Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14/13.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:IRS
ISENÇÃO
ESTATUTO BENEFÍCIOS FISCAIS
COOPERAÇÃO PAÍS MEMBRO DA UE
Sumário:I- A isenção de IRS prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais refere-se à cooperação realizada no âmbito do direito internacional do desenvolvimento, nele não se encontrando abrangidos os países da União Europeia.
II- Assim, os acordos culturais celebrados entre Portugal e outros países europeus com o objetivo de apoio à escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes, não assumem a natureza de acordo de cooperação, para os efeitos mencionados.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul




I – RELATÓRIO


A......., com demais sinais nos autos, apresentou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2008, no valor de € 14.705,07.


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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por decisão de 29 de Abril de 2020, julgou improcedente a impugnação.


***


Inconformado com a decisão, o Recorrente interpôs recurso da mesma, tendo formulado as seguintes conclusões:


“CONCLUSÕES


1. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a Impugnação apresentada pelo ora RECORRENTE improcedente, por não provada e, em consequência, manteve o ato tributário impugnado.


2. A sentença proferida pelo Tribunal a quo, na sua motivação, considera provados os números 1., a 21., do elenco dos factos provados constantes da motivação da sentença sob recurso.


3. Existem, no entanto, factos alegados pelo ora RECORRENTE na sua petição inicial que não foram levados pelo tribunal recorrido ao elenco dos factos provados, tendo sido, nessa conformidade, julgados como não provados, e relativamente aos quais entende o RECORRENTE que deverá ser proferida decisão contrária.


4 A matéria de facto constante no artigo 9.º, da petição inicial, onde se refere que: “Este acordo de cooperação tem como objetivo promover o intercâmbio a diversos níveis entre Portugal e o Luxemburgo, designadamente no domínio da educação”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 4., junto aos autos com a petição inicial.


5. No que respeita à matéria de facto constante no artigo 11.º, da petição inicial, o Tribunal considerou provado apenas que: “O Ministério da Educação do Luxemburgo criou cursos integrados em língua portuguesa no ensino primário, até ao 6º ano de escolaridade, que fazem parte do horário escolar luxemburguês”, devendo ter-se por provado também que “Na sequência deste acordo de cooperação, o Ministério daEducação Luxemburguês (…)” , por ser o que decorre dos documentos números 5., e 6., juntos aos autos com a petição inicial.


6. A matéria de facto constante no artigo 12.º, da petição inicial, onde se refere que: “Todos os alunos das escolas primárias luxemburguesas seguem os mesmos programas escolares, tal como estão definidos no Plano de Estudos do Ensino Primário Luxemburguês, podendo esses programas ser lecionados em diferentes idiomas.”, deveria ter sido julgada provada por ser o que decorre do documento número 6., junto aos autos com a petição inicial.


7. A matéria de facto constante do artigo 15.º, da petição inicial, onde se refere que: “Os princípios base pelos quais se regem os cursos integrados em língua portuguesa constam do acordo de cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, o que significa que os cursos integrados decorrem do acordo de cooperação celebrado entre estes dois países.”, deveria ter sido julgada provada, por tal decisão ser imposta pelo documento número 6., junto aos autos com a petição inicial.


8. Quanto à matéria de facto constante do artigo 16.º, da petição inicial, onde se refere que: “Tanto assim é que, os programas de cooperação celebrados entre o governo Português e o governo Luxemburguês, para concretizar o acordo de cooperação, preveem a realização deste tipo de cursos”, deveria ter sido julgada provada, por tal decisão ser imposta pelo documento número 7., junto aos autos com a petição inicial.


9. Quanto à matéria de facto constante do artigo 18.º, da petição inicial, o Tribunal deu apenas como provado que: “Em 22-03-2007 o impugnante celebrou com o Ministério da Educação, representado pelo Coordenador do Ensino do Português no Luxemburgo, um contrato administrativo de serviço docente (…)”, quando deveria ter-se por provado também que “Na sequência do mencionado acordo de cooperação entre Portugal e o Luxemburgo, bem como da criação dos cursos integrado sem língua portuguesa, foi celebrado entre o Ministério da Educação/Gabinete de assuntos Europeus e Relações Internacionais e o ora Impugnante (…)”, por ser o que resulta dos documentos números 4., e 8., juntos com a petição inicial.


10. Quanto à matéria de facto constante do artigo 21.º, da petição inicial, onde se refere que: “Assim, no exercício de 2008, o ora impugnante exercia, ao abrigo do já citado acordo de cooperação, funções docentes, em regime integrado, na Área Consular do Luxemburgo.”, deveria ter sido julgada provada, por tal decisão ser imposta pelo documentos números 12., e 13., juntos aos autos com a petição inicial.


11. Quanto à matéria de facto constante do artigo 22.º, da petição inicial, onde se refere que: “Com referência ao exercício de 2008, o ora impugnante auferiu de rendimentos, na qualidade de professor ao abrigo do já referido acordo de cooperação o valor global de € 52.231,14”, deveria ter sido julgada provada, por tal decisão ser imposta pelo documento número 14., junto aos autos com a petição inicial.


12. Por todos os motivos supra expostos, deverão ser julgados como provados e, em consequência, serem levados ao elenco dos factos provados contidos na sentença sob recurso, os factos contidos nos artigos 9.º, 11.º, 12.º, 15.º, 16.º, 18.º, 21.º, e 22.º da petição inicial.


13. Na presente ação, foi colocada à douta apreciação do Tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS respeitante ao exercício de 2008, que decidiu que à concreta situação do RECORRENTE não seria aplicável a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante apenas EBF).


14. Da letra da referida norma resulta que, para que haja lugar à isenção contida na previsão normativa, terão que se verificar os seguintes requisitos:


a) Que se tratem de pessoas deslocadas no estrangeiro;


b) Que essa deslocação seja ao abrigo de um acordo de cooperação;


c) Que os rendimentos sejam auferidos no âmbito do respetivo acordo.


15. O Estado Português tem, no âmbito da cooperação internacional, uma vasta rede de acordos de cooperação com países de todo o globo e nas mais diferentes matérias, desde a saúde, a defesa, jurídica e judiciária, o turismo, o ambiente, a investigação científica, a cooperação para o desenvolvimento e educação, entre várias outras.


16. Os Acordos de Cooperação Internacionais constituem, tal como os Tratados, fontes de Direito Internacional e Comunitário.


17. Na definição contante da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969 (alínea a), do número 1., do artigo 2.º): “Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular” (negrito e sublinhado nossos).


18. Aquando da aprovação para ratificação do Acordo de Cooperação entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo, em 1982, a redação do artigo 200.º, da Constituição da República Portuguesa à data vigente era a seguinte: “1. Compete ao Governo, no exercício de funções políticas:


a) Referendar os atos do Presidente da República, nos termos do artigo 143.º;


b) Negociar e ajustar convenções internacionais;


c) Aprovar os acordos internacionais, bem como os tratados cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos;


d) Apresentar propostas de lei e de resolução à Assembleia da República;


e) Pronunciar-se sobre a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência;


f) Propor ao Presidente da República a declaração da guerra ou a feitura da paz;


g) Apresentar à Assembleia da República, nos termos da alínea d) do artigo 165.º, as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar;


h) Praticar os demais atos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela lei. 2. A aprovação pelo Governo de tratados e de acordos internacionais reveste a forma de decreto.” (negrito e sublinhados nossos)


19. O Decreto-Lei n.º 129/83, de 16 de novembro, refere, ainda, que: “O Governo decreta, nos termos da alínea c) do artigo 200.º da Constituição o seguinte: Artigo único: É aprovado para ratificação o Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, cujo texto vai anexo ao presente decreto.”


20. Do que decorre, indubitavelmente, que o referido acordo se trata de um Acordo de Cooperação Internacional.


21. Aliás, se dúvidas pudessem subsistir quanto à natureza do instrumento celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, o que não se concede nem admite, sempre se teriam por esclarecidas pela posição assumida pelo próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros no documento número 2., junto com o articulado superveniente junto aos autos a 23 de maio de 2016, onde se refere expressamente que: “O Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo foi concluído a 12/07/1982, aprovado na nossa ordem interna pelo Decreto 129/82 e publicado em Diário da República I, n.º 265 de16/11/1982. Um acordo de cooperação bilateral é um instrumento jurídico internacional vinculativo que estabelece um enquadramento jurídico para a cooperação a ser desenvolvida entre dois Estados. Assim, o Acordo Cultural de Cooperação entre Portugal e Luxemburgo de 1982 é um acordo de cooperação bilateral.”


22. Pelo exposto, dúvidas não poderão existir quanto à natureza de Acordo de Cooperação Bilateral do Acordo de Cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982.


