Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 31378/24.0BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | LINA COSTA |
| Descritores: | EFEITO DEVOUTIVO NÃO ADMISSÃO DOCUMENTOS ENSINO SUPERIOR NÃO ACREDITAÇÃO PERICULUM IN MORA |
| Sumário: | I - O efeito do recurso de decisão proferida em processo cautelar é meramente devolutivo ope legis, a saber, por expressamente cominado na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA; II - De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 651º do CPC as partes podem juntar documentos às alegações ou contra-alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância; III - O encerramento de um estabelecimento de ensino superior privado pode ter como causa a não acreditação institucional, mas não decorre imediata e necessariamente desta; IV - A Requerente apenas alega prejuízos que poderão resultar do posterior e ainda eventual encerramento do ISMT, pelo que não se verifica o requisito do periculum in mora; V - Os critérios de decisão das providências cautelares, previstos no artigo 120º do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles determina a não adopção da providência requerida. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Instituto Superior M... [I...] e Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, devidamente identificados como requerentes nos autos de outros processos cautelares instaurados contra a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior [A3ES], inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 25.3.2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a providência cautelar requerida e, em consequência, recusou o seu decretamento e absolveu a Entidade requerida do pedido [de “suspensão de eficácia do acto de não acreditação institucional do I... proferido pelo Conselho de Administração da Entidade requerida e de intimação desta a abster-se de publicitar no site a decisão suspendenda até decisão final da acção administrativa principal]. No requerimento os Recorrentes referem que o recurso tem efeito suspensivo e nas respectivas alegações, formulam as conclusões que seguidamente se reproduzem: «1. Na data da instauração do presente procedimento cautelar conservatório, o Conselho de Administração da A3ES já havia proferido deliberação sobre o relatório institucional da CAE, tendo decidido pela não acreditação do I..., pretendendo o Recorrentes a suspensão de eficácia dessa deliberação. 2. A sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente os artigos 112.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 120.º do CPTA, os artigos 10.º, alínea a) e 18.º da Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto, os artigos 11.º, n.º 1, 18.º, 33.º, 34.º, 35.º e 38.º do Regulamento n.º 392/2013, violando-os. 3. É incorreta violando essas normas legais a decisão da sentença recorrida que refere não se verificar o periculum in mora pela circunstância de a decisão de não acreditação não ter como efeito jurídico direto, nem automático, o encerramento da IES. 4. A decisão de encerramento compulsivo do I... decorre e é consequente da decisão de não acreditação institucional, sendo esta última pressuposto da ulterior decisão de encerramento. 5. O que é entendimento do Diretor-Geral do Ensino Superior, da DGES e da jurisprudência (acórdão TCA N de 6 de março de 2016, proc. n.º 00337/16.7BEPRT). 6. A decisão de encerramento do I... tem como pressuposto e é ato consequente da decisão de não acreditação institucional do Conselho de Administração da A3ES. 7. O ato de não acreditação da A3ES implica e tem como consequência o ato de encerramento do I... porquanto, in casu, o único fundamento para o encerramento é a decisão de não acreditação. 8. O ato de encerramento não é um ato autónomo da DGES ou do Governo, mas sim um ato consequente da não acreditação já praticada. 9. Junta-se dois documentos (Doc. 1, datado de 29 de outubro de 2024 e Doc. 2, datado de 5 de março de 2025) em sede de recurso, que se faz nos termos dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC, porquanto são objetiva e subjetivamente supervenientes à instauração do procedimento cautelar. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser anulada a sentença recorrida, prosseguindo o procedimento cautelar os seus ulteriores termos.». A Recorrida contra-alegou, referindo que o recurso tem efeito meramente devolutivo e formulando as seguintes conclusões: O juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso com efeito suspensivo, cfr. artigo 143º, nº 1 do CPTA. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento. A questão suscitada pelos Recorrentes, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento de direito ao julgar a providência improcedente, por não verificação do requisito do periculum in mora. A sentença recorrida considera indiciariamente provados, unicamente para efeitos de decisão do presente processo cautelar, os seguintes factos: «1. O INSTITUTO SUPERIOR M...é uma instituição privada de ensino superior portuguesa e intermunicipal, cuja entidade instituidora é a COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DA REGIÃO DE COIMBRA. 2. Em 07.07.2023, o requerente submeteu/via plataforma eletrónica o relatório designado de ‘Relatório de autoavaliação institucional’, no propósito da acreditação institucional por parte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, ao qual foi atribuído o n.º de Processo AINST/22/2200067. 3. Em 13.10.2023, foi concluída a designação da Comissão de Avaliação Externa (CAE) no âmbito do processo referido em (2). 4. Em 21.01.2024, a Comissão de Avaliação Externa apresentou o relatório preliminar. 