Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:837/15.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/24/2024
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:FACTURAS FALSAS
REPARTIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Cabe à ATA ilidir a presunção de veracidade da contabilidade, recolhendo indícios de que as aquisições aos fornecedores constantes das facturas constituem operações simuladas;
II – No domínio de operações inexistentes ou facturação falsa, o ónus probatório a cargo da AT basta-se com a demonstração da existência de indícios sérios, consistentes e objectivos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte e dos quais decorra elevada probabilidade de que as operações tituladas pelas facturas não ocorreram;
III - Tal prova não implica a prova da existência da falsidade ou dos requisitos de acordo simulatório das facturas;
IV - Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as facturas têm subjacentes transacções reais.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção do Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

G…, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRS apuradas com recurso a métodos indirectos e de IVA decorrente de correcções aritméticas relativas aos exercícios de 2011 e 2012, dela interpôs recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões:

«I. O ora recorrente, relativamente ao exercício da sua atividade empresarial nos anos fiscais de 2011 e 2012, foi objeto de fixação, por métodos indiretos, quanto à determinação do rendimento líquido da categoria B de IRS, no montante de €102 826,07 e € 122 481,17, respetivamente.

II. O ora recorrente, relativamente ao exercício da sua atividade empresarial nos anos fiscais de 2011 e 2012, foi também objeto de fixação do IVA, nos montantes de € 59 086,77 e € 48 949,70, respetivamente.

III. Tanto a determinação do rendimento líquido da categoria B de IRS, como a fixação do IVA, por métodos indiretos, foram objeto de apreciação em Comissão de Revisão nos termos do disposto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, onde a AT aceitou matéria de facto que, em juízo, sem que a FP a tenha posto em causa, não pode, por iniciativa jurisdicional, ser alterada, como aconteceu.

IV. A, aliás, douta sentença sob recurso, que não deu provimento à impugnação judicial deduzida contra as consequentes liquidações de IRS e de IVA incorreu em erro de julgamento em matéria de facto ao dar como verificados os pressupostos da fixação por métodos indiretos, fundamento expressamente alegado, pelo que enferma de nulidade e não se pode manter na ordem jurídica.

V. Deu-se como como não provado que o principal fornecedor do ora recorrente, o P…, não dispunha de uma estrutura compatível com o exercício da actividade, pese embora a prova produzida.

VI. Como prova documental, foram juntas ao processo fotografias das instalações nas quais o P… exercia, à data dos factos, a sua actividade.

VII. A veracidade das fotografias juntas sobre este facto, reconhecidas por testemunha como sendo aquelas em que trabalhou e que eram utilizadas pelo P… no exercício da sua actividade, não foi posta em causa pela FP.

VIII. No âmbito da prova testemunhal oferecida, a testemunha P… declarou peremptoriamente, no período de gravação da sua inquirição, de 46m00s a 47m14s, que trabalhou para o P…, que era carregador (efectuava o transporte do marisco), e que o P... “tinha um armazém em Setúbal... comprava marisco e vendia …tinha facturas, tinha guias de transporte”, que o armazém “…tinha um tanque grande, cabia para ali 2 toneladas de marisco…tinha um crivo, tinha um tabuleiro de escolha, tinha um escritório”.

IX. O testemunho de N..., que apresentou uma manifesta dificuldade em localizar no tempo os acontecimentos, foi, na sua integralidade, excluído pela MMª Juiz de eficácia probatória, tão-somente por aquele ter ainda dito que não frequenta as instalações do referido fornecedor desde 2008/2009.

X. Este período foi apontado sem a necessária precisão, como decorre do cruzamento do depoimento da testemunha com outros documentos constantes do processo, que aquela apontou como referência temporal, em particular a constituição da sociedade Summermermaid, em 4 de Junho de 2014, que coincidiu com o facto de “ter deixado de conduzir a carrinha”.

XI. É desadequada, porque descontextualizada, e inaceitável a forma literal e “cronométrica” como foi, no plano da eficácia probatória, considerada a frase que se refere ao período de 7 ou 8 anos que a testemunha indicou como sendo o período desde o qual “já não frequenta as instalações do dito fornecedor”, determinando a exclusão integral do depoimento.

XII. É que, mesmo que a testemunha já não frequentasse as instalações do P... desde 2008/2009, de tal não pode extrair-se que o seu depoimento não tem qualquer eficácia probatória.

XIII. Dele se colhe que P... não é um “fantasma”, uma criação do espírito.

XIV. Dele se colhe que P... era uma pessoa humana, tinha existência física, existia e trabalhava, tinha instalações para exercer a sua actividade, era armazenista de mariscos e tinha clientes no Algarve e em Espanha e que com esses clientes praticava operações do âmbito da sua actividade.

XV. Não era, sequer, um “desconhecido” da AT: tinha e tem vigente um registo como sujeito passivo de IVA no Portal das Finanças.

XVI. Para além disso, de acordo com as regras de experiência, uma empresa, em particular, um armazenista, pelo mero facto de um dos seus trabalhadores, um mero carregador, que jamais pode ser considerado um “homem chave”, se despedir, não deixa de ter instalações e, não cessa a actividade no dia seguinte ao despedimento.

XVII. De acordo com as regras de experiência, nesta situação, o gestor facilmente teria contratado outro trabalhador indiferenciado, para substituir o que despedira.

XVIII. A AT, quanto a esta matéria, limitou-se a ser negligente, a não verificar in loco se havia ou não instalações – apesar de decorridos dois ou três anos dos factos, sempre poderia verificar se havia indícios de construções novas, obras, etc., - invocando como “alegados indícios”, tomados no entanto na, aliás, douta sentença recorrida como prova inquestionável de inexistência de “estrutura compatível”, uma alegada discrepância entre valores fornecidos por terceiros (mapas de clientes e de fornecedores).

XIX. Também quanto ao outro facto dado como não provado, o dos cheques emitidos pelo ora alegante à ordem do fornecedor P..., e que foram levantados no Banco, tendo a correspondente importância sido entregue ao mencionado fornecedor, o qual pretendia receber em dinheiro, mal andou a, aliás, douta sentença recorrida.

XX. Do testemunho de N..., que fazia o transporte e distribuição do marisco vendido pelo P..., colhe-se a afirmação peremptória, no período de gravação da sua inquirição, de 52m20s a 53m17s que “…havia ordens (do patrão) para não deixar as mercadorias se não houvesse dinheiro…o senhor G... passava um cheque…íamos os dois ao banco levantar o cheque…era no M…”.

XXI. Este procedimento foi corroborado pelo testemunho dos empregados bancários.

XXII. A testemunha C..., gerente bancário, no período de gravação da sua inquirição, de 57m35s a 1h03m38s, confirma, relativamente aos levantamentos ao balcão, que o ora recorrente “…era normal fazer esse tipo de movimentações …entrega de dinheiro a essas pessoas…creio que eram fornecedores…”.

XXIII. A testemunha S…, empregado bancário, a propósito dos levantamentos em numerário ao balcão, no período de gravação da sua inquirição, de 1h07m04s a 1h11m05s, afirma que “…isso aconteceu…tenho ideia que era frequente…as pessoas acompanhavam com ele para receber em numerário…que depois entregava a essa pessoa…à minha frente”.

XXIV. Qualquer das testemunhas confirmou tratar-se de uma prática corrente no sector de actividade, e, em particular, a testemunha N... afirmou perentoriamente que essa era uma exigência do seu patrão, P....

XXV. Todavia, estes depoimentos são excluídos de eficácia probatória apenas e só porque, como se fundamenta, “nenhuma destas testemunhas se recorda, em especial, de P..., tendo a segunda afirmado peremptoriamente não o conhecer”.

XXVI. Não estava ali em causa saber se os empregados bancários conheciam o P..., pois, em regra, quem ia ao Banco, com o ora recorrente, era quem levava o marisco fornecido pelo P..., isto é, o N....

XXVII. Não podia, de acordo com as regras de experiência, tendo em conta o depoimento de N... e os procedimentos observados e testemunhados pelos empregados bancários, o Tribunal a quo ter dado como provado este facto.

XXVIII. O facto de o P... ter depositado, em número reduzido, como parece resultar de uma ininteligível e contraditória afirmação constante do Relatório da Inspecção, alguns cheques em conta própria, o que de novo confirma a sua existência e indicia a existência de operações, não é incompatível, antes reforça, o facto de ter sido “o sujeito passivo”, isto é, o ora recorrente, a levantar os cheques que emitia, naturalmente para pagar aos seus fornecedores, que assim o queriam.

XXIX. Foi ainda considerado como não provado “ Que não houve utilização das contas pessoais do Impugnante para o exercício da actividade (cfr. art.ºs 109.º e 122.º da petição inicial).

XXX. Com fundamento em que “da própria alegação do Impugnante que refere que usava a sua conta bancária pessoal para efectuar pagamentos em dinheiro pelo facto de a empresa não dispor de fundo de maneio, e que, uma vez entregue a factura na contabilidade lhe era efetuada a restituição do valor, normalmente também em dinheiro, facto que não pode deixar de ser considerado como contraditório do ora em apreço”.

XXXI. O ora alegante nunca aceitou o facto, porque inverídico, de que alguma tenha utilizado as suas contas bancárias pessoais para depositar as importâncias provenientes dos “rendimentos obtidos por gastos empolados” ou para depósito de importâncias correspondentes a vendas não declaradas.

XXXII. Notificado no decurso do procedimento da inspecção sobre a matéria, o ora recorrente respondeu que, pontualmente, antecipava importâncias que retirava das suas contas bancárias pessoais para efectuar pagamentos relacionados com a actividade, dos quais era posteriormente reembolsado.

XXXIII. A inspecção limita-se a fazer meras conjecturas e a extrair desta resposta uma absurda conclusão que o Tribunal a quo agora estranhamente subscreve na, aliás, douta sentença recorrida.

XXXIV. Não é neste facto que a Inspecção Tributária ancora a “utilização de contas pessoais “para o exercício da actividade”, antes em “rendimentos obtidos por gastos empolados”, como se colhe do seu Relatório, fundamentação que foi, a posteriori, alterada na Comissão de Revisão, e também aí não aceite pelo ora recorrente, para “entradas em dinheiro nas contas bancárias não afectas à actividade resultam de vendas não declaradas”, pelo que não pode constituir matéria de facto dada como assente. Peca, neste caso, a aliás douta sentença recorrida, para além de erro no julgamento de matéria de facto, de falta de fundamentação.

XXXV. Por último considerou o Tribunal como facto não provado” Que o valor de € 100.000,00 depositado em 2011 na conta pessoal do Impugnante junto do B… está relacionado com a protecção de património, na sequência do seu divórcio, e que constitui devolução de idêntico montante que foi entregue a seu pai para guarda na sequência do resgate de seguro de vida (cfr. art.ºs 132.º e 136.º da petição inicial)”.