23. Nessa conformidade, não se pode concordar com a posição vertida na sentença recorrida que considerou que o Acordo em apreciação nos presentes autos não configura um acordo de cooperação na aceção do artigo 39.º, número 1., do EBF, por entender que o mesmo não corresponde nem concretiza qualquer obrigação de direito internacional assumida pelo Estado Português perante o Grão-Ducado do Luxemburgo, através de um acordo internacional de cooperação.


24. O Tribunal recorrido entende, ainda, que a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do EBF, não é aplicável à situação concreta do RECORRENTE, dado que não se encontram preenchidos os requisitos impostos pela Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.


25. No entanto, não decorre da norma, ao contrário da posição sufragada na decisão RECORRIDA, que seja necessário o preenchimento de quaisquer outros requisitos, muito menos previstos noutro diploma, dado que nenhuma remissão é feita pelo normativo do Estatuto dos Benefícios Fiscais, contrariamente ao que acontece noutros preceitos legais do mesmo Estatuto, que remetem expressamente para outros diplomas.


26. Não faz qualquer sentido, nem tem qualquer suporte legal, fazer-se depender a aplicação do benefício fiscal em apreço dos requisitos contemplados na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, até porque fazendo-se a análise sistemática no âmbito do ordenamento jurídico português, verifica-se que a noção de acordos de cooperação internacionais inclui vários outros tipos de instrumentos de cooperação internacional para além daqueles que se encontram regulados pela Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.


27. Na verdade, se se aceita que o benefício também possa ser aplicável aos casos em que se verificam os requisitos previstos na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, não pode aceitar-se que apenas se aplique naquele caso.


28. Do mesmo modo, na norma constante do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não se determina que o benefício se aplique apenas se o contribuinte se encontrar deslocado em determinados ou específicos países.


29. não se prevendo no texto normativo do número 1., do artigo 9.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nem que de forma imperfeitamente expressa, qualquer remição para a Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, não poderá admitir-se tal interpretação do normativo em apreço, nos termos do número 2., do artigo 9.º, do Código Civil.


30. Acresce que, de acordo com o número 3., do artigo 9.º, do Código Civil, deverá entender-se que, se o legislador pretendesse fazer depender a aplicação daquele benefício aos requisitos contemplados na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, o teria expressamente previsto.


31. Se, por um lado, a lei fiscal não faz depender a isenção de imposto de quaisquer outros requisitos para além dos constantes no artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os quais como, se demonstrou, se encontram preenchidos no que concerne à concreta situação do ora RECORRENTE, e se, por outro lado, o princípio da legalidade tributária impede o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção, é inegável a ilegalidade do ato de liquidação oficiosa em crise nos presentes autos.


32. Os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem, nos termos do número 1., do artigo 2.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


33. Em consequência, o legislador delimita, com rigor, as situações concretas objeto de benefício e as condições para operar.


34. Por todo o exposto, deverá concluir-se que, não dependendo do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, estando o RECORRENTE deslocado no estrangeiro ao abrigo de um Acordo de Cooperação, ser-lhe-á inequivocamente aplicável o benefício fiscal previsto no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não se vendo nenhuma razão lógica, sistemática, ou outra, que permita interpretar a lei em sentido diferente.


35. A decisão recorrida considera que a natureza jurídica do contrato celebrado pelo Impugnante obsta a que lhe seja aplicada a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do EBF.


36. Sendo que, também quanto a esta parte entendemos, com o devido respeito, ser de discordar com a posição do Tribunal a quo.


37. O Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, que reuniu a Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos, no artigo 49.º, no Título III, referente à livre circulação de pessoas, serviços e bens, estabeleceu medidas necessárias com vista à realização progressiva da livre circulação de trabalhadores, prevendo a eliminação de quaisquer formas de discriminação existentes entre os trabalhadores migrantes e os trabalhadores nacionais do Estado de acolhimento.


38. Tendo em conta este propósito comum dos Estados subscritores do Tratado, na Resolução de 21 de janeiro de 1974, relativa a um programa de ação social, o Conselho adotou, entre as ações a desenvolver prioritariamente, as que teriam por objetivo melhorar as condições da livre circulação dos trabalhadores relacionadas especialmente com o acolhimento e o ensino dos seus filhos.


39. Assim a Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, tendo como objetivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estadosmembros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, nos quais se incluem o Luxemburgo, veio determinar que: “Os Estados-membros tomarão, em conformidade com a sua situação nacional e com o seu sistema jurídico, e em cooperação com os Estados de origem, as medidas adequadas tendo em vista promover, em coordenação com o ensino normal, um ensino da língua materna e da cultura do país de origem em favor dos menores referidos no artigo 1.º” (negrito e sublinhados nossos).


40. Como é consabido, a Diretiva Europeia é um ato obrigatório de âmbito geral e integral, no sentido de que não pode ser aplicada de modo parcial ou incompleto e, tal como o regulamento e a decisão, é vinculativa para os Estados-membros seus destinatários (não tendo aplicação direta nos Estadosmembros, deixa a estes Estados-membros a competência quanto à forma e aos meios de transposição para as respetivas esferas jurídicas nacionais, sendo que, a falta ou incorreta transposição, poderá resultar na aplicação de sanções ao Estado-membro faltoso).


41. Tendo em conta o que acabou de se referir, a Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, impôs um prazo de 4 (quatro) anos aos Estados-membros para darem cumprimento ao estipulado, mais determinando que, durante aquele período, os Estados-membros deveriam transmitir à Comissão todas as informações úteis, a fim de permitir que, no prazo de 5 (cinco) anos, a Comissão apresentasse ao Conselho um relatório sobre a aplicação da Diretiva.


42. É desde a entrada em vigor desta Diretiva que o ensino da língua materna e da cultura do país de origem passa a contribuir, pelo menos em termos legais, um elemento reconhecido na escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes, incumbindo essa obrigação, em primeiro lugar, às autoridades escolares do país de acolhimento ainda que com a obrigação de cooperação ente ambos os países evolvidos.


43. É precisamente em cumprimento da Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, que o Luxemburgo, Estado-membro que acolhia uma larga comunidade de filhos de trabalhadores oriundos do Estado Português, vem a celebrar com Portugal o Acordo de Cooperação, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, que veio a ser aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 129/82, de 16 de novembro.


44. Sendo certo que o referido acordo de cooperação beneficiaria ambas as partes contratantes, sendo o benefício do Luxemburgo, desde logo, o cumprimento da Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, e o benefício do Estado Português a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos deslocados como trabalhadores no Luxemburgo e a melhoria da promoção do ensino da língua portuguesa no estrangeiro.


45. O Acordo de Cooperação entre Portugal e o Luxemburgo, estabeleceu, ainda, que as partes contratantes deveriam constituir uma comissão mista, que deveria reunir-se em sessão plenária, segundo as necessidades e pelo menos uma vez de 3 (três) em 3 (três) anos, devendo cada uma das partes permutar projetos dos programas de cooperação antes de cada reunião.


46. O primeiro programa de cooperação foi celebrado para o triénio de 2003/2005.


47. Aí estabeleceu-se que o ensino da língua portuguesa nos estabelecimentos escolares luxemburgueses seja feito através da realização de cursos em regime integrado e paralelo, sendo que: “A parte portuguesa manifesta a sua intenção de continuar a disponibilizar um número adequado de professores portugueses e a promover a formação contínua daqueles que estão colocados, em função dos objetivos educativos fixados.” (negrito e sublinhado nossos)


48. Em contrapartida: “A parte luxemburguesa continua a promover a participação ativa dos professores portugueses na vida escolar e a garantir-lhes todo o apoio e informação necessários às suas atividades com o objetivo da integração escolar das crianças portuguesas”, “(…) disponibiliza o material didático adaptado às necessidades específicas das crianças portuguesas e organiza cursos de formação contínua para os professores dos cursos integrados.”, e “(…) assume o compromisso de prestar todo o apoio logístico necessário à organização dos cursos paralelos.”


49. Os princípios básicos dos cursos em português são os definidos no Acordo de Cooperação bilateral celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982, sendo os professores recrutados e pagos pelas autoridades portuguesas.


50. Por seu turno, é ao abrigo do Acordo de Cooperação Bilateral celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, que o Estado Português dá cumprimento ao estabelecido na Lei n.º 14/86, de 14 de outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) que estabelece no número 3., do respetivo artigo 22.º: “O ensino da língua e da cultura portuguesas aos trabalhadores emigrantes e seus filhos será assegurado através de cursos e atividades promovidos nos países de imigração em regime de integração ou de complementaridade relativamente aos respetivos sistemas educativos.”


51. É neste contexto que o Ministério da Educação lançou o concurso público para recrutamento de pessoal docente para exercício de funções docentes do ensino português no estrangeiro para o ano 2006/2007, nomeadamente para a Área Consular do Luxemburgo, visando dar cumprimento às obrigações assumidas pelas partes contratantes no Acordo de Cooperação.


52. Em consequência do referido concurso público, veio o ora RECORRENTE a celebrar contratos de serviço docente para exercer funções docentes na Área Consular do Luxemburgo durante o ano escolar 2006/2007, que foi depois renovado sucessivamente até 31 de agosto de 2009, e que vieram a ser convolados automaticamente em comissão de serviço, por força do disposto no artigo 3.º, número 5., do Decreto-Lei n.º 165-C/2009, de 28 de julho.


53. A criação dos cursos integrados de ensino de português no âmbito dos quais o ora RECORRENTE foi colocado a exercer as suas funções de docência no Luxemburgo decorre do Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo foi concluído a 12.07.1982, aprovado na nossa ordem interna pelo Decreto 129/82, e publicado em Diário da República I, n.º 265 de 16.11.1982, o qual foi celebrado nos termos da Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977.


54. Pelo exposto, no ano de exercício de 2008, o RECORRENTE exerceu funções docentes na Área Consular do Luxemburgo ao abrigo do Acordo de Cooperação Bilateral existente entre Portugal e o Luxemburgo.


55. Não sendo questão controvertida que os rendimentos em questão foram auferidos pelo ora RECORRENTE como contrapartida pelos serviços de docência que exerceu no Luxemburgo e tendo aqueles sido exercidos no âmbito do respetivo acordo, forçoso será concluir-se que os rendimentos foram auferidos no âmbito do Acordo de Cooperação Bilateral.


56. Todo o supra exposto impõe que se conclua que o RECORRENTE se encontra isento de IRS, nos termos do número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


57. Ao decidir nos termos constantes da sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o artigo 9.º, do Código civil, o número 1., do artigo 8.º, e o número 4., do artigo 11.º, ambos na Lei Geral Tributária e o artigo 10.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


58. O artigo 103.º, número 2., da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da legalidade fiscal impede que o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção.


59. Estabelecendo-se na alínea i), do número 1., do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa que legislar sobre as matérias relativas a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, é da exclusiva competência da Assembleia da República.


60. Não decorrendo da letra da norma a necessidade de preenchimento de qualquer requisito adicional: designadamente, não decorre da letra da norma em apreço a necessidade de integração do conceito de agente da cooperação, nos termos da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.


61.Como já se referiu, de harmonia com o princípio da legalidade tributária, nenhum facto pode ser gerador da obrigação de imposto senão quando previsto na lei; nenhuma situação poderá ser tributável se a lei tributária a não considerar como tal; esó são elementos desse facto ou dessa situação aqueles que a norma legal estabelecer.


62. Princípio este igualmente aplicável aos benefícios fiscais, dado que normas que estabelecem isenções de imposto são, obviamente, normas tributárias.


63. O princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (artigo 10.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).


64. Porém, a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo; o que, manifestamente, não se verifica no caso concreto.


65. Do que se referiu supra decorre, necessariamente, que se, por um lado, a lei fiscal não faz depender a isenção de imposto de quaisquer outros requisitos para além dos constantes no artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os quais como, se demonstrou, se encontram preenchidos no que concerne à concreta situação do ora RECORRENTE, e se, por outro lado, o princípio da legalidade tributária impede o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção, a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no sentido de a aplicação daquele benefício depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, referentes aos agentes de cooperação, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos referidos artigos 103.º, número 1., e número 2., 111.º, e 165.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, desde já, expressamente se invoca.


66. Devendo proceder os vícios invocados pelo RECORRENTE no que concerne ao ato de liquidação que se impugna, como se pretende por meio do presente recurso, deverá igualmente proceder o peticionado direito a juros indemnizatórios, até integral e efetivo reembolso do montante peticionado.


67. No caso em apreço a administração tributária teve acesso a todos os elementos e documentação que lhe permitisse aferir que os rendimentos auferidos pelo RECORRENTE na qualidade de professor deslocado no Luxemburgo ao abrigo de um Acordo de Cooperação estão isentos de tributação nos termos do número 1., do artigo 39.º, do EBF.


68. Pelo que será forçoso admitir-se que o ato de liquidação que se impugna nos presentes autos resulta de uma errada aplicação da lei pela Autoridade Tributária, ou seja, verificou-se um erro imputável aos serviços na prática do referido ato.


69. Tendo o ora RECORRENTE procedido ao pagamento da alegada dívida decorrente do ato de liquidação impugnado, deverá ser reconhecido o respetivo direito a juros indemnizatórios, cuja taxa de juro é determinada nos termos do número 4., do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença de que ora se recorre, substituindo-se a mesma por outra julgue procedente a presente impugnação. Vossas Excelências farão, porém,

JUSTIÇA.”

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O Recorrido, Fazenda Pública, devidamente notificado, apresentou contra-alegações onde formulou as seguintes conclusões:


CONCLUSÕES


Assim, nos termos do artigo 639º do Código de Processo Civil:

a. A fazenda pública acompanha a bondade e justeza da douta sentença em apreço, a qual se faz acompanhar de abundante legislação e jurisprudência a sufragar a mesma.

b. Quanto ao alegado pelo impugnante, para além de replicar os argumentos da p.i., rebatidos à saciedade,

c. Vem o mesmo em sede de recurso invocar, o que havia feito em enxerto já em fase adiantada do processo, a Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de julho de 1977, argumentação também refutada na douta decisão em apreço, a qual no seu artigo 1º estabelece que “a presente diretiva aplica-se aos menores sujeitos à escolaridade obrigatória, tal como definida pela legislação do Estado de acolhimento, que estejam a cargo de qualquer trabalhador nacional de um outro Estado-membro, que residam no território do Estado-membro em que esse nacional exerce ou exerceu uma atividade assalariada”.

d. Assim, conforme douta decisão, “Por último, cumpre apenas referir que a Directiva do Conselho 77/486/CEE de 25 de Julho de 1977 que tem por objectivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes não faz referência ao estabelecimento de acordos de cooperação, nem prevê qualquer definição ou conceito de acordo de cooperação. Mais, a referida Directiva não prevê nem impõe o instrumento jurídico através do qual os Estados-membros adoptarão as medidas previstas na mesma fazendo apenas alusão a “cooperação” e não a “acordos de cooperação”. Com efeito, apenas se refere que os Estados-membros tomarão em conformidade com a sua situação nacional e com o seu sistema jurídico, as medidas adequadas a fim de que no seu território seja proporcionado, aos menores referidos no artigo 1.º, um ensino de acolhimento gratuito que inclua, nomeadamente, o ensino, adaptado às necessidades específicas desses menores, da língua oficial ou de uma das línguas oficiais do Estado de acolhimento”.

e. Invoca ainda o impugnante, pela primeira vez, a inconstitucionalidade do artigo 39/1 do EBF interpretado “no sentido de a aplicação daquele benefício depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei nº 13/2004, de 14 de abril”.

f. Procura o impugnante enxertar mais um novo fundamento de impugnação nunca antes invocado, criando uma espiral processual interminável no sentido de tudo voltar a ser de novo dirimido.

g. Uma nova petição inicial não será, pois, exequível em fase de recurso.

h. Estarão em causa novas causas de pedir e um novo pedido, antes não invocados e insuscetíveis de análise pelo tribunal “a quo”, pelo que os mesmos também não deverão ser acolhidos no sentido de colocar em causa a bondade e justeza da douta sentença em apreço.

i. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica douta decisão em preço.

Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de V.Exªs, deve, pois, ser negado provimento ao recurso mantendo-se na ordem jurídica douta decisão em apreço.” .

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.


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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.


No caso que aqui nos ocupa, importa aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de Direito que lhe são assacados pelo Recorrente.


