Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 122/25.5BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | SUSANA BARRETO |
| Descritores: | GARANTIA AVALIAÇÃO IDONEIDADE |
| Sumário: | I - A garantia idónea é aquela que é adequada para assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos. II - Para avaliação da garantia, prevê o nº 1 do artigo 199-A do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que com exceção da garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13º a 17º do Código do Imposto do Selo (CIS). III - Nos termos do o nº1 do artigo 14º do CIS: [o] valor dos bens móveis de qualquer natureza que não seja determinado por aplicação de regras específicas previstas no presente Código é o dos valores oficiais, quando existam, ou o declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, consoante o que for maior, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado. IV - Temos assim que, em primeira linha, os bens do ativo fixo tangível oferecidos em penhor devem ser avaliados tendo em consideração o valor de mercado e não o seu valor contabilístico. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente, por provada, a ação de reclamação de atos do órgão de execução apresentada por F…, S.A., contra o «despacho proferido pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa em 15-05-2024, que considerou a garantia apresentada insuficiente e determinou a notificação para reforço da mesma, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3573202301426982, instaurado para cobrança de dívida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, IP), no montante de € 123 476,82». Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: A. «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido pela Chefe de Divisão da Divida Executiva da Direção de Finanças de Lisboa, em 15-05-2024, que considerou a garantia apresentada insuficiente e determinou a notificação para reforço da mesma, no âmbito do PEF n.° 3573202301426982. B. Por sentença datada de 23.06.2025, ora recorrida, veio o Mm. Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado, por considerar que a justificação avançada pela AT para avaliar os bens pelo seu valor contabilístico, sem curar de saber se o mesmo se aproxima do seu valor de mercado, nos termos do artigo 14° do CIS, não tem qualquer fundamento nem cobertura legal, razão pela qual devia, ao abrigo dos princípios da verdade material e do inquisitório, a que está vinculada, indagar e munir-se de elementos que pudessem colocar em causa o valor da garantia indicado pela reclamante e, consequentemente, a sua idoneidade, fosse através da solicitação de mais elementos à Reclamante, fosse através da realização de diligências, nomeadamente de um pedido de avaliação dos bens em causa, precisamente para obviar à especificidade dos mesmos. C. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, com tal decisão e entendimento, não pode a Fazenda Pública conformar-se. Senão vejamos, D. Dispõe o artigo 199.°-A do CPPT, que na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens, apurado nos termos dos artigos 13.° a 17.° do CIS, com as devidas adaptações. E. Ou seja, o artigo 199.°-A do CPPT veio fixar regras objetivas para a avaliação das garantias, com o objetivo de diminuir a subjetividade e discricionariedade da Administração Tributária nessa avaliação e, desse modo, prevenir a conflitualidade com os contribuintes. F. No caso em apreço, visto tratar-se da avaliação de bens móveis, importa convocar o n.° 1 do artigo 14.° CIS, nos termos do qual "O valor dos bens móveis de qualquer natureza que não seja determinado por aplicação de regras específicas previstas no presente Código é o dos valores oficiais, quando existam, ou o declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, consoante o que - for maior, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado. G. Nesta senda, consideremos desde logo que na informação da DGDE n.° 830/24, sobre a qual recaiu o despacho reclamado, consta a justificação pela qual não se atendeu ao valor de mercado dos bens oferecidos em garantia pela reclamante: “dada a especificidade dos bens móveis em analise não foi possível apurar o valor de mercado destes, pelo que, para a avaliação dos bens móveis dados em garantia (penhor) a constituir pela empresa F… S A a favor da Autoridade Tributária, optou-se pelo seu valor liquido contabilístico reportado a março de 2024. Ou seja, afigura-se-nos que não foi possível enveredar pelo critério do preço de mercado, na avaliação dos bens, uma vez que por serem específicos da sua atividade são parcas as comparações existentes no mercado para aferir tais valores.” H. Por outro lado, também consta da mencionada informação n.