XXXVI. Está documentalmente provado que o ora recorrente entregou dinheiro a seu pai, como mencionou no artigo 136.º da Petição de Impugnação Judicial.

XXXVII. O facto foi corroborado pelo depoimento de A…, no período de gravação da sua inquirição, de 1h43m50s a 1h46m08s, tendo feito prova documental, através de declaração de seu pai e irmão, de que o depósito em causa, correspondia à restituição da importância anteriormente confiada ao seu pai.

XXXVIII. Nem a prova documental, nem a prova testemunhal, foram criticamente analisadas e positivamente valoradas pelo Tribunal a quo, o que se não entende.

XXXIX. É desencadeado um inquisitório anómalo e irrelevante, face ao que estava em causa, sobre a “origem”, “forma de entrega” e até de “guarda” do numerário, como se, nas circunstâncias que rodearam o ato praticado, verosímeis, corroboradas e comprovadas no final pelo divórcio decretado entre marido e esposa – e certamente não estava em causa a valoração de uma “atitude de cônjuge” – se estivesse perante um “negócio normal”, a ser rodeado de todos os formalismos, incluindo de uma escritura pública, sem a qual eventualmente o mesmo poderia ser arguido de nulidade.

XL. Existe, pois, também quanto a este facto, por manifesto excesso de zelo, um erro de julgamento sobre matéria de facto em que incorre a, aliás, douta sentença recorrida, que igualmente neste ponto enferma de nulidade.

XLI. Incorreu ainda o Tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de direito quanto à fundamentação da AT no que se refere aos indícios supostamente por aquela alegados para sustentar uma eventual inexistência das operações, quando considera adequadamente fundamentada a correcção relativa à limitação do direito à dedução do IVA.

XLII. Louva-se, a aliás, douta sentença recorrida no seguinte, uma vez mais se mostrando benévola para com a AT, o que releva de notória parcialidade: “porquanto, não obstante a eventual imprecisão de escrita na frase em causa, o certo é que relativamente a cada a um dos mencionados fornecedores em causa foi efetuada uma análise individualizada nas diversas alíneas do ponto “III.2.” do RIT, onde a AT, como acima já se referiu, conclui que estavam em causa operações inexistentes, correspondentes, por isso, a simulação absoluta”.

XLIII. Do processo administrativo junto aos autos faz parte integrante todo o processo que correu termos na Comissão de Revisão.

XLIV. No despacho decisório, proferido no final do debate entre peritos, porque não houve acordo, pela Senhora Directora de Finanças Adjunta, consta que “O Perito da A.T. reitera o exposto no Relatório da Inspecção Tributária, colocando em causa que as mercadorias adquiridas tenham sido efetuadas a...porquanto não existem fornecedores conhecidos nem evidência de produção própria para P.... Conclui, de acordo com o disposto no artigo 103.º n.º1 alínea c) do Regime Geral das Infrações Tributárias “Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas” sendo que no caso em apreço o relatório de inspecção sublinha que as operações serão inexistentes, pelo menos entre os operadores identificados nas facturas analisadas, nunca refutando que tenha havido efectivamente compra das mercadorias, embora a terceiros não identificados, tanto que para efeitos de cálculo dos valores corrigidos foi utilizado o cálculo do valor que desconsidera na íntegra os gastos declarados pelo contribuinte nos anos em questão. Contraria, deste modo, a perspectiva considerada quer pelo perito do S.P. quer pelos argumentos expostos no pedido de revisão, concretamente nos seus pontos 25 a 39, em que o raciocínio vai no sentido de não ter havido de todo aquisição de mercadorias, seja aos fornecedores identificados nas facturas seja a outros”.

XLV. Ou seja, a interpretação do Relatório da Inspecção, feita em sede própria (Comissão de Revisão) e que a entidade competente para firmar, firmou, é a de que, nesta parte, que é, exclusivamente, matéria de facto, se está perante “operações existentes”, ainda que “com terceiros não identificados”.

XLVI. Não houve discordância – o ora recorrente, aliás, continua a defender que praticou as operações com os fornecedores identificados, mas, para o efeito, isso já não é relevante – sobre a matéria de facto firmada quanto a este ponto.

XLVII. Nem, em juízo, qualquer dos intervenientes a contestou.

XLVIII. Não é, pois, o Tribunal a quo competente, em razão da matéria, para requalificar as operações, porque ao designá-las por “operações inexistentes” apoia-se num Relatório que, afinal, assim as não qualifica ou melhor, face à última e competente interpretação que sobre ele recaiu serão apenas operações com simulação subjectiva, e, tratando-se de matéria de facto, pela razão de incompetência legal invocada, não pode modificar.

XLIX. Acresce que, a única verdade que ressalta, clara e límpida, é que AT não reuniu quaisquer indícios, nem formais, nem materiais, para que com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, se possa extrair uma ilação quanto aos factos indiciados.

L. Quanto ao fornecedor P..., e que é o de maior dimensão, limita-se a concluir que não tem estrutura empresarial, com base numa suposta divergência resultante de um cruzamento entre “anexos O/P e P/O”.

LI. Não é referido se foi ou não feito qualquer procedimento de inspecção ao sujeito passivo P..., se este cumpriu ou não as suas obrigações fiscais, se declarou quaisquer vendas e o respectivo montante, se declarou quaisquer compras e o respectivo montante.

LII. Não se sabe se o P... era exclusivamente armazenista e recorria a terceiros para a obtenção de bivalves ou se, pelo contrário, tinha meios próprios para a recolha de bivalves.

LIII. Não há nenhuma descrição de factos que possam demonstrar que P... não tinha, em 2011 e 2012, estrutura compatível com o exercício da actividade, nomeadamente se tinha ou não instalações, equipamentos de transporte, empregados ou quaisquer outros factores de produção através dos quais se possa aferir se poderia ou não ter feito o volume de transacções em causa.

LIV. E, como é manifesto, foi, exclusivamente, com base numa alegada (mas não quantificada) divergência entre as compras declaradas por terceiros, os clientes de P... quanto às compras e os fornecedores de P... quanto às vendas, que a AT concluiu que P... não tinha estrutura empresarial compatível.

LV. Ora, a constatação da existência de uma estrutura empresarial devia reportar-se a 2011 e 2012, data em que foram efetuadas as operações em causa, desconhecendo-se portanto, que estrutura tinha P... nessa data.

LVI. É um facto inquestionável e público que não foi declarada oficiosamente a cessação de actividade a P....

LVII. Com efeito, como medida de prevenção da fraude, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do CIVA, a administração fiscal tem a possibilidade legal, ou antes, o dever legal, de declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer. É que o P... tem, ainda hoje, vigente um registo como sujeito passivo de IVA., isto é, continua, para todos os operadores económicos que queiram continuar a negociar com ele, a não ter qualquer obstáculo legal que restrinja a prática de operações.

LVIII. Não há, pois, uma vez mais por notória negligência da Inspecção, na fundamentação carreada para o Relatório, o mínimo indício que permita, a quem quer que seja, concluir que o P... não tinha estrutura empresarial “compatível”.

LIX. E, consequentemente, não é possível concluir que estamos perante um operador que possa ter emitido facturas falsas.

LX. Não basta a AT concluir que estavam em causa operações inexistentes, teria sido necessário reunir “indícios fundados”, isto é, objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, o que a AT, manifestamente, não fez.

LXI. A, aliás, douta sentença recorrida “premeia” de novo a negligência da Inspecção Tributária, com a aceitação judicial de que de um facto aparentemente conhecido (a alegada divergência nos mapas recapitulativos de clientes e fornecedores, que o directamente visado não teve oportunidade de contraditar) se pode retirar a ilação natural de um facto totalmente desconhecido.

LXII. Incorreu o Tribunal a quo em erro de direito por considerar fundamentadas as correcções feitas pela AT, quando toda a fundamentação é obscura e contraditória.

LXIII. Para efeitos de correcção do direito à dedução em sede de IVA, a inspecção parece ter considerado que estamos perante uma simulação absoluta, afirmando inclusive que estas situações terão determinado “a existência de entradas de dinheiro noutras contas do SP”.

LXIV. Todavia, para efeitos do lucro tributável, em sede de IRS, não desconsidera estas operações, como encargos dedutíveis, o que devia ter acontecido, se, como se afirma estivéssemos perante uma simulação absoluta e, portanto, perante gastos que não foram suportados.

LXV. Pese embora o facto de considerar que as tais operações inexistentes terão determinado a existência de entradas nas contas bancárias do ora alegante, a inspecção tributária acaba por considerar estas importâncias como resultantes de vendas não declaradas – procedimento inconsequente.

LXVI. As mesmas entradas nas contas bancárias do ora alegante constituem, simultaneamente, e pelo mesmo montante, indício de facturas correspondentes a operações inexistentes e de vendas não declaradas – qualificação incompatível.

LXVII. Por isso, mal andou o Tribunal a quo quando considerou fundamentadas as correcções da AT, por terem sido apresentados indícios sérios, quando, como se demonstra, não passam de meras conjecturas que não constituem qualquer indício sério e credível da existência de operações inexistentes ou de vendas não declaradas.

LXVIII. Incorreu ainda o Tribunal em omissão de pronúncia, por ter considerado irrelevante pronunciar-se sobre a questão de direito suscitada pelo ora recorrente, nos artigos 155.º a 173.º da p.i, quanto ao exercício do direito à dedução do IVA no caso de uma simulação subjectiva.

LXIX. O Tribunal deu como adquirido que estávamos perante operações inexistentes, na vertente, simulação absoluta, interpretando os fundamentos invocados pela AT, nos seguintes termos:“ … a AT, como acima já se referiu, conclui que estavam em causa operações inexistentes, correspondentes, por isso, a simulação absoluta”.

LXX. Ora acontece que, ao contrário do que assume o Tribunal a quo, é a própria AT a considerar que estamos perante operações que ocorreram, “ainda que com terceiros não identificados”, operações portanto reais e efectivas, isto é, perante, segundo a qualificação jurídica da simulação, uma simulação relativa, como se viu supra.

LXXI. Assim, a, aliás, douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre a dedutibilidade do IVA no âmbito de uma simulação relativa, com o errado argumento de que tal questão estava prejudicada, por estarmos perante uma simulação absoluta.

LXXII. Incorreu também o Tribunal em erro de julgamento em matéria de direito quanto à verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, na medida em que, como se demonstrou, não está verificado nenhum dos pressupostos invocados pela inspecção tributária para a avaliação indirecta.

