Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:109/23.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
Sumário:I. A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral, salvo se, por despacho fundamentado do Juiz for determinada a prorrogação desse prazo, podendo esta ser realizada até a um máximo de três vezes, por sucessivos períodos de 2 meses (artigo 21.º n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária – RJAT).
II. Da conjugação da disciplina jurídica referida em I., com os demais preceitos contidos no RJAT, no Código de Processo Civil e no Código Civil, subsidiariamente aplicáveis, resulta, nomeadamente, que: (i) o prazo limite – quer o prazo regra consagrado no n.º 1, quer o prazo excepcional até 12 meses estabelecido no n.º 2 – é um prazo de duração máxima do processo arbitral; (ii) o prazo aplicável inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral, por força do preceituado no artigo 15.º do RJAT; (iii) o prazo a relevar (regra ou excepcional) não se suspende nas férias judiciais, ou seja, conta-se seguidamente (iv) independentemente de o prazo a considerar ser de 6, 8, 10 ou 12 meses (consoante seja aplicável o prazo regra consagrado no n.º 1 ou o prazo que, por força dos despachos de prorrogação proferidos, deva ser relevado) a sua integral observância pressupõe a prolação da decisão e a sua notificação; (v) decorrido o prazo máximo que no caso deva ser considerado, extinguem-se os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, “terminando o processo”.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A E........ LDA., (doravante, Impugnante), veio impugnar, ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), a decisão proferida no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no âmbito do processo 260/2022-T, que julgou parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), ano de 2017, com o n.º 20........, datada de 24 de novembro de 2021, com a respetiva liquidação de juros compensatórios com o n.º 20........ e, bem ainda, da demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 20........, com o valor a pagar de € 236.305,27.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

«V – CONCLUSÕES:

A. A. Estipula o artigo 28.º, n.1, alínea c), do RJAT, que a Decisão Arbitral é impugnável com fundamento em pronúncia indevida.

B. Nos termos do disposto no artigo 21.° do RJAT, a Decisão Arbitral deve ser emitida e notificada no prazo de 6 meses a contar do início do processo arbitral, podendo este prazo ser prorrogado com um limite de 6 meses.

C. Por força do artigo 15.º do RJAT, este prazo inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral.

D. Ora, o Tribunal Arbitral foi constituído a 23 de Junho de 2022 e a Decisão Arbitral foi proferida no dia 22 de Junho de 2023, todavia, a notificação da mesma ao aqui-Mandatário ocorreu, rectius tornou-se perfeita, apenas no dia 26 de Junho de 2023 (ou seja, segunda-feira).

E. Nestes termos, aquando da notificação da Decisão Arbitral ao Mandatário da aqui Impugnante a mesma já tinha excedido o limite temporal previsto no artigo 21.º, n.2, do RJAT.

F. Deste modo, estando extintos os poderes jurisdicionais, a Decisão Arbitral emitida é juridicamente inexistente, não podendo produzir quaisquer efeitos jurídicos.

G. A celeridade constitui um aspeto fulcral do regime jurídico subjacente aos Tribunais Arbitrais, pelo que é pacificamente aceite que os prazos ínsitos no artigo 21.º do RJAT para a emanação de uma Decisão Arbitral são de natureza peremptória e não meramente indicativa ou ordenadora.

H. Neste sentido, e face ao exposto, dúvidas não poderão haver que estamos perante um vício de pronúncia indevida já que a Decisão Arbitral aqui visada foi notificada ao Mandatário da aqui-Impugnante para além do prazo legal preceituado no artigo 21.º do RJAT.

I. Efetivamente, e em termos sumariados, o Tribunal Arbitral foi constituído a 23 de junho de 2022 e a perfeição da notificação da Decisão Arbitral ao Mandatário ocorreu apenas a 26 de junho de 2023, o que configura o decurso de mais de 12 meses entre aqueles dois momentos-relevantes.

J. Como refere o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Guia da Arbitragem Tributária”, revisto e atualizado, 3.ª edição, 2017, Almedina, página 202: “Em qualquer caso, não bastará proferir a decisão dentro do prazo aplicável, sendo necessário que a respetiva notificação também se efetue dentro dele, como resulta do texto do n.1 do artigo 21.º do RJAT.”.

K. O que, in casu, não aconteceu, pelo que, deste modo, a Decisão Arbitral padece de uma inexistência jurídica, devendo este Douto Tribunal assim a decretar.

