Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1089/09.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
DOCUMENTAÇÃO
REGIME DE ISENÇÃO DE IRC EM OBRAS REALIZADAS NA BASE DAS LAJES E INFRAESTRUTURAS NATO
MÉTODO DE IMPUTAÇÃO DE CUSTOS
CONTABILIDADE ANALÍTICA
PRINCÍPIO DA CONSISTÊNCIA
Sumário:I – Se a Impugnante possuía um mapa de processamento de ajudas de custo dos respectivos funcionários, elaborado mensalmente, dos quais consta a função desempenhada pelo trabalhador, o tempo em que se encontrou deslocado, o seu local habitual de trabalho e local de deslocação do mesmo, bem como o n.º total de dias afecto a cada centro de custo, tem que se considerar que tais mapas continham a informação exigida legalmente na norma do art. 42.º n.º 1 f) do CIRC, na redacção vigente;
II - Em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana, expressamente, do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.
III - O artigo 17.º do CIRC apenas impõe que a contabilidade das sociedades esteja organizada de forma a refletir e a distinguir todas as operações por si efetuadas, o que significa que, em matéria de apuramento de resultados de operações sujeitas e não isentas de imposto, o que importa é que seja possível percecionar, de forma absolutamente fidedigna, a expressão concreta a alocar e a imputar a esses custos.
IV - Se a Impugnante possui contabilidade analítica, devidamente organizada, a qual permite individualizar, em centro de custo específico cada uma das obras que realiza, os departamentos gerais da sociedade, proporcionando, por conseguinte, a total perceção, validação e adjunção sistemática de todos os proveitos e custos de cada obra, no final do exercício, e apurar o resultado de cada uma das obras que executa;
V - E se, adicionalmente ao evidenciado em IV), inexiste qualquer exigência legal que vincule a Impugnante a proceder à imputação dos custos nos moldes preconizados pela AT, nada sendo sindicado quanto à qualidade da informação contabilística, e quanto aos elementos transmitidos pela mesma, não se questionando, tão-pouco, os valores concretamente apurados pela Impugnante, na medida em que não se corporiza qualquer elenco que os permita segmentar ou deslocalizar do respetivo centro de custos, então, nenhuma ilegalidade pode ser apontada à atuação da Impugnante.
VI - O princípio da consistência, tem apenas como desiderato garantir a comparação da informação financeira entre diferentes períodos, daí que se estabeleça, como regra, que não se devem alterar as políticas contabilísticas empresarias de forma discricionária, fazendo-o apenas quando existam circunstâncias que o justificam, devendo explicitar-se as razões resultantes desta alteração e sempre que possível quantificá-las.
VII - Inexiste qualquer violação do princípio da consistência, porquanto, por um lado, as realidades em contenda são materializadas extra-contabilisticamente, e por outro lado, porque o mesmo não pode ser interpretado de forma estanque e sem que seja admitida qualquer alteração nos meandros e diretrizes de atuação da empresa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença, proferida em 29 de Novembro de 2018 pelo TAF de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela Impte, a S......, S.A.” contra actos de liquidação nºs ......794, ......879 e ......880 (objecto da Demonstração de Acerto de Contas nº ......474 e respeitantes a IRC do exercício de 2005 e juros compensatórios) e nos ......984 e ......152 (objecto da Demonstração de Acerto de Contas nº ......508 e respeitantes a IRC do exercício de 2006 e juros compensatórios),

A impugnação judicial refere-se aos actos de liquidação adicional de IRC dos exercícios de 2005 e 2006, em que a impugnante contesta as correcções efectuadas pela Adm. Fiscal ao respectivo lucro tributável por si apurado, com base na desconsideração de custos suportados com ajudas de custo com os seus trabalhadores em razão da falta de documentação de suporte das mesmas, assim como das demais correcções ao regime de isenção de IRC dos lucros decorrentes das obras efectuadas nos termos do Acordo de Cooperação e Defesa celebrado entre Portugal e os E.U.A., reportada á imputação dos gastos gerais á actividade isenta de imposto adoptada pela impugnante, Impte.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supra citados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorrecta percepção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação dos artigos 14.º; 17.º 42.º alínea f) e 50.º, todos do CIRC, bem como as normas internacionais de contabilidade.

B. No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base do decaimento da Fazenda nos presentes autos impugnatórios.

C. Decidiu o douto tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que a AT não coligiu os elementos suficientes que permitissem a emissão das liquidações impugnadas. É com esta conclusão e com a fundamentação expressa na sentença, de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.

D. Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública, que não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente estamos perante ajudas de custo, pois estas encontram-se insuficientemente justificadas, pela impugnante, ora recorrida, que não apresentou provas concludentes que aqueles valores foram pagos por deslocações efetivas.

E. A inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder/dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, a realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, é, no entender da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, suficiente para englobar os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

F. No que concerne aos custos, realça-se que de acordo com o definido nos critérios contabilísticos e no CIRC, além dos gastos específicos ou directos, devemos ainda imputar às obras uma parte dos gastos para os quais não é possível realizar uma imputação especifica, deverá ser definido um critério de repartição de acordo com os métodos que sejam sistemáticos e racionais e sejam aplicados consistentemente a todos os custos que tenham características semelhantes, tal como se encontra definido nas normas internacionais de contabilidade.

G. No que concerne à decisão do douto Tribunal a quo sobre a fundamentação do ato e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no relatório de inspeção, quer na contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo sempre as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem sempre a motivação daqueles atos.

H. Afigurando-se-nos que os actos de liquidação controvertidos respeitam aos requisitos de fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram.

I. A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!»

****

A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, que não contendo conclusões, termina nos termos seguintes, que se transcreve:

«(…)


216º

Deve entender-se, pois, que o lucro isento declarado pela Recorrida corresponde ao seu lucro isento real, que o legislador da Convenção de Cooperação e Defesa entre Portugal e Estados Unidos da América pretendeu, especificamente, não tributar,

217º

E, por conseguinte, que os actos tributários impugnados padecem do vício de violação de lei e se impõe a sua anulação – como decidiu, e bem, o Tribunal a quo.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá ser proferida decisão que:

a) se abstenha de conhecer o recurso da matéria de facto da Fazenda Pública, por violação do dever de indicação dos elementos previstos no nº 1 do artº 640º do C.P.Civil;

b) se abstenha de conhecer o recurso da matéria de direito da Fazenda Pública, no que respeita à questão da imputação dos gastos gerais aos resultados da actividade isenta de imposto, por violação do dever de indicação dos elementos previstos no nº 2 do artº 639º do C.P.Civil;

Em qualquer caso,

c) não reconheça qualquer erro de julgamento ou vício à sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, a mantenha e não a revogue.»

****
Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
****
Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, bem como das contra-alegações, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se:
a) O recurso da Recorrente deve ser rejeitado, porquanto as conclusões não cumprem os requisitos legais, sobretudo, quanto à identificação das normas jurídicas violadas;
b) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento:
i) De facto (“não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente estamos perante ajudas de custo”);
ii) nos pressupostos de facto e de direito, quer quanto à correcção das ajudas de custo, quer quanto à correcção da imputação dos gastos gerais aos resultados da actividade isenta de imposto.
****

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:

«A) A Impte é uma sociedade comercial que tem por objecto a execução de trabalhos de construção civil e obras públicas, sendo sujeito passivo de IRC, tendo celebrado com as autoridades representativas dos Estados Unidos da América, diversos contratos de empreitada de construção de instalações militares sitas nas Lajes, Açores, tendo realizado diversas obras durante os exercícios de 2005 e 2006, as quais beneficiaram de isenção total de IRC sobre os lucros obtidos sobre tais obras. –cfr Relatório da I.T. , de fls 399 e segs do P.A. apenso.