LXXIII. Incorreu ainda o Tribunal em erro de julgamento em matéria de direito, por errónea quantificação dos rendimentos fixados, por ter indevidamente invocado uma simulação absoluta e, assim, não reconheceu o legítimo direito à dedução do IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA.

LXXIV. O TJUE tem reiteradamente afirmado que não é compatível com o regime do direito à dedução negar esse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa estava envolvida numa fraude e que cabe à administração fiscal provar esse envolvimento.

LXXV. No caso, a inspecção tributária não fez qualquer prova, aliás, nem sequer invoca, que o ora alegante sabia ou tinha a obrigação de saber que as operações em causa decorriam de uma qualquer fraude ao imposto sobre o valor acrescentado.

LXXVI. Incorreu por último o Tribunal em erro de julgamento em matéria de direito, no que se refere à quantificação dos rendimentos fixados, por não ter considerado que o IVA deveria ter sido determinado por dentro.

LXXVII.Para além de resultar de imposições legais, é a própria inspecção tributária que assume o erro, quando, em sede de Comissão de revisão, de acordo com o respectivo laudo, o Perito da administração fiscal propõe que o acréscimo de vendas seja considerado com IVA incluído.

LXXVIII. E a verdade é que as liquidações efetuadas não assumiram esse reconhecimento.

NESTES TERMOS e nos mais que V. Ex.ª, Venerando Juiz Desembargador suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a, aliás, douta sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que reconheça integralmente a razão que assiste ao recorrente, determinando-se a anulação, pela sua totalidade das controvertidas liquidações adicionais de IVA e de IRS, assim se fazendo JUSTIÇA.»



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Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida:

i) É nula por omissão de pronuncia quanto à questão da simulação subjectiva e o direito à dedução de IVA;

ii) Incorreu em erro de julgamento da matéria de facto quanto aos pressupostos da aplicação de métodos indirectos e à protecção do património;

iii) Incorreu em erro de julgamento da matéria de direito sobre a quantificação dos rendimentos fixados no que se refere à inclusão e IVA no acréscimo de vendas considerado.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) O Impugnante tem por atividade o comércio por grosso de moluscos bivalves e a prestação de serviços de depuração e expedição destas espécies a entidades terceiras – cfr. ponto III.1 do Relatório de Inspeção (RIT) a fls. 67 a 87 do processo instrutor apenso, e por acordo.
B) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201400367, de 19.03.2014, a Administração Fiscal levou a cabo uma ação inspetiva de âmbito geral ao Impugnante relativa aos exercícios de 2011 e 2012 – cfr. o RIT a fls. 67 a 87 do processo instrutor apenso.
C) Em 29.06.2015 foi elaborado o Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT), que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se extrai o seguinte:
«[…]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
[…]

[…]
III.2.1. P…
[…]





III.2.2. M… unipessoal, Lda. NIPC 5…
[…]

[…]

[…]
III.2.3. Comunicação de I…, NIF 1…
[…]

III.2.4. Resumo do IVA apurado em falta

[…]
IV. MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

[…]

«Imagem em texto no original»

[…]

[…]

[…]

[…]

[…]» – cfr. o RIT fls. 67 a 87 do processo instrutor apenso.
D) Na sequência da notificação do RIT foi apresentado pedido de revisão da matéria coletável fixada nos termos do disposto no art. 91.º da LGT que culminou com a decisão de 27.08.2015, proferida pela Diretora de Finanças Adjunta (em substituição do Diretor de Finanças e Faro), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se retira, designadamente, o seguinte: «[…]No que respeita à não escrituração da produção própria de bivalves o perito da A.T. acolhe as razões do perito do sujeito passivo relativas ao argumento que a produção própria possa ser contabilizada pelo modelo de custo ao invés de o ser pelo justo valor, considerando como válidos todos os restantes argumentos explanados no capítulo IV do relatório de inspeção. […] Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito da Administração Tributária, e mantenho a fixação do rendimento de IRS e IVA, dos anos de 2011 e 2012, nos valores de: € 112.923,32 e € 139.250,27 (IRS), e € 59.086,77 e € 48.949,70 (IVA), respetivamente, fixados por métodos indiretos.» – cfr. fls. 220 a 223 do processo instrutor apenso.
E) Atos Impugnados: Na sequência da decisão que antecede foram emitidas entre 22 e 28 de setembro de 2015 as seguintes liquidações adicionais de IVA e IRS para os períodos de 2011 e 2012, conforme fls. 81 a 113 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas:


– cfr. fls. 81 a 113 dos autos.
F) Em dezembro de 2012 o Impugnante adquiriu ao fornecedor espanhol “E… SA” 21.820 kg de amêijoa de fraca qualidade para repovoamento tendo ocorrido em relação às mesmas mortalidade quase total – depoimento da testemunha J….
G) O Departamento Técnico da OTOC respondeu à questão colocada pelo Impugnante, através do respetivo TOC, sobre a interpretação da Norma Contabilística e Relato Financeiro 17 (NCRF 17 – Agricultura, parágrafo 7) no sentido constante do anexo 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no sentido, além do mais, de «[…] a determinação desse custo inicial do ativo biológico e respetivo custo associado à sua criação e exploração até estarem num estado de comercialização, a entidade deve aplicar os procedimentos previstos na NCRF 18 – Inventários, conforme parágrafo 34 da NCRF 17, nomeadamente quanto à determinação do custo de produção. Na prática, quer isto dizer que devem utilizar os procedimentos previstos para os inventários, nomeadamente quando se estejam a criar e a gerir ativos biológicos consumíveis, numa lógica de determinação do custo de produção. […]» – cfr. anexo 1 junto com a petição inicial.
H) A…, na qualidade de administrador da sociedade indicada em F), “E… SA”, declarou, em data não indicada, que as ameijoas adquiridas pelo Impugnante em dezembro de 2012, na quantidade de 21.820 kg, a que se referem as faturas n.ºs 1105, 1120 e 1141, eram de má qualidade por se encontrarem muito tempo fora de água e não calibradas – cfr. anexo 2 junto com a petição inicial.
I) Em 31.07.2012 a “F… – C… Ria Formosa, C.R.L.” em conjunto com o IPMAR, observaram que «a mortalidade da amêijoa nos viveiros voltou a ter uma elevadíssima incidência. […] que em média, a percentagem de mortalidade das três zonas visitadas varie entre 72 e 82% da produção – cfr. anexo 3 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.
J) Como anexo 4 à petição inicial foi apresentada uma declaração subscrita por P… datada de 06.02.2015, onde «sob compromisso de honra» declara «que todas as vendas de mariscos que [efetuou] a G... J… foram tituladas pelas respetivas facturas por [si] emitidas e os pagamentos foram todos realizados por cheques, que [levantou] e/ou [depositou] em conta» – cfr. anexo 4 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.
K) Com data de 23.12.2009 foi outorgada procuração em que I… constituiu sua bastante procuradora a sua mulher, U…, a quem conferiu os poderes descritos no referido documento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, relativos à venda de dois prédios – cfr. anexo 7 junto com a petição inicial.
L) Em data não identificada U… declarou ter recebido em nome de I… a quantia de € 6.620,78, sem identificar quem entregou tal quantia e a que título – cfr. anexo 7 junto com a petição inicial.
M) Em escrito datado de 08.06.2015 J… declarou o seguinte: «…restitui ao meu filho G... J… a importância de 100.000,00€ (cem mil euros), valor este que me tinha entregue em 2005 […]» – cfr. anexo 8 junto com a petição inicial.
N) Em 06.09.2004 e 15.02.2005 o ora Impugnante efetuou resgates antecipados da apólice n.º 106122 (Seguro e Vida “CA Vida”) nos montantes de € 70.000,00 e € 20.823,49 – cfr. anexo 9 junto com a petição inicial.
O) Em 08.07.2002 foi dissolvido por divórcio o casamento entre ora Impugnante e C… – cfr. anexo 10 junto com a petição inicial.
P) Em 12.11.2015 o Impugnante apresentou a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 dos autos.»
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Consta ainda da mesma sentença que «Factos não provados:
1. Que em 2011 e 2012 o fornecedor P... dispunha de uma estrutura compatível com o exercício da atividade (cfr. art.ºs 72.º e 73.º da petição inicial).
2. Que os valores dos cheques emitidos pelo Impugnante à ordem do fornecedor de P..., e que foram por aquele levantados no banco, foram entregues ao mencionado fornecedor, o qual pretendia receber em dinheiro (cfr. art.ºs 76.º a 78.º da petição inicial).
3. Que não houve utilização das contas pessoais do Impugnante para o exercício da atividade (cfr. art.ºs 109.º e 122.º da petição inicial).
4. Que o valor de € 100.000,00 depositado em 2011 na conta pessoal do Impugnante junto do BES está relacionado com a proteção de património, na sequência do seu divórcio, e que constitui devolução de idêntico montante que foi entregue a seu pai para guarda na sequência do resgate de seguro de vida (cfr. art.ºs 132.º e 136.º da petição inicial).

Motivação da decisão de facto:
Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do processo instrutor apenso, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade e ainda da prova testemunhal produzida em audiência, tudo conforme referido em cada uma das alíneas.
No que à prova testemunhal respeita, não foi valorado o depoimento de C… considerando que apenas teve conhecimento dos factos através de terceiros e apenas na fase de contestação das conclusões da ação de inspeção. E…, que depôs essencialmente sobre a alegada mortandade de amêijoa no ano de 2012, foi demasiado vago, não tendo o seu depoimento relevância para a formação da convicção do tribunal relativamente aos factos sobre os quais foi questionado. A testemunha J…, depondo de modo mais circunstanciado, e considerando que teve conhecimento direto dos factos por ter transportado na sua embarcação a ameijoa para repovoamento, contribuiu, para a formação da convicção do Tribunal relativamente ao facto a que se refere a alínea F) do probatório.
Quanto aos factos dados como não provados resultam de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova ou de não ter sido suficiente para a formação da convicção do tribunal a prova produzida.
Assim, e no que respeita ao facto a que se refere o ponto 1) dos factos não provados, o depoimento de P…, inquirido sobre a existência de uma estrutura produtiva relativamente ao fornecedor P..., não pode ser valorado considerando que, segundo afirmou a própria testemunha, desde 2008/2009 que não frequenta as instalações do dito fornecedor. Sendo o período de inspeção o correspondente aos exercícios de 2011 e 2012, o conhecimento que afirmou ter do local da estrutura produtiva, mesmo no confronto com as fotografias juntas com a petição inicial como anexo 6, porque anterior aos factos, não releva para o caso.
Quanto ao ponto 2) resulta, desde logo do facto de as testemunhas C… e S…, ambos empregados bancários na instituição financeira em que o Impugnante tinha, à da data dos factos, conta bancária, afirmarem ser habitual a presença quase diária do Impugnante no balão acompanhado de outras pessoas, onde levantava valores titulados por cheques que entregava a essas pessoas, mas nenhuma destas testemunhas se recorda, em especial, de P..., tendo a segunda afirmado perentoriamente não o conhecer. Além disso, tal facto mostra-se em contradição com o escrito a que se refere a alínea J) dos factos provados onde o signatário afirma que “os pagamentos foram todos realizados por cheques, que [levantou] e/ou [depositou] em conta”. Ora, ou bem que os pagamentos foram todos realizados por cheques, ou bem que o fornecedor em causa pretendia receber em dinheiro.
Quanto ao facto dado como não provado em 3), resulta, desde logo, da própria alegação do Impugnante que refere que usava a sua conta bancária pessoal para efetuar pagamentos em dinheiro pelo facto de a empresa não dispor de fundo de maneio, e que, uma vez entregue a fatura na contabilidade lhe era efetuada a restituição do valor, normalmente também em dinheiro, facto que não pode deixar de ser considerado como contraditório do ora em apreço.
Por fim, relativamente ao ponto 4) a declaração a que se refere a al. M) dos factos provados não é suficiente para convencer o Tribunal do facto ora em apreço, tendo ficado por esclarecer, designadamente, por que meio foi entregue a quantia em causa ao pai do Impugnante (numerário, cheque, transferência bancária,…), se foi tudo de uma vez, se foi em tranches, considerando que o resgate também não ocorreu todo de uma vez, como foi “guardado” esse valor.»