L. Estipula o artigo 21.º, n.2, do RJAT que: “O tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam.”.

M. No caso sub judice, o primeiro despacho arbitral de prorrogação está datado de 21 de dezembro de 2022, pelo que, a notificação do Mandatário ocorreu no dia 26 de dezembro de 2022, o que significa que quando esta notificação ocorreu o Tribunal Arbitral já estava dissolvido, por tal ter ocorrido para além dos 6 meses.

N. O segundo despacho arbitral de prorrogação está datado de 23 de fevereiro de 2023, pelo que, a notificação do Mandatário ocorreu no dia 27 de fevereiro de 2023, o que significa que quando esta notificação ocorreu o Tribunal Arbitral já estava dissolvido, por tal ter ocorrido para além dos 8 meses.

O. O terceiro despacho arbitral de prorrogação está datado de 21 de abril de 2023, pelo que, a notificação do Mandatário ocorreu no dia 24 de abril de 2023, o que significa que quando esta notificação ocorreu o Tribunal Arbitral já estava dissolvido, por tal ter ocorrido para além dos 10 meses.

P. Deste modo, também, nesta perspetiva, a Decisão Arbitral padece de uma inexistência jurídica, devendo este Douto Tribunal assim a decretar.

Q. O artigo 21.º, n.2, do RJAT exige que a comunicação da prorrogação seja acompanhada dos motivos que a fundamentem.

R. Ora, nos três despachos arbitrais de prorrogação, o Tribunal Arbitral utilizou sempre a mesma motivação que sintetizou num lacónico “nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de Direito.”

S. A expressão “com fundamento na complexidade da matéria de facto e de Direito” padece de obscuridade porquanto não dá a saber a um destinatário normal o percurso intelectual e volitivo que determinou a atuação administrativa.

T. Atente-se que, na presente lide arbitral, não houve produção de prova testemunhal, nem alegações por ambas as Partes, sendo a prova documental a base de todo o processo.

U. Aliás, incoerentemente, o Tribunal prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de alegações finais escritas.

V. E mais grave ainda foi a “complexidade” ter desembocado em apenas cinco páginas (31 a 35 da Decisão Arbitral) de fundamentação fáctica, sendo a maior parte destas preenchida por citações e em duas páginas (35 e 36 da Decisão Arbitral) de fundamentação jurídica.

W. Por outras palavras, nota-se, claramente, que a “motivação” apresentada visou apenas manter “formalmente vivo” o dissidio arbitral, sendo a mesma destituída de qualquer aderência à realidade, visando apenas ocultar a forma deveras negligente com que este processo arbitral foi conduzido pelo Árbitros que o integraram.

X. Da mesma maneira, nesta perspetiva, a Decisão Arbitral padece de uma inexistência jurídica, porquanto a motivação dos despachos de prorrogação não cumpre com aquilo que se pretendeu salvaguardar com a previsão normativa da necessidade de que a Decisão fosse motivada e esta fosse transmitida àqueles que têm direito a uma Decisão Arbitral em tempo legalmente útil.

Y. Estipula o artigo 607.º, n.4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, alínea e), do RJAT: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.

Z. Deste modo, quando o artigo 28.º, n.1, alínea a), do RJAT refere que a Decisão Arbitral é impugnável com fundamenta na “Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, abrange também a falta de exame crítico das provas apresentadas.

AA. Ora, no caso concreto, estava em causa a aceitação fiscal dos gastos intragrupo incorridos com a cedência de pessoal e que foram totalmente desconsiderados pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viana do Castelo e que o Tribunal Arbitral manteve.

BB. A presença e o trabalho desenvolvido por esse pessoal a favor da Impugnante é inquestionável, decorrendo, inclusive do próprio teor do Relatório de Inspeção Tributária.

CC. Desta forma, a Impugnante apresentou extensa prova documental (interna e externa) de modo a demonstrar, sem margem para qualquer dúvida, a efetividade dos serviços prestados pelo pessoal cedido a favor da Impugnante.

DD. Nesta altura, e apesar de toda a prova documental aportada ao processo, o Tribunal Arbitral limita-se a referir no seu ponto 28 de que “Na convicção do Tribunal Arbitral, as declarações departamentais e as declarações de entidades terceiras juntas ao PPA (Documentos 5 a 40) não têm credibilidade suficiente para afastar a fragilidade dos elementos fornecidos pela Requerente à AT no decorrer do procedimento inspetivo, nem as conclusões formuladas pela AT no Relatório de Inspeção Tributária.”.