5. Em 23.01.2024, o teor do relatório preliminar referido em (4) foi levado ao conhecimento do INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA. 6. Em 12.02.2024, a Comissão de Gestão do INSTITUTO SUPERIOR M...pronunciou-se sobre o teor do relatório preliminar/proposta de decisão referido em (4). 7. Em 25.03.2024, a Comissão de Avaliação Externa apresentou o relatório final. 8. Em 11.07.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR aprovou o relatório final referido em (7), com o que propôs Não Acreditar, com o fundamento que se passa a reproduzir: As Instituições de Ensino Superior têm a obrigação de garantir a qualidade do seu desempenho (Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto), abrangendo as diversas atividades previstas nos respetivos Planos Estratégicos, adotando os parâmetros legais prescritos na legislação nacional e utilizando como referencial as boas práticas internacionais, designadamente as resultantes dos padrões da European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). A qualidade de cada Instituição de Ensino Superior deverá ser progressivamente consolidada através da clarificação e consensualização da sua estratégia, da adoção de sistemas internos de gestão de qualidade, da afirmação da sua oferta formativa com uma elevada taxa de sucesso, da colocação dos estudantes no centro dos seus processos de ensino e investigação, garantindo a respetiva participação, do desenvolvimento da investigação científica e da cooperação com o meio envolvente, da internacionalização nas suas diversas vertentes. Só deste modo se confirmará a confiança e responsabilidade exigida pela sociedade através do reconhecimento de interesse público. O Conselho de Administração tem intenção de não acreditar a Instituição em concordância com a recomendação e a fundamentação da Comissão de Avaliação Externa (CAE). A Instituição teve uma apreciação de desempenho de abordagem insuficiente em 6 dos 7 capítulos da avaliação institucional. Ao nível da estratégia e governança, a situação jurídico-estatutária da Instituição de Ensino Superior e da Entidade Instituidora esteve por resolver durante o período a que se refere esta Avaliação Institucional. A situação jurídico-estatutária apenas terá sido regularizada em fevereiro do corrente ano. O Plano Estratégico (2016-20) é muito sucinto e incide em áreas de desenvolvimento que não têm tido expressão na atividade do Instituto. A CAE indica que as duas preocupações principais do Instituto têm incidindo na regularização do figurino jurídico e na manutenção do afluxo de estudantes, desprezando a definição da sua estratégia de desenvolvimento, da investigação científica, da internacionalização, da cooperação com a comunidade envolvente. As iniciativas tomadas para alargar a oferta formativa (ambiente e proteção civil) aparecem desarticuladas e não resultam de uma redefinição da estratégia do Instituto, que não existe. E quanto maior for a sua dispersão, mais dificuldade terá de consolidar a sua estrutura e de cumprir os seus padrões académicos. No domínio da informação, o I... coloca uma atenção exclusiva na promoção dos seus ciclos de estudos, desprezando todas as restantes áreas (informação científica, resultados das suas linhas de investigação, etc.), não se verificando a alínea c), do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 38/2007. A carga letiva dos docentes não está adequadamente dimensionada para que estes possam dedicar o tempo necessário à investigação científica, o que coloca em causa o cumprimento da alínea d) do artigo 40.º e a alínea b) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007, e ainda o desempenho nos parâmetros descritos na alínea d) do n.º 1 e na alínea g) do n.º 2, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. O regulamento de avaliação de desempenho de docentes não é aplicado de forma eficaz, como prova a ausência de progressões na carreira, o que, ao limitar a capacidade de atração de docentes e investigadores com bons curricula, dificulta o cumprimento da alínea d) do artigo 40.º da Lei n.º 62/2007. A maioria do corpo docente do I... é constituído por professores auxiliares e por assistentes, o que revela a ausência de esforço na sua qualificação, situação que coloca esta Instituição muito abaixo dos patamares definidos pela legislação. O sistema interno de garantia da qualidade não se pode, neste momento, considerar funcional, pois está focado apenas no controlo dos ciclos de estudos, está dependente de questionários não validados para avaliação da qualidade, e carece de processos formais bem definidos. Tal contribui para falhas de consistência e transparência no sistema. Assim, não está garantido o cumprimento dos artigos 7.º e 25° (alínea b) do Regulamento n.º 392/2013 da A3ES, no âmbito da alínea c), do n.º 1, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. Ao nível da investigação científica, a Instituição tem defendido um aumento das publicações em revistas internacionais; mas os indicadores estão abaixo do que seria aceitável para uma instituição universitária. Não existem projetos de investigação com financiamento competitivo e o número de publicações é ainda muito baixo; por exemplo: somente 0,5 artigos por docente de carreira, e 0,25 artigos por docente (total), em 2022. A IES não consegue produzir investigação com impacto, garantir financiamento externo e envolver os estudantes na melhoria da qualidade da mesma, o que expõe lacunas no seu compromisso com a excelência académica e não permite cumprir a alínea d) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007, e dos parâmetros descritos na alínea d) do n.º 1 e as alíneas g) e h) do n.º 2 do artigo 4.° da Lei n.º 38/2007. A Instituição não dispõe ou participa (institucionalmente) em centros de investigação avaliados e reconhecidos, pelo que não cumpre a alínea e) do artigo 42.