Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:741/15.8 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DA SENTENÇA – EXCESSO DE PRONUNCIA
TAXA
DUPLICAÇÃO DE COLETA
Sumário:I. Verifica-se a existência de nulidade da sentença por excesso de pronúncia nas situações em que o tribunal conhece de questões que não tendo sido suscitadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

II. A não indicação do autor do ato na fatura que externa a liquidação da taxa (cf. art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro), não integra a nulidade do ato prevista no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, pela simples razão de que o mesmo não foi praticado por um órgão administrativo, mas por uma entidade privada concessionária de serviço público, autorizada por lei a cobrar taxas pela utilização dos serviços concessionados que presta.

III. Sendo a divida exequenda constituída por taxas liquidadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28/11 e regulamento n.º 278/2015, encontra na lei suporte legal como tributo na modalidade de “taxa”, o que não pode ser confundido com qualquer verba devida (ou não) no âmbito de uma relação contratual de avença, situação que por si, se afasta do conceito de duplicação de coleta a que a recorrente faz apelo.

IV. A existência de eventuais montantes indevidamente pagos ou exigidos a pagamento no âmbito de qualquer contrato de avença, deve ser enquadrada no âmbito da relação contratual celebrada inter partes, sendo que qualquer litígio daí decorrente não se encontra na esfera da competência material deste tribunal.

Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

L....— S....... , Lda., melhor identificada nos autos, veio, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º .......020 instaurada no Serviço de Finanças de Lagos, para cobrança coerciva de Taxas de Exploração devida pela entrega de viaturas ligeiras ao Aeroporto de Faro, constantes nas faturas n.ºs .......014 e .......014 no valor total de € 28.604,88, devidas à A.....- A......., S.A.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, por sentença de 25 de fevereiro de 2021, julgou verificada a inexigibilidade da dívida e em consequência determinou a extinção do processo executivo em relação à oponente.

Inconformada, A.....- A......., S.A. (“A…..”), exequente nos autos, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. A sentença declarou oficiosamente a nulidade do ato de liquidação da taxa com fundamento no disposto no n.° 12 do artigo 39.° do CPPT, que determina a obrigatoriedade de indicação (expressa) do autor do ato, questão que não foi suscitada pela Opoente, aqui Impugnada, que não teve quaisquer dificuldades em identificar o autor da liquidação nem em impugná- la nos termos legais.

B. As faturas em causa, emitidas em papel timbrado da A.....- A......., S.A., cumprem integralmente com os requisitos legais do art.° 36 do Código do IVA, incluindo quanto à indicação (designação social, morada, número fiscal) do autor do ato / prestador do serviço em apreço.

C. Resulta inequivocamente das faturas em análise a indicação expressa do fornecedor do serviço (a Impugnante), quer através da referência à designação oficial da pessoa coletiva em causa (A.....), quer através da indicação da respetiva morada, quer, ainda, através da menção ao seu número fiscal, existindo, até, uma referência expressa ao grupo empresarial a que esta pertence (V.....)

D. A designação social da então Exequente é, aliás, expressamente referida em diversas partes das faturas em apreço, assim como a morada da sede da Impugnante, o número de identificação fiscal e demais informação sobre o seu capital social e matrícula na Conservatória do Registo Comercial.

E. Resulta, ainda, da fatura a indicação e número de contacto da Direção Administrativa e Financeira da A....., encarregue, entre outros, da emissão de faturas e do processamento dos respetivos pagamentos.

F. O n.° 12 do artigo 39.° do CPPT, não obstante determinar a obrigatoriedade de indicação do autor do ato tributário, não concretiza o conceito de autor do ato, nada fazendo crer estarmos perante uma interpretação excecional do conceito normal de identificação de pessoas singulares ou coletivas para efeitos fiscais, que se consubstancia na menção da sua designação social, morada e número fiscal.

G. A A.....- A......., S.A., é uma pessoa coletiva privada e não tem uma complexidade orgânico-institucional como a Administração Tributária, tem um único órgão deliberativo - o seu Conselho de Administração, pelo que o conjunto de serviços que integram a Impugnante é um conjunto uno.

