Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1763/14.1BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:HOMOLOGAÇÃO
LISTA DE CLASSIFICAÇÃO FINAL
PROCEDIMENTO CONCURSAL
EXPETATIVAS
AUDIÊNCIA PRÉVIA
“UTILE PER INUTILE NON VITIATUR”
Sumário:I– Um qualquer procedimento concursal só estará concluído com o ato de homologação final, pelo que, até à sua concretização, os candidatos terão apenas meras expetativas de ser providos nas vagas concursadas.
II- A mesma natureza de ato preparatório têm os restantes atos de trâmite do concurso até à homologação da lista de classificação final, nomeadamente o projeto de classificação final elaborado pelo júri.
De facto anteriormente à homologação, o projeto de classificação não atribui aos candidatos qualquer direito, mas apenas uma simples expectativa jurídica de no futuro virem a ser graduados e classificados de modo a obterem provimento num dos lugares postos a concurso.
III- As deliberações do Júri do concurso não vinculam a entidade decisora, pelo que, correspondentemente, são insuscetíveis de gerar qualquer direito ou interesse legalmente protegido.
IV- Mesmo que se entendesse que a não realização de nova Audiência Prévia, constituía um vício, uma vez que a nova deliberação nada de substancial trouxe de diferente face à anterior, o eventual vicio verificado já, não operaria.
O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato.
V- Mesmo que tivesse sido em tempo facultada a reclamada audiência prévia, sempre o resultado decisório final seria o mesmo, perante a insusceptibilidade da decisão poder ser alterada em função da reclamada intervenção os interessados, por se mostrar ser a única decisão possível perante a factualidade dada como provada e o direito aplicável.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
T............. e D......, no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentaram contra o Município de Alcobaça, tendente à condenação deste na prática do ato de homologação da lista de classificação final unitária do procedimento concursal para provimento de dois postos de trabalho de técnico superior na área de geografia e planeamento regional, no qual haviam sido graduadas em 1º e 2º lugar, inconformadas com a Sentença proferida em 31 de janeiro de 2021 no TAF de Leiria que julgou a Ação Improcedente, vieram interpor recurso jurisdicional da referida decisão.
Formulam as aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso, apresentadas 26 de fevereiro de 2021, as seguintes conclusões:
“(A) Reconheceu-se na sentença a quo, que, "Resulta provado nos autos (cfr. al. M), do probatório) que as autoras não foram notificadas para se pronunciar sobre os fundamentos subjacentes à recusa na prolação do ato homologatório, sendo certo que a mesma era devida, nos termos previstos nos artigos 100.° e 103.°, do CPA."
(B) Porém, contra legem, não foi reconhecida ao ato impugnado, que dessa preterição de apropriou eficácia invalidante;
(C) Segundo jurisprudência do STA (Acórdão do Pleno de 23.05.2006 - Rec. 1618/02), quando o ato invalidando, "...de tão impregnado de vinculação legal, não consente nenhuma outra solução (de facto e de direito) a não ser a que foi consagrada, isto é, quando esta se imponha com carácter de absoluta inevitabilidade: um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do ato pelo tribunal."
(D) E, no caso em apreço, a indicação do requisito "Licenciatura em Geografia e Planeamento Regional" exigido, estribava-se no Mapa de Pessoal que previa os lugares postos a concurso, obedecendo tal referência ao artigo 5.°, n.° 1, alínea c) e n.° 3 da Lei n.° 12- A/2008, de 27/02;
(E) E, bem assim, ao disposto no artigo 50.°, n.°s 1 e 3 da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02 e ao artigo 19.°, n.° 3, alínea h) da Portaria n.° 83-A/2009, de 22/01, previa que do aviso constasse, "Nível habilitacional exigido e área de formação académica ou profissional, quando prevista no mapa de pessoal;";
(F) Afirma-se, ainda, em sustento do ato que "foram excluídos candidatos por não apresentação de candidatura em desconformidade com o exigido no número dez (10) do aviso de abertura de concurso";
(G) Mas não se identificam quais os candidatos excluídos, nem quais os concretos fundamentos de exclusão, considerando que o número 10 do Aviso prevê várias situações de exclusão;