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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


“Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, resultam provados os seguintes factos:


1. Em 12-07-1982 foi assinado um acordo de cooperação cultural entre Portugal e o Luxemburgo nos domínios da educação, da ciência, da cultura, das artes e dos desportos, bem como noutros domínios de interesse comum (cfr. fls. 23 a 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


2. No artigo 9.º do acordo identificado no número antecedente consta que “as Partes Contratantes procederão ao intercâmbio regular de professores, conferencistas, investigadores e estudantes. Comprometem-se ainda a favorecer os contactos e cooperação entre as instituições e os organismos de ensino, de cultura e de investigação dos dois países.” (cfr. fls. 23 a 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


3. O Ministério da Educação do Luxemburgo criou cursos integrados em língua portuguesa no ensino primário, até ao 6.º ano de escolaridade, que fazem parte do horário escolar luxemburguês (cfr. documento n.º 6 a fls. 28 e 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


4. Aos alunos inscritos nos cursos integrados em língua portuguesa, durante duas horas por semana, o programa de introdução à ciência (2.º e 3.º ciclos), ciências naturais, história ou geografia (4.º Ciclo) é leccionado em língua portuguesa (facto que se extrai do documento n.º 6 a fls. 28 e 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


5. A coordenação dos cursos integrados está atribuída ao “groupe de pilotage”, o qual é constituído por representantes do Ministério da Educação do Luxemburgo, por responsáveis dos serviços de ensino das embaixadas e por professores (facto que se extrai do documento n.º 6 a fls. 28 e 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


6. Em 04-06-2008 foi assinado pelo Vice-Presidente do Instituto Camões I.P, em representação do Governo da República e o Director-Geral do Ministério da Cultura, Ensino e Superior e de Investigação do Luxemburgo, em representação do Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, um Programa de Cooperação Cultural para o período de 2008-2011 nos domínios da Educação, da Língua, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da Cultura, da Juventude e do Desporto, do Associativismo e da Comunicação Social (cfr. fls. 32 a 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


7. Do artigo 2.º do programa identificado no número antecedente, conta o seguinte: “As partes acordam na necessidade de explorar novas vias para os cursos integrados, por um lado, e para a aprendizagem do Português Língua Estrangeira, por outro, criando, para o efeito, um Grupo de Trabalho que presente propostas sobre a oferta do ensino em Língua Portuguesa no ensino básico, e em Língua Portuguesa no ensino secundário luxemburguês (…)” (cfr. fls. 32 a 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


8. Em 22-03-2007 o impugnante celebrou com o Ministério da Educação, representado pelo Coordenador do Ensino Português no Luxemburgo, um contrato administrativo de serviço docente nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto, para o ano escolar de 2006/2007, para o exercício de funções docentes no Luxemburgo, como docente do 1.º Ciclo, com um horário de 22 horas lectivas semanais (cfr. fls. 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


9. Consta do contrato identificado no número antecedente que a remuneração é paga de acordo com a Tabela Salarial aprovada por Despacho Conjunto dos Ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de Estado e das Finanças e da Educação, no montante de € 3.739,70, produzindo efeitos a partir de 1 de Setembro de 2006, sendo válido até 31 de agosto de 2007 e podendo ser renovado nos termos do artigo 20.º do citado Decreto-Lei n.º 165/2006 (cfr. fls. 34 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


10. O contrato administrativo de serviço docente identificado em 8) foi renovado sucessivamente até 31-08-2008 e, posteriormente, até 31-08-2009 (cfr. fls. 44 e 45 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


11. Em 15-04-2009 o impugnante apresentou a declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2008, na qual inscreveu no Quadro 4 do Anexo H, o recebimento de rendimentos no valor global de € 52.231,14, tendo identificado como entidade pagadora/retentora de IRS a entidade titular do NIF ……08, pertencente ao Ministério da Educação de Portugal (cfr. fls. 71 a 75 e 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


12. Em 28-10-2011 foi emitida pela Coordenação de Ensino da Embaixada de Portugal no Luxemburgo, declaração a atestar que o Impugnante se encontrava em comissão de serviço a exercer funções de professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico, na área consular do Luxemburgo (cfr. fls. 69 e 70 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


13. Em 40-06-2012 foi elaborado pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças da Guarda projecto de correções da declaração de IRS apresentada pelo Impugnante referente ao ano de 2008, sobre o qual recaiu despacho concordante proferido em 04-06-2012 (cfr. fls. 80 a 82 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


14. Através de ofício n.º ... com data de 30-07-2012, foi remetido ao Impugnante relatório de correcção com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”


(texto integral no original; imagem)”


(texto integral no original; imagem)”


15. Em 30-07-2012 foi elaborada pela Administração tributária, Declaração Oficiosa/DC referente à declaração Modelo 3 de IRS de 2008 apresentada pelo impugnante, na qual se procedeu à inclusão do anexo A (cfr. fls. 88 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


16. Em 01-10-2012 foi emitida em nome do Impugnante a liquidação n.º ……18 referente a IRS do ano de 2008, com imposto a pagar no montante de € 1.692,03 (cfr. fls. 20 e 21 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


17. Em 01-10-2012 foi emitida em nome do Impugnante a demonstração de acerto de contas n.º …….16 referente a IRS do ano de 2008, com imposto a pagar no montante de € 14.705,07 (cfr. fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


18. Em 03-09-2012 o impugnante procedeu ao pagamento do valor de € 14.030,31 referido no número antecedente (cfr. fls. 92 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


19. A presente impugnação judicial foi remetida por correio registado a este Tribunal em 0401-2013, tendo dado entrada neste Tribunal em 07-01-2013 (cfr. fls. 1 e 93 dos autos);


20. Em 13-05-2013 foi pelo Instituto Camões I.P proferido parecer no qual se refere que o contrato celebrado pelo Impugnante identificado em 8) se insere no âmbito de aplicação do regime jurídico do ensino português no estrangeiro (cfr. fls. 163 a 167 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


21. Em 09-05-2016 foi emitido pelo departamento de assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros no qual se refere que o acordo identificado em 1) é um acordo de cooperação bilateral (cfr. fls. 389 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);



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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:


B) FACTOS NÃO PROVADOS


Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”



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Sustentou a matéria de facto fixada do seguinte modo:


A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.”



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III . Do Direito


Na presente sede recursória vem o Recorrente alegar que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto, bem como de erro de julgamento de Direito, sendo certo que deveria ter procedido à anulação da liquidação impugnada.


Comecemos por nos debruçar sobre o alegado erro de julgamento de facto que o Recorrente imputa à sentença sob recurso.


Como ensina António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 169, atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.


Deste modo, o regime concernente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [vide, al. a) do nº 1 do art.º 640º do CPC];


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].


Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus acima mencionados.


Por outro lado, cumpre ainda referir que factos mais não são do que ocorrências da vida real e que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de Direito.


Exposto assim o Direito, e baixando ao caso aqui em apreço.


Ora, analisando as conclusões do recurso, adiantamos, desde já, que tal ónus foi cumprido, sendo que o Recorrente ao discordar de factualidade fixada, indica quais os concretos factos que pretende ver aditados ou corrigidos, sustentando cada um deles no respetivo documento probatório.


Consequentemente cumpre que analisemos cada um dos factos pretendidos aditar ou corrigir, a saber:

a. Este acordo de cooperação tem como objetivo promover o intercâmbio a diversos níveis entre Portugal e o Luxemburgo, designadamente no domínio da educação;

b. A correção do facto 3. passando dele a constar: Na sequência deste acordo de cooperação, o Ministério da Educação Luxemburguês (…).

c. Todos os alunos das escolas primárias luxemburguesas seguem os mesmos programas escolares, tal como estão definidos no Plano de Estudos do Ensino Primário Luxemburguês, podendo esses programas ser lecionados em diferentes idiomas.

d. Os princípios base pelos quais se regem os cursos integrados em língua portuguesa constam do acordo de cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, o que significa que os cursos integrados decorrem do acordo de cooperação celebrado entre estes dois países.

e. Tanto assim é que, os programas de cooperação celebrados entre o governo Português e o governo Luxemburguês, para concretizar o acordo de cooperação, preveem a realização deste tipo de cursos.

f. Na sequência do mencionado acordo de cooperação entre Portugal e o Luxemburgo, bem como da criação dos cursos integrado sem língua portuguesa, foi celebrado entre o Ministério da Educação/Gabinete de assuntos Europeus e Relações Internacionais e o ora Impugnante (…)”.

g. Assim, no exercício de 2008, o ora impugnante exercia, ao abrigo do já citado acordo de cooperação, funções docentes, em regime integrado, na Área Consular do Luxemburgo.

h. Com referência ao exercício de 2008, o ora impugnante auferiu de rendimentos, na qualidade de professor ao abrigo do já referido acordo de cooperação o valor global de € 52.231,14.


Analisemos, então.


Quanto ao facto aqui indicado sob a alínea a) o mesmo resulta quer do ponto 1, quer do ponto 2 do probatório fixado pelo Tribunal a quo, onde este deu como assentes a existência dum acordo celebrado entre Portugal e o Grão-Ducado do Luxemburgo, que tinha como objeto, designadamente a educação, pelo que a fixação de tal facto seria redundante, pelo que se rejeita a sua adição.


Assim sendo, a fixação de tal facto é redundante pelo que se rejeita a sua adição.


Já quanto à correção pretendida do ponto 3 da matéria de facto assente, a mesma conduz a uma conclusão e não a um facto. Conforme é sabido, a matéria de facto deve versar somente sobre factos, ou seja, ocorrências da vida real, e não deve conter conclusões. Para além disso, o que resulta claro do contrato celebrado pelo Recorrente e o Ministério da Educação é que o mesmo foi celebrado ao abrigo do Decreto- Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto, e não de qualquer acordo de cooperação.


Passando à alínea c) pretende ver aditada, é absolutamente irrelevante para a decisão a dar tal facto como assente. Na verdade, saber se todos os alunos das escolas primárias luxemburguesas seguem os mesmos programas escolares, que são definidos no Plano de Estudos do Ensino Primário Luxemburguês, e que os mesmos podem ser lecionados em vários idiomas, nenhuma relevância assume para dirimir a questão de saber se os montantes auferidos pelo Recorrente estão ou não isentos de IRS, ao abrigo dum qualquer acordo de cooperação.


No que tange às alíneas d), e) e g), as mesmas constituem conclusões e não factos, pelo que também se rejeita a sua adição à matéria de facto.


Na parte respeitante ao pedido de alteração do facto dado como assente sob o nº 8 da sentença recorrida e a que se reporta a alínea f), não resulta do contrato a que alude o mencionado ponto da matéria de facto que o mesmo é celebrado na sequência do Acordo de cooperação. Como já se mencionou acima, o contrato é claro quando faz referência a que a contratação é efetuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto, pelo que se rejeita o pedido.


Finalmente, no que se reporta à alínea h) pretendida aditar o Recorrente, este sustenta-a no documento 14. Ora, o documento mencionado é a declaração Modelo 3 de IRS para o exercício de 2008, pelo que dele não resulta provado que o valor auferido pelo Recorrente respeita a um acordo de cooperação. Dele apenas se retira que o Recorrente declarou os aludidos rendimentos como sendo auferidos ao abrigo dum acordo de cooperação.


Assim sendo, rejeita-se o requerido, in totem.


Estabilizada que está a matéria de facto, importa agora aferir se a decisão recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pelo Recorrente.


Argui o Recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento de Direito que efetuou, defendendo que os rendimentos que auferiu enquanto professor no Grão-Ducado do Luxemburgo, estão isentos de IRS, ao abrigo do nº 1 do artigo 39º do EBF. Sustenta que da letra do preceito apenas se pode retirar que o mesmo respeita a pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação e que os rendimentos auferidos tenham por base esse acordo.


Prossegue alegando que este Acordo de Cooperação Bilateral do Acordo de Cooperação, celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982, configura um acordo de cooperação na aceção do nº 1 do artigo 39º do EBF.


Por outro lado, defende ainda que nada na letra do preceito faz depender o benefício do preenchimento dos requisitos impostos pela Lei nº 13/2004, de 14 de Abril, contrariamente ao que argumenta o Tribunal a quo.


Quanto a esta questão argui que tal interpretação viola o Princípio da Legalidade, contido nos artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i), ambos da CRP.


Finalmente, argumenta também que o acordo celebrado com o Grão-Ducado do Luxemburgo, resulta da necessidade de dar cumprimento à Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, que impunha que fossem tomadas medidas, pelos Estados-Membros, no sentido de promover a língua materna e da cultura do país, dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estados membros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia.


Vejamos com esteou o Tribunal a quo a sua decisão, no que respeita à questão de saber se o acordo que consta dos pontos 1 e 2 do probatório pode ser ou não enquadrável no artigo 39º, nº 1 do EBF.


Utilizou aquele Tribunal dois argumentos fundamentais:


Nos termos do artigo 39.º n.º 1 do EBF, prevê-se a isenção de IRS para as pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo.


A norma em causa, naquele que tem constituído o entendimento da jurisprudência (ainda que com referência ao anterior artigo 37.º do EBF, mas plenamente aplicável), quando se refere às “pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação”, tem em vista as pessoas que, de modo directo ou indirecto, servem o Estado Português no cumprimento das obrigações de direito internacional que para este decorrem da celebração de tratados, bilaterais ou multilaterais, que assumam a forma de acordos de cooperação internacional.


Sendo por isso necessário que os rendimentos sejam auferidos no exercício de uma actividade que concretize o cumprimento de obrigações de direito internacional assumidas pelo Estado Português emergentes de acordos de cooperação. Trata-se de incentivar a participação dos seus cidadãos nas acções de cooperação que, directa ou indirectamente, desenvolve, o Estado Português mediante a consagração de um beneficio fiscal através do qual procura atingir essa finalidade no pressuposto da relevância de tais acções no quadro da defesa dos interesses estratégicos de Portugal (cfr., entre outros, acórdão do TCA Norte de 24-05-2012, proc. n.º 528/06.9BEBR, disponível em www.dgsi.pt).


Impõe-se, portanto, aferir a natureza do acordo ao abrigo do qual o Impugnante entende que pode beneficiar da isenção prevista no artigo 39.º n.º 1 do EBF, de forma a aferir se o mesmo se enquadra no conceito de acordo de cooperação para efeitos da referida isenção.


O acordo em causa, conforme resulta do probatório, consubstancia um acordo de cooperação cultural celebrado entre Portugal e o Luxemburgo nos domínios da educação, da ciência, da cultura, das artes e dos desportos, bem como noutros domínios de interesse comum, previsto no Decreto n.º 129/82, de 15 de Novembro, o qual foi assinado em 12-07-1982 (cfr. n.º 1 do probatório).


Do referido acordo cultural resulta, nos termos o artigo 1.º, que as Partes Contratantes esforçar-se-ão: “Por desenvolver a sua cooperação nos domínios da educação, da ciência, da cultura, das artes e dos desportos, bem como noutros domínios de interesse comum. Por promover as trocas de material e de documentação respeitante àqueles domínios e por facilitar os contactos entre as pessoas”.


E no artigo 5.º refere-se que «No que se refere ao ensino básico, a Parte Luxemburguesa compromete-se a estudar as medidas necessárias com vista à integração dos cursos complementares de português no currículo semanal regular luxemburguês. Em caso afirmativo, as duas Partes colaborarão para pôr em prática a integração daqueles cursos».


Com relevo, extrai-se ainda do referido acordo, nomeadamente do seu artigo 8.º, que as Partes se comprometem em promover junto dos professores da outra Parte o ensino da sua língua e cultura respectivas, através da concessão recíproca de bolsas de estudo.


E consta no artigo 9.º do acordo que “as Partes Contratantes procederão ao intercâmbio regular de professores, conferencistas, investigadores e estudantes. Comprometem-se ainda a favorecer os contactos e cooperação entre as instituições e os organismos de ensino, de cultura e de investigação dos dois países.”.


Além disso, prevê ainda o artigo 17.º do acordo que «Cada uma das Partes Contratantes concederá, nos limites da sua legislação, facilidades aduaneiras com vista à importação sem fins lucrativos de material pedagógico, científico, artístico ou técnico proveniente da outra Parte.»


Ou seja, numa primeira conclusão, pode-se afirmar com segurança que o acordo em causa não consubstancia um acordo de cooperação na acepção do artigo 39.º n.º 1 do EBF.


Em primeiro lugar, porque, nos termos do referido acordo cultural, apenas se prevê a concessão de bolsas de estudo e facilidades aduaneiras.


É certo, pode-se argumentar, à data em que o referido acordo foi celebrado, não estava ainda em vigor, nem o Estatuto dos Benefícios Fiscais nem o Código do IRS.


À data estava em vigor o Imposto profissional do qual, nos termos do artigo 4.º do Código do Imposto Profissional, estavam isentos os funcionários do Estado Português, bem como o pessoal das missões diplomáticas e consulares, quando haja reciprocidade e o pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais, nos termos de acordos celebrados pelo Estado Português.


Importa sublinhar que, quer o artigo 39.º n.º 1 do EBF, quer as redacções anteriores, faz (e sempre fez) depender o benefício de isenção dos rendimentos (o qual é sem dúvida de natureza automática) do facto de os rendimentos serem auferidos no âmbito de acordo de cooperação, por pessoas deslocadas no estrangeiro ao abrigo desse mesmo acordo.


Cremos, por isso, que o acordo em causa não assume a natureza de acordo de cooperação, na acepção do artigo 39.º n.º 1 do EBF, pois que o mesmo não corresponde nem concretiza qualquer obrigação de direito internacional assumida pelo Estado Português perante o Grão-Ducado do Luxemburgo, através de um acordo internacional de cooperação. Trata-se de um acordo, como se encontra designado, “cultural”, do qual não resultam obrigações recíprocas, imperativas, nomeadamente de ensino, mas sim de conteúdo meramente programático, sendo recorrente ao longo do mesmo o que se retira é que as partes contratantes se obrigam a “desenvolver esforços”. Ou seja, no referido acordo foram apenas estabelecidos princípios e normas processuais de suporte à divulgação do ensino e da aprendizagem da língua materna no Luxemburgo. (…)


Por outro lado, é, quanto a nós, igualmente decisivo para se considerar que o Impugnante não pode beneficiar da isenção de IRS, a própria natureza jurídica do contrato celebrado pelo Impugnante.


Com efeito, conforme resulta do probatório, o Impugnante exerceu a função de docente, na área consular do Luxemburgo, no ano de 2008, ao abrigo de um contrato administrativo de serviço docente de língua portuguesa ao 1.º Ciclo do Ensino Básico, posteriormente convolado em comissão de serviço (cfr. n.ºs 8, 9, 10 e 11 do probatório).


Assim, resulta do probatório que o contrato foi celebrado pelo Impugnante ao abrigo do regime jurídico consagrado no Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto, alterado posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 165-C/2009, de 28 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de Outubro. tendo a sua remuneração sido suportada no ano em causa nos autos (2008) pelo Ministério da Educação.


Ora, o Decreto-Lei n.º 165/2006 estabelece o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, enquanto modalidade especial de educação escolar, conforme previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 115/97, de 17 de Setembro, e Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto (cfr. artigo 1.º, n.º 1).


Portanto, o diploma ao abrigo do qual foi celebrado o contrato em causa (em 2011 já em comissão de serviço), estabelece apenas o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, não tendo o acordo celebrado a natureza de um Acordo de Cooperação que tenha a natureza vinculativa de cooperação, pois, como já se disse, o mesmo estabelece apenas princípios e normas processuais de suporte à divulgação do ensino e da aprendizagem da língua materna no estrangeiro, bem como os aspetos remuneratórios e de avaliação.


O Decreto-Lei n.º 165/2006 previa que a prestação de serviço docente no estrangeiro fosse efectuada em regime de contrato, devendo observar os requisitos previstos no artigo 22.º do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aplicando-se com as devidas adaptações, o disposto no artigo 33.º do Estatuto da Carreira Docente.


Para que os rendimentos respeitantes ao contrato administrativo de docência celebrado pelo Impugnante, em comissão de serviço, em vigor no ano de 2008, pudessem beneficiar da isenção do artigo 39.º, n.º 1 do EBF, teriam que subsumir-se a uma Lei que estabeleça um Acordo de Cooperação, como é o caso da Lei n.º 13/2004, de 13 de Abril, em vigor ao tempo, o que não acontece, visto que o contrato em causa remete para o Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto, com as alterações posteriormente introduzidas, que não é uma lei de cooperação. (…)”


E com total acerto.


Senão vejamos.


A primeira nota vai para o facto de o acordo mencionado ser um acordo de cariz cultural, onde o Grão-Ducado do Luxemburgo apenas se compromete a estudar a possibilidade de introduzir a língua portuguesa no ensino daquele país, sendo que o intercâmbio de professores se destina a facilitar a compreensão dos sistemas escolares respetivos.


Ora, se atentarmos à redação do nº 1 do art. 39º do EBF verificamos que da sua letra resulta que os rendimentos isentos têm de resultar do acordo de cooperação, o que não ocorre no caso concreto, uma vez que do acordo não resulta qualquer obrigação de cooperação, designadamente, repete-se, com obrigatoriedade de serem deslocados professores de Portugal para o Luxemburgo para o ensino do português, enquanto língua materna.


Por outro lado, o próprio contrato celebrado entre o Recorrente e o Ministério da Educação, nenhuma referência efetua a qualquer Acordo de Cooperação entre o Estado Português e o Grão-Ducado Luxemburguês.


Como facilmente se retira do ponto 8 do probatório fixado, o contrato de docência aqui em dissidio foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 165/2006, de 11/08, o que, desde logo, afasta a possibilidade de o mesmo ter por finalidade dar cumprimento a um acordo de cooperação, contrariamente ao que é defendido pelo Recorrente.


Senão vejamos.


O Decreto-Lei nº 165/2006, de 11/08, assumindo ser desígnio do Estado Português assegurar o ensino da língua portuguesa aos filhos de portugueses que residam no estrangeiro, bem como defender o seu uso e fomentar a sua difusão internacional, concretizou o estabelecido no artigo 25º da Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei nº 46/86, de 14 de Outubro – no qual se determina que o Estado Português, não apenas promoverá a divulgação e estudo da língua portuguesa no estrangeiro, como incentivará a criação de escolas portuguesas, designadamente junto de comunidades emigrantes portuguesas, e assegurará o ensino da língua e cultura portuguesas através de cursos e atividades promovidos nos países de imigração em regime de integração ou de complementaridade relativamente aos respetivos sistemas educativos. Com este diploma unificou-se a legislação dispersa e foram definidos os princípios e as formas de organização do ensino de português no estrangeiro, estabelecendo as regras de recrutamento do pessoal docente, bem como as condições de exercício da sua atividade.


Tudo isto é, aliás, afirmado no preâmbulo do diploma: “Assegurar o ensino e a valorização permanente da língua portuguesa, defender o seu uso e fomentar a sua difusão internacional constituem tarefas fundamentais do Estado, tal como se encontram definidas na Constituição. Por força das disposições constitucionais, o Estado está ainda incumbido da defesa e promoção da cultura portuguesa no estrangeiro e de facultar aos filhos dos portugueses residentes no estrangeiro o acesso a essa cultura, bem como ao ensino da língua materna.


No desenvolvimento destes preceitos, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, alterada pela Leis n.os 115/97, de 19 de Setembro, e 49/2005, de 30 de Agosto) consagrou o ensino português no estrangeiro como modalidade especial de educação escolar, atribuindo ao Estado a responsabilidade de impulsionar a divulgação e o estudo da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro mediante acções e meios diversificados que visem, nomeadamente, a sua inclusão nos planos curriculares de outros países. Determinou ainda que o ensino da língua e da cultura portuguesas deve ser assegurado aos portugueses residentes no estrangeiro e aos seus filhos por meio de cursos e actividades desenvolvidos em regime de integração ou de complementaridade relativamente aos sistemas educativos dos países de acolhimento. Nos termos da lei, as iniciativas de associações de portugueses e as de entidades estrangeiras, públicas e privadas, desde que contribuam para esse fim, devem também ser objecto de incentivo e apoio público.(…)”


Resulta facilmente do exposto que o ensino da língua portuguesa no estrangeiro constitui uma responsabilidade assumida pelo Estado Português que, aliás, já resultava do artigo 1º, nº 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo, onde é afirmado que “O sistema educativo tem por âmbito geográfico a totalidade do território português - continente e Regiões Autónomas -, mas deve ter uma expressão suficientemente flexível e diversificada, de modo a abranger a generalidade dos países e dos locais em que vivam comunidades de portugueses ou em que se verifique acentuado interesse pelo desenvolvimento e divulgação da cultura portuguesa.”.


Ora, remetendo o contrato celebrado pelo Recorrente com o Ministério da Educação, para a legislação mencionada, facilmente se conclui que o contrato nenhuma relação possui com qualquer acordo de cooperação, designadamente com o transcrito nos pontos 1 e 2 do probatório, mas sim com a necessidade que o Estado Português reconhece de assegurar o ensino do Português nos países onde se encontrem comunidades portuguesas, sendo que o mesmo deve ser desenvolvido em regime de integração ou de complementaridade relativamente aos sistemas educativos dos países de acolhimento. É tendo como pano de fundo aquele desígnio assumido pelo Estado Português, que este tem vindo a recrutar e colocar no estrangeiro pessoal docente, nada tendo a ver com o acordo de cooperação celebrado entre Portugal e o Grão-Ducado do Luxemburgo que, como já se afirmou acima, não constitui qualquer obrigação, para nenhum dos Estados contratantes, de colocação de docentes nos respetivos estabelecimentos de ensino.


Diga-se ainda, que sobre esta matéria e sobre diversos contratos de idêntica natureza celebrados pelo Ministério da Educação com outros professores portugueses no Luxemburgo e noutras localizações da UE, a jurisprudência tem vindo a ser unânime e toda no sentido de que tais contratos não têm enquadramento no aludido artigo 39º, nº 1 do EBF.


Para amparar as suas decisões, é ainda colocada a tónica na circunstância do acordo celebrado entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo não constituir um acordo de cooperação, pois os acordos a que se reporta o artigo 39º, nº 1 do EBF, são aqueles que são celebrados com Estados carenciados o que, obviamente, não é o caso do Grão-Ducado do Luxemburgo.


Neste sentido, é afirmado pelo Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/06/2022, no processo nº 37/16.8BEMDL, relativamente a este mesmo acordo cultural, o seguinte, com relevo para o que aqui nos encontramos a decidir:


Apreciando agora a questão essencial no recurso, vamos efetuar uma apreciação a que tipo de «acordos de cooperação» ou se se quiser, a que tipo de «cooperação» se estará a referir o artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).


Este preceito encontra-se inserido no Capítulo V do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que tem por epigrafe «Benefícios fiscais relativos a relações internacionais».
Ora, estes benefícios fiscais têm um objetivo extrafiscal, uma vez que não pretendem propriamente favorecer o titular dos rendimentos, mas antes em prosseguir um objetivo do Estado nas suas relações internacionais, como seja o incentivo ao desenvolvimento e cooperação internacionais. Ou seja, trata-se de uma situação em que o sujeito passivo beneficia indiretamente de uma isenção tributária, por força de o Estado pretender prosseguir determinados objetivos.


Portanto, o fim visado pela norma é o de promover a cooperação internacional, não a isenção subjetiva do sujeito passivo, fundada na qualidade e natureza da pessoa, que se encontra adstrita à realização do objetivo que o Estado pretende prosseguir. Contudo a pessoa usufrui do benefício fiscal, mas desde que se encontre a desempenhar funções no âmbito daquele objetivo estadual.


Desta forma, compete saber o que se deve entender por «acordos de cooperação», pois é a cooperação o objetivo visado pela norma.
Relativamente a este aspeto iremos fazer uma breve abordagem sobre o conceito de cooperação, de forma a dilucidar a questão.


A cooperação é um ramo do direito internacional público, vocacionado para a ajuda e o desenvolvimento de Estados mais carenciados.


Neste sentido, que poderemos considerar amplo, tende a confundir-se com o direito internacional do desenvolvimento, o qual se ocupa, em especial, das relações económicas entre organismos internacionais, os Estados desenvolvidos e os menos desenvolvidos.


Num sentido mais restrito, cooperação significa um conjunto de relações privilegiadas entre Estados descolonizados e o seu antigo colonizador.


Com o fim da Segunda Guerra Mundial, inúmeros países acederam à independência. O grau do seu desenvolvimento não era (ainda não o será hoje) comparável ao dos seus antigos colonizadores. Estes, conscientes disso e cientes que tinham uma responsabilidade acrescida, encetaram diversas formas de ajuda a esses novos países. Não foi propriamente ou exclusivamente por esta razão que se iniciou a cooperação, como melhor veremos adiante, mas o relacionamento entre Estados que têm uma ligação histórica longa, indubitavelmente traduz uma forte componente da cooperação.


De todas as organizações internacionais, a primeira a referir-se à cooperação é a Organização das Nações Unidas (ONU), que, como se sabe, foi criada em 1945. Segundo o artigo 1º da Carta das Nações Unidas, os seus fins (entre outros) são:


«3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;».


O capítulo IX da carta refere-se expressamente à cooperação económica e social internacional. Este tipo de cooperação tem por fim criar as condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações. Nos termos do artigo 55º, pretende favorecer: «a) a elevação dos níveis de vida, trabalho efectivo e condições de progresso e desenvolvimento económico e social; b) a solução dos problemas internacionais nos domínios económico, social, sanitário e outros conexos; e a cooperação internacional, de carácter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.».


Para realização destes propósitos os Estados comprometem-se a agir em cooperação com a ONU, em conjunto ou separadamente (artigo 56º da Carta das Nações Unidas).


Para o estudo, elaboração de relatórios e projetos e coordenação das atividades das organizações especializadas existe um Conselho Económico e Social, composto por 54 membros das Nações Unidas, que são eleitos pela Assembleia-geral.


As ações concretas no terreno são levadas a cabo pelas Agências, Fundos e Programas das Nações Unidas.


Podemos considerar que é na Carta das Nações Unidas que radica a cooperação, sendo este documento um fator deveras importante para a consciencialização e a implementação deste sistema de relacionamento internacional.


Relativamente à União Europeia, cumpre referir que já no Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, referia que uma das formas de a Comunidade Económica Europeia prosseguir os seus fins era através da associação dos países e territórios ultramarinos com o objetivo de incrementar as trocas comerciais e de prosseguir em comum o desenvolvimento económico e social – artigo 3º.


A Parte IV do Tratado dispunha sob a forma e objetivos de associação dos países e territórios ultramarinos.


A partir do Tratado de Maastricht, a cooperação europeia teve maiores honras de consagração no tratado, sendo-lhe exclusivamente dedicado um novo Título XVII, tendo por epígrafe: «A cooperação no desenvolvimento».


Com o Tratado de Amesterdão, de 2 outubro de 1997, a cooperação passou a constar do Título XX.


A partir do Tratado de Lisboa, a cooperação passou a estar prevista no Título V do Capítulo 1 do Tratado da União Europeia (artigos 21.º e 22.º), concretizada na Parte V, Título III, Capítulo 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – artigos 208.º a 211.º, transcrevendo-se deste último o seguinte:


«Título III – A cooperação com países terceiros e a ajuda humanitária


Capítulo 1 – A cooperação para o desenvolvimento


Artigo 208.º (ex-artigo 177.º TCE)


1. A política da união em matéria de cooperação para o desenvolvimento é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa na União. A política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas dos Estados-Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se mutuamente.
O objetivo principal da política da união neste domínio é a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza. Na execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a união tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento.


2. A União e os Estados-Membros respeitarão os compromissos e terão em conta os objetivos aprovados no âmbito das Nações unidas e das demais organizações internacionais competentes.»


A União Europeia, desde longa data, que mantêm acordos privilegiados entre os países menos desenvolvidos, em especial os da África, Caraíbas e Pacífico (vulgo: ACP’s). Com estes assinou, desde 1975, vários acordos de cooperação, conhecidos pelas Convenções de Lomé. [Para o que fica expendido relativamente à cooperação, foi utilizada a seguinte bibliografia: “Carta das Nações Unidas”; ÁLVARES, Pedro, Maastricht – a Europa e o futuro, Publicações Europa-América, Mem Martins, s/ d.; CAMPOS, João Mota de, Direito Comunitário, vol. III – o ordenamento económico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991; CUNHA, Joaquim Moreira da Silva, Direito Internacional Público – relações internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1990; LEITE, Luís Ferreira, Introdução ao direito da cooperação, Moraes editores, Lisboa 1979; ROBSON, Peter, Teoria económica da integração internacional, Coimbra Editora, Coimbra, 1985]


Em face do que fica exposto, pode concluir-se que a cooperação a que alude o artigo 39.º do EBF, é a cooperação internacional para o desenvolvimento, enquanto objetivo das relações internacionais entre os Estados ou entre a União Europeia e outros Estados não membros ou organizações internacionais.


Esse tipo de cooperação, em regra ocorre do País mais desenvolvido em favor do País menos desenvolvido. É que o acordo de cooperação internacional, tem de ser um acordo de cooperação tendo em vista o desenvolvimento, a resolução de problemas internacionais, a ajuda humanitária, a preocupação em erradicar a pobreza, em elevar o nível de vida das populações carenciadas, etc..
Esses acordos de cooperação, são realizados através de programas de ajuda aos Países mais necessitados, com um objetivo definido nesses programas. Ou seja, este tipo de cooperação visam a ajuda a todo um País, como fator de erradicação da pobreza e desenvolvimento geral e não tem por objetivo o apoio a uma concreta comunidade de pessoas ou a alguma população em especial ou a um setor de atividade em concreto. (Não sendo necessário que o acordo refira que se encontra abrangido por benefícios fiscal, mas que seja um acordo de cooperação ou ajuda para o desenvolvimento).


Ora, a cooperação que a Impugnante, ora Recorrente, invoca não é o mesmo tipo de cooperação a que alude o artigo 39.º, n.º 1 do EBF.


O acordo invocado pela Impugnante entre Portugal e o Luxemburgo, não se pode subsumir a um acordo do tipo de cooperação para o desenvolvimento, mas um acordo de apoio aos trabalhadores portugueses e suas famílias, assim como à ajuda na escolaridade dos seus filhos. Não é a mesma situação que cooperação para o desenvolvimento de todo um País. Aliás, o Decreto n.º 129/82, de 16 de novembro, publicado na 1.ª série do Diário da República, na mesma data, refere no seu sumário que aprova o «Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo». Não obstante no introito desse diploma se referir que as partes contratantes desejam aprofundar a cooperação entre os dois países e que essa cooperação contribuirá para uma melhor compreensão entre os dois povos, bem como para o estreitamento das suas relações; a cooperação ali mencionada não se pode considerar enquadrada no regime dos «acordos de cooperação» no âmbito do direito internacional do desenvolvimento, até porque o Acordo em causa é essencialmente cultural.


Desta forma, o Acordo de Cooperação, assinado em 1982, entre Portugal e o Luxemburgo, não corresponde a um acordo de cooperação para efeitos de direito internacional da cooperação e do desenvolvimento, como tal não preenche o conceito de «acordos de cooperação» estabelecido no n.º 1 do artigo 39.º do EBF.
Isto porque, o Acordo de Cultural entre Portugal e o Luxemburgo, não visa que Portugal ajude o desenvolvimento do Luxemburgo, mas antes (para o que aqui nos interessa), que haja um aprofundamento das relações respeitantes ao ensino, não sendo a mesma coisa que a cooperação para o desenvolvimento de todo um País que recebe essa ajuda. Relativamente à invocada cooperação no seio da União Europeia, cumpre referir que esta cooperação é concebida e realizada da União Europeia para com Estados Terceiros ou organizações internacionais e não para com os próprios Estados da União Europeia, conforme melhor se pode depreender do que acima fica exposto.