H. Nos casos em que o exequente é a Autoridade Tributária, revela-se, de facto, fundamental aos contribuintes a dissecação da pessoa / órgão / serviço em causa, de forma a permitir (i) confirmar a qualidade (delegada ou não) em que o ato foi praticado e (ii) aferir o serviço ou órgão (central, local) a demandar.

I. Não poderia, no entanto, tal realidade estar mais longe da realidade da Impugnante, que não tem serviços autónomos, nem uma organização desconcentrada e periférica, com poder deliberativo disperso por vários serviços.

J. Não possuindo a A..... mais do que um órgão, o Conselho de Administração, tão-pouco é relevante a necessidade de indicar qualquer delegação de competências

K. A interpretação das exigências legais tem de ser feita à luz desta realidade fáctica e jurídica; assim, quando o n.° 12 do artigo 39.° do CPPT alude ao “autor do ato”, deve entender-se que o “autor do ato” é a A.....- A......., S.A., a pessoa coletiva a quem o ato é imputável para todos os efeitos.

L. Esta interpretação é secundada pela jurisprudência tributária aplicável, que frisa que a expressão “autor do ato” deve ser interpretada à luz da razoabilidade e da normalidade.

M. Face ao exposto, mal andou a douta sentença recorrido quando julgou pela declaração da nulidade do ato de liquidação da taxa de exploração à Oponente por falta de indicação do autor do ato.

N. Por outro lado, não é absolutamente claro se a sentença entende que o ato é nulo por não indicar meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado; no entanto, o artigo 39.° do CPPT apenas comina com a nulidade a situação de falta de indicação do autor do ato.

O. Facto é que a ausência de indicação dos meios de defesa e prazo de reação não causaram transtorno algum ao particular.

P. A entender-se que este motivo também determinou o sentido da decisão recorrida, então sempre se dirá que, ao contrário do que sucede relativamente à questão sobre o autor do ato, a nulidade da execução por falta de indicação do prazo e meios de reação não foi suscitada previamente pelo Tribunal, constituindo uma “decisão-surpresa”.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e julgado integralmente procedente, revogando-se a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, e descendo o processo ao tribunal a quo para apreciar a questão de fundo.»


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Devidamente notificada para o efeito, a recorrida, não contra-alegou.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer, no sentido de que que o presente recurso deverá proceder, devendo a sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação.

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Com dispensa dos vistos legais, vêm os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa aqui decidir, consiste em saber se a nulidade do ato exequendo “por falta de indicação do autor do ato” constitui questão nova que por não ter sido suscitada pelas partes, nem ser de conhecimento oficioso e, ao ter sido decidido sem audição prévia das partes se confere à sentença as particularidades de uma verdadeira decisão-surpresa.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com interesse para a decisão da questão da nulidade do acto de liquidação da taxa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A Exequente A..... - A......., S.A., remeteu a L..... –S......, Lda., o documento de fls. 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:

“Aeroportos de Portugal | V.....

A.....- A......., SA. Sede

Rua ……, Edifício ….0,Lisboa

Lisboa

1700-….. Lisboa

Portugal

Factura/Invoice n.º .......014

(Consumos e Exploração)

Data/Date_ 15-10-2014

Ref. Período/Charging Period_ 01-07-2014/ 31-07-2014

Limite Pgto/Payable before_ 07-11-2014

(...)

Descrição – Entrega Viaturas Ligeiras

Observ. – Aeroporto de Faro

Quant. – 62,00

Unit./Taxa – 17,0000€

IVA – 23%

Valor – 1.054,00€

(...)

Sub-Total – 1.054,00€

IVA/VAT – 242,42€

Total/Eur – 1.296,42€

Sujeito a juros de mora ao abrigo do Art.º 45.º do D.L. 254/2012

(...)”.

2. A Exequente A..... - A......., S.A., remeteu a L….. – S….., Lda., o documento de fls. 16 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que interessa, tem o seguinte teor:

“A. P. | V..... A.....- A......., SA. sede

Rua….., Edifício 120

Lisboa

1700-008 Lisboa

Portugal

Factura/Invoice n.º .......014

(Consumos e Exploração)

Data/Date_ 15-10-2014

Ref. Período/Charging Period_ 01-08-2014/ 31-08-2014

Limite Pgto/Payable before_ 07-11-2014

(...)