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III – 2. Da apreciação do recurso

Nas conclusões LXVIII a LXXI alega o recorrente que o Tribunal recorrido incorreu em omissão de pronuncia «por ter considerado irrelevante pronunciar-se sobre a questão de direito suscitada pelo ora recorrente, nos artigos 155.º a 173.º da p.i, quanto ao exercício do direito à dedução do IVA no caso de uma simulação subjectiva» dando por adquirido «que estávamos perante operações inexistentes, na vertente, simulação absoluta, interpretando os fundamentos invocados pela AT, nos seguintes termos:“ … a AT, como acima já se referiu, conclui que estavam em causa operações inexistentes, correspondentes, por isso, a simulação absoluta”» quando ao invés, é a própria AT a considerar que estamos perante operações que ocorreram “ainda que com terceiros não identificados”, operações reais e efectivas, isto é, perante uma simulação relativa.

Vejamos.

A nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, ocorre quando pelo Tribunal não foi emitida pronúncia, como se impunha por força do disposto no artigo 124.º do CPPT.

Ora, como o próprio recorrente reconhece, não ocorreu omissão de pronúncia porquanto o Tribunal recorrido julgou irrelevante tratar a questão do exercício do direito à dedução do IVA, à luz da distinção efectuada pela recorrente, ou seja, na vertente da simulação subjectiva.

Quando muito, no caso, tratar-se-ia de um erro de julgamento e não de nulidade por omissão de pronúncia.

Como tem reiteradamente sublinhado a jurisprudência, só ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma qualquer posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

Tal nulidade não se verifica se o juiz invoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada, como sucedeu no caso sub judice pois é explicitada a razão pela qual o Tribunal não se pronuncia (neste sentido v.g. os Acórdãos proferidos pelo TCA Sul no processo n.º 06418/13, de 07/05/2013 e pelo STA no processo n.º 01109/12, de 07/11/2012).

Assim sendo, não se verifica a arguida nulidade, pelo que, improcedem as referidas conclusões de recurso.


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Para melhor percebermos o âmbito do recurso que nos vem dirigido, importa ter presente que a acção inspectiva culminou com a realização de correcções com recurso a métodos indirectos.

Tais correcções sustentaram-se em quatro fundamentos:

¯ A omissão de contabilização de produção própria de bivalves;

¯ Incoerências nas existências finais;

¯ Utilização de facturas de aquisição de molúsculos bivalves correspondentes a operações simuladas e, por fim,

¯ a utilização de contas bancárias da actividade não reflectidas na contabilidade.

No julgamento da causa, o Tribunal recorrido concluiu que os dois primeiros fundamentos que sustentaram a decisão de recurso a métodos indirectos não eram válidos para justificar a decisão de proceder à avaliação indirecta, pelo que não integram o objecto do presente recurso.

Nas conclusões I a IV o recorrente alega que, no âmbito da «Comissão de Revisão nos termos do disposto nos artigos 91.º e seguintes da LGT (…) a AT aceitou matéria de facto que, em juízo, sem que a FP a tenha posto em causa, não pode, por iniciativa jurisdicional, ser alterada, como aconteceu.»

A recorrente considera que a AT aceitou que a escrituração de produção própria de bivalves por não ser necessária.

No entanto, o que resulta da acta da reunião de peritos no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável é que foram mantidos os valores propostos no relatório de inspecção, sendo a questão da mensuração dos bivalves de produção própria, referida a propósito da exposição da opinião dos peritos das partes.

Para o recorrente, como se salienta na sentença, a criação de ameijoa não pode ser considerada no âmbito da referida NCRF.

O segmento da decisão recorrida sobre a questão é o seguinte: «Quanto a esta correcção, a decisão proferida em 27.08.2015 pela Diretora de Finanças Adjunta no âmbito do procedimento de revisão a que se refere o art.º 91.º da LGT, ao descrever a posição assumida no laudo do perito da Administração Tributária, refere, precisamente, “[n]o que respeita à não escrituração da produção própria de bivalves o perito da A.T. acolhe as razões do perito do sujeito passivo relativas ao argumento que a produção própria possa ser contabilizada pelo modelo de custo ao invés de o ser pelo justo valor”. Tal reconhecimento é quanto basta para que este primeiro fundamento da decisão da aplicação de métodos indiretos seja julgado como não sendo válido, não podendo justificar tal decisão.»

Mal ou bem, para a questão que nos ocupa, não releva, o Tribunal julgou tal fundamento como não sendo válido para justificar a decisão de aplicação de métodos indirectos, dando assim, razão à pretensão do recorrente quanto a este fundamento relacionado com os pressupostos do recurso a métodos indirectos. Ou seja, a falta de escrituração dos bivalves de produção própria deixou de constituir motivo de recurso a avaliação indirecta da matéria tributável.

A Fazenda Pública não deduziu recurso quanto a tal segmento da sentença ou outro, pelo que, se tal fundamento da acção foi julgado procedente, o recorrente não foi vencido na acção nesta parte, pelo que, carece de legitimidade para a referida alegação, pelo que, é de rejeitar o recurso nesta parte.


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Nas conclusões V e seguintes, alega o recorrente que a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento da matéria de facto quanto aos factos não provados, mais concretamente quanto ao facto de o principal fornecedor do ora recorrente ¯ P...; não dispor, à data dos factos, de uma estrutura compatível com o exercício da actividade, pese embora a prova que o recorrente considera ter sido produzida.

Nos termos do artigo 640.º n.ºs 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a) do CPC, a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada quando não sejam indicados os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Para sustentar o erro de julgamento indica a prova documental consubstanciada nas fotografias juntas ao processo relativas às instalações do referido fornecedor, com base nas quais alega que o referido fornecedor exercia a sua actividade, à data dos factos, isto é 2011 e 2012, sustentando-se ainda na prova testemunhal, concretamente no depoimento da testemunha N....

Comecemos pela prova testemunhal.

A motivação do Tribunal recorrido para dar como não provado «que em 2011 e 2012 o fornecedor P... dispunha de uma estrutura compatível com o exercício da atividade» (constante do ponto 1), foi a seguinte:

«(…) sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova ou de não ter sido suficiente para a formação da convicção do tribunal a prova produzida.
Assim, e no que respeita ao facto a que se refere o ponto 1) dos factos não provados, o depoimento de P…, inquirido sobre a existência de uma estrutura produtiva relativamente ao fornecedor P..., não pode ser valorado considerando que, segundo afirmou a própria testemunha, desde 2008/2009 que não frequenta as instalações do dito fornecedor. Sendo o período de inspeção o correspondente aos exercícios de 2011 e 2012, o conhecimento que afirmou ter do local da estrutura produtiva, mesmo no confronto com as fotografias juntas com a petição inicial como anexo 6, porque anterior aos factos, não releva para o caso.»

O que se retira do depoimento da testemunha P… é que deixou de ir ao armazém há 7 ou 8 anos; que passou a trabalhar por conta própria há cerca de 4 anos e antes disso ainda trabalhava para o P..., no entanto, este já havia fechado o aludido armazém, ou seja, o depoimento não foi relevante para a prova dos factos a que a testemunha foi arrolada por não ser contemporâneo dos factos em causa nos autos. Ora, se o conhecimento que a testemunha revelou sobre o local é anterior ao período que está em causa o depoimento não é relevante como decidiu a instância.

O recorrente alega ainda que a testemunha reconheceu as «instalações que lhe foram mostradas em fotografia, que constituem o Anexo 6 da Petição de Impugnação Judicial, como sendo as instalações onde trabalhou e que eram utilizadas por P... no exercício da sua actividade (…) todavia, apresentou uma manifesta dificuldade em localizar no tempo os acontecimentos, que o Tribunal não ponderou». Mais alega que a testemunha «Não conseguiu precisar há quanto tempo transportava o marisco, respondendo “já uns anos” (…) Instado a responder (…) desde quando “tinha deixado de conduzir a carrinha” volta a não conseguir localizar no tempo tal facto, relacionando-o com o início de actividade da sociedade Summermermaid (…)».

Mais alega «que o P... “tinha um armazém em Setúbal... comprava marisco e vendia …tinha facturas, tinha guias de transporte” (…) o armazém “…tinha um tanque grande, cabia para ali 2 toneladas de marisco…tinha um crivo, tinha um tabuleiro de escolha, tinha um escritório”.» Que apesar de, no depoimento ter apresentado «uma manifesta dificuldade em localizar no tempo os acontecimentos», no essencial o seu depoimento esclareceu os factos.

Como resulta da transcrição do testemunho constante da alegação do presente recurso, o depoimento prestado pela aludida testemunha foi vago quanto aos factos que importava localizar no tempo por forma a aquilatar da sua relevância para a descoberta da verdade quanto aos factos alegados na petição inicial. Nem a compaginação do depoimento com a certidão do registo comercial da sociedade Summermermaid permite concluir de modo diverso, para daí localizar no tempo os factos como pretende a recorrente. Por tal motivo, o tribunal recorrido julgou irrelevante tal depoimento, por dele não resultar o conhecimento contemporâneo dos factos relevantes – dos exercícios objecto de acção inspectiva que esteve na base das correcções impugnadas (2011 e 2012), não resultando do recurso que tenha sido eficazmente infirmada tal motivação.