B) No apuramento do lucro tributável das actividades sujeitas e não isentas e das isentas de imposto declaradas pelo contribuinte, a sociedade apresenta uma contabilidade devidamente organizada, tendo determinado os respectivos resultados de obras de carácter plurianual de acordo com o critério de percentagem de acabamento, sendo evidenciados, separadamente, os resultados das operações sujeitas ao regime geral de imposto das relativas ao regime de isenção.- cfr D.P Modelo 22 dos exercícios de 2005 e 2006, de fls 70 e segs e de fls 77 e segs, dos autos e Relatório da I.T. de fls 399 e segs, do P.A. apenso.

C) A Adm. Fiscal procedeu em 2009, a uma acção inspectiva á Impte, no âmbito da qual procedeu a correcções ao lucro tributável declarado naqueles exercícios, tendo acrescido o montante de € 1 198.295,81 e de € 1 785.064,45 respectivamente, ao lucro tributável da actividade sujeita e não isenta de imposto, tendo sido efectuada a liquidação adicional de imposto daqueles anos, no qual se apurou um imposto a pagar de € 192.396,64 e de € 473.577,82 , acrescido de juros compensatórios. – cfr Relatório Final da I.T. de fls 85 a 297, e documentos de fls 298 a 303, dos autos

D) As correcções referidas supra resultaram da consideração efectuada pelos serviços inspectivos relativamente á imputação aos contratos de obras das referidas instalações militares sitas nas Lajes, dos gastos gerais incorridos e apurados nos respectivos centros de custos não directamente relacionado com tais obras, no âmbito do qual foi apenas considerado determinado rácio de repartição dos mesmos tendo por base três centros de custos, dele excluindo os restantes custos gerais constantes da contabilidade analítica da empresa, não aceites fiscalmente por se entender que tal imputação não se mostrava justificada face á alteração dos critérios até então utilizados de consideração de todos os gastos comuns ás diversas actividades exercidas e considerando que os mesmos seriam indistintamente imputáveis a todas as obras do contribuinte.- cfr ponto III.1.2. do Relatório da I.T. de fls 98 a 108, dos autos.

E) Do relatório da I.T. foi igualmente corrigido os custos derivados de ajudas de custo processadas a favor de funcionários da empresa, por se entender que as mesmas não se encontram devidamente documentadas em razão da impossibilidade de controlo das deslocações a que as mesmas se referem quanto ao local, tempo de permanência e objectivo da deslocação, as quais determinaram o apuramento de tributação autónoma de tais encargos, tendo sido reposta parte da mesma em relação á actividade isenta. – cfr ponto III.1.1. do Relatório da I.T. de fls 94 a 98, dos autos.

F) A Impte possuía um mapa de processamento de ajudas de custo dos respectivos funcionários elaborado mensalmente, tendo sido considerados no âmbito da acção inspectiva, os descritos nos respectivos anexos 6 a 17, do Relatório da I.T., dos quais consta a função desempenhada pelo trabalhador, o tempo em que se encontrou deslocado, o seu local habitual de trabalho e local de deslocação do mesmo. Cfr ponto III.1.1.1. do relatório da I.T. de fls 94 a 97 e Anexos de fls 148 a 200, dos autos.

G) Em 11.11.2009 e em 18.1.2009, após a apresentação da presente impugnação neste Tribunal em 29.09.2009, foi prestada garantia nos processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das dívidas de imposto referidas em C), supra e para os efeitos de suspensão dos respectivos processos executivos, no valor de € 396.291,70 e de € 591.972,27, respectivamente, os quais se encontram suspensos até a presente data por esse facto.- cfr Requerimentos apresentados junto da Adm. Fiscal, de fls 379 a 382, Oficios do Serviço de Finanças de Oeiras 3, de fls 383 a 386, e garantias bancárias constante de fls 387 a 390, dos autos e “Prints Informáticos” de fls 390 e 397, do P.A. apenso aos autos.

H) No centro de custos 9540 relativo a juros e descontos, foram imputados encargos com reflexo nas obras localizadas nas “Lajes, Açores” mencionadas em A), supra, a qual deveria ser considerada no rácio de repartição dos respectivos custos pelas obras ali sediadas. – cfr artºs 319º a 323º da p.i.»


****
No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»

****
Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que, a imputação ás obras plurianuais isentas de imposto dos custos comuns relativo a juros e descontos, resultaram da confissão de tal facto pelo Impte»


****
II.2. Apreciação Jurídica do Recurso

Como se viu, a Recorrida defende, nas suas contra-alegações, que as conclusões formuladas pela Recorrente nas suas alegações de recurso não obedecem ao disposto no n.° 1, do artigo 639.° do CPC, na medida em que incumprem com o ónus de identificar as normas jurídicas violadas pela sentença recorrida.
Compete, assim, aferir se estão reunidos os pressupostos legais e condições para se conhecer do objecto do recurso.
Vejamos, então.
Tendo em conta o disposto no artigo 282.° do CPPT, à data vigente, sob a epígrafe de "Forma de interposição do recurso. Regras gerais. Deserção":
"1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.
2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.
3 - O prazo para alegações a efectuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.
4 - Na falta de alegações, nos termos do n.° 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido.
5 - Se as alegações não tiverem conclusões, convidar-se-á o recorrente a apresentá-las."

Preceitua, por seu turno, o artigo 639.°, aplicável ex vi artigo 2.° alínea e), do CPPT, sob a epígrafe de "ónus de alegar e formular conclusões" que:
"1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias."

Por outro lado, o artigo 652.°, n°2, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 282.° do CPPT, dispõe que compete ao Juiz Relator "[c]onvidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respectivas alegações, nos termos do n°3 do artigo 639.°"
Resultando, igualmente e à data, que no domínio dos recursos jurisdicionais das decisões proferidas pelos Tribunais Tributários de 1ª instância, de carácter não urgente, os Recorrentes após a admissão do competente recurso devem apresentar as suas alegações de recurso as quais têm, obrigatoriamente, de conter conclusões.
Na falta de apresentação de conclusões ou contendo as mesmas deficiências, a lei dispõe que devem os Recorrentes ser previamente convidados a apresentá-las ou a suprir as suas deficiências, sendo que só após o incumprimento dessa formalidade está o Tribunal legitimado a não conhecer do objeto do recurso.
Com efeito, as conclusões das alegações de recurso visam identificar e extrair correctamente as questões controvertidas suscitadas pelo Recorrente, tendo a importante função de delimitar o objecto do recurso e circunscrever o campo de intervenção do Tribunal ad quem.
Neste particular, importa atentar no sumário do Acórdão do STA, proferido no processo n° 0958/17, de 23 de Novembro de 2017, no qual ficou consignado o seguinte:
"I - A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações;
II - Sendo as conclusões a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita cooperação entre os vários agentes judiciários, e permitir eficaz contraditório ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber;
III - A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas;
IV - É nessa perspectiva dinâmica de cooperação, servindo o objecto do recurso e a efectividade do contraditório, e bem assim a promoção das decisões de mérito, que deve ser enquadrado o despacho convite formulado pelo relator nos termos do artigo 639º, n°3, do CPC;
V - O que significa que nunca se deverá atribuir ao «convite» uma impositividade que ele não tem, nem extrair do seu eventual incumprimento, total ou parcial, consequências que ele não comporta. É que, enquanto convite, a sua aceitação não poderá deixar de ficar na disponibilidade do destinatário, e, enquanto convite incumprido, sempre fica a dever a cominação de «não conhecimento do recurso, na parte afectada» à permanência e efectividade dos vícios detectados nas conclusões."
Visto o quadro normativo, e tecidos os considerandos de direito reputados de relevantes, regressemos ao caso dos autos.
In casu, a Recorrida entende que as conclusões não cumprem o seu desiderato, e que tal situação determina a sua rejeição, no entanto, e ainda que as alegações de recurso em contenda não representem a melhor técnica jurídica, porquanto genéricas ou pouco objectivadas quanto à concreta valoração da prova e refutação do entendimento ajuizado na decisão recorrida, a verdade é que atentando no seu teor é possível percepcionar e alcançar a concreta delimitação das questões, sendo, igualmente, evidenciados os respectivos fundamentos de facto e de direito, com a inerente convocação das normas jurídicas.
Acrescente-se, ainda, que o não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, apenas devendo ser utilizado como solução de última linha, ou seja, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo, sendo certo que o Tribunal ad quem deve privilegiar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia em detrimento de aspectos de índole formal.
Face a todo o exposto inexiste fundamento para a sua rejeição.