(H) Todavia refere-se que as alíneas a) c) e d) do n.° 10, do Aviso, elencam um conjunto de documentos que não são requisitos legais de recrutamento nem relevam para a sua prova;
(I) Mas, sem prejuízo de não se saber se algum dos (não identificados) candidatos foi excluído por alguma destas alíneas e, em caso afirmativo, qual ou quais, o facto é que a Portaria permite a exigência de tais documentos e a sua exclusão com fundamento na não apresentação - artigo 28.°, n.°s 3, 4 e 9;
(J) Nunca foram concretamente indicados no Oficio da Provedoria de Justiça, no qual se arrimou o ato, quais foram os concretos candidatos excluídos nem porque fundamentos concretos previstos das alíneas do n.° 10 do Aviso de Abertura forma excluídos;
(K) Nem o Tribunal a quo o fez, naturalmente porque esses elementos concretos - os pressupostos de facto - nunca foram trazidos enunciados de forma concreta nem trazidos à discussão;
(L) Foi também fundamento o facto de, pese embora os elementos do Júri embora terem experiência na área funcional, não ter a Câmara Municipal de Alcobaça, em resposta, identificado a licenciatura que possuíam e, designadamente a licenciatura em Geografia e Planeamento Regional;
M) Mas a lei não exige em preceito algum que os membros do Júri indiquem as suas habilitações literárias, mas apenas que "um dos outros membros do júri devem possuir formação ou experiência na atividade inerente ao posto de trabalho a ocupar" - artigo 21.°, n.° 2 - o que, aliás, a Provedoria da Justiça reconheceu terem!
(N) Vindo, depois, referir no que diz respeito ao artigo 21.°, n.° 4, onde a lei refere que um dos membros do júri deve "sempre que possível" ter experiência na área de recursos humanos argumentar que, como a Câmara Municipal de Alcobaça não justificou - perante si, Provedoria da Justiça - a putativa impossibilidade, tal determinaria ilegalidade do procedimento;
(O) Ou seja, a Provedoria de Justiça nem sequer sabia se algum dos elementos do Júri tinha ou não experiência na área de recursos humanos - como a Câmara Municipal de Alcobaça não lhe terá prestado esta justificação, concluiu que a demonstração não estava feita e que o procedimento era ilegal;
(P) Do onde resulta que, existe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei e na fixação dos pressupostos de facto que inviabilizavam que o Tribunal a quo excluísse, como excluiu, a eficácia invalidante da preterição da audiência prévia;
(Q) Pelo que a sentença a quo violou por desaplicação, o disposto nos artigos 267.°, n.° 5, da CRP, 12.° e 100.° do CPA (na redação anterior ao Decreto Lei n.° 4/2015, de 7/12) ;
(R) Sem prejuízo do exposto, pelo ato impugnado o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça invadiu o disposto no artigo 5.°, alínea c) e n.° 3 da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02, já que se imiscuiu no âmbito de competência da Assembleia Municipal a quem está reservada a competência para aprovar e alterar os mapas de pessoal;
(S) Ou, ao menos, violou tal preceito e, bem assim, o disposto no artigo 50.°, n.°s 1 e 3 do mesmo diploma legal, por não observar o elemento vinculante constituído pela referência aposta no mapa de pessoal à licenciatura em Geografia e Planeamento Regional como habilitação única a considerar para o provimento dos postos de trabalho postos a concurso;
(T) Pelo que a sentença a quo, ao dispor como dispôs violou, também ela, os preceitos legais indicados nas duas alíneas anteriores;
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo a sentença impugnada revogada e o ato impugnado declarado inválido e anulado.”
O aqui Recorrido/Município veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 11 de março de 2021, limitando-se a afirmar que “O Município de Alcobaça, Recorrido nos autos à margem indicados, notificado das alegações de recurso apresentadas pelas A., vem pugnar pela manutenção da decisão proferida nos seus precisos termos, louvando-se, tanto na ponderação acerca das posições assumidas pelas partes, como na fundamentação de facto e de direito em que se baseou a sentença.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 16 de março de 2021.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de março de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas no Recurso, sendo que o seu objeto se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, de modo a verificar, designadamente, a suscitada Preterição da Audiência Prévia e a invocada Violação de Lei.