Sublinha-se que o que estava em causa era saber se nos concretos anos de 2011 e 2012 P... detinha estrutura compatível com as vendas declaradas pelo recorrente, porquanto a AT considerou que existia falta de estrutura empresarial para sustentar as vendas daquele, ou na perspectiva do recorrente, das compras por este declaradas.

A conclusão a que chegou a AT decorreu, como resulta do relatório de inspecção, do cruzamento de elementos declarativos, mais concretamente dos anexos O/P e P/O relativamente aos anos de 2011 e 2012 «constatou-se que as vendas declaradas por clientes não são suportadas por correspondentes compras declaradas por fornecedores.»

Ainda por referência ao mesmo facto não provado, alega o recorrente que se impunha julgá-lo provado através de prova documental consubstanciado nas fotografias das instalações, pretendendo provar a efectiva actividade do aludido fornecedor.

Em processo tributário são admissíveis todos os meios gerias de prova, conforme resulta do disposto no artigo 115.º do CPPT.

Nos termos do artigo 368.º, do Código Civil, que tem por epígrafe «reproduções mecânicas», «[a]s reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exatidão.»

Vejamos o caso dos autos.

A prova quanto à existência de estrutura compatível com o exercício de actividade pelo fornecedor P..., à data dos factos, não resulta das fotografias juntas pelo recorrente.

Quando muito, poderiam constituir um complemento da prova testemunhal, que como se viu não foi eficaz para comprovar a existência de estrutura à data dos factos em causa. Com efeito, a cópia de fotografia por si só, não é capaz de revelar inquestionavelmente que no período relevante, era desenvolvida actividade do visado bem como da existência duma estrutura de exercício que suportasse actividade consentânea com as vendas em causa. As cópias das fotografias fazem prova da existência de um local ¯ o objecto que nelas está representado, não permitindo, no entanto, provar que no período relevante existia nesse local, com estrutura e actividade.

Para efeitos da demonstração dos factos invocados, as cópias das fotografias em causa não os reproduzem cabalmente, não permitindo, em concreto, a verificação da capacidade estrutural contemporânea do exercício de actividade pelo visado.

Ora, cabia ao recorrente demonstrar que essa cópia fotográfica reproduz cabalmente o facto que pretende representar, o que não logrou conseguir. Daí que as mesmas não permitam sustentar a impugnação da decisão da matéria de facto e assim sendo, não se poder reconhecer às aludidas cópias força probatória plena.

Deste modo, impõe-se concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto não provada no ponto 1, improcedendo, pois, as conclusões apreciadas.

O recorrente impugna ainda o facto constante do ponto 2, dado como não provado: «os valores dos cheques emitidos pelo Impugnante à ordem do fornecedor de P..., e que foram por aquele levantados no banco, foram entregues ao mencionado fornecedor, o qual pretendia receber em dinheiro».
Alega que do depoimento prestado pelas testemunhas, designadamente por N..., C... e S… se retira a prova do facto (embora certamente por lapso refira o inverso na conclusão XXVII «Não podia, de acordo com as regras de experiência, tendo em conta o depoimento de N... e os procedimentos observados e testemunhados pelos empregados bancários, o Tribunal a quo ter dado como provado este facto.»).
A motivação do Tribunal recorrido foi a seguinte:
«Quanto ao ponto 2) resulta, desde logo do facto de as testemunhas C… e S…, ambos empregados bancários na instituição financeira em que o Impugnante tinha, à da data dos factos, conta bancária, afirmarem ser habitual a presença quase diária do Impugnante no balão acompanhado de outras pessoas, onde levantava valores titulados por cheques que entregava a essas pessoas, mas nenhuma destas testemunhas se recorda, em especial, de P..., tendo a segunda afirmado perentoriamente não o conhecer. Além disso, tal facto mostra-se em contradição com o escrito a que se refere a alínea J) dos factos provados onde o signatário afirma que “os pagamentos foram todos realizados por cheques, que [levantou] e/ou [depositou] em conta”. Ora, ou bem que os pagamentos foram todos realizados por cheques, ou bem que o fornecedor em causa pretendia receber em dinheiro.»

Vejamos o que consta do ponto J) dos factos provados:

«J) Como anexo 4 à petição inicial foi apresentada uma declaração subscrita por P…, datada de 06.02.2015, onde «sob compromisso de honra» declara «que todas as vendas de mariscos que [efetuou] a G... J… foram tituladas pelas respetivas facturas por [si] emitidas e os pagamentos foram todos realizados por cheques, que [levantou] e/ou [depositou] em conta».

Os depoimentos dos funcionários bancários pouco elucidam sobre os concretos pagamentos em causa, resultando apenas que era frequente o recorrente proceder a levantamento ao balcão de cheques para efectuar pagamentos em dinheiro, nada resultando de concreto quanto aos pagamentos alegadamente efectuados a P.... De facto, não estava em causa saber se conheciam P..., mas sim se sabiam que os cheques que lhe foram emitidos pelo recorrente nos anos de 2011 e 2012 foram levantados, por quem e se o dinheiro levantado lhe foi entregue, o que manifestamente não resultou provado.

Quanto ao depoimento prestado por N..., resultou provado o procedimento habitual nas operações de recebimento levadas a cabo pelo aludido P..., no entanto, não resultou a prova de pagamentos efectuados ao recorrente e no período relevante, como supra se deixou dito.

Acresce dizer, como sublinha o Tribunal recorrido, que o depoimento em causa conflitua com a declaração escrita prestada pelo próprio P..., junta pelo recorrente com a petição inicial e que consta do ponto J) da matéria de facto provada, da qual se retira que as vendas efectuadas ao recorrente foram tituladas por facturas por si emitidas e que os pagamentos foram todos realizados por cheques, que levantou e/ou depositou em conta.

Donde se impõe concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, que dos referidos depoimentos não se pode retirar a prova dos factos que o recorrente pretende afirmar, porquanto a prova produzida é contraditória e assim sendo, não é credível, pelo que, improcedem as conclusões de recurso apreciadas.

Prossegue o recorrente com a impugnação da matéria de facto não provada, pretendendo imputar a verificação de erro de julgamento ao ponto 3 dos factos não provados.

O referido facto tem o seguinte teor: «não houve utilização das contas pessoais do Impugnante para o exercício da actividade (cfr. art.ºs 109.º e 122.º da petição inicial).»
O Tribunal motivou a decisão sobre a matéria de facto da seguinte forma: «Quanto ao facto dado como não provado em 3), resulta, desde logo, da própria alegação do Impugnante que refere que usava a sua conta bancária pessoal para efetuar pagamentos em dinheiro pelo facto de a empresa não dispor de fundo de maneio, e que, uma vez entregue a fatura na contabilidade lhe era efetuada a restituição do valor, normalmente também em dinheiro, facto que não pode deixar de ser considerado como contraditório do ora em apreço.»

O recorrente não especifica, como era seu ónus, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c) do CPC, qual a decisão que em seu entender devia ser tomada. No entanto, presume-se que pretenda a eliminação de tal facto não provado.

Vejamos.

Alega que nunca aceitou que tenha utilizado contas bancárias pessoais para depositar importâncias proveniente da sua actividade ou «que alguma tenha utilizado as suas contas bancárias pessoais para depositar as importâncias provenientes dos “rendimentos obtidos por gastos empolados” ou para depósito de importâncias correspondentes a vendas não declaradas. (…) A inspecção limita-se a fazer meras conjecturas e a extrair desta resposta uma absurda conclusão que o Tribunal a quo agora estranhamente subscreve».

Alega ainda o recorrente que o que respondeu no âmbito da acção de inspecção é «que pontualmente antecipava importâncias que retirava das suas contas bancárias pessoais para efectuar pagamentos relacionados com a actividade, dos quais era posteriormente reembolsado». Conclui que tal não significa que utilizava as contas pessoais para o exercício da actividade e, muito menos, na acepção que a AT lhe pretende atribuir.

Vejamos.

O recorrente alegou na petição inicial, decorrendo tal facto dos autos, que a AT teve acesso às suas contas bancárias através do levantamento do sigilo bancário.

Mais, que instado a explicar os factos apurados esclareceu que, face à natureza da actividade que exerce tem de efectuar pagamentos em dinheiro, e que não dispondo de um fundo de maneio da empresa, fez esses pagamentos com fundos próprios, que têm origem nas suas contas pessoais, sem que tal constitua a assumpção de que utiliza as suas contas pessoais para o exercício da actividade, não existindo uma conta corrente. Existindo frequentes depósitos em dinheiro nas suas contas pessoais, sem que possa daí inferir-se que correspondem a vendas não declaradas. Que existe uma relação entre levantamentos e depósitos que espelham o funcionamento dos adiantamentos correspondentes a operações reflectidas na contabilidade (cf. artigo 110.º a 121.º da pi).

O recorrente discorda do facto não provado, no entanto não indica nenhum elemento de prova que permita infirmá-lo.

O recorrente afirma que retirava das suas contas bancárias pessoais para efectuar pagamentos relacionados com a actividade, dos quais era posteriormente reembolsado, concluindo que tal procedimento não configura a utilização das suas contas pessoais para o exercício da actividade.

Nas circunstâncias do caso, o levantamento e depósito de montantes relacionados com a actividade económica do recorrente, em contas bancárias pessoais permite dar como não provada a não utilização das contas pessoais do Impugnante para o exercício da actividade. É o próprio recorrente que alega na petição inicial, sem que tenha provado que os montantes levantados e os depositados têm montantes equivalentes, o que tem subjacente a asserção de que não se comprova que os montantes levantados e depositados são de montante equivalente nem que «não houve utilização das contas pessoais do Impugnante para o exercício da actividade.»

No entanto, com referência ao referido facto dado como não provado, o que se retira do corpo da sua alegação e bem assim das conclusões de recurso é que o recorrente questiona a valoração de tal facto e a conclusão que dele foi retirada, ou seja, questiona as ilações que dos factos foram retiradas, no que se refere aos montantes levantados e aos depositados. Contudo, tal não integra o domínio do erro de julgamento no apuramento da matéria de facto.

No fundo, o que o recorrente pretende é extrair do facto consequências no que se refere a um dos fundamentos constitutivos da aplicação de métodos indirectos.

Porém, tal não integra o erro de julgamento da matéria de facto.

Do exposto se extrai que, o facto dado como não provado está fundamentado nas dúvidas que o Tribunal explícita para justificar a sua falta de convencimento em contrário. Está assim identificado o processo que determinou a convicção do Tribunal recorrido quanto aos diversos elementos de prova e à sua (in)suficiência.