Prosseguindo, agora, na apreciação do recurso que nos vem dirigido, a sentença recorrida julgou a presente impugnação parcialmente procedente e, consequentemente, anulou “parcialmente os actos tributários controvertidos, sendo indemnizado por prestação indevida de parte da garantia oferecida a liquidar em execução da sentença”.

Como se viu, a Recorrente começa por invocar que “não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente estamos perante ajudas de custo
Mais refere que, “No entanto e ao contrário do doutamente decido, os mapas apresentados não evidenciam os requisitos legalmente exigidos, designadamente, o tipo de trabalho realizado; o número de dias do mês em que se efectuaram as deslocações, limitando-se a indicar o número total de dias afeto a cada centro de custo, não permitindo: verificar o tipo de deslocação diária ou por dias sucessivos; identificar a hora de partida e a data de chegada, no sentido de verificar se o trabalhador tem direito à ajuda de custo total ou parcial; bem como verificar se o dia da partida e da chegada, quando realizada por avião, coincide com o das ajudas de custo.”, “Perante tais discrepâncias, não alcança a Fazenda Pública, o motivo pelo qual o douto tribunal não deu como provado, a falta de elementos que permitem atestar a veracidade das ajudas de custo.
Para assim entender, analisadas as conclusões, conjugadas com as alegações de recurso, verifica-se que dos artigos 10. a 21. analisa os mapas de deslocações de diversos empregados – identificando o respectivo documento – realçando discrepâncias em termos de dias de deslocações, concluindo que “resulta do relatório de inspeção, junto aos autos, divergências existentes entre os boletins de ajudas de custo e a localização exata dos trabalhadores nessas datas, o que reflete, sem margem para dúvidas, que os boletins itinerários respeitantes à atribuição de ajudas de custo não correspondem à verdade”, que “Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, não andou bem na decisão tomada, ao não ter atendido à ausência de prova feita pelo impugnante.” e que “Tal prova não foi feita, existindo nos autos o relatório de inspeção tributária, factual e pormenorizado, que dá conta de uma série de irregularidades cometidas pela
impugnante, ora recorrida, quer ao nível da atribuição das importâncias a título de ajudas de custo quer ao nível dos montantes pagos, que descaraterizam estas verbas como ajudas de custo.

A Recorrida, por seu turno, defende que a FP não cumpriu as regras de impugnação da matéria de facto, pelo que recurso deve ser rejeitado nesta parte.

Vejamos, pois, desde já adiantando que não tem razão a Recorrida ao defender que não foram cumpridas as regras previstas no art. 640.º do CPC.
Dispõe tal norma que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Ora, como se viu, analisadas as conclusões acima transcritas, concatenadas com o corpo das alegações, verifica-se que a Recorrente concretiza os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Cumpre, assim, para já, o disposto na norma transcrita.
Coisa diferente, é a de saber se, em face dos fundamentos das correcções, tal aditamento seria necessário, já que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.
Para tanto, há que averiguar, de acordo com o Relatório de Inspecção, e apesar das indicadas discrepâncias quanto aos dias de deslocações de alguns dos colaboradores, se foi isso que esteve na base das correcções efectuadas.

Para isso, ao abrigo do art. 662.º n.º 1 do CPC, impõe-se completar o facto E) do probatório, com base no que consta do relatório de inspecção, nos seguintes termos:
E) No relatório da I.T. foram igualmente corrigidos os custos derivados de ajudas de custo processadas a favor de funcionários da empresa, por se entender que as mesmas não se encontram devidamente documentadas em razão da impossibilidade de controlo das deslocações a que as mesmas se referem quanto ao local, tempo de permanência e objectivo da deslocação, as quais determinaram o apuramento de tributação autónoma de tais encargos, tendo sido reposta parte da mesma em relação á actividade isenta.
O Relatório de inspecção, nesta parte, tem, designadamente, o seguinte teor:
“(…) Porém, os mapas apresentados não evidenciam todos os requisitos exigidos legalmente, nomeadamente o tipo de trabalho efectuado bem como os dias do mês em que se efectuaram as deslocações em serviço, limitando-se a indicar o n.º total de dias afecto a cada centro de custo, não nos permitindo:
a) Verificar o tipo de deslocação diária ou por dias sucessivos;
b) Identificar a hora de partida e a data de chegada, no sentido de saber se tem direito à ajuda de custo total ou parcial;
c) Verificar se o dia da partida e da chegada, quando realizada por avião, coincide com o das ajudas de custo, por exemplo (…) [seguem-se os exemplos dos colaboradores com discrepâncias em alguns dos dias]
(…)
Face ao mencionado, e nos termos da al. f) do art. 42.º do CIRC, os valores das ajudas de custo, não podem ser aceites fiscalmente, devendo ser acrescido à matéria colectável do exercício de 2005 e 2006 os montantes de € 668.577,14 e € 753.282,39, respectivamente em cada exercício.
– cfr ponto III.1.1. do Relatório da I.T. de fls 94 a 98, dos autos.

Ou seja, apesar de terem sido detectadas algumas incorrecções quanto a alguns colaboradores, a totalidade dos valores registados como ajudas de custo não foram aceites por entender a AT que não cumpriam os requisitos previstos na al. f) do art. 42.º do CIRC, na redacção vigente à data.
Vejamos, por isso, o que dispunha a norma em causa:
42.º
1 – Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
f) As despesas com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e, no caso de deslocações em viatura própria do trabalhador, (….)”

São estes os requisitos legais que o CIRC impõe aos sujeitos passivos para que possam ser aceites os valores pagos a título de ajudas de custo, pelo que não vislumbra o Tribunal (a não ser por remissão para o CIRS) onde foi a AT buscar os requisitos que identificou e acima

transcritos de saber se a deslocação é diária ou por dias sucessivos, a identificação da hora de partida e de chegada, bem como o dia de partida e de chegada.

Por consulta ao probatório, nesta parte não impugnado, resulta que:
F) A Impte possuía um mapa de processamento de ajudas de custo dos respectivos funcionários elaborado mensalmente, tendo sido considerados no âmbito da acção inspectiva, os descritos nos respectivos anexos 6 a 17, do Relatório da I.T., dos quais consta a função desempenhada pelo trabalhador, o tempo em que se encontrou deslocado, o seu local habitual de trabalho e local de deslocação do mesmo
Além disso, como também resulta da reformulação do facto E), os mapas da Recorrida indicavam o n.º total de dias afecto a cada centro de custo.
Ou seja, tais mapas continham a informação exigida legalmente, sendo que o fundamento das correcções não foram as discrepâncias indicadas nas alegações de recurso – caso em que apenas essas seriam corrigidas – mas o não cumprimento do disposto na f) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC, na redacção vigente.
E, assim sendo, sempre seria irrelevante o aditamento desses factos (colaboradores com divergências nos respectivos mapas de ajudas de custo), razão pela qual vai o mesmo indeferido.

Regressando à análise desta correcção, a sentença recorrida teve o seguinte discurso fundamentador:
Em 1º lugar e analisando a correcção das referidas ajudas de custo dir-se-á muito sinteticamente que, dos factos apurados pela I.T. o que se denota dos elementos por si colhidos e reflectidos nos referidos documentos de suporte relativos aos mapas de tais deslocações elaborados pelo Impte, que o que se observa não é a falta das indicações que permitiam o controlo das deslocações nomeadamente, os locais, tempo de permanência e objectivo das deslocações, já que apenas se reporta em termos concretos àquelas em que se observam discrepâncias face a outros elementos colhidos que denotariam incumprimento dos respectivos pressupostos de processamento de ajudas de custo, o que em todo o caso não permitia a simples desconsideração de tais encargos efectivamente incorridos pela Impte, sendo que , nos casos concretamente determinados que aqueles colaboradores da sociedade não preenchiam as condições legais para poderem beneficiar de tais ajudas de custo ( relativo, p.ex., ás distâncias da deslocação ou de não se encontrar efectivamente deslocado em determinadas datas), deveriam ser objecto de acréscimo de rendimentos de trabalho dependente na sua esfera jurídica e para efeitos de IRS – cfr parte final da alínea f), do nº 1, do artº 42º do CIRC. Também se dirá que, como consequência do presente entendimento, não se vislumbra a que titulo se processou uma tributação autónoma por esse facto ainda que atenuada pela correcção da mesma relativamente á actividade isenta, atento o disposto no nº 1, do artº 81º, conjugado com a alínea g) daquele 1º preceito legal, o qual não é de aplicação analógica àqueles encargos não dedutíveis relativos ás referidas ajudas de custo em razão da natureza jurídica das normas de incidência do tributo, sendo para mais certo que a considerar tais despesas como não documentados aquela tributação autónoma seria agravada e não desconsiderada, como melhor resulta do disposto no nº 2, do artº 81º do IRC. Procede assim a impugnação nessa parte.

Ora, a verdade é que, no essencial, o decidido não merece censura, sendo que, de resto, tem razão a Recorrida quando defende que a decisão não foi especificamente atacada, limitando-se a Recorrente a reafirmar o que consta do relatório de inspecção.
Por outro lado, e como acima se deixou explanado, o facto de existir um mapa para cada deslocação com os dias do mês em que se efectuaram as deslocações, sendo indicado cada centro de custos, permite saber, por referência a cada um dos trabalhadores o tipo de trabalho (note-se que é indicado o centro de custos), sendo que a própria AT reconhece que as ajudas de custo têm limites inferiores aos estabelecidos nas Portarias que regulam estas prestações.
E, assim sendo, não poderia a AT, como fez, desconsiderar a totalidade das ajudas de custo registadas na contabilidade da Recorrida.
Improcede, assim, nos termos vistos, o recurso com este fundamento.

***
O outro fundamento do recurso prende-se com o invocado erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à correcção da imputação dos gastos gerais aos resultados da actividade isenta de imposto.

Defende a Recorrente que “de acordo com o definido nos critérios contabilísticos e no CIRC, além dos gastos específicos ou directos, devemos ainda imputar às obras uma parte dos gastos para os quais não é possível realizar uma imputação especifica, deverá ser definido um critério de repartição de acordo com os métodos que sejam sistemáticos e racionais e sejam aplicados consistentemente a todos os custos que tenham características semelhantes, tal como se encontra definido nas normas internacionais de contabilidade”, que “No que concerne à decisão do douto Tribunal a quo sobre a fundamentação do ato e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no relatório de inspeção, quer na contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo sempre as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem sempre a motivação daqueles atos.”, que “os actos de liquidação controvertidos respeitam aos requisitos de fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram.”

A Recorrida, por seu turno, contra-alega, defendendo que “Deve entender-se, pois, que o lucro isento declarado pela Recorrida corresponde ao seu lucro isento real, que o legislador da Convenção de Cooperação e Defesa entre Portugal e Estados Unidos da América pretendeu, especificamente, não tributar” e que “por conseguinte, que os actos tributários impugnados padecem do vício de violação de lei e se impõe a sua anulação – como decidiu, e bem, o Tribunal a quo.

Analisado o relatório de inspecção quanto a esta correcção, entende o Tribunal, mais uma vez, ao abrigo do art. 662.º n.º do CPC, completar o facto D), de forma a que a fundamentação desta correcção fique mais clara e fidedigna, passando o mesmo a ter o seguinte teor:
D) As correcções referidas supra resultaram da consideração efectuada pelos serviços inspectivos relativamente á imputação aos contratos de obras das referidas instalações militares sitas nas Lajes, dos gastos gerais incorridos e apurados nos respectivos centros de custos não directamente relacionado com tais obras, no âmbito do qual foi apenas considerado determinado rácio de repartição dos mesmos tendo por base três centros de custos, dele excluindo os restantes custos gerais constantes da contabilidade analítica da empresa, não aceites fiscalmente por se entender que tal imputação não se mostrava justificada face á alteração dos critérios até então utilizados de consideração de todos os gastos comuns ás diversas actividades exercidas e considerando que os mesmos seriam indistintamente imputáveis a todas as obras do contribuinte.
O Relatório de Inspecção, quanto a esta correcção, tem, designadamente, o seguinte teor:
“(…) Da análise efectuada à empresa verifica-se que, até 2003 foi seguido um critério de imputação dos gastos comuns, o qual foi alterado em 2004 e anos seguintes, pelo facto da empresa entender este como mais correcto face às especificidades das Lajes.
Porém, não se verificou, em 2004 e agora em 2005 e 2006, qualquer justificação no anexo ao balanço e demonstração de resultados.
Para obter uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa, esta deve seguir determinados princípios contabilísticos, nomeadamente, o da consistência, que refere que a empresa não altera as suas políticas contabilísticas de um exercício para o outro. Se o fizer e a alteração tiver efeitos materialmente relevantes, esta deve ser referida no anexo ao balanço e demonstração de resultados.
Refere ainda o POC que a informação proporcionada pelas demonstrações financeiras deverá ser comparável, ou seja, a divulgação e quantificação dos efeitos financeiros de operações e de outros acontecimentos devem ser registados de forma consistente pela empresa e durante a sua vida, para identificarem tendências na sua posição financeira e nos resultados das suas operações.

b) Critério de determinação dos custos seguido pela empresa:
A empresa dispõe de contabilidade analítica e divide as obras por centros de custos onde são imputados todos os que directamente digam respeito a essa obra (cc 1 a 4500).
Relativamente aos custos comuns são imputados nos cc6300 a 9700, cuja descriminação consta em Anexo (20).
Na contabilidade é apurado o resultado contabilístico e fiscal comum a toda a actividade da empresa e posteriormente à elaboração do balanço e da demonstração de resultados bem como do Quadro 07, a empresa recorre ao seguinte rácio para imputação dos gastos gerais às obras isentas:
Até 2003 (Anexo 21)
Centros de custos 6300 a 9700
Totaldos proveitos das obras
No numerador estavam todos os cc comuns
A partir de 2004
Centros de custos 8070+8500+9200
Total dos proveitos das obras
8070 – higiene e segurança
8500 – sector administrativo
9200 – Administração

Verifica-se assim que em 2005 e 2006 a empresa apenas procedeu à repartição pelo sector isento de parte destes 3 centros. Em 2004 foi adptado o mesmo procedimento, o qual foi por nós objecto de correcção.
Com base neste coeficiente, determinado em cada um dos anos, a empresa calcula os gastos gerais a imputar às obras isentas (anexo 21), assim, determina o lucro/prejuízo de cada obra isenta, o qual é inscrito no campo 323/324 do quadro 09 da declaração modelo 22 – no regime isento. O restante é incluído no campo do regime geral 301/302. A soma dos dois é igual ao lucro tributável do campo 240 do Quadro 07 (anexo 1)