Descrição – Entrega Viaturas Ligeiras

Observ. – Aeroporto de Faro

Quant. – 1.306,00

Unit./Taxa – 17,0000€

IVA – 23%

Valor – 22.202,00€

(...)

Sub-Total – 22.202,00€

IVA/VAT – 5.106,46€

Total/Eur – 27.308,46€

Sujeito a juros de mora ao abrigo do Art.º 45.º do D.L. 254/2012 (...)”.

3. No dia 22 de Julho de 2015, o Administrador Delegado na A..... - A......., S.A., emitiu o documento de fls. 48 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:


“CERTIDÃO DE DÍVIDA


Eu, J........ , Administrador Delegado na A.....- A......., SA, (...) certifico, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 148.º, 162.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º e n.º 2 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, que compulsados os elementos dos correspondentes livros, a L….. – S….., Lda., (...) não procedeu ao pagamento atempado das taxas devidas tal como dispõe o Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, artigo 39.º e regulamento n.º 278/2015 no seu artigo 5.º.


O montante da dívida é de 28.604,88 € (vinte e oito mil, seiscentos e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) e refere-se às facturas abaixo.
Referência
Data do documento
Vencimento líquido
Montante Eur
Dias de atraso
.......014
15.10.2014
07.11.2014
1296,42
257
.......014
15.10.2014
07.11.2014
27308,46
257
Ao valor da dívida acrescem juros de mora vencidos até ao integralpagamento. (...)”.

4. Em 3 de Agosto de 2015, no Serviço de Finanças de Lagos, foi instaurado o processo de execução fiscal n.° ………020, para cobrança dos montantes referidos no ponto anterior — fr. fls. 43 a 49 dos autos.


*

Não resultam dos autos outros factos com relevância para a decisão da excepção em apreço e que, como tal, importe dar como provados ou não provados.

*

Os documentos referidos, ou posições assumidas nos autos, que serviram de suporte à prova de cada um dos factos, não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a genuinidade dos documentos.»

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De direito

Como evidenciamos, supra, em sede de aplicação do direito a sentença recorrida determinou a extinção do processo executivo em relação à oponente por julgar verificada a inexigibilidade da dívida exequenda.

Dissente a recorrente vem, ao que entendemos, alegar que a decisão que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, porquanto conheceu de questão nunca invocada pela recorrida, nomeadamente “a falta de indicação do autor do ato” e neste campo, invoca erro de julgamento, uma vez que, nos autos, o tal autor se encontra cabalmente identificado.

Ao encetar a analise do recurso damos conta que a questão que aqui nos vem colocada já foi apreciada por este TCAS noutros processos sendo o caso que nos ocupa, em tudo semelhante ao processo 729/15.9BELLE cujo com acórdão foi proferido em 12/05/2022, este seguindo no processo n.º 723/15.0BELLE com acórdão proferido 09/06/22 e mais recentemente, também no processo n.º 799/15.0BELLE em 13/07 último.

Por razões de uniformização de jurisprudência no respeito pelo preceituado no artigo 8.º do Código Civil, também por economia processual e por não virem suscitados argumentos novos que nos levem a diferente ponderação daquela que ali foi feita (nas questões que aqui também se colocam) iremos seguir, de perto o decidido no acórdão de 12/05/2022 , e foi o seguinte:

« Vem invocado pela Recorrente e também pela Exma. Senhora PGA nulidade processual porquanto a sentença decidiu questão não suscitada pelas partes – falta de indicação do autor do acto exequendo na notificação – sem contraditório prévio, o que consubstancia uma decisão-surpresa. E, se bem apreendemos, a Exma. Senhora PGA entenderá ainda ocorrer nulidade da sentença por pronúncia indevida na medida em que conheceu de questão que as partes não colocaram ao tribunal.