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
A) Em 28.10.2011 foi publicado o anúncio de abertura do procedimento concursal para constituição de relações jurídicas de emprego público, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, designadamente, para ocupação de dois postos de trabalho de técnico superior na área de geografia e planeamento regional (cfr. aviso n.° ……/2011, publicado no diário da república, II série, n.° 208, de 28.10.2011);
B) Consta do aviso de abertura que os candidatos ao concurso para os postos de trabalho referidos devem deter licenciatura em geografia e planeamento regional (cfr. ponto 7.2 do aviso);
C) A autora T............. concorreu ao concurso referido (acordo - artigo 4.° da petição; artigo 2.°, da contestação);
D) A autora D...... concorreu ao concurso referido (acordo - artigo 4.° da petição; artigo 2.°, da contestação);
E) O júri deliberou, em 06.08.2012, proceder à elaboração da lista unitária de ordenação final dos candidatos (cfr. deliberação junta com a petição inicial, a p. 14 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
F) Na deliberação do júri foi decidido graduar a candidata T............. em 1.° lugar com a classificação de 15,33 valores (cfr. deliberação junta com a petição inicial, a p. 16 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
G) Foi ainda decidido pelo júri graduar a candidata D...... em 2.° lugar com a classificação final de 13,33 (cfr. deliberação junta com a petição inicial, a p. 16 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
H) A provedoria de justiça emitiu um parecer dirigido ao Presidente da Câmara Municipal sobre a legalidade do concurso referido na al. A), que antecede (cfr. parecer a p. 27 do doc. junto com a contestação e incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
I) No parecer da provedoria de justiça é dito, designadamente, o seguinte:
«(...) Na queixa apresentada ao Provedor de Justiça está em causa a circunscrição da admissão ao concurso aos titulares de uma licenciatura particular. A circunscrição é contrária à lei e à Constituição. Os esclarecimentos e documentos trazidos ao processo da Provedoria de Justiça evidenciam essa contrariedade.
a) O recrutamento para emprego público, quanto ao requisito das habilitações, exige, em regra, a titularidade de um certo nível ou grau académico (50.°, n.° 3, artigo 51.°, n.° 1, 1.a parte, conjugado com o artigo 44.° da LVCR e artigo 116.°, alínea a), da mesma lei, que revogou o artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 233/94, de 15.9).
Quando a atividade do posto de trabalho o requeira, pode ser exigido adicionalmente que a habilitação se insira dentro de certa área de formação académica; sem que esta se confunda nível ou grau académico.
É o que, desde logo, dispõe, com clareza, o artigo 51.°, n ° 1, da LVCR:
“Em regra, pode apenas ser candidato ao procedimento quem seja titular do nível habilitacional e. quando seja o caso, da área de formação, correspondentes ao grau de complexidade funcional da carreira e categoria caracterizadoras dos postos de trabalho para cuja ocupação o procedimento é publicitado” (...)
E o artigo 50 °, n.° 3:
“Da publicitação do procedimento concursal consta, com clareza, a referência ao número de postos de trabalho a ocupar e a sua caracterização em função da atribuição, competência ou atividade a cumprir ou a executar, carreira, categoria e, quando imprescindível, área de formação académica ou profissional que lhes correspondam” (negrito nosso).
A inserção do nível habilitacional em certa área é “imprescindível” quando a atividade do posto de trabalho não pode ser exercida sem a mesma, sendo indispensável e insubstituível para esse exercício.
As áreas de formação estão normativamente fixadas. As entidades públicas empregadoras não podem - avulsa e subjetivamente - elaborar as suas próprias áreas de formação, criando os seus próprios parâmetros na identificação da oferta formativa. Não é possível, pois, a modelação das habilitações académicas no aviso de abertura.
b) O regime legal é o exposto, por um lado, porque, do ponto de vista do interesse público (artigos 266.°, n.° 1, e 269.°, n.° 1, da CRP e artigo 4 ° do CPA), as entidades empregadoras públicas devem selecionar os seus trabalhadores de entre um universo suficientemente amplo e indeterminado e não estão dispensadas de, em concreto, testar, através desde logo da prova de conhecimentos, a preparação abstrata dada pelo grau académico.
E porque, por outro lado, tem de ser, efetivamente, respeitada a possibilidade de os indivíduos abstratamente capazes disputarem os empregos públicos, possibilidade que é protegida pelo direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.°, n.° 2, da CRP.
“Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende três elementos: (a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outros motivos que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v.g. idade, habilitações académicas e profissionais); (b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminações nem diferenciações de tratamento baseadas em fatores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; (..,)” (Acórdão do Tribunal Constitucional de 8.3.1988, processo n.° 21/86 -negritos nossos).
As habilitações académicas não são aquilo que as entidades empregadoras públicas entendam por bem, no seu variável juízo, mas tais como a lei as recorta8. Ora, a lei define o requisito das habilitações académicas de forma amplíssima, em consonância com a necessidade de proteção da liberdade de candidatura e disputa dos empregos públicos.
c) Em face dos parâmetros jurídicos assentes, a análise da correção jurídica da atuação do Município, no que se refere à aplicação do requisito de recrutamento das habilitações académicas, não se dissipa pela invocação subjetiva de que “a licenciatura em Geografia e Planeamento Regional é a mais adequada ao cabal desempenho do conjunto das tarefas aos dois postos de trabalho objeto do procedimento”.
V. Exa pode facilmente compreender que:
a)O que se está em causa é a não permissão legal de escolha de licenciatura ou Iicenciatura(s) em particular, específica(s), determinada(s).
O recorte em concreto do requisito das habilitações académicas possível nunca pode ser feito por nomes, designações, variantes ou espécies de licenciaturas.
V. Exa nunca se pode, juridicamente, colocar no plano da justificação da licenciatura “A”, "B" ou “C”.
A delimitação, em sede de "habilitações académicas", só é possível - quando "imprescindível" (este é o termo e o pressuposto da lei) - no plano das áreas de formação académica.
b) A invocação por V. Exa do artigo 5.° n.° 1, alínea c), da Lei n ° 12-A/2008, de 27.2, depõe de forma absoluta contra os lermos em que V. Exa autorizou o concurso e contra o próprio mapa de pessoal da autarquia.
É que o concurso e o mapa de pessoal violam o comando do artigo 4.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 12-A/2008, de 27.2, que fala (unicamente) em áreas de formação (nunca em licenciaturas) e só permite a consideração de tais áreas quando seja “imprescindível”.
Ora. V. Exa não identifica uma área normativa de formação académica, nem faz qualquer demonstração da sua imprescindibilidade. Ressalta, inclusive, das comunicações de V. Exa, que recusa dizer quais as tarefas que só podem ser realizadas pela licenciatura em Geografia e Planeamento Regional e não podem, por exemplo, ser realizadas pela licenciatura em Geografia, Planeamento e Gestão do Território.
8. Em face do exposto, a ilegalidade do pomo 7«2. do aviso de abertura do concurso e a exclusão de cerca de três dezenas de candidatos surge como manifesta.
É motivo forte de preocupação, neste contexto, a admissão de apenas 11 candidatos e a ordenação de mérito do concurso.
9. Impedir alguém de disputar os empregos públicos para os quais tem as qualificações académicas é, como de resto se pode sem dificuldade compreender, das ilegalidades mais gravosas que podem afetar um concurso, porque afeta o conteúdo essencial do direito de acesso à função.
Por isso, a cominação legal para estes casos é a nulidade (artigo 47.°, n.° 2, da CRP e artigo 133.°, n.° 2, alínea d), do CPA).
10. Foram ainda excluídos candidatos por “apresentação de candidatura em desconformidade com o exigido no número dez (10) do aviso de abertura do procedimento concursal”.
O número dez do aviso de abertura elenca um conjunto de documentos (alíneas a), c) e) que, nem são requisitos legais de recrutamento, nem relevam para a sua prova. A exclusão de candidatos pela sua não junção não tem qualquer base legal e/ou é proibida pela lei (c/, v.g., artigo 3.°, n* t, do CPA, artigo 1.° c artigo 5°, n.° 2, da Lei n.° 7/2007, de 5.2, artigo 24.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 135/99, de 22.4, e artigos 25.° e 28.°, n.° 1, da Portaria nº 83-A/2009, de 22.1).
Importa não esquecer que que os requisitos de recrutamento para emprego público são os fixados na lei e apenas os fixados na lei.