(…)
De acordo com o definido nos critérios contabilísticos e no CIRC, a que nos referimos na alínea a) deste ponto, além dos gastos específicos ou directos, devemos ainda imputar às obras uma parte dos gastos gerais que são comuns a toda a actividade. Ou seja, relativamente aos custos comuns para os quais não é possível efectuar uma imputação específica, deverá ser definido um critério de repartição de acordo com métodos que sejam sistemáticos e racionais e sejam aplicados consistentemente a todos os custos que tenham características semelhantes, tal como se encontra definido nas normas internacionais de contabilidade – n.º 11 – contratos de construção.
Porém, dos centros de custos comuns, em 2005 e 2006, a empresa apenas utilizou 3 deles para calcular o coeficiente de imputação dos gastos gerais, contrariamente ao critério seguido até 2003. Logo o coeficiente é menor, o que implica menos custos comuns imputados às obras das Lajes.
De acordo com o mesmo critério utilizado até 2003 e por nós corrigido em 2004, o contribuinte teria uma matéria colectável sujeita ao regime geral superior em € 842.932,25 e € 1.339.731,79, respectivamente para 2005 e 2006, conforme cálculos a seguir descriminados [sic]:
(…)
f) Situações apresentadas a título exemplificativo
(…)
Conforme se pode verificar na descrição dos restantes cc (anexo 20) estes também deveriam ser de igual modo imputados às obras das Lajes, se não vejamos algumas situações apresentadas a título exemplificativo:
(…)

g) Proporção dos Custos Indirectos
Até 2003 o SP presumia que todos os custos apresentados nos centros de custos gerais aproveitavam quer à actividade sujeita a imposto, quer à actividade isenta, e na sequência, alocava-os proporcionalmente às obras isentas de imposto, na mesma medida em que os respectivos proveitos contribuíram para os proveitos globais da actividade. Nos exercícios posteriores este critério foi alterado.
Se procedermos à imputação de todos os gastos gerais às obras das Lajes na mesma proporção dos proveitos, conforme vinha sendo o critério utilizado até 2003 e agora por nós proposto, seriam imputados cerca de 54,81% dos gastos gerais às obras das Lajes em 2005 e 44,81% em 2006.
Porém, pelos cálculos efectuados pela empresa em 2005 e 2006, apenas foram imputados às obras das Lajes 20,31% dos gastos gerais em 2005 e 11,49% em 2006. Esta situação contribui para que os lucros das obras isentas sejam muito superiores aos das sujeitas (anexo 1 e 22).
(…)

I) Conclusão
Face ao anteriormente mencionado, e de acordo com o critério adoptado em exercícios anteriores pelo SP, bem como nos termos do art. 23.º do CIRC e do estabelecido no POC, nas Directrizes Contabilísticas e nas Normas Internacionais de Contabilidade, o lucro da actividade isenta deverá ser reduzido e consequentemente acrescido o valor afecto ao regime geral sujeito a tributação, no montante de € 842.932,25 em 2005 e € 1.339.731,79 em 2006.” - cfr ponto III.1.2. do Relatório da I.T. de fls 98 a 108, dos autos.

Ou seja, a AT entendeu que a Recorrida, ao alterar o critério de imputação dos custos gerais à actividade isenta, critério esse que deveria ser constante e previsível, violou a norma do art. 23.º do CIRC, o POC e as Directrizes Contabilísticas e Normas Internacionais de Contabilidade (quanto a estas últimas não concretizou em que medida e quais as regras concretas violadas), apenas para reduzir o valor sujeito a tributação.

A sentença recorrida, nesta parte, teve o seguinte percurso fundamentador:
Quanto á consideração dos gastos gerais imputados aos respectivos centros de custos das obras sujeitas e não isentas de imposto e expressamente excluídas de qualquer alocação ás ditas obras isentas de imposto em razão do beneficio considerado no âmbito da ditas obras militares realizadas no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, pode-se afirmar, em primeira linha, que se compreende a racionalidade da fundamentação assertiva sustentada pela I.T. de que certos centros de custos comuns ás actividades da sociedade, apurados através da sua contabilidade analítica interna, seriam susceptíveis de serem imputadas igualmente ás referidas obras isentas de imposto, não resultando evidente a “ ratio” da sua exclusão para aquele segmento de construção por si desenvolvida. Tanto é assim que, o próprio contribuinte veio reconhecer e admitir que os encargos referidos em H), do probatório deveriam ser considerados e devidamente alocados proporcionalmente aos resultados dos exercícios controvertidos, pelo que colhendo essa confissão da Impte, julga-se que improcede a impugnação nessa parte.
Já no que tange aos restantes gastos gerais da Empresa, importa aquilatar se o mesmo se encontrava legitimado fiscal e contabilisticamente, i. e, se se impunha ao s. p. a sua consideração no âmbito das operações isentas de imposto como pretenda a Adm. Fiscal e disside o Impte.
Em 1º lugar importa esclarecer que a tese sustentada pela F.P na sua contestação relativa á aplicabilidade do disposto no nº 2, do artº 49º, do CIRC quanto aos critérios utilizados pela Adm. Fiscal de imputação dos referidos encargos gerais ás obras que beneficiam da isenção de IRC, não pode colher por duas ordens de razões: 1º porque tal fundamentação actualista das correcções não foi a acolhida pela I.T. na sustentação que fez daquelas liquidações adicionais de imposto reportadas aos factos então considerados, por outro, não pode colher tal interpretação de um regime aplicável a entidades não residentes com estabelecimento estável em território português a entidades residentes que exercem a titulo principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, como é o presente caso, por em matéria de incidência tributária não ser susceptível de aplicação analógica de tais preceitos aplicáveis á 1ª realidade considerada. –cfr nesse sentido Ac. do STA, de 14.11.2001, proferido no Processo nº 026362. E nº 4, do artº 11º da LGT. Assim, constata-se que, legalmente o legislador fiscal em matéria de apuramento de resultados de operações sujeitas e não isentas de imposto face ás restantes actividades isentas como era o caso presente, apenas impõe que a contabilidade das ditas sociedades esteja organizada de forma a reflectir e a distinguir todas as operações por si efectuadas, nos termos do disposto na alínea b), do nº 3, do artº 17º do CIRC. Por outro lado mais estabelece que tratando-se de obras de carácter plurianual as empresas que as efectuem deverão adoptar o mesmo critério de apuramento de resultados para obras de idêntica natureza e manter o método adoptado até ao final da obra. –cfr nº 6, do artº 19º do CIRC. Ora, do exposto resulta que as normas fiscais não estabelecem qualquer regras especificas quanto á imputação e correspondente medida de repartição daqueles encargos gerais pelas diferentes obras dos s.p., pelo que não se descortina em que disposição legal se sustenta aquela decisão da Adm. Fiscal ao considerar que tais custos gerais seriam de imputar em concreto ás ditas obras realizadas isentas de imposto, só podendo concretizar tais correcções na medida em que se verificasse quaisquer deficiências na contabilização do conjunto de operações da sociedade ou no apuramento directo e exacto da matéria tributável de tais actividades, o que não se constata no presente caso . Em rigor atente-se que a Adm. Fiscal não contesta a medida de repartição adoptada pelo Impte quanto aos centros de custos considerados para todas as actividades da empresa, pelo que a questão apenas respeita á concreta imputação de determinados centros de custos comuns àquelas obras com exclusão dos demais centros de custos de idêntica natureza. Ou dito de outra forma ,importa aquilatar em que medida tais custos atribuíveis aos contratos de construção em geral celebrados pelo Impte, devem ser imputados, ou podem ser excluídos, relativamente a certos contratos específicos, neste caso das ditas obras que beneficiam da mencionada isenção de imposto. Propende este Tribunal a considerar que tal imposição ainda assim poderia resultar da aplicação das normas contabilísticas nacionais ou internacionais aplicáveis a tais contratos de construção (cfr nessa matéria NIC nº 11 e Directriz Contabilística nº 3/91, da CNC, de 19.12.91).
Vejamos,
Importa realçar em 1º lugar que a politica contabilística que deve ser consistentemente aplicada em tais contratos se afere em 1º linha aos critérios adoptados pelo contribuinte na selecção dos métodos de contabilização dos resultados de tais obras, o que se observou no presente caso tendo o Impte utilizado correctamente o critério de percentagem de acabamento, apurado os respectivos resultados pelos diversos exercícios em causa. Já quanto á utilização sucessiva, por parte da Impte, de diferente consideração de tais custos gerais no computo daquelas obras nos exercícios anteriores aos ora controvertidos, realça-se aqui o afirmado pela ITe Perita designada por este Tribunal, e que aqui se acolhe por ser o entendimento igualmente perfilhado na presente sentença, de que não se aplica nestes casos de contabilização interna de exploração os mesmos não estão submetidos á contabilidade geral e financeira, nem pode o Tribunal avaliar se determinados gastos comuns devem ser repartidos pelos diferentes contratos específicos celebrados pelo Impte por tal determinação se encontrar na esfera jurídica da empresa no âmbito da liberdade gestionária de que gozam tais sociedades comerciais. - Cfr Parecer constante de fls 866 a 869, dos autos.
Finalmente será de considerar que nos termos do nº 16 a 18, da NIC nº 11 relativa a contabilização dos contratos de construção, apenas se menciona que tais custos gerais elencados no nº18, poderão ser imputados a contratos específicos, o que traduzindo-se numa faculdade contabilística, não impõe a sua consideração no apuramento de resultados de cada obra de per si. Procede assim parcialmente o invocado erróneo apuramento do lucro tributável quanto aos custos gerais imputados á actividade isenta e concomitante aumento do lucro tributável da actividade sujeita e não isenta de imposto. (…)”