° 830/24 a indicação do método utilizado para a avaliação dos bens oferecidos e respetiva base legal. No caso em apreço, visto tratar-se de bens móveis, os mesmos foram avaliados, tal como, estabelece o n° 1 do artigo 199°-A do CPPT, tendo em conta o que dispõe o n° 1 do artigo 14° CIS, (...) A F… S A utiliza o método de depreciações e amortizações por duodécimos, ou seja, "No ano da entrada em funcionamento ou utilização dos ativos, pode ser praticada a quota anual de depreciação ou amortização em conformidade com o disposto nos artigos anteriores, ou uma quota de depreciação ou amortização, determinada a partir dessa quota anual, correspondente ao número de meses contados desde o mês da entrada em funcionamento ou utilização desses ativos.”, conforme dispõem o artigo 7° do Decreto Regulamentar (DR) n° 25/2009 de 14 de setembro. Como a empresa utiliza o método de depreciações e amortizações por duodécimos, os bens móveis dados em garantia (penhor) a constituir e aqui em analise serão depreciados até março de 2024.” I. E, refira-se que, relativamente à expressão constante do n° 1 do artigo 14° do CIS “o valor dos bens móveis (...) declarado pelo cabeça de casal ou pelo beneficiário", estando em causa uma empresa com contabilidade organizada, como é o caso da Reclamante, de acordo com as normas contabilísticas de relato financeiro (NCRF) tal valor é o indicado na sua contabilidade. J. Por outro lado, note-se que a norma indica que o valor a ser considerado é o maior valor entre o valor oficial e o valor declarado, devendo tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado, sendo que, conforme referido na citada informação n.° 830/24, por não ter sido possível apurar o valor de mercado dos bens oferecidos pela reclamante como garantia, dada a especificidade dos mesmos, optou-se pelo valor que a própria reclamante tinha declarado na sua contabilidade. K. A este respeito, importa ainda notar que, de acordo com os princípios contabilísticos, a contabilidade de uma empresa deve transmitir a imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa, aplicando as NCRF. L. Ora, relativamente à contabilização dos ativos fixos tangíveis, estabelece a NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis, no seu paragrafo 7.6. que “Um item do ativo fixo tangível que seja classificado para reconhecimento como um ativo deve ser mensurado pelo seu custo.", ressalvando o seu paragrafo 7.9. que “Nos casos em que existam diferenças significativas entre a quantia escriturada segundo o modelo do custo e o justo valor dos ativos, uma entidade poderá, alternativamente, utilizar o modelo de revalorização previsto no parágrafo 7.11. como sua política contabilística e deve aplicar essa política a uma classe inteira de ativos fixos tangíveis”. M. Pelo que, utilizando a reclamante, ora recorrida, na mensuração dos seus ativos, o modelo do custo, presume-se que considera que não existem diferenças significativas entre o contabilizado com o justo valor do seu ativo. N. E importa ainda assinalar que se a reclamante, ora recorrida, considera que a sua contabilidade não reflete a sua verdadeira e apropriada situação financeira, no que concerne ao valor do seu ativo, uma vez que considera que o valor contabilístico não reflete o justo valor dos seus ativos, então deveria ter optado, na sua contabilidade, pelo modelo da revalorização, e não pelo modelo do custo, o qual que reflete o valor de mercado atual do ativo, o que não foi devidamente valorado pelo douto tribunal a quo. O. Assim, quanto à asserção imposta pela douta Sentença a quo, segundo a qual deveria, in casu, ter sido considerado, para efeitos de avaliação dos bens, o valor de mercado, afigura-se-nos, que a mesma não colhe do devido respaldo legal P. Sem prescindir, e sempre com o devido respeito, importa ainda apontar que, em 1a linha, o ónus da prova de que os bens móveis oferecidos em garantia tinham o valor por si indicado recaia sobre a reclamante (artigo 342.° do CC, artigo 74.°, n.° 1, da LGT), sendo que em momento algum, a reclamante indica ou justifica qual o critério por si utilizado para atribuir aos bens oferecidos em garantia, o valor de € 295.189,00 Q. Por fim, e no que respeita à alegada violação do principio do inquisitório, sempre se diga que a AT, se achar que a garantia é insuficiente pode exigir o seu reforço, mas o que não pode é em abstrato, prevalecendo-se da sua posição de credora, e em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, fazer a exigência de um pedido de avaliação dos bens por um perito independente, como entende o douto tribunal, avaliação essa que poderia implicar custos elevados, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos da reclamante e/ou do erário público. R. A atuação da AT deve pautar-se de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de modo a não sacrificar nenhum deles. S. Assim, tendo sido requerida a prestação de garantia por meio de constituição penhor sobre bens móveis, que por serem específicos da atividade da reclamante, são parcas as comparações existentes no mercado para aferir o seu valor de mercado, e sem que a requerente tivesse trazido ao conhecimento do órgão da execução fiscal outro valor ou circunstâncias especiais justificativas para que se devesse atender a valor diverso do constante da sua contabilidade, tanto mais que a mesma utiliza na mensuração dos seus ativos, o modelo do custo, não se impunha à AT uma avaliação ad hoc para tal efeito. T. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento da lei, mostrando-se, contrariamente ao decidido, válido e legal o despacho que considerou a garantia apresentada insuficiente e determinou a notificação para reforço da mesma, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3573202301426982 U. Em suma, com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento num inadequado julgamento da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169°, 199° e 199°-A do CPPT, e 14° do CIS V. Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia do ato reclamado, indevidamente anulado pelo Tribunal a quo. Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da reclamação, com as legais consequências. Sendo que V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: A. «A decisão proferida pelo Tribunal a quo afigura-se-nos exemplar, cumpridora do disposto nos artigos 199.° - A, n.° 1 do CPPT e do 14.°, n.° 1 do Código do Imposto do Selo, e não se compreende que a Recorrente continue a insistir na tese de ser válida a opção, não fundamentada aliás, da avaliação contabilística dos bens dados como garantia. «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (…) «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 1 a 58 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 5. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante proferido pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, em 15-05-2024, com o seguinte teor: (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 1 a 58 dos autos e fls. 181 a 207 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 6. A informação e despacho identificados em 4) e 5) foram comunicados à Reclamante através do ofício n.º 9580, remetido por carta registada com aviso de recepção, entregue em 29-052024 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 1 a 58 dos autos e fls. 181 a 207 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 7. A presente Reclamação foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira - 2 em 12-06-2024 (cfr. fls. 1 a 58 dos autos). 8. Na sequência da reclamação apresentada, em 07-01-2025 foi elaborada informação pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa a propor a manutenção do acto reclamado (cfr. fls. 67 a 180 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).» Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte: «Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.» E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se: «A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de administrativo junto, não impugnados, conforme indicado em cada número do probatório.» II.2 Do Direito Para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívidas ao IFAP, IP, na pendência de impugnação judicial, a ora Recorrida ofereceu garantia sob a forma de penhor de bens que fazem parte do ativo fixo tangível. A ora Recorrente apesar de aceitar a garantia apresentada pela Recorrida, considerou o valor dos bens oferecidos insuficiente e determinou a notificação da Reclamante e ora Recorrida para reforçar a garantia. Inconformada com este despacho a ora Recorrida reclamou judicialmente, reclamação que incidiu essencialmente sobre a metodologia utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para avaliação dos bens oferecidos em garantia, e o Tribunal a quo deu-lhe razão. Na sentença recorrida considerou-se, em suma, que «(…) o critério usado pela Administração Tributária para avaliar os bens oferecidos como garantia não podia ser utilizado sem previamente ter na sua posse elementos que lhe permitissem colocar em causa o valor dos bens atribuído pela Reclamante, razão pela qual o acto reclamado enferma de um vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 199.º n.º 2, 199.º-A do CPPT e 14.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo (…)». Nas alegações de recurso apresentadas a ora Recorrente defende, que ficou demonstrado no despacho recorrido que dada a natureza dos bens não era possível determinar o seu valor de mercado e que bem andou a Autoridade Tributária e Aduaneira ao recorrer ao valor contabilístico dos bens para os avaliar e aferir da sua suficiência para garantir o pagamento da dívida exequenda e acréscimos legais. Não vem impugnada a matéria de facto assente na sentença recorrida, que assim se considera estabilizada. Está, pois, assente: - A ora Recorrente indicou como valor da garantia a constituir o montante de € 281 495,46 (cf. alíneas 2 e 3 dos factos provados). - A ora Recorrida ofereceu em garantia o penhor a constituir sobre os bens do ativo fixo tangível identificado na alínea 4 dos factos assentes, que a própria estimou em € 295 189,00. - A Autoridade Tributária e Aduaneira, para estimar o valor dos bens oferecidos recorreu a critério baseado no seu valor líquido contabilístico reportado a março de 2024, que fixou em € 168 750,24. Vejamos, então, quanto ao critério avaliativo adotado pela ora Recorrente para apreciação da suficiência da garantia oferecida pela Executada. Como é consabido, a garantia idónea é aquela que é adequada para assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos. Tal como referido na sentença recorrida e não é controvertido nos autos, para avaliação da garantia prevê o nº 1 do artigo 199-A do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que com exceção da garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13º a 17º do Código do Imposto do Selo (CIS). E, diz o nº1 do artigo 14º do CIS: [o] valor dos bens móveis de qualquer natureza que não seja determinado por aplicação de regras específicas previstas no presente Código é o dos valores oficiais, quando existam, ou o declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, consoante o que for maior, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado. Temos assim que, em primeira linha, os bens do ativo fixo tangível oferecidos em penhor devem ser avaliados tendo em consideração o valor de mercado e não o seu valor contabilístico. No despacho reclamado e supratranscrito, porém, menciona-se ser difícil apurar o valor de mercado daqueles bens por falta de um referencial, «dada a sua especificidade», tendo-se optado então por valorar os bens pelo seu valor contabilístico. Desde já diremos que não merece censura a sentença recorrida quando, para anular o despacho reclamado, diz: “(…) a justificação avançada pela Administração tributária para avaliar os bens pelo seu valor contabilístico, sem curar de saber se o mesmo se aproxima do valor de mercado, não tem qualquer fundamento nem cobertura legal (...)”. Com efeito, para averiguar da idoneidade da garantia oferecida, impunha-se a escolha de um método adequado ao fim prosseguido de estabelecer um valor o mais aproximado possível ao valor de mercado dos bens em causa. Partilhamos, assim, da perplexidade manifestada na sentença recorrida por não terem sido solicitados outros elementos à Executada para aproximar o valor dos bens oferecidos em penhor ao seu valor de mercado. Prossegue a sentença recorrida no segmento que aqui interessa: «(…) Ora, o que salta à evidência na fundamentação utilizada pela Administração tributária é que esta optou por avaliar os bens de acordo com o seu valor líquido contabilístico apenas e só devido especificidade dos bens móveis em causa, que não lhe permitiu apurar o valor de mercado. Ou seja, fê-lo ao arrepio daquilo que consigna o artigo 14.º do Código do Imposto do Selo, aplicável por força do artigo 199.º-A n.º 1 do CPPT, o qual determina que o valor dos bens móveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado. E o que salta igualmente à vista é que a Administração tributária não logrou realizar qualquer esforço no sentido de apurar esse valor de mercado. Repare-se que na informação que serve de suporte ao acto reclamado se refere que, para além dos elementos que a Reclamante juntou com o requerimento para prestação de garantia, foram solicitados outros elementos, nomeadamente facturas de aquisição dos bens oferecidos; mapas de depreciações e amortizações (com a identificação dos bens dados como garantia), balancete analítico, declaração assinada pela a administração onde conste se os bens têm ou não ónus ou encargos e local onde se encontram os bens dados como garantia, todos eles fornecidos pela Reclamante. E a pergunta que impõe fazer é a seguinte: porque razão não solicitou à Reclamante um relatório de avaliação dos bens onde constasse o valor de mercado daqueles ou, face à invocada especificidade dos bens, não solicitou ela própria uma avaliação? Assim, ao lançar mão do valor contabilístico dos bens para determinar a avaliação dos bens para efeitos de garantia, não só a Administração tributária violou os artigos 199.º-A n.º 1 do CPPT e 14.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo, como violou os mais basilares princípios conformadores que regem a sua actividade, nomeadamente os princípios da verdade material e do inquisitório. Repita-se, a Administração tributária avaliou os bens de acordo com o seu valor contabilístico apenas devido à especificidade dos bens em causa. Ora, precisamente por força dessa especificidade é que se impunha à Administração tributária que desenvolvesse diligências no sentido de apurar o valor de mercado dos bens, solicitando-o à Reclamante ou solicitando ela própria a avaliação desses bens. Portanto a justificação avançada pela Administração tributária para avaliar os bens pelo seu valor contabilístico, sem curar de saber se o mesmo se aproxima do valor de mercado, não tem qualquer fundamento nem cobertura legal, bem pelo contrário. Com efeito, a justificação utilizada não se alicerça em qualquer elemento objectivo que lhe permita pôr em causa o valor atribuído pela Reclamante aos bens e optar pelo valor contabilístico dos mesmos. Razão pela