Como a jurisprudência vem entendendo de forma unânime em inúmeros arestos, uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão/ excesso de pronúncia, um vício referente aos limites da decisão.

No que em particular respeita às nulidades processuais, importará ter em conta o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, bem expressado no seu ac. de 16/09/2020, tirado no proc.º 01762/13.0BEBRG, em que se consignou:

«Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.79).

As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.

No entanto, relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença (omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela), este Tribunal tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença. Entende a jurisprudência do S.T.A. que a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que se situa a montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, e que, sendo o meio próprio de a atacar o do recurso, a sua arguição se mostra feita atempadamente por situada no prazo deste. Por outras palavras, as nulidades do processo que sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa e forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr.artº.615, do C.P.C.) e devem ser arguidas em recurso desta interposto, quando admissível, que não em reclamação perante o Tribunal "a quo" (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 6/07/2011, rec.786/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/01/2002, rec.26653; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/07/2002, rec.25998; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2012, rec.684/11; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.183; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.355 e seg.)» (fim de cit.).

Começando por apreciar a nulidade da sentença, dir-se-á que as nulidades estão taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC, com correspondência no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT, aí se prevendo como integrando nulidade da sentença, “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

Relaciona-se esta nulidade com o estatuído no art.º 608/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Pois bem, de acordo com o disposto no art.º 39.º, n.º 12, do CPPT, «O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data».

Como se sabe, quer no regime do actual Cód. de Procedimento Administrativo, quer no anterior, as nulidades dos actos são de conhecimento oficioso do tribunal (artigos 161.º e 162.º, n.ºs 1 e 2, com correspondência nos anteriores 133.º e 134.º).

No entanto, concluir tratar-se de questão de conhecimento oficioso (omissão do autor do acto na notificação) supõe previamente resolvida a qualificação como nulo do acto em causa.

E neste ponto, não podemos discordar mais da sentença recorrida, aliás na linha do que propugna a Recorrente.

A A..... - A......., S.A., é uma sociedade comercial que tem por objecto social a exploração, em regime de concessão, do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal, assegurando ainda a exploração de espaços comerciais e publicitários nos aeroportos, a oferta de imóveis (ligados à operação aeroportuária, edifícios comerciais e hotéis), parques de estacionamento e serviços de rent-a-car (designados de negócios não aviação).

Como resulta do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, trata-se de uma sociedade anónima concessionária de serviço público, a quem compete liquidar e cobrar as taxas previstas nesse diploma (art.º 43.º), podendo proceder à sua cobrança coerciva através do processo de execução fiscal (art.º 45/2).

Não se trata de um órgão da Administração Pública enquadrável no art.º 2.º, n.º 2 do Cód. do Procedimento Administrativo à data vigente (DL 442/91 de 15 de Novembro), cuja competência é definida por lei (art.º 29.º).

Ora, salvo o devido respeito, a não indicação do autor do acto na factura que externa a liquidação da taxa (cf. art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro), não integra a nulidade do acto prevista no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, pela elementar razão de que o mesmo não foi praticado por um órgão administrativo, a que se restringe, em nosso entender, o campo de aplicação daquela norma, mas por uma entidade privada concessionária de serviço público, autorizada por lei a cobrar taxas pela utilização dos serviços concessionados que presta.

Não se aplicando, no caso em apreço (facturação da taxa por entidade privada), os requisitos da notificação previstos no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, que supõe a prática do acto notificando por órgão administrativo, é manifesto que o tribunal a quo conheceu de questão que não é de conhecimento oficioso nem foi suscitada pelas partes, incorrendo em excesso de pronúncia, sendo de declarar nula.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento da eventual nulidade processual por violação do contraditório, posto que unicamente reportada ao segmento da decisão declarado nulo.” - fim de citação

Em face da nulidade da sentença por excesso de pronúncia fica igualmente prejudicado o conhecimento do erro de julgamento imputado ao vício que foi indevidamente apreciado.

