificação do periculum in mora, supra reproduzida.
Donde, não lograram os Recorrentes, na providência e no recurso, demonstrar que se verifica, ao contrário do decidido pelo juiz a quo, o requisito do periculum in mora.
Os critérios de decisão das providências cautelares, previstos no artigo 120º do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles, obsta à apreciação dos demais e determina a não adopção da providência requerida.
Em suma, o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

- fixar o efeito de subida do recurso como meramente devolutivo;

- não admitir os documentos juntos com as alegações e determinar o respectivo desentranhamento dos autos e devolução aos apresentantes;

- negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pelos Recorrentes.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Setembro de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Ana Lameira)

(Mara de Magalhães Silveira)