EE. O Tribunal Arbitral não densifica minimamente o porquê da extensa prova documental (interna e externa) não ter “credibilidade suficiente”.

FF. Na verdade, verifica-se uma total omissão de exame crítico da prova documental apresentada pela Impugnante, enquanto Requerente, de modo a que se tornou impossível avaliar o porquê do sentido adotado pela Decisão Arbitral e o processo cognitivo que possibilitou a decisão da matéria de facto.

GG. Naturalmente que o Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, é livre de formar a sua convicção, mas sempre desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

HH. Acresce que aquele principio não pode colidir com os princípios que enformam o direito tributário, em especial, o princípio consagrado no artigo 100.º do CPPT, segundo o qual: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”.

II. No caso concreto, caso a prova documental tivesse sido objeto de algum tipo de apreciação critica, teria o Tribunal Arbitral concluído que a Impugnante havia feito prova suficiente que gerou fundada dúvida sobre a existência do facto tributário.

JJ. Ademais, documento particulares (artigo 363.º, n.2, do Código Civil) cuja autoria (assinatura) não se encontra impugnada, têm o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.1, do Código Civil, ou seja, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

KK. Todavia, no caso sub judice, nem sequer foi arguida a falsidade da prova documental junta ao processo.

LL. Deste modo, apodar, sem qualquer fundamento, toda a prova documental como não sendo “credível” é tornar a Decisão Arbitral imperscrutável.

MM. O que a torna nula.

NN. Estabelece o artigo 28.º, n.1, alínea b), do RJAT, que a decisão arbitral é impugnável com fundamento na oposição dos fundamentos com a decisão.

OO. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da decisão devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada.

PP. Por outras palavras, esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da decisão.

QQ. Essa desarmonia lógica é patente no caso concreto quando o Tribunal Arbitral aceita que possam ter sido prestados serviços de cedência à Impugnante, mas depois conclui no sentido contrário, mantendo as liquidações adicionais vigentes na ordem jurídica, conforme se afere imediatamente neste trecho da Decisão Arbitral: “Embora, em abstrato, o Tribunal Arbitral possa aceitar que foram prestados serviços de cedência de pessoal à Requerente, não é possível ao Tribunal Arbitral, com base na prova constante do processo administrativo e do processo arbitral, aferir o real período em que cada trabalhador cedido prestou serviços na Requerente, ou calcular os gastos subjacentes às efetivas prestações de serviços adquiridas pela Requerente.”.

RR. Aliás, o Tribunal Arbitral ainda tenta contornar esta incoerência argumentativa dizendo que o raciocínio aflorado processa-se “em abstrato”.

SS. Ora, como é óbvio, o Tribunal Arbitral não estava a decidir tendo por base uma abstração, nem isto era um exercício académico mas, ao invés, estava perante um caso concreto, no qual reconheceu, ainda que, com este raciocínio inusual, que foram prestados serviços de cedência à Impugnante.

TT. Desta forma, e também por este motivo, a Decisão Arbitral aqui impugnada é nula.

Termos em que, e por tudo o exposto, sempre com o Douto Suprimento de V. Exas., deve a presente Impugnação da Decisão Arbitral identificada supra ser julgada procedente, sendo, em consequência, a mesma anulada, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

Regularmente notificada, a Entidade Impugnada não apresentou contra-alegações.


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste Tribunal foi oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Atendendo ao teor das conclusões da impugnação, cumpre apreciar se:

· A decisão arbitral deve ser julgada nula, por pronúncia indevida, por ter sido notificada às partes após o decurso do prazo previsto nos n.ºs 1 do artigo 21.º do RJAT, isto é, quando já estavam extintos os poderes do Tribunal Arbitral para decidir?

· A decisão impugnada padece de nulidade por ter sido proferida após a prolação de 3 despachos de prorrogação, notificados para além do prazo legal, todos com fundamentação lacónica e obscura, em violação do disposto no artigo 21.º n.º 2 do RJAT?

· A decisão arbitral deve ser declarada nula, com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão, por falta de exame crítico das provas apresentadas?

· A decisão arbitral deve ser julgada nula por existir uma oposição entre os fundamentos e a decisão, quando o Tribunal Arbitral aceita que possam ter sido prestados serviços de cedência à Impugnante, mas depois conclui no sentido contrário, mantendo as liquidações adicionais vigentes na ordem jurídica?

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Por serem relevantes para a apreciação da presente Impugnação e estarem documentalmente comprovados nos autos, julgam-se assentes os seguintes factos:

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa no dia 13 de abril de 2022, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo [cfr. fls. 1 a 48 do processo arbitral junto aos autos].