“I. A natureza taxativa das causas de exclusão dos candidatos deriva da integração do direito de acesso à função pública no catálogo constitucional dos direitos fundamentais - cfr. art° 47° n° 2 CRP - "Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso. (...) // 6. Sendo matéria sujeita a numerus clausus sob forma legal ex vi artigos 18° n° 2 (reserva de lei restritiva) e 47° n° 2 CRP (direito de acesso à função pública), trata-se de vício [vicio decorrente do desrespeito dos requisitos legais] cuja sanção integra o regime próprio dos atos nulos por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, expressamente previsto no artigo 133° n° 2 alínea d) do CPA, cabe declarar a sua nulidade” (Ac. do 2.° Juízo do CA Tribunal Central Administrativo Sul de 25-06-2009, processo n.° 05060/09).
11. No que se refere à composição do júri é de notar que os membros do júri, tal como referenciados por V. Exa, têm experiência na área de atividade dos postos de trabalho objeto do concurso. Destaca-se, no entanto, que V. Exa não identifica as licenciaturas de que são titulares, designadamente, não traz ao processo a indicação de que têm a licenciatura em Geografia e Desenvolvimento Regional.
Dirá V. Exa que, em matéria de composição do júri, a lei não o exige. Mas ao fazê-lo só toma evidente que a atividade do posto de trabalho pode ser exercida por indivíduos com outros cursos de licenciatura.
O júri, com a composição com que funcionou, não integra nenhum elemento que “exerça funções ou possua experiência na área de gestão de recursos humanos”, como determina o artigo 21.°, n.° 4, da Portaria n.° 83-A/2009, de 22.1. É certo que a norma diz que “sempre que possível”. No entanto, que não tenha sido possível tem de ser invocado e demonstrado, o que no caso não foi feito, pelo menos de acordo com os elementos que V. Exa trouxe ao processo.
Com relevo para a valoração deste aspeto, retenha-se, mutatis mutandis, o decidido no Acórdão da 2.a Subsecção do CA do STA de 27-01-2010, processo n.° 0978/09, que se transcreve:
“Assim, não se demonstrando se era ou não possível constituir o júri com mais membros integrados na área funcional para a qual o concurso foi aberto, por força daquela regra do ónus da prova tem de valorar-se a dúvida processualmente a favor do Recorrente Contencioso, o que se reconduz a considerar processualmente demonstrado que não se verificava impossibilidade de integrar no júri outros elementos dessa área funcional” (itálico nosso)
E no Acórdão da 1 * Secção do TCA Norte de 13-01-2011,02258/05.OBEPRT:
“Cabia portanto à entidade demandada ... invocar, em tempo oportuno, e provar, que o júri do concurso tinha sido validamente constituído e, portanto, invocar, na defesa, e provar, que dele fazia parte pelo menos um professor catedrático da Universidade do Porto pertencente à área para que foi aberto o concurso”
III (...)»
(cfr. parecer a p. 27/47 do doc. junto com a contestação e incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
J) O parecer da provedoria concluiu com a recomendação seguinte:
«(...)
12. Nestes termos, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça pedimos que considere as ilegalidades expostas. Mais lhe solicitamos que promova a reposição da legalidade violada.
13. Desde já agradecendo a colaboração prestada, informo que ficamos inteiramente disponíveis para colaborar na prestação dos esclarecimentos adicionais que entenda ser necessários ou para clarificar algum aspeto das ponderações por nós expostas que seja menos claro. (...)»
(cfr. parecer a p. 47 do doc. junto com a contestação e incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
K) Em 24.04.2014, o Presidente da Câmara de Alcobaça decidiu não homologar a lista unitária de ordenação final, bem como as restantes deliberações do júri, incluindo as relativas à admissão e exclusão de candidatos, do procedimento concursal comum para constituição de relações jurídicas de emprego público, para a ocupação de dois postos de trabalho de Técnico Superior na área de Geografia e Planeamento Regional, referido na al. A), que antecede (cfr. despacho junto com a contestação, a p. 25 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
L) O Presidente da Câmara suportou a decisão referida na parte II do ofício n.° ….., de 10.05.2013 da provedoria de justiça (cfr. despacho junto com a contestação, a p. 25 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° ......);
M) As autoras não foram notificadas para se pronunciarem, antes de ser proferida a decisão final, sobre os fundamentos que levaram à decisão de não homologação da lista unitária do concurso referido na al. A) (cfr. acordo artigo 7.°, da petição; artigo 7.°, da contestação; artigo 11.° do articulado de mod. instância; artigo 4.°, do articulado de resposta; consulta PA);
N) O mapa de pessoal da Câmara Municipal de Alcobaça dos anos de 2012, 2013 e 2014 constam lugares a serem providos por pessoal titular de licenciatura em geografia e planeamento regional (acordo - artigo 40.° do articulado de modificação da instância; artigo 18.°, do articulado de resposta).”