Tendo em conta o decidido e não tendo o TAF de Loulé emitido pronuncia sobre as questões invocadas pela Recorrida, cumpre aferir se se reúnem condições para passar ao seu conhecimento em substituição, atento o disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, nos termos do qual “[S]se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

Vista a petição inicial, damos conta que as questões ali vêm suscitadas são:

1 - A título que questão prévia a de saber se há falta de pronuncia por parte da entidade exequente (A.....-A……, S.A.”) relativamente à reclamação graciosa que junto daquela apresentou. Considera a oponente, que o PEF não deveria ter sido instaurado e pede o seu arquivamento, por extemporâneo;

2 - Quanto á oposição advoga duplicação de coleta, por considerar que os valores liquidados nas faturas ora exigidos não podem sobrepor-se aos acordos de avença em vigor à data, o que em seu entender implica uma dupla taxação dos mesmos serviços;

Vejamos então

Quanto à questão prévia dir-se-á que a situação posta não constitui fundamento da oposição.

Na verdade e, como se encontra pacificamente assente na jurisprudência, os fundamentos de oposição encontram-se taxativamente enumerados no artigo 204.º do CPPT, que estabelece um elenco fechado como decorre do seu n.º 1, que nos diz: que “[A)a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos” - o destacado e negrito são nossos,

São eles:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o cato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
2 – (…).”

Esta restrição de fundamentos deve ser vista numa perspetiva de tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos, face à globalidade dos meios contenciosos e pré-contenciosos previstos na lei processual tributária, permitindo que, em qualquer situação, os particulares possam fazer valer os seus direitos e/ou interesses legítimos quer perante a administração quer perante os tribunais, deitando mão aos meios adequados para cada situação, dentro dos condicionalismos previstos na lei, tudo de acordo com a garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 2.º do CPC, aqui aplicável por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT.

Situação que, pelos vistos, a recorrente acedeu, ao intentar a reclamação graciosa junto da entidade liquidadora do tributo, pelo que, concluímos nós, nenhum ataque á lei foi cometido, nem o direito deixou de ser exercido.

Porém, nesta sede, não poderá ser apreciado pelos motivos referidos.

Termos em que terá de improceder.

Sobre a questão da duplicação de coleta chama-se à colação o já referido Acórdão deste TCAS, de 09.06.2022(Processo: 723/15.0BELLE), dada a identidade do teor das questões suscitadas na petição inicial, adiantando, como ali se faz que, nenhuma razão assiste à recorrente.

Mas vejamos porque assim o entendemos, acompanhado citado acórdão, dele se reproduz:

«(…)

O Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de novembro, estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal atribuída à A.....- A......., S. A. Na prossecução das suas atribuições, a A..... liquida e cobra as taxas devidas pelo uso privativo dos bens do domínio público aeroportuário e pelo exercício de atividades e serviços nos aeroportos nacionais, liquidando taxas pelos serviços prestados/operações exercidas.

De acordo com o artigo 39.º do referido DL, e sob a epígrafe Taxa de exploração, estabelece-se o seguinte:

“1 - É devida a taxa de exploração pelo exercício de quaisquer atividades relativamente às quais não haja lugar à cobrança de taxas de tráfego ou de assistência em escala, podendo ser definida segundo um dos seguintes critérios:

a) Por aplicação de um valor percentual sobre o volume de negócios realizado;

b) Por montante fixo definido pela entidade gestora aeroportuária, que pode ser diferenciado em função do tipo de atividade ou por unidade de tempo do exercício respetivo;

c) Por aplicação conjugada dos critérios referidos nas alíneas anteriores.

2 - Aplica-se à liquidação desta taxa o disposto no artigo 34.º, com as devidas adaptações”.

Por seu turno, o artigo 43.º (Liquidação e cobrança) do mesmo diploma preceitua o seguinte:

“1 - As taxas previstas no presente decreto-lei são liquidadas e cobradas pelas entidades gestoras aeroportuárias e, salvo disposição expressa em contrário, constituem receitas próprias dessas entidades.

2 - Salvo os casos abrangidos pelos números seguintes, as taxas e outras importâncias em dívida às entidades gestoras aeroportuárias devem ser pagas no prazo estabelecido por estas, o qual não pode ser inferior a 20 dias a contar da data da emissão da respetiva fatura.

3 - As taxas devidas pela ocupação de terrenos, edificações e instalações na área dos aeroportos e aeródromos vencem-se no 1.º dia do mês anterior àquele a que respeitam e são pagas até ao 8.º dia desse mês.

4 - As taxas devidas pela utilização dos aeroportos ou aeródromos por aeronaves são cobradas antes da partida destas podendo, no entanto, fixar-se regimes especiais de cobrança quando razões ligadas à operacionalidade da exploração aeroportuária o justifiquem.

5 - Em relação a utilizadores e utentes com atividade regular na área dos aeroportos ou aeródromos, podem as respetivas entidades gestoras aeroportuárias fixar regimes de cobrança periódica eventualmente condicionados à prestação de garantias patrimoniais idóneas.

6 - Sem prejuízo do que estiver especialmente regulado, a liquidação e a cobrança das taxas previstas no presente decreto-lei regem-se pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis à generalidade dos serviços públicos, nomeadamente pelo disposto na legislação tributária em vigor”.

Temos, pois, como a A..... defende e como já foi entendido por este Tribunal em anterior acórdão, que com vista à liquidação das taxas em causa são emitidas as respetivas faturas, como aqui aconteceu, tal como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.

Com efeito, foram emitidas as faturas nºs …………../2014 e ………./2014, datadas de 15/10/14, nos montantes de € 731,85 e € 18.128,97, respetivamente, as quais respeitam à taxa de exploração devida pela entrega de viaturas ligeiras pela A …. no aeroporto de Faro, nos meses de Julho e Agosto de 2014.

São estas as faturas que, como explicado, externam e consubstanciam a liquidação das taxas em causa, as quais foram comunicadas à Recorrida (como a mesma reconhece no ponto 3 da p.i de oposição), pelo que não colhe a argumentação no sentido da inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação das taxas em cobrança coerciva.» - fim de citação

Ora, in casu, como resulta do probatório, nomeadamente da certidão de dívida (ponto 3) os montantes em execução consistem em taxas devidas tal como dispõe o Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, artigo 39.º e regulamento n.º 278/2015 no seu artigo 5.º” o que lhe confere suporte legal como tributo na modalidade de “taxa” (ponto 1. e 2. do probatório), não se confundindo com qualquer verba devida (ou não) no âmbito de uma relação contratual de avença.

Dito isto concluímos que a situação enunciada na petição inicial, a existir não se compadece com o conceito de duplicação de coleta a que a recorrente faz apelo.

Com efeito, decorre do artigo 205.º do CPPT que , a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores: (i)Unicidade do facto tributário; (ii) Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o novo (imposto) que se pretende cobrar; (iii) Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige – neste sentido o acórdão do STA proferido em 08/06/2022 no processo n.º 0915/11.0BEBRG 01037/12

Como vimos, a situação que vimos de apreciar reporta-se a um único tributo, uma taxa, liquidada relativamente aos períodos 01 a 31/07/2014 liquidada na fatura n.º .......014 e, bem assim 01 a 31/08/2014 liquidada na fatura n.º .......014.

Dito isto, concluímos pela inexistência da figura da duplicação da coleta exigida nos PEF a que se opõem os presentes autos.

Acresce referir a título de nota final que a existência de eventuais montantes indevidamente pagos ou exigidos a pagamento no âmbito de qualquer contrato de avença, deve ser enquadrada no âmbito da relação contratual celebrada inter partes, sendo que qualquer litígio daí decorrente não se encontra na esfera da competência material deste tribunal.

Assim, e por não vislumbrarmos razões para mais delongas julgam-se improcedentes in totum, as conclusões recursivas, concedendo provimento ao recurso, declarar a sentença nula e julgando em substituição julgar a oposição improcedente, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente acórdão.

4 - DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste TCA Sul em:
I. Conceder provimento ao recurso e declarar nula a sentença recorrida.
II. Conhecendo em substituição, julgar a oposição improcedente.

Condena-se a recorrida/oponente em custas

Registe e Notifique.

Lisboa, 16 de novembro de 2023



Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes – 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta
(Assinado digitalmente)