2. A 14 de abril de 2022 foi validado e aceite pelo Centro de Arbitragem Administrativa o pedido referido em 1. [cfr. fls. 384 do processo arbitral junto aos autos].

3. A 19 de abril de 2022 foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira da apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral [cfr. fls. 387 do processo arbitral junto aos autos].

4. A 23 de Junho de 2022 foi constituído o Tribunal Arbitral e as partes notificadas dessa constituição [cfr. fls. 401 a 408 do processo arbitral junto aos autos].

5. A 23 de Junho de 2022 o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para, querendo, responder [cfr. fls. 409 do processo arbitral junto aos autos].

6. Em 11 de setembro de 2022, a Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, cujo teor consta de fls. 421 a 458 do processo arbitral junto aos autos, e juntou o processo administrativo.

7. A 21 de Dezembro de 2022, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: « Os árbitros Professora Doutora R......... (presidente), Doutora C......... e Doutor S........., designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23-06-2022, acordam em prorrogar o prazo para prolação de Decisão Arbitral por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de Direito.» [cfr. fls. 1599 do processo arbitral apenso aos autos].

8. O despacho referido no ponto anterior foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. fls. 1600 a 1603 do processo arbitral apenso aos autos].

9. A 23 de Fevereiro de 2023, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Os árbitros Professora Doutora R......... (presidente), Doutora C......... e Doutor S........., designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23-06-2022, acordam em prorrogar o prazo para prolação de Decisão Arbitral por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de Direito.» [cfr. fls. 1605 do processo arbitral apenso aos autos].

10. O despacho referido no ponto antecedente foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. fls. 1606 a 1609 do processo arbitral anexo a estes autos].

11. A 21 de Abril de 2023, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Os árbitros Professora Doutora R......... (presidente), Doutora C......... e Doutor S........., designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23-06-2022, acordam em prorrogar o prazo para prolação de Decisão Arbitral por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de Direito.» (fls. 1611 do processo arbitral apenso aos autos].

12. O despacho referido no ponto anterior foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. fls. 1612-1615 do processo arbitral anexo a estes autos].

13. Em 22 de Junho de 2023, foi proferida a decisão arbitral impugnada [cfr. fls. 1616 a 1661 do processo arbitral anexo a estes autos].

14. A Notificação da Decisão Arbitral ao Sujeito Passivo foi efetuada por via eletrónica, através do sistema de gestão processual do CAAD, no dia 22-06-2023 [cfr. fls. 1662 do processo arbitral apenso aos autos].

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se a decisão impugnada incorreu no vício de pronúncia indevida, por ter sido proferida e notificada às partes após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, isto é, quando os poderes do Tribunal Arbitral já se haviam extinguido.

O artigo 21.º do RJAT, sob a epígrafe “Prazo”, estabelece o seguinte:

“1 – A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral.

2 – O tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam.”.

Por sua vez, dispõe o artigo 15º do RJAT que “o processo arbitral tem início na data da constituição do tribunal arbitral (…)”.

Da disciplina consagrada resulta, assim, que o legislador optou, no n.º 1 do artigo 21º, por estabelecer um prazo regra de 6 meses, que funciona como um limite temporal para a emissão e notificação às partes da decisão arbitral, admitindo, no n.º 2, excepcionalmente, que esse prazo seja estendido até um máximo de mais 6 meses, por sucessivos períodos de 2 meses, desde que o Tribunal assim o determine por despacho em que fiquem explicitados os fundamentos, as razões ou motivos, que, no caso concreto, justificam a prorrogação do prazo regra.

A propósito da interpretação do artigo 21º do RJAT, este Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se no acórdão datado de 07/05/2020, proferido no processo nº 8894/15.9BCLSB, disponível em www.dgsi.pt, assinalando “sete aspectos essenciais”:

“Primeiro, o prazo limite – quer o prazo regra consagrado no n.º 1, quer o prazo excepcional até 12 meses estabelecido no n.º 2 – é um prazo de duração máxima do processo arbitral.

Segundo, o prazo aplicável inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral, por força do preceituado no artigo 15.º do RJAT.