Relativamente aos Estados da própria União Europeia funcionam as regras transnacionais e não o direito da cooperação internacional. Ainda que se utilize a palavra cooperação, tal não significa que sempre que usada esta expressão, se esteja diante do benefício fiscal a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


Assim, tratam-se de situações diferentes, pelo que não obstante a identidade do substantivo feminino (atualmente designado como nome) cooperação, juridicamente tratam-se de situações distintas, na medida em que não se pode interpretar a menção descrita no n.º 1 do artigo 39.º do EBF de «acordos de cooperação», como abrangendo sempre toda e qualquer situação em que os Países utilizem a palavra cooperação.


Aliás, nem se compreenderia muito bem que, sempre que utilizada em normas, acordos, tratados ou qualquer instrumento jurídico a palavra cooperação, imediatamente os sujeitos passivos ficavam abrangido pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF, sem necessidade de enquadramento de que tipo de cooperação afinal era a visada no Estatuto dos Benefícios Fiscais. (…)”


Em conclusão, o contrato celebrado pelo Recorrente teve amparo no Decreto-Lei nº 165/2006, de 11/08, e não ao abrigo do acordo cultural a que se reportam os pontos 1 e 2 do probatório supra e, por outro lado, acolhendo os argumentos esgrimidos do Aresto transcrito, tal acordo não é um acordo de cooperação, a aceção do nº 1 do art. 39º do EBF, pelo que o presente recurso terá de naufragar.


Advoga ainda o Recorrente que nada na letra do preceito faz depender o benefício do preenchimento dos requisitos impostos pela Lei nº 13/2004, de 14 de Abril, contrariamente ao que argumenta o Tribunal a quo, pelo que uma interpretação que tal considere sempre seria violadora do princípio da legalidade tributária que impede o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção, mencionado no artigo 103.º, número 1., e número 2., bem como violador do princípio da separação de poderes e da reserva de lei, constantes dos artigos 111.º, e 165.º, número 1 da CRP.


Sobre esta questão, também se pronunciou o Aresto supra transcrito pelo que, considerando, mais uma vez, o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil, preceito que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, acolhemos o ali decidido, pelo que passamos a transcrever:


“Alega, ainda, a Recorrente que a sua situação está abrangida pelo n.º 1 do artigo 39.º do EBF, independentemente de não poder ser considerada agente de cooperação, nos ternos da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, pois que de outra forma o n.º 1 do artigo 39.º está ferido de inconstitucionalidade.


A Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, estabelece o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e define o respetivo estatuto jurídico, estabelecendo no artigo 2.º que se considera agente da cooperação apenas o cidadão que ao abrigo de um contrato, participe na identificação, formulação, execução, acompanhamento ou avaliação de um projeto, programa ou uma ação de cooperação financiada pelo Estado Português, promovida ou executada por uma entidade portuguesa de direito público ou por uma entidade de direito privado de fins não lucrativos em países parceiros.


A própria Recorrente reconhece que este diploma não lhe aplicável, mas que para o caso de apenas ser reconhecido o benefício fiscal para as pessoas abrangidas por este regime, implica a inconstitucionalidade do n.º 1 artigo 39.º do EBF, por violação dos artigos 103.º, nos. 1 e 2; 111.º e 165.º, n.º 1.


No seguimento do que acima já se referiu, «acordos de cooperação» são os que visam a cooperação segundo o direito internacional do desenvolvimento, ou seja, visa ajudar Países menos desenvolvidos. Esse tipo de ajuda pode ser realizada diretamente pelo Estado português ou pode ser feita através de outras entidades reconhecidas pelo Estado como cooperantes.


Ora, nada no Estatuto dos Benefícios Fiscais se estabelece no sentido que os beneficiários da isenção prevista no n.º 1 do artigo 39.º, são apenas aqueles que estiverem reconhecidos como agentes da cooperação, nos termos da citada Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.


Apenas é necessário que os beneficiários sejam reconhecidos pela Administração Fiscal como tal, mas detendo o interessado já o estatuto de agente da cooperação, com certeza que a tarefa de reconhecimento fica facilitada.
Veja-se sobre o assunto os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (ambos em www.dgsi.pt) de 21/02/2012, proferida no processo n.º 04948/11; e de 13/03/2012, proferido no processo n.º 03844/10, cujo sumário se transcreve:
1. A concessão de isenção de IRS, relativa “Acordos e relações de cooperação” (artigo 46.º do EBF, redacção da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro), depende de despacho do Ministro das Finanças que reconheça o interesse nacional do contrato em causa.
2. O requerimento deve ser apresentado até ao limite do prazo para a entrega da declaração de rendimentos relativa ao período em que se verificam os pressupostos da atribuição do benefício fiscal (artigo 65.º, n.º 3, alínea b), do CPPT).
3. O reconhecimento da isenção em causa não constitui questão condicionante ou prejudicial da decisão final de liquidação do imposto em apreço, porque a mesma, através do procedimento administrativo de reconhecimento apropriado, intentado no tempo e formas próprias, integra-se no procedimento de liquidação do imposto, não assumindo virtualidade autónoma de causa dirimente a posteriori da tributação aplicada aquando da verificação do facto tributário.
Do exposto, resulta que não existe isenção automática de benefícios fiscal para qualquer agente da cooperação, pelo que não se deteta que ocorra qualquer inconstitucionalidade.


Cumpre ainda referir que, conforme matéria de facto aditada a pedido da Recorrente, o próprio Instituto Camões refere que a Impugnante não se encontra abrangida pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF.


Aliás, tem sido entendimento uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte que os professores deslocados para o ensino em País da União Europeia não estão abrangidos pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF.


Assim, decidiu este Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão proferido em 24/05/2012, no processo 528/06.9BEBRG; assim como no processo n.º 01104/07.4BEBRG, em Acórdão tirado em 14/06/2012, bem como no processo n.º 01732/06.5BEBRG, em Acórdão lavrado em 28/02/2013 (estes em www.dgsi.pt).
Para melhor apreensão dessa jurisprudência, transcreve-se o sumário do Acórdão tirado em 28/02/2013, proferido no processo n.º 01732/06.5BEBRG:


I – A norma do artigo 37.º, n.º 1 do EBF aplicável (actualmente, correspondente ao artigo 39.º, n.º 1 do mesmo diploma legal) quando se refere às “pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação”, tem em vista as pessoas que, de modo directo ou indirecto, servem o Estado Português no cumprimento das obrigações de direito internacional que para este decorrem da celebração de tratados, bilaterais ou multilaterais, que assumam a forma de acordos de cooperação internacional.


II – A Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril, no seu artigo 3.º, alínea c), estabelece que para efeitos da sua aplicação a expressão “acção de cooperação”, a cujo artigo 2.º n.º 1, se refere, é a “acção ou projecto em prol do desenvolvimento de países receptores de ajuda pública ao desenvolvimento ou beneficiários de ajuda humanitária” (aliás, na senda do que já se previa nos art.s 2.º, n.º 1, e 3.º do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro), pelo que a actividade de ensino desenvolvida por professora de português em França em regime de destacamento, ao abrigo do Decreto-Lei nº 13/98, de 24 de Janeiro, não se insere no âmbito da cooperação para o desenvolvimento ou ajuda humanitária. (…)”


Aderindo aos fundamentos invocados no Acórdão transcrito, improcedente também terá de ser julgado o presente recurso nesta parte.


Finalmente, argumenta também que o acordo celebrado com o Grão-Ducado do Luxemburgo, resulta da necessidade de dar cumprimento à Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, que impunha que fossem tomadas medidas, pelos Estados-Membros, no sentido de promover a língua materna e da cultura do país, dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estados membros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, pelo que o acordo deve ser entendido como um acordo de cooperação, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 39º do EBF.


Também aqui, e por tudo o que já foi mencionado acima, não acompanhamos, salvo o devido respeito, o advogado pelo Recorrente.


Na verdade, independentemente da Diretiva em referência pretender que seja promovido o uso e ensino da língua materna dos migrantes dos Estados-Membros, a mesma não se enquadra no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento, pelo que irrelevante se revela este argumento. Por outro lado, sempre se diga que o desígnio da Directiva aludida sempre se teria de considerar cumprido com a aprovação da Lei de Bases do Sistema de Ensino (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro), já mencionada, em cujo artigo 19º se prevê o ensino do português no estrangeiro.


Assim sendo, nenhuma censura merece a decisão recorrida que assim decidiu, pelo que o presente recurso terá de naufragar.



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CUSTAS


No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento do Recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].



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III- Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.


Lisboa, 06 de Fevereiro de 2025


Cristina Coelho da Silva (Relatora)


Vital Lopes


Tiago Brandão de Pinho