Vejamos, pois, realçando, desde já, que não foi posta em causa a decisão de improcedência parcial de impugnação por parte da Recorrida.
Depois, há que salientar, mais uma vez, que a Recorrente não enfrenta os argumentos concretos esgrimidos na sentença recorrida, mantendo apenas a legalidade e fundamentação das correcções efectuadas pela inspecção tributária (sendo certo que a sentença não imputou às liquidações a falta de fundamentação, pelo que não há que apreciar o referido nas conclusões G) e H)).

Ainda assim, e quanto ao recurso apresentado e às correcções efectuadas pela AT nesta matéria, há que fazer apelo, dada a similitude de fundamentos (aqui quanto aos anos de 2005 e 2006 e ali quanto ao ano de 2004), ao Acórdão deste TCA Sul, proferido no proc. n.º 712/09.3BELRS, o qual se pronunciou sobre tais questões em termos com os quais este Tribunal concorda em absoluto, e cuja fundamentação, nos termos do art. 8.º n.º 3 do CC, este Tribunal faz sua, transcrevendo o mesmo nas suas parte mais impressivas:

“(…)
Importa, desde logo, convocar o consignado no artigo XI, n° 1, do Anexo I do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 38/95 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n° 72/95, de 11 de outubro, publicado no Diário da República I Série-A, n° 235 de 11 de outubro de 1995, o qual estatuía que:
"Ficam isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e da derrama os contratantes e subcontratantes nacionais ou estrangeiros relativamente aos lucros derivados das obras e trabalhos respeitantes às instalações concedidas".
De chamar à colação, outrossim, o consignado no artigo 14°, n° 2, do CIRC, segundo o qual "estão ainda isentos de IRC os empreiteiros ou arrematantes, nacionais ou estrangeiros, relativamente aos lucros derivados de obras e trabalhos das infraestruturas comuns NATO a realizar em território português, de harmonia com o Decreto-Lei n.° 41 561, de 17 de março de 1958".
Ora, do cotejo dos normativos transcritos resulta, desde logo, que se encontra consignado um regime de isenção de IRC, relativamente aos sujeitos passivos que desenvolvam obras e trabalhos executados nas instalações concedidas na Base das Lajes e nas infraestruturas NATO e quanto aos lucros derivados dessas obras e trabalhos.
Neste concreto particular, há que ter presente, outrossim, o consignado no artigo 17.° do CIRC, do qual dimana que:
"1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n° 1 do artigo 3° é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do exercício.
3 - De modo a permitir o apuramento referido no n° 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes."
O que significa, portanto, que em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana, expressamente, do artigo 17.°, n°1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.°, n.° 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.
Contudo, conforme resulta da letra do artigo 23.° do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estando, por seu turno, vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente).
Visto o direito que releva para o caso vertente, regressemos, então, ao caso dos autos.
Para o efeito importa, desde já, convocar quais as razões atinentes à desconsideração do método de imputação de custos, atentando, naturalmente, na fundamentação constante do respetivo Relatório de Inspeção Tributária.
Ora, perscrutando a fundamentação contemporânea do ato, verifica-se que a AT mediante constatação da outorga por parte da Recorrida com o Governo dos EUA, de diversos contratos de empreitada, tendo por objeto a execução de obras e trabalhos de construção civil na Base das Lajes na Ilha Terceira, Açores, enquadrou a questão no artigo 14.º, n°2, do CIRC e concluiu que os lucros obtidos nessas obras se encontrariam isentos de IRC.
Dissentiu, no entanto, quanto ao critério de imputação de custos adotado pela Recorrida relativamente ao exercício de 2004, porquanto, por um lado, inexiste qualquer justificação no anexo ao balanço e demonstração de resultados para a alteração do método adotado até esse exercício, sendo que a manutenção do método lograria matéria coletável superior e por outro lado, porque desrespeita o princípio contabilístico da consistência.
Conclui, mediante comparação com o exercício de 2003, que a manutenção do procedimento acarretaria uma matéria coletável sujeita ao regime geral superior em €810.974,70, inferência essa que fundou a correspondente correção técnica ao abrigo do artigo 23.° do CIRC.
Ora, tendo presente a fundamentação expendida anteriormente, o respetivo quadro normativo e estabelecendo-se a devida transposição para o acervo fáctico dos autos, há que secundar o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo.

Senão vejamos.