qual devia, ao abrigo dos princípios da verdade material e do inquisitório, a que está vinculada, indagar e munir-se de elementos que pudessem colocar em causa o valor da garantia e, consequentemente a sua idoneidade, fosse através da solicitação de mais elementos à Reclamante, fosse através da realização de diligências, nomeadamente de avaliação dos bens em causa, precisamente para obviar à especificidade dos mesmos. O princípio do inquisitório tem consagração expressa no artigo 58.g da LGT e traduz-se no dever que a Administração Tributária de realização oficiosa de todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material. Trata-se de um princípio conformador da actividade da Administração, na formação do acto lesivo dos interesses legalmente protegidos dos administrados sendo, por isso, uma garantia não impugnatória do sujeito passivo, que se encontra aquém do ónus da prova, na medida em que a verdade material se consubstancia numa verdade extraprocessual, que não é aquela que se afere pela prova ou não prova de factos (cfr. neste sentido, acórdão do STA de 11-12-2023, proc. n.º 01683/11.1BEBRG, disponível em www.dgsi.pt ). E no cumprimento do princípio do inquisitório, recai sobre a Administração Tributária o dever de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, impendendo sobre os sujeitos passivos um dever de colaboração consagrado no artigo 59.º da LGT, sendo que, perante um contribuinte não colaborante, a Administração tributária não está obrigada a repetir as tentativas de obter a sua colaboração para a investigação de um determinado facto. Ou seja, este princípio assume uma relevância tal que, mesmo perante um contribuinte que não colabore, ainda assim a Administração tributária, por força dessa falta de colaboração, não fica desonerada de realizar todas as diligências com vista ao apuramento da verdade material. Assim, se considerarmos que a Reclamante indicou que os bens oferecidos como garantia tinham um valor superior ao da garantia a prestar, tendo junto os elementos solicitados pela Administração tributária, esta não podia, sem mais, em face dos citados preceitos e princípios, considerar, apenas porque a especificidade dos bens não lhe permitia apurar o valor de mercado, avaliar os bens pelo seu valor contabilístico. (…)» Ponderou-se, pois, na sentença recorrida a atividade desenvolvida pela ora Recorrente para determinar o valor dos bens ao solicitar à Executada a apresentação de vários elementos, mas não de um relatório de avaliação dos bens, considerando-se que a opção de avaliar os bens pelo seu valor contabilístico, não encontrava respaldo na lei. Por fim, e sem olvidar que o ónus de prova sobre a idoneidade da garantia oferecida recai sobre a Executada e ora Recorrida, não colhe o argumento que em momento algum, a reclamante indica ou justifica qual o critério por si utilizado para atribuir aos bens oferecidos em garantia, o valor de € 295.189,00 [cf. conclusão P) das alegações de recurso]. Nos autos não está já em causa se a Executada e ora Recorrida comprovou ou não o valor estimado dos bens oferecidos para constituição do penhor, ou como se chegou aquele valor. Mas sim, qual a metodologia por si adotada para averiguar da idoneidade da garantia oferecida e se o critério usado se aproxima ou não dos valores que poderão ser obtidos se os bens forem postos à venda. Por todo o exposto, e pelas razões expandidas na sentença recorrida e constantes do excerto transcrito, a opção pelo método do valor contabilístico para avaliar os bens e considerar a garantia oferecida insuficiente, desacompanhada de qualquer motivação quanto à aproximação do valor assim obtido ao valor de mercado ou que o mercado está disposto a pagar por eles, não tem base legal. Termos em que improcedem as conclusões de recurso. Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…). Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida. Sumário/Conclusões: I - A garantia idónea é aquela que é adequada para assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos. II - Para avaliação da garantia, prevê o nº 1 do artigo 199-A do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que com exceção da garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13º a 17º do Código do Imposto do Selo (CIS). III - Nos termos do o nº1 do artigo 14º do CIS: [o] valor dos bens móveis de qualquer natureza que não seja determinado por aplicação de regras específicas previstas no presente Código é o dos valores oficiais, quando existam, ou o declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, consoante o que for maior, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do seu valor de mercado. IV - Temos assim que, em primeira linha, os bens do ativo fixo tangível oferecidos em penhor devem ser avaliados tendo em consideração o valor de mercado e não o seu valor contabilístico. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos. Lisboa, 30 de setembro de 2025. Susana Barreto Isabel Vaz Fernandes Luísa Soares |