Do ponto de vista do erro na valoração dos factos provados, sempre se impõe concluir da mesma forma. Alegando o recorrente que os movimentos bancários em causa constituíam adiantamentos em numerário a fornecedores e suas restituições, também tais operações deveriam estar espelhadas na contabilidade por forma a que esta reflita a imagem real e apropriada da actividade da sociedade, o que não resultou demonstrado.

Isso mesmo resulta do relatório de inspecção. Com efeito, ali se afirma que «[i]nfere-se, ainda, que tais movimentos estarão reflectidos na contabilidade da actividade, quando diz, passo a citar e repito “procedendo, posteriormente, à recuperação desses valores, através da contabilidade”. Ora, da análise à contabilidade não se vislumbra a existência de qualquer conta corrente entre o SP enquanto empresário e o SP enquanto particular.»

Assim sendo, importa concluir que a alegação é genérica e não permite infirmar o facto dado como não provado. Era ao recorrente que se impunha comprovar que nas suas contas pessoais não davam entrada nem saída de montantes relacionados com a sua actividade, o que manifestamente não logrou efectuar. Os exemplos que indica na sua alegação não são comparáveis com o caso dos autos, por não se relacionarem com a fiscalização em sede inspectiva, na sequência de levantamento de sigilo bancário, da efectiva realização das operações económicas contabilizadas.

Por fim, o recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto não provada no ponto 4) do qual se extrai o seguinte: «o valor de € 100.000,00 depositado em 2011 na conta pessoal do Impugnante junto do BES está relacionado com a proteção de património, na sequência do seu divórcio, e que constitui devolução de idêntico montante que foi entregue a seu pai para guarda na sequência do resgate de seguro de vida (cfr. art.ºs 132.º e 136.º da petição inicial).»
A motivação apresentada pelo Tribunal é a seguinte: O Tribunal a quo motivou tal facto referindo que: «relativamente ao ponto 4) a declaração a que se refere a al. M) dos factos provados não é suficiente para convencer o Tribunal do facto ora em apreço, tendo ficado por esclarecer, designadamente, por que meio foi entregue a quantia em causa ao pai do Impugnante (numerário, cheque, transferência bancária,…), se foi tudo de uma vez, se foi em tranches, considerando que o resgate também não ocorreu todo de uma vez, como foi “guardado” esse valor.»

Alega o recorrente que «É desencadeado um inquisitório anómalo e irrelevante, face ao que estava em causa, sobre a “origem”, “forma de entrega” e até de “guarda” do numerário, como se, nas circunstâncias que rodearam o ato praticado, verosímeis, corroboradas e comprovadas no final pelo divórcio decretado entre marido e esposa – e certamente não estava em causa a valoração de uma “atitude de cônjuge” – se estivesse perante um “negócio normal”, a ser rodeado de todos os formalismos, incluindo de uma escritura pública, sem a qual eventualmente o mesmo poderia ser arguido de nulidade.

XL. Existe, pois, também quanto a este facto, por manifesto excesso de zelo, um erro de julgamento sobre matéria de facto em que incorre a, aliás, douta sentença recorrida, que igualmente neste ponto enferma de nulidade.»

Desde já se adianta que, também quanto a esta conclusão não lhe assiste razão.

Apesar de qualificar o vício que imputa à sentença de nulidade, o que se retira da alegação de recurso e respectivas conclusões é que está em causa a imputação de erro de julgamento de facto que assim será apreciado.

Vejamos.

Não esteve em causa no julgamento e na motivação do facto dado como não provado, o incumprimento das formalidades legalmente previstas, como pretende o recorrente, mas sim a verosimilidade e suficiência da prova apresentada relativamente ao facto alegado.

Como se sabe, o ónus da prova incumbe a quem invoca os factos alegados, conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

Pretende o recorrente que a “guarda” do numerário, (…) nas circunstâncias que rodearam o ato praticado» são «verosímeis, corroboradas e comprovadas no final pelo divórcio decretado entre marido e esposa – e certamente não estava em causa a valoração de uma “atitude de cônjuge”.

No entanto, a prova por si carreada para os autos não permite infirmar o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido quanto ao aludido facto não provado.

Senão vejamos. Alegava o recorrente que o numerário havia sido “guardado” pelo pai «no contexto de um divórcio litigioso» (cf. artigo 62 da alegação de recurso), verosímeis e corroboradas no final, pelo decretamento do divórcio.

No entanto, a declaração emitida pelo pai do recorrente é datada de 08/06/2015 (depois de iniciada a acção de inspecção), referindo que «a importância de 100 000,00€ (cem mil euros)» foi entregue em 2005 e foi restituída. Resultando da certidão do registo civil junta aos autos pelo recorrente que o seu casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 08/07/2002, muito antes da data invocada como sendo a data da entrega do montante em causa.

Assim, a argumentação do recorrente cai por terra por não ser congruente com a prova documental por si carreada para os autos, donde pretende extrair a prova do facto em causa. Sendo certo que a justificação relativa ao resgate do seguro também não permite infirmar o julgamento efectuado, daí o questionamento do Tribunal na motivação no que se refere às circunstâncias concretas que a verificar-se poderiam permitir inferir o alegado pelo recorrente.

Com efeito, extrai-se do documento 9 (constante de fls. 72 dos autos), que em 06/09/2004 o Recorrente procedeu ao resgate antecipado parcial da sua apólice de seguro no montante de € 70 000,00 e em 15/02/2005 procedeu ao resgate do remanescente no montante de € 20 823,49, ambos depositados na conta sediada na Caixa de Crédito Agrícola n.º 0045-7104-40152845489-93. No entanto, dada a discrepância dos montantes em causa, e da falta de prova do circuito monetário, não é possível estabelecer a correspondência por forma a dar como provado que os montantes resultantes do resgate foram levantados e entregues ao pai do recorrente e posteriormente restituídos ao recorrente (através de transferência bancária, depósitos e em que conta?). Isso mesmo se concluiu no relatório de inspecção aludindo à invocação da necessidade de proteger o património quando se afirma: «Quanto a isto, o SP também não demonstrou que efectuou tais transferências para o seu Pai.»

Não se trata de «excesso de zelo», nem de «inquisitório anómalo», mas antes o exercício de apreciação crítica das provas e da sua compatibilidade face à incongruência apresentada.

Em face do que se extrai da prova documental, em concreto do documento 9 a que se refere os termos em que o seguro foi resgatado, tanto a declaração constante do documento 8, como o depoimento em que o recorrente se sustenta para impugnar o facto não provado, não permitem, só por si, dar o aludido facto como provado, dadas as referidas discrepâncias e falta de prova do circunstancialismo em que teriam ocorrido os aludidos movimentos ¯ a alegada entrega e restituição pelo pai do recorrente.

Donde, sem necessidade de outras considerações, o julgamento efectuado não merece a censura que lhe vem dirigida impondo-se concluir pela improcedência das conclusões apreciadas.


*

Estabilizada a matéria de facto, vejamos a imputação de erro de julgamento de direito que o recorrente dirige à sentença nas conclusões XLI e seguintes.

Recuperando os fundamentos em que a AT se sustentou para recorrer a avaliação da matéria tributável por métodos indirectos foram quatro:

¯ não escrituração de produção própria de bivalves;

¯ as incoerências nas existências finais;

¯ utilização de faturas de aquisição de moluscos bivalves correspondentes a operações simuladas;

¯ utilização de contas bancárias da atividade não refletidas na contabilidade.

Como já antes referimos, relativamente aos primeiros dois fundamentos, o Tribunal concluiu que não poderiam constituir fundamento de aplicação de métodos indirectos, mantendo-se os dois últimos.

Alega o recorrente que o Tribunal recorrido errou no «julgamento em matéria de direito quanto à fundamentação da AT no que se refere aos indícios (…) de inexistência das operações, quando considera adequadamente fundamentada a correcção relativa à limitação do direito à dedução do IVA.»

Concretiza tal alegação aludindo ao despacho decisório proferido no âmbito da Comissão de Revisão, que por falta de acordo, manteve as correcções, de cuja leitura o recorrente retira o seguinte: «a interpretação do Relatório da Inspecção, feita em sede própria (Comissão de Revisão) e que a entidade competente para firmar, firmou, é a de que, nesta parte, que é, exclusivamente, matéria de facto, se está perante “operações existentes”, ainda que “com terceiros não identificados”.» Donde conclui que não houve discordância entre as partes, pois continua a defender que praticou as operações com os fornecedores identificados, não sendo na sua óptica «o Tribunal a quo competente, em razão da matéria, para requalificar as operações, porque ao designá-las por “operações inexistentes” apoia-se num Relatório que, afinal, assim as não qualifica ou melhor, face à última e competente interpretação que sobre ele recaiu serão apenas operações com simulação subjectiva, e, tratando-se de matéria de facto, pela razão de incompetência legal invocada, não pode modificar.»

Como se sabe, requerida a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, reunidos os requisitos legais da sua admissão, o órgão da administração tributária designará um perito da administração tributária que preferencialmente não deve ter tido qualquer intervenção anterior no processo e marcará uma reunião entre este e o perito indicado pelo contribuinte.

Tal procedimento assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando o houver, e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

Na falta de acordo, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em consideração as posições de ambos os peritos (cf. artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária (LGT)).

Se bem se entende a alegação do recorrente, considera que a decisão da Comissão de Revisão («a interpretação do Relatório da Inspecção, feita em sede própria (Comissão de Revisão)» …) alterou a fundamentação do relatório.

Vejamos se assim é.

O segmento da decisão da Comissão de Revisão do qual o recorrente pretende extrair a ilacção de que houve alteração da fundamentação que determinou o recurso a avaliação indirecta, constante do relatório de inspecção e que vem referido na conclusão XLIV, embora com imprecisões, é o seguinte quanto «à questão da utilização de facturas de aquisição correspondentes a aquisições simuladas o Perito da A.T. reitera o exposto no Relatório da Inspecção Tributária, colocando em causa que as mercadorias adquiridas tenham sido efetuadas aos fornecedores “P…, E… Unipessoal, Lda e I…, porquanto por exemplo, não existem fornecedores conhecidos nem evidência de produção própria para P.... Conclui, de acordo com o disposto no artigo 103.º n.º 1 alínea c) do Regime Geral das Infrações Tributárias “Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas” sendo que no caso em apreço, no relatório de inspecção se sublinha que as operações serão inexistentes, pelo menos entre os operadores identificados nas facturas analisadas, nunca refutando que tenha havido efectivamente compras das mercadorias, embora a terceiros não identificados, tanto que para efeitos dos critérios de cálculo dos valores corrigidos foi utilizado o rácio de rentabilidade fiscal que desconsidera na íntegra os gastos declarados pelo contribuinte nos anos em questão. Contraria, deste modo, a perspectiva considerada quer pelo perito do S.P. quer pelos argumentos expostos no pedido de revisão, concretamente nos seus pontos 25 a 39, em que o raciocínio vai no sentido de não ter havido de todo aquisições de mercadorias, seja aos fornecedores identificados nas facturas seja a outros (…) é da opinião que se devem manter os valores propostos no relatório de inspecção tributária para efeitos de IRS e IVA dos exercícios de 2011 e 2012.» (sublinhados e destacados nossos).