Do probatório resulta que a Recorrida, tem por objeto a execução de trabalhos de construção civil e obras públicas e que nesse âmbito executa trabalhos, na Base Aérea das Lajes, na Ilha Terceira, nos Açores, para o estado norte-americano, bem como trabalhos de construção civil em infraestruturas comuns da Nato localizadas em território português.
E que, em concreto, no exercício de 2004, executou os seguintes trabalhos de construção nas instalações militares concedidas pelo Estado Português na Base das Lajes, nos Açores e para instalações da Nato:
(…)
Para o efeito, e justamente nesse exercício, dispunha de escritório e estaleiro junto da Base das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores, espaço concedido pelo governo norte- americano, com uma equipa composta por seis ou sete colaboradores a trabalhar em exclusivo e de modo permanente para as obras aí desenvolvidas, nas quais utilizavam materiais específicos que se encontravam guardados no armazém local, e equipamentos próprios e afetos exclusivamente àquelas obras, a par de outros da sua estrutura central.
(…)
No concreto particular dos procedimentos atinentes à organização contabilística e com relevância para a questão decidenda, resultou provado que a Impugnante dispõe de contabilidade analítica na qual divide as obras desenvolvidas por centros de custo nos quais procede à imputação de todos os custos que diretamente digam respeito a cada uma das obras.
Procedendo, igualmente, à destrinça dos custos gerais por centros de custos - centros de custos n° 6300 a 9700, sendo que até ao exercício de 2003 procedeu à imputação desses custos gerais por cada obra de forma proporcional, aplicando o coeficiente resultante da divisão entre o total dos custos gerais e o total dos proveitos gerados por cada obra.
Enquanto que a partir do exercício de 2004, alterou o aludido procedimento passando a imputar, proporcionalmente, os custos gerais por cada obra apenas com referência aos centros de custos 8070 (Higiene e Segurança), 8500 (Setor Administrativo) e 9200 (Administração), em ordem às diretrizes organizacionais e de controlo que desenvolveu, porquanto aquiesceu ser possível, quanto aos restantes centros de custos gerais, proceder à imputação a cada obra em particular dos custos com relação direta e inequívoca a cada obra, com base no critério de utilização efetiva.
Ora, face ao recorte probatório sintetizado supra, e tendo presente, outrossim, que nada foi sindicado quanto à qualidade da informação contabilística, e quanto aos elementos transmitidos pela mesma, nenhuma ilegalidade pode ser apontada à disciplina adotada pela Recorrida.
Expliquemos, então, porque assim o entendemos.
Ab initio, há desde logo, que ter presente que a AT não sindica os valores concretamente apurados pela Impugnante, ora Recorrida, na medida em que não corporiza qualquer elenco que os permita segmentar ou deslocalizar do respetivo centro de custos. Com efeito, e como decorre inequivocamente da fundamentação jurídica que apoia as correções em contenda, a AT limita-se a advogar que a Recorrida procedeu à alteração da metodologia adotada no exercício de 2003, a qual granjeia a obtenção de uma matéria coletável superior, e que tal alteração colide com o princípio da consistência.
Sendo que, como veremos, o supra expendido não legitima a correção realizada, quer em termos de pressupostos de facto, quer em termos de pressupostos de direito.
E isto porque, conforme demos nota anteriormente, a letra da lei, mormente, o convocado artigo 17.º do CIRC apenas impõe que a contabilidade das sociedades esteja organizada de forma a refletir e a distinguir todas as operações por si efetuadas.
O que significa que, em matéria de apuramento de resultados de operações sujeitas e não isentas de imposto, o que importa é que seja possível percecionar, de forma absolutamente fidedigna, a expressão concreta a alocar e a imputar a esses custos.
Não podendo, assim, lograr mérito o expendido pela Recorrente no sentido de que, em regra, em situações como a do contorno dos autos, o critério adotado pela AT tem sido a imputação dos custos gerais proporcionalmente a todos os centros de custos diretos, e isto porque nada a vincula normativamente a isso. Aliás, tanto assim é, que o normativo que foi convocado para fundamentar a correção foi o artigo 23.º do CIRC, e o mesmo nada permite extrair nesse âmbito.
Note-se que, no caso vertente, e conforme supra expendido, a par da contabilidade financeira, a Recorrida possui contabilidade analítica, devidamente organizada, a qual permite individualizar, em centro de custo específico, cada uma das obras que realiza, os departamentos gerais da sociedade proporcionando, por conseguinte, a total perceção, validação e adjunção sistemática de todos os proveitos e custos de cada obra, no final do exercício, e apurar o resultado de cada uma das obras que executa.
Conforme é consabido, a contabilidade analítica permite identificar, de uma forma clara e minuciosa, a origem dos proveitos e o destino dos encargos suportados pela empresa. Daí que, a mesma seja entendida como um processo de tratamento de dados cujos objetivos são, fundamentalmente, apreender os custos das diferentes funções desempenhadas pela empresa, delimitar as bases de avaliação de determinados elementos do balanço da empresa e explanar os resultados, mensurando os custos dos produtos e dos serviços, para os comparar com os preços de venda respetivos e, bem assim estabelecer previsões para os custos e para os proveitos correntes, aferir a sua realização e justificar quaisquer desvios daí advenientes.
Como doutrina NUNO RENATO MEIRELES MATOS DE SOUSA "a Contabilidade Analítica, ao contrário da Contabilidade Geral, está direccionada para o interior da empresa e a sua função consiste em realizar o tratamento dos processos de transformação internos, descrevendo, em termos monetários, os fluxos internos que dizem respeito às diferentes etapas e aos diferentes processos através dos quais a empresa propõe bens ou serviços aos seus clientes." (A Contabilidade Analítica como Instrumento de Gestão ao Nível das Autarquias Locais; Universidade Portucalense, páginas 36)
Mais esclarecendo que a "[c]ontabilidade Analítica, por oposição à Contabilidade Geral, é uma contabilidade do pormenor uma vez que procura dividir a empresa num determinado número de unidades de gestão integrados no sistema mais amplo que é a empresa. Assim, a Contabilidade Analítica permite responder a um conjunto de questões, para as quais a Contabilidade Geral não tem capacidade de resposta, reclassificando por destino os proveitos e os custos classificados por natureza pela Contabilidade Geral. A Contabilidade Analítica permite um conhecimento pormenorizado ao realizar análises por produtos, por serviços, por funções, por centros de actividade ou de responsabilidade, por operações, ou por qualquer outro objecto. Neste sentido, a Contabilidade Analítica responde a questões do tipo: Quem consome o quê e quanto? Quem produz o quê e quanto? Que produtos ou famílias de produtos são rentáveis? Que centros de actividade ou de responsabilidade são eficientes? Que clientes são mais vantajosos para a empresa? Quem são os vendedores com melhor desempenho? Quais são as zonas geográficas mais favoráveis para a empresa? Etc.” (In ob. Cit, página 37).
Por outro lado, há que referenciar que o método adotado pela Recorrida se encontra inclusive em conformidade com o estabelecido na Norma Internacional de Contabilidade (NIC) n° 11, publicada no J.O.C.E. de 13 de outubro de 2003, cujo objetivo era o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos e custos associados a contratos de construção, conforme resulta, expressamente, do seu preâmbulo.
Com efeito, preceituava a aludida NIC, relativamente aos custos do contrato que os mesmos devem compreender "(a) os custos que se relacionem diretamente com o contrato específico; (b) os custos que sejam atribuíveis à atividade do contrato em geral e possam ser imputados ao contrato; e (c) outros custos que sejam especificamente debitáveis ao cliente nos termos do contrato."
Densificando depois no ponto 17 que, os custos que diretamente se relacionem com um contrato específico "incluem: (a) custos de mão-de-obra local, incluindo supervisão local; (b) os custos de materiais usados na construção; (c) a depreciação de activos fixos tangíveis utilizados no contrato; (d) os custos de movimentar os activos fixos tangíveis e os materiais para e do local do contrato; (e) os custos de alugar instalações e equipamentos; (f) os custos de concepção e de assistência técnica que estejam directamente relacionados com o contrato; (g) os custos estimados de rectificar e garantir os trabalhos, incluindo os custos esperados de garantia; e (h) reivindicações de terceiras partes."
E no ponto 18, que "compreendem-se nos custos que podem ser atribuíveis à actividade do contrato em geral e que podem ser imputados a contratos específicos: (a) seguros; (b) os custos de concepção e assistência técnica que não estejam directamente relacionados com um contrato específico; e (c) gastos gerais de construção. Tais custos são imputados usando métodos que sejam sistemáticos e racionais e sejam aplicados consistentemente a todos os custos que tenham características semelhantes. A imputação é baseada no nível normal de actividade de construção."
Sendo, ainda, de relevar que, entretanto, foram consagrados na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 19, constando inclusive do seu prólogo que "[e]sta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 11 — Contratos de Construção, adoptada pelo texto original do Regulamento (CE) n.° 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro."
E por assim ser, inexistindo, como visto, qualquer exigência legal que vincule a Recorrida a proceder a imputação nos moldes preconizados pela AT, quando reitere-se e sublinhe-se a mesma nunca sindica os elementos apurados, a realidade fática que está na génese, e os resultados concretamente alocados, e a sua fiabilidade, limitando-se a sindicar uma alteração da metodologia adotada face ao exercício de 2003, a qual, como visto, se encontra inteiramente justificada e fundada em razões objetivas, e inclusive ancorada em NIC, ter-se-á de validar e secundar o entendimento propugnado na decisão recorrida.
Note-se, ademais, que a concreta subsunção normativa no artigo 23.° do CIRC à luz da fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária não a permite, de todo, fundar. Aliás, sempre se dirá que, com as premissas de facto nele constantes, o juízo atinente à alteração do método de imputação propugnado pela AT, no sentido de implementar a distribuição equitativa de todos os custos gerais pelas obras isentas de imposto, poderia isso sim, e sem mais, acarretar uma violação do próprio regime consignado no artigo 23.° do CIRC, na medida em que impunha, para efeitos de apuramento do lucro isento de imposto, que fossem ponderados e levados em consideração custos sem relação causal com a concreta atividade desenvolvida nas obras que beneficiam de isenção, subvertendo, inclusive, a liberdade e autonomia de gestão da Recorrida.
Ademais, é a própria AT no seu Relatório Inspetivo a considerar que o procedimento de registo, contabilização e imputação de custos terá de observar o seguinte:
sejam contabilizados os custos e proveitos que directamente dizem respeito a essas obras (centros de custos);
- relativamente aos custos comuns para os quais não é possível efectuar uma imputação específica, o contribuinte deverá definir os critérios de repartição.
Refere ainda o POC que a informação proporcionada pelas demonstrações financeiras deverá ser comparável, ou seja, a divulgação e quantificação dos efeitos financeiros de operações e de outros acontecimentos devem ser registadas de forma consistente pela empresa e durante a sua vida, para identificarem tendências na sua posição financeira e nos resultados das suas operações."
Ora, todo esse procedimento de registo contabilístico, estabelecimento de imputação específica e definição dos competentes critérios de repartição, foi inteiramente adotado no caso vertente proporcionando, por seu turno, as demonstrações financeiras informação fidedigna e comparável.
Dimana, assim, do recorte probatório dos autos -não impugnado- que a atuação da Recorrida se mostra em conformidade com a lei, tendo uma lógica racional e operacional, devidamente justificada, documentada de forma idónea, não podendo, por conseguinte, a correção fundar-se numa alegada violação do artigo 23.° do CIRC.
Uma nota final neste conspecto para evidenciar que, a alegada convocação da situação análoga constante do artigo 50.° do CIRC, não produz, de todo, os efeitos almejados pela Recorrente, não só porque não integra a fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, mas, igualmente, porque em nada traduz a configuração de direito e a interpretação jurídica que resulta da letra do aludido normativo, bem pelo contrário validando a metodologia e procedimento de imputação perfilhado pela Recorrida.
Mais importa relevar que não logra, outrossim, provimento a alegada preterição do princípio da consistência, por um lado, porque inexistiu qualquer violação no domínio contabilístico, porquanto as realidades em contenda são materializadas extra- contabilisticamente, e por outro lado, porque o mesmo não pode ser interpretado de forma estanque e sem que seja admitida qualquer alteração nos meandros e diretrizes de atuação da empresa.
Senão vejamos.
Com efeito, aos centros de custo de cada obra ocorreu a imputação de todos os custos diretamente respeitantes a cada uma das obras, entre estes, o débito do valor monetário por cada dia de utilização efetiva dos equipamentos, conducente à concreta alocação a cada obra dos respetivos custos de manutenção e amortização na medida da sua particular utilização e por obra, e o débito dos custos de materiais e mão-de-obra afetos às suas oficinas e estaleiro, mas utilizados no desenvolvimento de trabalhos específicos para a obra. Por seu turno, e em operação extra-contabilística, foram imputados os centros de custo de cada obra isenta de imposto, por repartição proporcional, os custos gerais com relação direta e inequívoca a cada obra, e com base num critério de utilização efetiva.
O que significa, portanto, que a organização da contabilidade da Recorrida não sofreu, nos exercícios de 2003 e 2004 qualquer alteração.
Destarte, o supra expendido em nada pode determinar qualquer modificação dos procedimentos contabilísticos ou da política contabilística, e naturalmente traduzir qualquer violação do princípio da consistência.
Note-se, ademais, que o aludido princípio contabilístico tem apenas como desiderato garantir a comparação da informação financeira entre diferentes períodos, daí que se estabeleça, como regra, que não se devem alterar as políticas contabilísticas empresariais de forma discricionária, fazendo-o apenas quando existam circunstâncias que o justificam, devendo explicitar-se as alterações resultantes desta alteração e sempre que possível quantificá-las.
Ou seja, não é estipulado uma imutabilidade da informação financeira entre diferentes exercícios, podendo, naturalmente, existir alterações desde que não sejam arbitrárias e discricionárias, ou seja, que estejam, devidamente, patenteadas, justificadas de forma racional, e objetiva e assentes na operacionalidade e gestão da empresa, como in casu.
Aliás, admitir-se que não pudesse existir uma alteração com essa amplitude, tal levaria a que a AT se intrometesse nas medidas de gestão e operacionalidade da empresa, o que, como é consabido se encontra, efetivamente, apartado do nosso modelo de determinação do lucro tributável e concreta assunção da dedutibilidade dos custos fiscais.
Por último, importa ter presente que o nosso CIRC acolheu o modelo de dependência parcial -que não total-entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável [vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos n°s 01278/12, de 09.10.2019, e 963/13, de 04.11.2015].
Face a todo o supra expendido, ter-se-á de concluir que sendo realidade fáctica assente que os procedimentos contabilísticos e elementos de suporte se subsumem no citado artigo 17.°, do CIRC, mormente, o seu n°2, alínea b), e que, nessa conformidade, a Recorrida apurou os resultados das obras isentas de imposto com base nesses mesmos elementos e suportes, cumprindo o regime constante no artigo 23.° do CIRC, a correção realizada padece de vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, devendo, por isso, ser cominada com a anulabilidade.
Destarte, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura, resultando prejudicada a apreciação da ampliação do objeto do recurso.