IV – Do Direito
Peticionou-se na presente Ação a condenação do Município de Alcobaça na prática do ato de homologação relativo à lista de classificação final unitária do procedimento concursal para provimento de dois postos de trabalho de técnico superior na área de geografia e planeamento regional, no qual as Autoras, aqui Recorrentes haviam sido graduadas em 1º e 2º lugar.


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver-se a entidade demandada do pedido.


Vejamos:
Refira-se, desde já que se entende que, no essencial, a decisão proferida se mostra correta.


Aliás, pouco mais haverá a acrescentar do que reproduzir, ainda que com diversa roupagem argumentativa tudo quanto se discorreu no discurso fundamentador da decisão recorrida.


Na realidade, uma das questões essenciais a abordar prende-se com a circunstância de um qualquer procedimento concursal só estar concluído com o ato de homologação final, pelo que, até à sua concretização, os candidatos terão apenas meras expetativas de ser providos nas vagas concursadas.


Como se discorreu no Acórdão do TCAS nº 07454/03, de 22-04-2004, “A mesma natureza de ato preparatório têm os restantes atos de trâmite do concurso até à homologação da lista de classificação final, nomeadamente o projeto de classificação final elaborado pelo júri.
De facto este projeto de classificação não atribui aos candidatos qualquer direito, mas apenas uma simples expectativa jurídica de no futuro virem a ser graduados e classificados de modo a obterem provimento num dos lugares postos a concurso.
Ou seja, trata-se também de um ato sem efeitos externos, que deixa os interessados na situação em que se encontravam antes da abertura do concurso.
Caso diverso seria se o concurso prosseguisse até à publicação, no Diário da República, do despacho de homologação da lista de graduação final dos candidatos.”


Se é certo que a deliberação que determina a exclusão de determinado candidato configura um ato imediatamente impugnável, na medida em que não está sujeito a homologação, mostrando-se desde logo lesivo para o seu destinatário, essa circunstancia não determina que aqueles que sejam admitidos possam entender terem já um qualquer direito a uma qualquer das vagas concursadas.


O ato objeto de impugnação por parte das aqui Recorrentes sempre seria o ato homologatório da deliberação do júri, pois que até à sua efetivação os candidatos mais não terão do que meras expetativas no preenchimento de uma vaga.


Na realidade, no atual CPTA, o ato objeto de impugnação corresponderá incontornavelmente àquele que apresente eficácia externa e se mostre lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, independentemente da sua definitividade.


Na realidade, as deliberações do Júri do concurso não vinculam a entidade decisora, pelo que, correspondentemente, são insuscetíveis de gerar qualquer direito ou interesse legalmente protegido das autoras.


Deste modo, tal como definido em 1ª Instância, a lista de ordenação final do concurso gerada pelo júri não é um ato definidor da situação jurídica das autoras, em face do que se mostra inaplicável o disposto no artigo 141.°, do CPA, no que concerne à revogabilidade dos atos.


Em qualquer caso, entendem ainda as Recorrentes que a recusa em homologar a lista unitária de ordenação dos candidatos é ilegal uma vez que o júri, cumprindo todos os formalismos aplicáveis, cuidou de ordenar os candidatos, respeitando, nomeadamente, o mapa de pessoal do Município no qual se refere que os lugares concursados devem ser providos por pessoal titular de «licenciatura em geografia e planeamento regional».


Partem as Recorrentes daqui para um raciocínio temerário, ao afirmarem que sendo a definição dos mapas de pessoal competência da assembleia municipal, o Presidente da Câmara, ao recusar cumprir com a matéria definida no mapa de pessoal imiscuiu-se no âmbito da competência da assembleia municipal e/ou violou a norma e os artigos 50.°, n.° 1 e 3, da Lei n.° 12-A/2008, de 27.02.


O referido entendimento não faz qualquer sentido pois que cada um dos órgãos municipais tem as suas Atribuições e competências legalmente estabelecidas, pelo que o seu exercício legitimo não implica qualquer interferência na área funcional do outro.


Se é certo que o Presidente da Câmara se terá recusado a homologar a deliberação do júri com base em Parecer da Provedoria de Justiça, tal só significa que tenha cuidado de cumprir com o principio da legalidade, omitindo quaisquer comportamentos ou decisões que pudessem evidenciar alguma ilegalidade.