Trata-se da exposição da posição do perito da AT, tal como havia sido relatada a posição do perito do contribuinte, constituindo no fundo uma súmula do debate contraditório que teve lugar no procedimento de revisão, por imposição do disposto no artigo 92.º, n.º 1 da LGT, e não da decisão em si que não inflecte, no essencial o teor do RIT.

A decisão final proferida pela Directora de Finanças Adjunta é a seguinte, conforme resulta do ponto D) da matéria de facto provada: «Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito da Administração Tributária, e mantenho a fixação do rendimento de IRS e IVA, dos anos de 2011 e 2012, nos valores de € 112.923,32 e € 139.250,27 (IRS) e € 59.086,77 e € 48.949,10 (IVA), receptivamente, fixados por métodos indirectos

O que se retira da decisão em causa é que se manteve a decisão de fixação do rendimento aderindo, por concordância, à posição assumida pelo perito da AT, da qual não decorre uma alteração decorrente de interpretação do relatório passando a considerar-se operações existentes, conforme pretende o recorrente.

O que se extrai da aludida decisão é que que se manteve fixação do rendimento por métodos indirectos, com os mesmos fundamentos, especificando-se o que já constava do relatório de inspecção tributária: «reitera o exposto no Relatório da Inspecção Tributária, colocando em causa que as mercadorias adquiridas tenham sido efetuadas aos fornecedores P…, E… Unipessoal, Lda e I…» concluindo que as operações serão inexistentes, pelo menos entre os operadores identificados nas facturas analisadas» explicitando as razões em que se funda para assim concluir.

Ao Tribunal incumbe apreciar os factos e retirar deles as ilações que se imponham, de acordo com as normas aplicáveis, pelo que, o Tribunal a quo nada mais fez do que cumprir a sua função de julgar a matéria de facto provada e decidir as questões que lhe foram colocadas, de acordo com a sua convicção, formada a partir da prova carreada pelas partes. No desenvolvimento dessa actividade não procedeu à requalificação das operações ao designá-las de “operações inexistentes”, já que é isso que resulta do relatório de inspecção bem como da decisão da comissão de revisão que manteve a matéria tributável antes fixada.

O recorrente pode discordar da apreciação efectuada pelo Tribunal recorrido, no entanto, a sua leitura não tem qualquer correspondência com o teor da decisão da comissão de revisão, no sentido de concluir que as operações com os fornecedores a que se referem as facturas em causa existem, como supra se deixou dito.

Conforme resulta do disposto no artigo 75.º da LGT presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Tal presunção cessa, entre outras razões, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo como sucedeu no caso vertente (cf. artigo 75.º, n.º 2 alínea a), da LGT).

Por outro lado, decorre do artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que é sobre a ATA que recai o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos constituindo ónus do contribuinte a prova dos factos que invoca.

Da interpretação conjugada das citadas normas decorre a repartição do ónus da prova nos termos da qual cabe à AT ilidir a presunção de veracidade da contabilidade, recolhendo indícios de que as aquisições aos fornecedores constantes das facturas constituem operações simuladas.

A prova que se exige à AT, não é a da existência de acordo simulatório nos termos que decorre do artigo 240.º do Código Civil, bastando-se o cumprimento de tal ónus, para os efeitos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, com a recolha de indícios sérios, consistentes e objectivos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte e dos quais decorra elevada probabilidade de que as operações tituladas pelas facturas não ocorreram.

Cumprido tal ónus pela AT passará a incumbir ao contribuinte o ónus de provar o direito de que se arroga (o de deduzir custos ou gastos ou de exercer o direito à dedução do IVA) posto em causa pela AT, competindo-lhe o ónus de provar que as operações se realizaram efectivamente.

Este tem sido o entendimento uniforme e reiterado dos Tribunais superiores, designadamente do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, citando-se por todos o Acórdão proferido no processo 01424/05.2BEVIS 0292/18 de 27/02/2019. Também do TCA Sul processo n.º 1812/08.2BELRS de 24/01/2024.

Assim, reunidos e demonstrados que estejam indícios suficientes, no âmbito da acção inspectiva, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, fundamentando a decisão de avaliação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, passando a competir ao contribuinte alegar e provar a efectividade ou veracidade das operações que titulam as facturas postas em causa.

No caso dos autos, a ATA socorreu-se da aplicação de métodos indirectos na avaliação da matéria tributável fundamentando tal recurso nos indícios que recolheu, descritos no relatório de inspecção, no sentido da inexistência de operações referidas nas facturas respeitantes a três fornecedores.

Relativamente a tais indícios ponderou-se na sentença o seguinte: no que «diz respeito à alegada utilização de faturas de aquisição de moluscos bivalves correspondentes a operações simuladas que, no entender da AT, evidencia também a existência de registos contabilísticos de documentos que descredibilizam a escrita. Tais faturas, relativamente às quais foi desconsiderada a dedução do IVA, de acordo com a fundamentação vertida no Relatório de Inspeção foram emitidas pelos alegados fornecedores P..., M… e I…

Relativamente ao fornecedor P... entendeu a AT que este sujeito passivo não possuía estrutura compatível com o exercício da atividade em causa, não sendo as vendas por este (P...) declaradas suportadas por correspondentes compras, além do que, os cheques emitidos para pagamento das faturas emitidas ao ora Impugnante terão sido levantados pelo ordenante, indiciando assim “a convicção de estarmos na presença de utilização de faturas referentes a operações inexistentes”.

Quanto ao fornecedor M…, Unipessoal, Lda., constatou a AT que a fatura emitida ao ora Impugnante no exercício de 2011 respeita a um período anterior ao da declaração de início de atividade e que as relativas a 2012 foram emitidas em novembro e dezembro, após a cessação oficiosa de atividade da dita sociedade, em 05.07.2012, no âmbito de um procedimento de investigação de fraude, as quais foram apreendidas à ordem do processo de inquérito n.º 3/12.2IFLSB, concluindo a AT que, também aqui, estão em causa faturas registadas que se referem a operações inexistentes, conclusão a que também chegou no que se refere às faturas do fornecedor I…, detido desde 13.04.2010 a cumprir pena de 7 anos.

O Impugnante reagiu contra tal fundamento para aplicação de métodos indiretos invocando a falta de fundamentação porque a AT não concretiza quais as faturas emitidas pelo fornecedor P... que correspondem a operações inexistentes e quais as que correspondem a operações existentes, mas em que foi outro o alegado fornecedor, alegação que retira da frase “utilização de faturas referentes a operações inexistentes, pelo menos em relação a este fornecedor”, que vem no final do ponto “III.2.1” do RIT, e que o Impugnante transcreve, certamente por lapso, erradamente, tendo a frase o seguinte teor: “…, pelo menos em relação a este operador”.

Desde já se adianta que não merece acolhimento a invocada falta de fundamentação porquanto, não obstante a eventual imprecisão de escrita na frase em causa, o certo é que relativamente a cada a um dos mencionados fornecedores em causa foi efetuada uma análise individualizada nas diversas alíneas do ponto “III.2.” do RIT, onde a AT, como acima já se referiu, conclui que estavam em causa operações inexistentes, correspondentes, por isso, a simulação absoluta. Uma coisa é o Impugnante pretender demonstrar o erro no entendimento da AT (erro nos pressupostos de facto), suscetível de fazer “cair por terra” este fundamento de recurso à avaliação indireta, outra, bem diferente, é não compreender o iter cognoscitivo da AT para concluir no sentido em que concluiu, ou seja, pela existência de registo contabilístico de faturas que correspondem a operações inexistentes.»

Ora, conforme resulta do transcrito excerto a sentença, não só foi apreciado o cumprimento do dever de fundamentação das correcções do ponto de vista formal, como também foi apreciada a substância da fundamentação e da sua valia para o efeito de considerara verificados os pressupostos do recurso ao método presuntivo de avaliação da matéria tributável em termos que não nos merecem reparo.

Com efeito, o facto de o fornecedor não deter estrutura, revelando-se que não foram declaradas adquisições que permitissem justificar as vendas a que se reportam as facturas em causa, a que acresce o facto de os cheques terem sido levantados pelo próprio emitente, aqui recorrente, constituem indícios de que as facturas não correspondem a operações reais.

Se não há aquisições declaradas e não há prova segura de que os pagamentos foram efectuados ao fornecedor P..., atenta a incongruência da prova carreada para os autos pelo recorrente a que já fizemos alusão supra, estamos perante indícios verosímeis de que não houve vendas.

Cabia então, ao recorrente provar que as operações eram verdadeiras, não bastando afirmar que a AT não reuniu quaisquer indícios formais ou materiais.

Cabia-lhe provar que os activos que são discriminados nas facturas foram efectivamente adquiridos ao P... e que o valor nelas mencionado foi pago, o que não logrou fazer, já que a prova apresentada foi genérica quanto à existência de estrutura nos exercícios em causa e contraditória no que se refere aos pagamentos por cheque, prova que se mostrou insuficiente face aos indícios recolhidos.

Considerando que o que estava em causa era saber se, em concreto, nos anos de 2011 e 2012 o recorrente, adquiriu efectivamente os activos biológicos descritos nas facturas emitidas, não relevava saber se se estava perante simulação absoluta ou relativa, como pretende o recorrente, porquanto, nas circunstâncias do caso, indiciou-se que as aquisições a que se referem as facturas desconsideradas não foram feitas àquele fornecedor concreto. Ora, atendendo às supra aludidas regras sobre a distribuição do ónus da prova, cabia ao recorrente efectuar a prova de que as aquisições referidas nas facturas foram efectivamente levadas a cabo àquele fornecedor e que o circuito económico e financeiro subjacente teve lugar, o que em face da matéria de facto apurada não logrou concretizar como se concluiu na sentença.

Com efeito, refere-se na sentença relativamente «ao fornecedor P..., a AT justificou convenientemente a conclusão a que chegou, que assentou, no essencial, na inexistência de uma estrutura produtiva compatível com a atividade em causa, facto que, no caso, constituiu indício suficiente para o efeito. Ao Impugnante caberia, não concordando, demonstrar o erro de facto em que a AT incorreu. Não logrou fazê-lo.