Ora, como se disse, aplicando-se os contornos fático-jurídicos do processo e do Acórdão transcrito ao caso dos autos, com os fundamentos nele consignados, também nós concluímos que a correcção em causa padece de vício de violação de lei, devendo ser anulada, pelo a sentença que assim decidiu deve ser mantida, improcedendo o recurso na totalidade.
*****

Dispensa do remanescente da taxa de justiça
O Tribunal pode dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça se entender estarem verificados os requisitos do art. 6.º n.º 7 do RCP.
De acordo com o disposto em tal norma, nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O valor da presente causa excede € 275.000,00, justificando-se in casu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida para além daquele valor, nos termos do disposto no n° 7 do art. 6° do RCP, tendo em conta a correcta conduta processual das partes, a não complexidade das questões decidendas, tendo em conta a existência de jurisprudência que a mitiga e o facto de o montante da taxa de justiça devida em função do valor da acção se afigurar desproporcionado, face ao concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, de acordo com o quadro constitucional vigente (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-04-2019, proc. 0436/18.0BALSB e jurisprudência aí citada.).
Nestes termos dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e notifique.




Lisboa, 13 de Novembro de 2025


--------------------------------
[Teresa Costa Alemão]


-------------------------------
[Tiago Brandão de Pinho]



--------------------------------
[Isabel Silva]