Terceiro, o prazo a relevar (regra ou excepcional) não se suspende nas férias judiciais, ou seja – e citando Jorge Lopes de Sousa, (2) “conta-se seguidamente, de harmonia com o preceituado no artigo 279.º, al. c) do Código Civil, terminando às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, à data de início; no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”. Sendo que, à “mesma que solução se chega por via do artigo 138.º, n.º1, do CPC, que prevê o decurso contínuo de prazos processuais, sem qualquer suspensão, mesmo em períodos de férias judiciais, quando a duração é de seis meses ou mais”.

Quarto, a prorrogação do prazo regra pressupõe necessariamente a prolação de despacho (um ou, no limite, três, atento o prazo máximo de duração do processo previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT – mais 6 meses) determinando essa prorrogação, por um ou sucessivos períodos de dois meses (n.º 2, 1ª parte, do artigo 21.º do RJT).

Quinto, o despacho de prorrogação tem que explicitar os motivos que a determinam, isto é, as razões concretas que, no caso, justificam a prorrogação (por imposição do n.º 2, in fine, do citado artigo 21.º do RJAT).

Sexto, independentemente de o prazo a considerar ser de 6, 8, 10 ou 12 meses (consoante seja aplicável o prazo regra consagrado no n.º 1 ou o prazo que, por força dos despachos de prorrogação proferidos, deva ser relevado) a sua integral observância pressupõe a prolação da decisão e a sua notificação.

Sétimo, decorrido o prazo máximo que no caso deva ser considerado, extinguem-se os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, “terminando o processo”.»

Transpondo para o caso concreto os pressupostos que ficaram enunciados, merecedores da nossa inteira concordância, e tendo em consideração a factualidade apurada, resulta evidente que o prazo limite de 12 meses previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT não foi respeitado, uma vez que tendo o processo arbitral tido início a 23 de Junho de 2022, com a constituição do Tribunal Arbitral, a decisão impugnada foi notificada após o referido prazo, que terminou em 23 de Junho de 2023, nos termos da alínea c) do artigo 279º do Código Civil.

Com efeito, decorre do probatório que a notificação da Decisão Arbitral ao Sujeito Passivo foi efetuada por via eletrónica, através do sistema de gestão processual do CAAD, no dia 22-06-2023, o que significa que a mesma se presume recebida no terceiro dia posterior ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil, ou seja, no dia 26 de junho de 2023 – cfr. artigo 248º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT.

Pelo que há que concluir que nessa data já findara o processo arbitral e os poderes do Tribunal Arbitral, consubstanciando a decisão arbitral uma “pronúncia indevida”.

É, pois, em conformidade com este julgamento, de julgar verificada a nulidade da decisão arbitral com fundamento no preceituado no artigo 28.º, n.º 1 al. c) do RJAT, isto é, por ter existido pronúncia indevida.

Ficam, assim, prejudicadas todas as demais questões suscitadas, uma vez que independentemente da solução a que chegássemos quanto a essas questões, a decisão de anulação sempre se manteria.

E, assim, formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

I. A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral, salvo se, por despacho fundamentado do Juiz for determinada a prorrogação desse prazo, podendo esta ser realizada até a um máximo de três vezes, por sucessivos períodos de 2 meses (artigo 21.º n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária – RJAT).

II. Da conjugação da disciplina jurídica referida em I., com os demais preceitos contidos no RJAT, no Código de Processo Civil e no Código Civil, subsidiariamente aplicáveis, resulta, nomeadamente, que: (i) o prazo limite – quer o prazo regra consagrado no n.º 1, quer o prazo excepcional até 12 meses estabelecido no n.º 2 – é um prazo de duração máxima do processo arbitral; (ii) o prazo aplicável inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral, por força do preceituado no artigo 15.º do RJAT; (iii) o prazo a relevar (regra ou excepcional) não se suspende nas férias judiciais, ou seja, conta-se seguidamente (iv) independentemente de o prazo a considerar ser de 6, 8, 10 ou 12 meses (consoante seja aplicável o prazo regra consagrado no n.º 1 ou o prazo que, por força dos despachos de prorrogação proferidos, deva ser relevado) a sua integral observância pressupõe a prolação da decisão e a sua notificação; (v) decorrido o prazo máximo que no caso deva ser considerado, extinguem-se os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, “terminando o processo”.

Decisão

Face ao exposto,
acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, DECLARAR NULA A DECISÃO ARBITRAL, por pronúncia indevida e nos moldes evidenciados, e ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA, com todas as legais consequências.

Custas pela Entidade Impugnada.

Lisboa, 5 de junho de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Maria da Luz Cardoso)

(Patrícia Manuel Pires, em substituição)

Assinaturas eletrónicas na 1ª folha