Os factos a que se referem os artigos 72.º e 73.º da petição inicial, de acordo com os quais em 2011 e 2012 o fornecedor P... disporia de uma estrutura compatível com o exercício da atividade. Conforme se expôs em sede de fundamentação da matéria de facto, o depoimento da testemunha P… não foi de molde a poder dar-se como provada a dita factualidade considerando que, segundo afirmou a própria testemunha, desde 2008/2009 que não frequenta as instalações do dito fornecedor. Sendo o período de inspeção os exercícios de 2011 e 2012, o conhecimento que afirmou ter do local da estrutura produtiva, mesmo no confronto com as fotografias juntas com a petição inicial como anexo 6, porque anterior aos factos, não pode ser considerado relevante para o caso. Por outro lado, a declaração levada à al. J) do probatório onde o signatário (P...) afirma que “os pagamentos foram todos realizados por cheques, que [levantou] e/ou [depositou] em conta”, não se mostra coincidente com o alegado nos artigos 76.º a 78.º da petição inicial em que o Impugnante afirma que os valores dos cheques emitidos pelo à ordem de P..., foram por ele (Impugnante) levantados no banco, e foi o respetivo numerário entregue ao mencionado fornecedor, que pretendia receber em dinheiro: ou bem que os pagamentos foram todos realizados por cheques, ou bem que o fornecedor em causa recebeu em dinheiro. Pelo exposto não pode concluir-se senão no sentido de não ter o Impugnante logrado demonstrar o erro nos pressupostos de facto da conclusão a que chegou a AT

As conclusões XLI e XLIX são genéricas, no entanto, importa apreciá-las.

No que se refere ao fornecedor M…, Unipessoal, Lda., o Tribunal recorrido julgou que os indícios recolhidos pela AT eram de molde a colocar em causa a veracidade das aquisições no entendimento de que «constatou a AT que a fatura emitida ao ora Impugnante no exercício de 2011 respeita a um período anterior ao da declaração de início de atividade e que as relativas a 2012 foram emitidas em novembro e dezembro, após a cessação oficiosa de atividade da dita sociedade, em 05.07.2012, no âmbito de um procedimento de investigação de fraude, as quais foram apreendidas à ordem do processo de inquérito n.º 3/12.2IFLSB, concluindo a AT que, também aqui, estão em causa faturas registadas que se referem a operações inexistentes, conclusão a que também chegou no que se refere às faturas do fornecedor I…, detido desde 13.04.2010 a cumprir pena de 7 anos.

(…) desde já se adianta que também falece a argumentação do Impugnante.

A Administração Tributária formou a sua convicção sobre a inexistência das operações em causa com base em indícios que se considerou serem sérios e bastantes para afastarem o princípio da presunção de verdade da escrita sujeito passivo, os quais se substanciam no facto de a atividade do emitente das faturas não se mostrar declarada à data da emissão da fatura de 2011 e ter sido oficiosamente cessada, no âmbito de processo de inquérito em julho de 2012, não tendo registo de atividade nas datas em que as mesmas foram emitidas.

Dos factos invocados pela Administração Tributária conclui-se, por apelo a critérios de probabilidade e razoabilidade, e tal como sucede em relação ao fornecedor P..., que, de facto, não é expectável que alguém sem atividade declarada junto da ATA desenvolva atividade comercial e, muito menos, que emita faturas relativamente a uma atividade que, do ponto de vista legal, para efeitos fiscais, não poderia exercer sem a prévia declaração de início de atividade. Ou seja, não merece censura a conclusão a que a Administração Tributária chegou para questionar a veracidade das relações materiais refletidas nas faturas em causa. A partir daqui, como se referiu acima, cabia ao Impugnante demonstrar o erro de raciocínio da AT, provando a efetiva realização das compras a que se referem as faturas.

O Impugnante, no ponto, limita-se a afirmar que o incumprimento das obrigações declarativas do emitente das faturas não demonstra que estejamos perante operações inexistentes, não desenvolvendo qualquer esforço no sentido de demonstrar, por exemplo, o modo e data de pagamento de cada uma das faturas, que seria um meio para evidenciar a veracidade das operações que lhes estariam subjacentes. Não tendo procurado demonstrar quaisquer factos suscetíveis de revelar a veracidade das trocas comerciais refletidas nas faturas não merece censura a conclusão a que chegou a Administração Tributária, improcedendo a alegação do Impugnante.

Quanto se disse até aqui vale, mutatis mutandis, em relação ao fornecedor I…, não sendo a alegação do Impugnante capaz de demonstrar a efetiva ocorrência das relações comerciais refletidas nas faturas em causa.»

A emissão de facturas em data anterior à da declaração do início ou da cessação da actividade não traduz só por si, a inexistência das operações, por constituírem incumprimento de obrigações declarativas do fornecedor, no entanto, conjugando tal circunstancialismo com o inquérito por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, no âmbito do qual as facturas contabilizadas pelo recorrente foram apreendidas, constituem indícios de que as facturas em causa têm subjacente operações inexistentes. O facto de a AT ter determinado oficiosamente a cessação da actividade sem que a mesma tenha sido imediatamente concretizada a cessação nos registos informáticos no exercício em causa permite concluir pela invalidade do indício de emissão de facturas em data posterior à data da cessação da actividade, mantendo-se os restantes indícios.

Quanto às facturas a que respeitam a este fornecedor, concluiu o Tribunal que o ora recorrente não desenvolveu «qualquer esforço no sentido de demonstrar, por exemplo, o modo e data de pagamento de cada uma das faturas, que seria um meio para evidenciar a veracidade das operações que lhes estariam subjacentes». Compulsados os autos, verificamos que não foi feita prova sobre as invocadas transacções.

No que se refere a I…, a AT considerou que estava em causa a utilização de facturas referentes a operações inexistentes pelo facto de o referido fornecedor se encontrar a cumprir pena privativa de liberdade de 7 anos e seis meses desde 13/04/2010 (cf. processo 53/07.0FAOLH), bem como com base na declaração do próprio que afirma que «foram passados recibos em meu nome e não assinados por mim (…) a (…) e a G... M… (…)» nada refere sobre as vendas subjacentes aos referidos recibos. Afirma que foram emitidos recibos em seu nome, que não os assinou, mas não declara que as vendas tiveram lugar e foram efectuadas em seu nome por interposta pessoa.

Por outro lado, o exercício de actividade por interposta pessoa com base num procuração junta aos autos, a que se refere o ponto K) dos factos provados, também não resulta provado porquanto a aludida procuração confere poderes a U… para vender dois prédios mistos, nada referindo relativo ao actividade económica, daí que o Tribunal recorrido tenha concluído que o impugnante, ora recorrente não foi capaz de demonstrar a efectiva ocorrência das relações comerciais subjacentes às faturas em causa, julgamento que não merece a censura que lhe vem dirigida, pelo que, improcedem as conclusões apreciadas.

Nas conclusões LXIII e seguintes, sustenta que estão em causas meras conjecturas que não constituem qualquer indício sério e credível da existência de operações inexistentes ou de vendas não declaradas quando, para efeitos de correcção do direito à dedução em sede de IVA, a inspecção parece ter considerado que estamos perante uma simulação absoluta, afirmando inclusive que estas situações terão determinado “a existência de entradas de dinheiro noutras contas do SP” e para efeitos do lucro tributável, em sede de IRS, não desconsidera estas operações, como encargos dedutíveis, o que devia ter acontecido, se, como se afirma estivéssemos perante uma simulação absoluta e, portanto, perante gastos que não foram suportados.

No entanto, não é isso que resulta do relatório de inspecção, como inferiu o Tribunal recorrido. Com efeito, uma coisa é a correcção de gastos deduzidos para efeitos de IRS por se ter apurado indícios de inexistirem tais relações comerciais com os três aludidos fornecedores. Outra coisa é o apuramento de entradas em contas pessoais, não afectas à actividade que a AT considerou corresponderem a transacções comerciais das quais resultou rendimento não declarado, pois não estão em casua «as mesmas entradas em dinheiro». Não havendo qualquer contradição na coexistência das duas situações apuradas.

Alega ainda o recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto, para efeitos de lucro tributável de IRS, a AT não desconsidera estas operações, como encargos dedutíveis, o que devia ter acontecido, se, como se afirma estivéssemos perante uma simulação absoluta e, portanto, perante gastos que não foram suportados.

No entanto, tal questão não foi invocada na petição inicial, e nessa medida não foi objecto de apreciação e decisão pelo Tribunal recorrido. Por não ser questão de conhecimento oficioso, não pode ser objecto de conhecimento por este Tribunal em sede de recurso por constituir uma questão nova.

Por fim, importa apreciar a imputação de erro de julgamento de direito por errónea quantificação dos rendimentos fixados.

Nas conclusões LXXIII a LXXVIII o recorrente sustenta a sua alegação no entendimento de que o Tribunal invocou indevidamente uma simulação absoluta, donde conclui que o não reconhecimento do direito à dedução de IVA é ilegal porquanto a AT não fez prova de que o recorrente tinha conhecimento de qualquer fraude.

Ora, no caso dos autos, conforme se deixou dito supra, a prova adquirida nos autos vai no sentido de que a AT provou os indícios da inexistência das operações relativamente aos três operadores a que antes se aludiu, nos termos que ali se expendeu e que aqui se reitera. Não tendo o recorrente logrado provar que as operações se verificaram e decorrendo da economia do sistema do IVA que não pode deduzir-se IVA decorrente de operações simuladas, regra que encontra consagração no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, não ocorrendo, assim, o alegado erro de julgamento no que se refere à quantificação.

O erro de julgamento no que se refere à quantificação vem também sustentado pelo recorrente «por não ter considerado que o IVA deveria ter sido determinado por dentro».

Refere-se o recorrente a que as correcções em causa relacionadas com o acréscimo de vendas considerado deveria ser considerado com IVA incluído, invocando que foi esse o entendimento expresso pelo perito da AT no seu laudo.

Ora, compulsado o invocado laudo, o que se constata é que foi efectuada pelo perito da AT a contraproposta de considerar as vendas não declaradas com IVA incluído, proposta que o ora recorrente não aceitou, não havendo acordo, como supra se verificou, pelo que, a alegação do recorrente não tem sustentação nos factos provados, donde se impõe concluir pela total improcedência do recurso.


*

No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi o recorrente que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).

IV – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Conforme requerido nos autos informe o Magistrado do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Faro - DIAP, Secção de Olhão, da prolação da presente decisão.

Lisboa, 24 de Outubro de 2024.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Isabel Ferreira da Silva – 1ª Adjunta

Jorge Cortês – 2º Adjunto