º da Lei n.º 62/2007. O fraco historial de acreditação de ciclos de estudos reflete as fragilidades apontadas: taxa de acreditação de apenas 20% das propostas de novos ciclos de estudos, e de apenas 30% nos ciclos de estudos em funcionamento acreditados sem condições, o que denota reiterada dificuldades no cumprimento integral da legislação vigente. Tais dificuldades revelam insuficiência no parâmetro descrito na alínea c) do n.º 1, do artigo 4.º da Lei n.º 38/2007. No domínio da internacionalização, a atração de estudantes internacionais tem diminuído. Não há métricas que possibilitem ilustrar o eventual esforço de internacionalização que a Instituição diz fazer, o qual abrange um número reduzido de estudantes, professores e funcionários. Não se verifica a alínea e) do n.º 1 do artigo 4° da Lei n.º 38/2007. 9. Em 05.08.2024, a Comissão de Gestão do INSTITUTO SUPERIOR M...pronunciou-se sobre a proposta de decisão referida em (8). 10. Em 04.09.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR decidiu Não Acreditar, com o fundamento que se passa a reproduzir: As Instituições de Ensino Superior (IES) têm a obrigação de garantir a qualidade do seu desempenho, nos termos da Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto, na sua redação atual (RJAES), abrangendo as diversas atividades previstas no respetivo Plano Estratégico, adotando os parâmetros legais prescritos na legislação nacional e utilizando como referencial as boas práticas internacionais, designadamente as resultantes dos padrões da European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). A qualidade de cada IES deverá ser progressivamente consolidada através da clarificação e consensualização da sua estratégia, da adoção de sistemas internos de gestão de qualidade, da afirmação da sua oferta formativa com uma elevada taxa de sucesso, da colocação dos estudantes no centro dos seus processos de ensino e investigação, garantindo a respetiva participação, do desenvolvimento da investigação científica e da cooperação com o meio envolvente, da internacionalização nas suas diversas vertentes. Só deste modo se confirmará a confiança e responsabilidade exigidas pela sociedade e traduzidas no reconhecimento de interesse público. Neste âmbito, e suportado nos diversos documentos produzidos da responsabilidade da Comissão de Avaliação Externa e da Instituição e nos critérios e parâmetros de qualidade do sistema de Ensino Superior, o Conselho de Administração decide não acreditar o Instituto Superior Miguel Torga. A fundamentação da não acreditação encontra-se em anexo. 11. Em 06.09.2024 15:39, a decisão referida em (10) foi levada ao conhecimento do INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA. 12. Em 19.09.2024, o INSTITUTO SUPERIOR M...recorreu da decisão referida em (10). 13. Em 16.10.2024, o Conselho de Administração da AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR negou provimento ao recurso referido em (12). * Factualidade NÃO PROVADA:
Não existem factos indiciariamente não provados, e nada mais foi provado, com interesse para a decisão do presente processo cautelar. * Motivação:
Na determinação do elenco dos factos considerados indiciariamente provados, o Tribunal considerou a posição das partes assumida nos respetivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos, em concreto o respetivo PA, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.». Das questões prévias: i) Do efeito do recurso Por força do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA os recursos interpostos das decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes têm efeito meramente devolutivo, significando que a sentença proferida é imediatamente exequível na 1ª instância ainda que a título provisório, por poder ser alterada no âmbito do recurso. ii) Da junção de documentos Os Recorrentes requerem a junção às alegações de recurso de dois documentos que consistem no ofício 125/2024, da DGES dirigido ao Presidente da Direcção da Comunidade Intermunicipal de Coimbra, cujo assunto é Instituto Superior Miguel Torga/ Avaliação Institucional negativa / Procedimento de encerramento compulsivo, assinado digitalmente em 29.10.2024 e um email proveniente da Rede<rede@dges.gov.pt, de 5.3.2025, assunto Urgente - Guia DGES Ensino Superior Privado 2025 - I... e Instituto Piaget. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 651º do CPC as partes podem juntar documentos às alegações ou contra-alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Entendem os Recorrentes que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação a aplicação do disposto nos artigos 112º e 120º do CPTA e dos artigos 10º, alínea a) e 18º da Lei nº 38/2007, de 16 de Agosto, os artigos 11º, nº 1, 18º, 33º, 34º, 35º e 38º do Regulamento nº 392/2013, porque a decisão de encerramento decorre e é consequente da decisão da não acreditação institucional, ou seja, o acto de não acreditação implica e tem como consequência o encerramento do I..., sendo o seu único fundamento. Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se, a propósito, o seguinte: Face ao que a discordância manifestada pelos Recorrentes carece de qualquer razão. Com efeito,
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em: - fixar o efeito de subida do recurso como meramente devolutivo; - não admitir os documentos juntos com as alegações e determinar o respectivo desentranhamento dos autos e devolução aos apresentantes; - negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica. Custas pelos Recorrentes. Registe e notifique. Lisboa, 25 de Setembro de 2025. (Lina Costa – relatora) (Ana Lameira) (Mara de Magalhães Silveira) |