Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11242/02 |
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Secção: | Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 01/23/2003 |
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Relator: | António de Almeida Coelho da Cunha |
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Descritores: | NOÇÃO DE AGENTE ADMINISTRATIVO DEC-LEI 427/89 DE 7/10 FORMAS DE OBTENÇÃO DE QUALIDADE DE AGENTE ADMINISTRATIVO DEC-LEI 409/91 DE 17/10 |
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Sumário: | I - É agente administrativo todo aquele que trabalha para a Administração Pública sob a autoridade, direcção e disciplina dos respectivos órgãos. II - O artº 14º do Dec-Lei 427/89 de 7/10 não afasta a existência de outros agentes administrativos além dos contratados em regime de contrato administrativo de provimento, devendo tal norma interpretar-se em conjugação com o disposto nos arts. 28º e 30º do D.L. 427/89. III - O Dec-Lei 409/91, ao permitir aos contratados ao abrigo do Dec-Lei 781/76 a candidatura a concursos internos, teve como pressuposto a qualidade de agentes administrativos por parte de tais contratados. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção (2ª Subsecção) do T.C.A. 1. Relatório. M..... interpôs no T.A.C. de Lisboa recurso contencioso contra o acto do Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos que indeferiu tacitamente o seu pedido de progressão na categoria formulado em 12 de Fevereiro de 1998. O Mmo. Juiz do T.A.C. de Lisboa, por sentença de 2.5.2001, negou provimento ao recurso. É dessa sentença que vem interposto o presente recurso, no qual o recorrente formula as seguintes conclusões: 1ª) É agente administrativo todo aquele que trabalha para a Administração Pública sob a direcção e autoridade dos respectivos orgãos; 2ª) O aresto em recurso deu por provado que desde 1985 o recorrente trabalhou sob as ordens, direcção e autoridade da Câmara Municipal, pelo que é manifesto enfermar de erro de julgamento ao considerar que o recorrente não era um agente administrativo; 3ª) Mesmo que se considere necessário perfilhar um outro conceito de agente administrativo, sempre se deveria considerar como tal quem desempenha funções necessárias à prossecução das atribuições de uma entidade pública, sob a autoridade, direcção e disciplina dos respectivos órgãos; 4ª) Foi dado por provado que desde 1985 o recorrente exerce as funções próprias de uma categoria prevista na legislação da função pública Encarregado Geral fazendo-o sob a autoridade, direcção e disciplina da Camara Municipal de Salvaterra de Magos; 5ª) É manifesto que o recorrente assumia a qualidade de agente administrativo, tanto mais que o STA perfilhou, em caso idêntico, jurisprudência no sentido de que "Ainda que o recorrente tenha celebrado com a Administração um contrato de tarefa, o certo é que, se durante o tempo em que prestou serviço ao abrigo daquele contrato, o mesmo exerceu funções, inerentes à categoria de liquidador tributário nos serviços da DGCI, com sujeição à disciplina e hierarquia e em horário de tempo completo, é agente administrativo. Assim, a pretensão do recorrente de ver corrigida a sua situação ... assenta numa relação de emprego público, sendo de conhecer pelos Tribunais Administrativos, in casu o TAC de Coimbra" (v. Ac. de 10.3.94, B.M.J, 435/87 e de 19.11.94, AD 404-405); 6ª) A tese sufragada no aresto em recurso só são agentes administrativos os referidos no nº 2 do artº 14º do Dec-Lei 427/89, esquece que este diploma só é aplicável às situações constituídas após Dezembro de 1989, não tem em consideração as situações de pessoal constituídas antes daquela data e omite que é o próprio legislador de 1989 a pressupor a existência de outros agentes administrativos além das referidas no nº 2 do artº 14º (v. arts. 28º e 30º do Dec-Lei 427/89). A entidade recorrida não contra-alegou. O Digno Magistrado do Mº Pº, no douto parecer que antecede, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. x x 2. Matéria de Facto A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade relevante: a) Em 4.2.1985 o recorrente começou a exercer funções na Camara Municipal de Salvaterra