Como se evidenciou na decisão recorrida, os fundamentos do ato objeto de impugnação assentam predominantemente no seguinte:
(i) ilegalidade do ponto 7.2. do aviso de abertura do concurso, na medida em que exigiu como licenciatura em «geografia e planeamento regional», por considerar esta exigência, bem como a sua menção no mapa de pessoal, ilegal e inconstitucional, na medida que não poderia fazer menção das habilitações académicas por designação, variantes ou espécies da licenciatura, por revelar uma constrição atentatória da liberdade;
(ii) ilegalidade do ponto 10 do aviso de abertura, por elencar um conjunto de documentos que não são requisitos legais de recrutamento, nem relevam para a sua prova e, ao terem sido excluídos candidatos pela sua não junção, a mesma é desprovida de base legal e proibida pela lei, sendo que os requisitos para o recrutamento são apenas e só os fixados na lei;
(iii) ilegalidade na composição do júri, ao não integrar nenhum elemento que “exerça funções ou possua experiência na área de gestão de recursos humanos”.


Foram, pois, identificadas três circunstâncias invalidantes que impediram a homologação do controvertido ato concursal.


Como manifestado na decisão recorrida, as recorrentes não contestam todos os argumentos e fundamentos que determinaram o ato objeto de impugnação, o que significa que se conformaram com aqueles que não impugnaram, o que, em qualquer caso, sempre determinaria que o controvertido ato se manteria válido.


Como se discorreu no acórdão do STA de 28.10.2009, proc. n.° 0121/09, «Estamos perante um ato com três fundamentos, sendo que - segundo o entendimento do TCA - cada um deles era, só por si, bastante para justificar o seu conteúdo. Deste modo o ato só poderia ser anulado se todos os seus fundamentos fossem errados. Se um, apenas um, dos fundamentos subsistir na ordem jurídica, e for bastante para suportar a validade do ato, não se decretar respetiva anulação.
Alguma jurisprudência do STA enquadra esta matéria no “aproveitamento do ato administrativo”. Em rigor, não é uma situação de aproveitamento do ato inválido, mas sim de validade do ato que só aparentemente é inválido. A questão é, assim, a da irrelevância dos motivos ilegais do ato, perante a subsistência de, pelo menos, um motivo bastante para a sua manutenção na ordem jurídica. A consequência jurídica nunca poderia ser a da inutilidade da lide, mas sim a da improcedência da pretensão anulatória - ou seja uma questão sobre o mérito. Trata-se, portanto, de uma questão de direito sobre o enquadramento jurídico da pretensão anulatória, que cabe nos poderes oficiosos do Tribunal, nos termos do art. 664° do CPC.»


Finalmente, importa referenciar a suscitada preterição de audiência prévia.


Na realidade, mostra-se provado que as Recorrentes não foram notificadas para se pronunciarem sobre os fundamentos subjacentes à recusa na prolação do ato homologatório, a qual se mostrava devida, nos termos e para os efeitos dos artigos 100.° e 103.°, do CPA, sendo que a omissão de tal formalidade constitui potencialmente causa invalidante do ato administrativo.


Em qualquer caso, resulta igualmente dos autos que o ato de recusa da homologação da deliberação do júri se mostra vinculado pois que sempre os seus fundamentos seriam de manter independentemente da argumentação que fosse esgrimida.


Como se sumariou no acórdão do TCAN nº 2671/14.1BEBRG, de 05-02-2021 relatado pelo aqui igualmente relator, “Mesmo que se entendesse que a não realização de nova Audiência Prévia, constituía um vício, uma vez que esta deliberação nada de substancial trouxe de diferente face à anterior deliberação, o eventual vicio verificado, como se disse já, não operaria.
O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais.
Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato. Ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.”


Aqui chegados, mesmo que tivesse sido em tempo facultada a reclamada audiência prévia, sempre o resultado decisório final seria o mesmo, perante a insusceptibilidade da decisão poder ser alterada em função da reclamada intervenção das Recorrentes, por se mostrar ser a única decisão possível perante a factualidade dada como provada e o direito aplicável.


Improcedendo todos os vícios suscitados, improcederá, igualmente o Recurso.

* * *


Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional interposto, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 6 de junho de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Eliana de Almeida Pinto

Maria Helena Filipe