de Magos, mediante um contrato de trabalho a termo certo celebrado ao abrigo do Dec-Lei nº 781/76, de 28 de Outubro; b) Desde essa data o recorrente não celebrou qualquer outro contrato com a referida Câmara Municipal, não obstante continuar, ininterruptamente, a exercer as suas funções de Encarregado Geral sob a autoridade, direcção e disciplina da autoridade recorrida; c) Em Outubro de 1989, o recorrente foi integrado no designado Novo Sistema Retributivo, no 1º escalão, índice 260; d) Em Fevereiro de 1992 progrediu para o 2º escalão, índice 280; e) Desde essa data nunca mais progrediu na categoria; f) Em 12.12.1998, o recorrente solicitou à autoridade recorrida a sua progressão para os 3º e 4º escalões, com efeitos reportados a Fevereiro de 1995 e de 1998; g) Pelo menos até à propositura do presente recurso não foi efectuada a pretendida progressão nem o recorrente foi notificado de qualquer decisão proferida sobre a sua pretensão. x x 3. Direito Aplicável. A sentença recorrida considerou que o recorrente não possui a qualidade de agente administrativo, baseando-se no disposto no artº 14 nº 3 do Dec-Lei nº 427/89 de 7 de Dezembro e, nomeadamente, no disposto no artº 6º A do Dec-Lei nº 409/91, de 17 de Outubro que, apesar de permitir ao pessoal contratado a termo certo a candidatura a um concurso interno geral de ingresso, não é susceptível de conferir a qualidade pretendida pelo recorrente. Como se escreve na decisão recorrida, "o que se infere deste preceito (artº 6º do Dec. 409/91, de 17 de Outubro) é que o legislador teve a necessidade de criar uma norma especial para permitir aos contratados ao abrigo do Dec-Lei nº 781/76 a possibilidade de concorrer a um concurso interno, o que lhes estaria vedado por não serem agentes administrativos". Muito sintéticamente e com base em tal interpretação, a decisão recorrida concluíu que o recorrente não é agente administrativo e negou provimento ao recurso. A questão fundamental a decidir no presente recurso, e que a nosso ver merece mais cuidada análise, é, pois, a determinação do conceito de agente administração. Marcello Caetano definia agentes administrativos como "os indivíduos que por qualquer título exerçam actividade ao serviço das pessoas colectivas de direito público, sob a direcção dos respectivos órgãos" (cfr. "Manual de Direito Administrativo", Almedina, vol. II, p. 641; "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", Almedina, 1996, p. 302), definição essa que, como é sabido, foi perfilhada pela generalidade da doutrina e jurisprudência portuguesa. Seguidamente, o autor distinguia agentes de facto e agentes de direito, admitindo que o decurso de longo tempo de exercício pacífico, contínuo e público das funções era susceptível de legitimar a situação do agente putativo, conferindo-lhe direito ao lugar, desde que tivessem decorrido pelo menos dez anos (prazo exigido no artº 1298º do Cód. Civil para a aquisição de direitos reais sobre coisas móveis) cfr. ob. cit., p. 646 e 647. Ainda que actualmente a doutrina tenha evoluido no sentido de encontrar um conceito mais restritivo de agente administrativo, por força do aparecimento de formas de vinculação precária de pessoal que conduziram à proliferação de pessoal, a situação do recorrente é susceptível de conduzir à sua qualificação como agente administrativo. Senão vejamos: Consideram-se hoje agentes administrativos "... todos aqueles que, independentemente do título por que foram admitidos, executam ou, pelo decurso do tempo passaram a executar, durante um período de tempo legalmente fixado, de forma subordinada e hierarquicamente as actividades e tarefas próprias e permanentes de um serviço público sem estarem integrados num quadro de pessoal" (cfr. Paulo Veiga e Moura, "Função Pública", Coimbra Editora, vol. 1º, pág. 42). Nesta linha de orientação, o Ac. STA de 10.11.94, veio aceitar que, num contrato de tarefa celebrado com a Administração, durante o qual o particular exerceu funções inerentes à categoria de liquidador tributário nos serviços da DGCI, com sujeição à disciplina e hierarquia e horário de tempo completo, o interessado é um agente administrativo, que actua no âmbito de uma relação de emprego público (cfr. Ac. STA de 19.11.94, in Ac. Dout 404, 405, p. 920). Em anotação ao mesmo acórdão de 10.11.94 escreve-se que "de acordo com a doutrina já várias vezes afirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, a execução, em regime de tempo completo, de uma actividade com sujeição à disciplina, hierarquia e horário de um serviço público, sob a direcção dos respectivos órgãos, com carácter de regularidade e continuidade, caracteriza uma relação jurídica de emprego de natureza pública, conforme se entendeu nos Acs. do STA de 24.9.91, 10.10.91, 8.6.93, 3.5.94, in, respectivamente, recursos nº 29.216, 26.102, 31.329 35.543 (Ac. Dout. 404, 405, p. 924). Ora, para além de a lei dever ser objecto de uma interpretação sistemática, e não meramente literal, o artº 14º nº 3 não contém uma definição expressa da qualidade de agente administrativo, limitando-se a afirmar que o "contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo". A expressão agente administrativo não é, na referida norma a usada no seu sentido técnico nem está de acordo com a doutrina e jurisprudência mencionada, antes se tratando da utilização incidental e imprecisa de um conceito em termos que podem conduzir a conclusões aberrantes e injustas, pelo que carece de interpretação correctiva. Para compatibilizar tal norma com o sistema em que a mesma se insere, é preciso ter em conta, como refere o recorrente, a motivação do legislador no âmbito do Dec-Lei 427/89, que consagrou, "nos arts. 28º e 30º, a existência de outros agentes administrativos que não apenas os contratados em regime de contrato administrativo de provimento e a instituir, nos arts. 37º e seguintes, um processo de regularização para promover o seu ingresso no quadro de pessoal dos serviços públicos em que prestavam serviço". Ou seja: o artº 14 nº. 3 do diploma em referência não afasta a existência de outros agentes administrativos além dos contratados em regime de contrato administrativo de provimento, conforme resulta da conjugação do disposto nos arts. 28º e 30º do Dec-Lei 427/89. Por outro lado, e ao contrário do que entendeu a decisão sob recurso, é manifesto que o artº 6º do Dec-Lei 409/91 que permitiu aos contratados ao abrigo do Dec-Lei 781/76 a candidatura a concursos internos, só o fez porque tais contratados possuiam, precisamente, a qualidade de agentes administrativos. Tal é particularmente evidente no caso do recorrente nos autos, que, tendo iniciado as suas funções em 4 de Fevereiro de 1985 na C.M. de Salvaterra de Magos mediante um contrato de trabalho a prazo certo celebrado ao abrigo do Dec-Lei 781/76 de 28 de Outubro, continuou, não obstante, a exercer as suas funções, de forma ininterrupta e até à presente data (ou seja, por um período de 17 anos) sob a autoridade e disciplina da entidade recorrida. Tanto assim que foi integrado no NSR, 1º escalão, índice 260, em Outubro de 1989, e progrediu, normalmente para o 2º escalão, índice 280, em Fevereiro, sendo incompreensível que não mais tenha progredido na categoria desde essa data. Tratando-se, pois, de uma situação em que a qualidade de agente administrativo, por via da evolução ocorrido, (e não apenas em face do contrato a termo certo) se encontrava claramente consolidado e vinha sendo reconhecida, não pode a mesma e os respectivos direitos adquiridos serem beliscada pelo Dec-Lei 427/89 de 7 de Outubro, diploma que é apenas aplicável às situações constituidas após Dezembro de 1989. Conclui-se, pois, que ao indeferir o pedido de descongelamento nos escalões e de progressão na categoria, o acto recorrido violou o disposto nos arts. 1º, 19º, 20º, 30º e 38º do Dec-Lei 353-A/83 e demais legislação aplicável, nomeadamente os arts. 13º, 47º nº 2, 266º e 267º da Constituição, por ter procedido a uma interpretação meramente literal e manifestamente desacertada do artº 14º do Dec-Lei nº 427/89 de 7 de Outubro. Procedem, assim, na íntegra as conclusões do agravante. x x Decisão Em face do exposto e concedendo provimento ao recurso, acordam em revogar a sentença recorrida e em anular o acto recorrido. Sem custas. Lisboa, 23.01.03 as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator) Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa |