Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:400/14.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO,
DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL,
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI DO ACTO DE REVERSÃO
Sumário:1. Em matéria de responsabilidade subsidiária a Fazenda Pública pode produzir em tribunal qualquer meio de prova, quando esta se destina a infirmar factos alegados pelo Oponente (quando sobre este recai o ónus da prova), mas já não para demonstrar os pressupostos da sua atuação (fundamentação substantiva), porque a fundamentação do despacho de reversão, enquanto ato administrativo, deve ser anterior (por remissão) ou contemporânea ao ato de reversão;
2. Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, é à Fazenda Pública a quem cabe o ónus da prova desse pressuposto legal;
3. Só quando a Fazenda Pública cumpre o seu ónus é que cabe ao Oponente fazer contraprova a respeito dos mesmos factos, tornando-os duvidosos nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil;
4. Não cumprido a Fazenda Pública com o seu ónus da prova aquando da prolação do despacho de reversão pelo órgão de execução, não é admissível suprir essa falta de prova em tribunal, e deste modo, o juiz tem condições imediatas para decidir em seu desfavor, podendo dispensar a prova testemunhal arrolada, conhecendo de imediato do pedido nos termos do art. 113.º, n.º 1 do CPPT, porque o processo fornece todos os elementos necessários à decisão, e portanto, a realização de audiência de inquirição de testemunhas neste caso consubstanciaria prática de ato inútil proibido por lei (art. 130.º do CPC).
Votação:Declaração de Voto
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição por deduzida por J..., contra o processo de execução fiscal n.° 1..., instaurado pelo serviço de finanças de Loulé-1 à sociedade V... - Auto Reparadora Lda, para cobrança coerciva de IRS, relativo ao ano de 2012, no valor de € 2.399,83, mas cuja dívida foi revertida contra o ora oponente na qualidade de devedor subsidiário.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante, porquanto:
1ª. Face aos factos provados não poderia o respeitoso tribunal “a quo” decidir como fez, pois face às premissas (factos provados) a conclusão a retirar deveria ser outra
2°. Por despacho, datado de 29 de Setembro de 2016, o respeitoso tribunal a quo, indeferiu a produção de prova testemunhal, mais dizendo que tal constituiria diligência inútil e proibida porquanto a Fazenda Pública teria de provar a gerência de «facto» na data em que profere o despacho de reversão. 3°. Sendo que no seguimento da jurisprudência, veja-se, entre outros. Acórdão TCA Norte, n.° 00273/07.8BEMDL, de 15/05/2014, que refere I) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a da responsabilidade subsidiána que está a ser efectuada (n° 4 impondo, porém que dele constem os factos concretos nos quais a AT relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
II) Tal significa que, no caso de reacção do visado a AT terá então (na contestação á oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência sendo que tal situação não se estende para lá do momento apontado ou seja, em sede de contestação, a AT tem de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente
4º. Ou seja, a AT poderia fazer a prova da gerência de facto em sede de inquirição de testemunhas, pelo que, incorre a douta sentença ora colocada em crise de erro de julgamento, que expressamente se suscita, para todos os legais efeitos
5º. Acresce ainda, que do cotejo da prova produzida verifica-se que o ora oponente nomeado foi gerente em 02-01-2007 (facto c)) e apenas em 21-01-2008 foi emitido pelo IMTT IP, em nome do oponente, o Certificado de Capacidade Profissional para Transporte Rodoviário Nacional e Internacional de Mercadorias
6°. Assim da análise da matéria assente constata-se que o oponente antes de ter capacidade profissional para transporte de mercadorias já era gerente da mesma, pelo que o plasmado na sentença de que ‘o oponente admite que prestou colaboração na sociedade, porque detinha capacidade profissional para o transporte de mercadorias). Todavia, dai não decorre que as funções remuneradas sejam função de gerência efectiva ", enferma de erro de julgamento pois a prova não foi devidamente analisada.
7º. Pelo que, se é gerente de direito, apresenta rendimentos de categoria A. pagos pela devedora originária, cremos ser incumbência do oponente juntar contrato de trabalho que confirme essa relação laborai, pois de outra forma não conseguirá ilidir o ónus da prova que sobre este recai, sendo que. as regras da experiência impõem outra resolução diversa da plasmada na presente decisão.
8º. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é. o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.
9º. Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.
TERMOS EM QUE,
Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente Improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais.
Todavia.
Em decidindo. Vossas Excelências farão a costumada Justiça!»

O recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.
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A Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito quanto à gerência de facto do Oponente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


a) Em 14/07/212, o serviço de finanças de Loulé-1 instaurou o processo de execução fiscal n.° 1..., à sociedade V... - Auto Reparadora Lda, para cobrança coerciva de IRS, relativo ao ano de 2012, no valor de € 2.399,83 (dois mil, trezentos e noventa e nove euros e oitenta e três cêntimos) - tramitação do PEF, de fls. 57, guia de retenção na fonte de fls. 55, certidão de fls. 56 dos autos e informação de fls. 65 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos.

b) Em 02/12/2013, o chefe do serviço de finanças de Loulé-1 reverteu a dívida exequenda, id. na alínea antecedente, contra o ora oponente, nos seguintes termos:

“FUNDAMENTOS DA REVERSÃO:
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24.°, n.°1, b) da LGT)” - despacho de reversão, junto a fls. 50 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

c) O ora oponente J... foi nomeado gerente da sociedade devedora originária em 02/01/2007, tendo mantido essa qualidade jurídica até à declaração de insolvência da sociedade, que ocorreu em 05/09/2012 - certidão de registo comercial de fls. 98 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

d) Em 21/01/2008, foi emitido, pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres I.P. em nome do oponente J..., o “Certificado de Capacidade Profissional para Transporte Rodoviário Nacional e Internacional de Mercadorias”, atestando que o ora oponente estava habilitado a exercer a sua capacidade profissional numa empresa de transporte rodoviário de mercadorias que efectue transportes nacionais e internacionais - certificado junto a fls. 86 verso e seguintes dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

e) O objecto social da sociedade V... -Auto Reparadora Ld.a era a reparação, aluguer, compra e venda de veículos, máquinas, equipamentos, pneus, peças e acessórios, importação e exportação - citada certidão de registo comercial.
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4.2.
FACTOS NÃO PROVADOS
1) Que o ora oponente tenha exercido as funções de gerente “de facto” da sociedade devedora originária à data em que se verificou o facto constitutivo do crédito tributário ou no período do seu pagamento.

4.3.
MOTIVAÇÃO
Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.
Relativamente ao facto não provado, a convicção do Tribunal resultou de nenhuma prova ter sido feita, sobre o mesmo, pela Fazenda Pública, em sede do despacho de reversão, sendo certo que sobre si incidia o ónus da prova. Senão vejamos:
No despacho de reversão, não existe qualquer suporte documental donde se possa retirar a ilação da gerência, de facto, por parte do oponente, no período em que se verificou o facto constitutivo do crédito tributário ou no período do seu pagamento.
Isto é, não constam dos autos quaisquer documentos, nomeadamente contratos, declarações de imposto ou outros, relacionados com a actividade da executada originária, que se encontrem assinados pelo ora oponente, sendo certo que, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental, a qual, de acordo com jurisprudência pacífica nessa matéria, terá de ser contemporânea ao despacho de reversão.
Contudo, a única prova documental a que a AT faz referência nos autos, contemporânea ao despacho de reversão (mas cujos documentos não se encontram juntos), é a menção de que o ora oponente “auferia rendimentos da categoria A”.
Porém, a mencionada afirmação, desacompanhada da pertinente documentação, não serve de prova.
Acresce que, ainda que estivessem juntos aos autos os recibos das remunerações, auferidas pelo oponente, aqueles recibos provariam que o ora oponente exerceu funções remuneradas na sociedade, o que este não nega (o oponente admite que prestou colaboração na sociedade, porque detinha capacidade profissional para o transporte de mercadorias). Todavia, daí não decorre que as funções remuneradas sejam funções de gerência efectiva.
Resta, assim, concluir que, não tendo a AT coligido quaisquer elementos que permitam fazer a prova da gerência de facto por parte do oponente, o referido facto foi dado como não provado.
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Com base na matéria de facto supra transcrita, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou procedente a Oposição, entendendo, em síntese que o Oponente é parte ilegítima na execução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, porquanto de acordo com a factualidade apurada a Fazenda Pública não fez qualquer prova da gerência de facto do Oponente.

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando erro de julgamento de facto e de direito, porquanto entende que a Fazenda Pública poderia ter feito prova da gerência de facto do Oponente através da prova testemunhal que foi indevidamente dispensada. Por outro lado, resulta errónea valoração da prova, pois cabia ao Oponente ter junto o contrato de trabalho.

Vejamos o direito aplicável.

A responsabilidade membros de corpos sociais e responsáveis técnicos vem prevista no art. 24.º da LGT, que dispõe do seguinte modo:

“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.
3 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”

Portanto, resulta daquele preceito legal, desde logo, que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos é o exercício de facto de funções de administração ou gestão.

No que diz respeito às regras do ónus da prova relativamente ao exercício de facto de funções de administração ou gestão, importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, reiterado posteriormente, pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva. Estas regras do ónus da prova aplicam-se, de igual modo, no âmbito do regime do art. 24.º da LGT.

Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS).

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao processo executivo elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua atuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efetiva ou de facto.

Para podermos apreciar da verificação dos pressupostos do chamamento do responsável subsidiário ao abrigo do art. 24.º, n.º 1 da LGT importa, então, partir da análise concreta da instrução do processo de execução fiscal no qual se funda a prolação do despacho de reversão, valorando criticamente todos os meios de prova que aí constam. Neste contexto, a recorrente Fazenda Pública invoca que a errónea valoração da prova pelo Meritíssimo Juiz a quo, mais invocando que caberia ao Oponente ter junto o contrato de trabalho.

Para a apreciação desta questão, adita-se a seguinte matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC:

f) Para além da nomeação do Oponente referida na alínea c), foram nomeados gerentes da sociedade executada originária F..., J…, J…(cf. Certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 44 e ss dos autos).
g) A sociedade executada originária vincula-se com a assinatura de dois gerentes (cf. Certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 44 e ss dos autos).

No que diz respeito à alteração da matéria de facto não provada requerida pela recorrente, por um lado, a Fazenda Pública não cumpriu com o ónus do recorrente que impugne a matéria de facto (art. 640.º, n.º 1 do CPC), e por outro lado, não colhe a argumentação da recorrente que cabia ao Oponente a junção do contrato de trabalho subjacente aos seus rendimentos da categoria A, porque é a Fazenda Pública, e não ao Oponente a quem cabe o ónus da prova da gerência de facto, e portanto, não há que alterar a matéria de facto dada como não provada.

Prosseguindo.

Ora, in casu, constata-se que o despacho de reversão se fundamenta no art. 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.

Ora, nem do despacho de reversão, nem do processo de execução fiscal que lhe antecede, não resulta que tenha sido efetuada qualquer diligência no sentido de apurar a gerência efetiva da Oponente, mas tão-somente se consultou a Certidão do Registo Comercial da sociedade executada originária, o que significa que o que foi apurado foi a gerência nominal do Oponente.

Na verdade, in casu, a reversão fundou-se, unicamente, nos factos que resultam das inscrições constantes da matrícula da sociedade executada originária, o que é manifestamente insuficiente para se concluir pelo exercício da gerência de facto do Oponente.

Na verdade, conforme resulta da matéria de facto, nomeadamente da alínea c) e f), o Oponente nem sequer era gerente nominal único, encontravam-se nomeados para a gerência da sociedade executada originária, juntamente com o Oponente, mais três pessoas singulares, sendo que a sociedade se obrigava com a assinatura de dois gerentes nomeados (cf. alínea g) da matéria de facto aditada). Ou seja, nem sequer é obrigatória a assinatura da Oponente para vincular a sociedade.

Ou seja, o órgão de execução fiscal não coligiu qualquer meio de prova para além daquela Certidão da Conservatória do Registo Comercial, não evidenciou, nem invocou a prática de qualquer ato que pudesse demonstrar a efetividade do exercício daquelas funções.

Neste contexto, em que a fundamentação do despacho de reversão não se alicerça em qualquer prova produzida, ou qualquer facto invocado (ainda que por remissão) não pode a Fazenda Pública tentar instruir a posteriori o processo de execução fiscal, pela produção em tribunal de prova testemunhal ou documental, porque tal significa admitir-se uma fundamentação a posteriori de um acto administrativo como é o despacho de reversão.

É que não se poderá olvidar que quer a fundamentação formal, quer a fundamentação substantiva (esta última diz respeito à validade substancial do ato, a demonstração dos pressupostos da atuação da AT, in casu, a demonstração da gerência de facto do Oponente) e portanto, a prova dos pressupostos dessa atuação tem de ser, necessariamente, contemporânea ao ato praticado, não sendo o despacho de reversão exceção à regra, pois embora proferido num processo de natureza judicial, é um ato materialmente administrativo, e, portanto, tem de respeitar as exigências da fundamentação tal como impõe o art. 268.º, n.º 3, da Constituição e o art. 77.º, n.º 2 da LGT.

A fundamentação de facto e de direito do despacho de reversão (lato sensu) se não constar do próprio despacho, poderá ser por remissão, devendo ser consideradas todas as informações, diligências, documentos e instrução constantes do processo de execução fiscal, porque é essa instrução e tramitação que permite ao órgão de execução fiscal estar em condições de apreciar a verificação no caso concreto dos requisitos legais do art. 24.º, n.º 1 da LGT e praticar o ato de reversão.

Como se sumariou no acórdão do STA de 11/12/2019, proc. 0859/04.2BERLS “A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto.”

Ora, é neste contexto que podemos afirmar que o cumprimento do ónus da prova da Fazenda Pública relativamente à gerência de facto, como é pacificamente aceite pela jurisprudência, tem de ser aferido pelo despacho de reversão e sua fundamentação, e portanto, o requisito legal de exercício da gerência de facto pelo Oponente previsto no n.º 1, do art. 24.º da LGT afere-se através da valoração de toda a instrução, diligências, informações e demais tramitação do processo de execução fiscal anteriores à prolação do ato de reversão. Por conseguinte, não releva para a apreciação do cumprimento do ónus da prova da Fazenda Pública, nem a prova testemunhal que foi dispensada, nem o documento junto aos autos pelo Oponente com a p.i. (certificado referido na alínea d) dos factos dados como provados) porque neles não assentou o despacho de reversão.

Ademais, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão de direito a um processo equitativo, impõe que o órgão de execução fiscal, antes da prolação do despacho de reversão, se certifique de que se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária do Oponente nos termos do art. 24.º, n.º 1 da LGT, reunindo e socorrendo-se todos os meios de prova admissíveis em direito, que sustentem a fundamentação do despacho de reversão, pois caso contrário, está-se a restringir o direito do executado por reversão de poder exercer plenamente o seu direito de defesa antes da prolação do despacho de reversão.

Na verdade, admitir-se a demonstração dos pressupostos da atuação do órgão de execução fiscal a posteriori, impede que o contribuinte tenha conhecimento, antes da prática do ato administrativo, de todas as provas que sustentam a fundamentação do ato de reversão, podendo condicionar, inclusive, o seu direito de acesso aos tribunais, porque ao propor a ação judicial contra o ato de reversão, desconhecerá a prova em que o mesmo se fundou, o que constituirá uma violação do direito de defesa.

Repare-se que no rigor da aplicação das regras processuais, se o ónus da prova é da Fazenda Pública, só quando tal ónus é cumprido, é que cabe ao Oponente fazer contraprova a respeito dos mesmos factos, tornando-os duvidosos nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil.

Não cumprido a Fazenda Pública o seu ónus aquando da prolação do despacho de reversão pelo órgão de execução, e considerando que a fundamentação do despacho de reversão não pode ser efetuada a posteriori, o juiz tem condições imediatas para decidir em desfavor de quem estava onerado com o ónus da prova, conhecendo de imediato do pedido nos termos do art. 113.º, n.º 1 do CPPT, porque o processo fornece todos os elementos necessários à decisão, e portanto, a realização de audiência de inquirição de testemunhas neste caso consubstanciaria prática de ato inútil proibido por lei (art. 130.º do CPC).

Reitere-se, que este entendimento se limita a respeitar as regras do ónus da prova, e, portanto, já seria admissível a produção de prova testemunhal pela Fazenda Pública em tribunal se esta diligência se destinasse a infirmar factos alegados pelo Oponente quando sobre este recai o ónus da prova. Porém, tal já não será admissível quando a Fazenda Pública não cumpre com o seu ónus da prova.

Por outras palavras, em matéria de responsabilidade subsidiária a Fazenda Pública pode produzir em tribunal qualquer meio de prova, quando esta se destina a infirmar factos alegados pelo Oponente (quando sobre este recai o ónus da prova), mas já não para demonstrar os pressupostos da sua atuação (fundamentação substantiva), porque a fundamentação do despacho de reversão, enquanto ato administrativo, deve ser anterior (por remissão) ou contemporânea ao ato de reversão.

Portanto, até a prolação do despacho de reversão, no processo de execução fiscal, não se demonstrando a gerência de facto do Oponente, mas tão-somente a existência de uma gerência nominal, tanto basta para que se conclua, como se fez na sentença recorrida, que não foi cumprido o ónus da prova com o qual a Fazenda Pública se encontrava onerada, e consequentemente, pela ilegitimidade do Oponente nos termos da alínea b) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Em face do exposto, improcedem todas as conclusões de recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

1. Em matéria de responsabilidade subsidiária a Fazenda Pública pode produzir em tribunal qualquer meio de prova, quando esta se destina a infirmar factos alegados pelo Oponente (quando sobre este recai o ónus da prova), mas já não para demonstrar os pressupostos da sua atuação (fundamentação substantiva), porque a fundamentação do despacho de reversão, enquanto ato administrativo, deve ser anterior (por remissão) ou contemporânea ao ato de reversão;

2. Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, é à Fazenda Pública a quem cabe o ónus da prova desse pressuposto legal;


3. Só quando a Fazenda Pública cumpre o seu ónus é que cabe ao Oponente fazer contraprova a respeito dos mesmos factos, tornando-os duvidosos nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil;

4. Não cumprido a Fazenda Pública com o seu ónus da prova aquando da prolação do despacho de reversão pelo órgão de execução, não é admissível suprir essa falta de prova em tribunal, e deste modo, o juiz tem condições imediatas para decidir em seu desfavor, podendo dispensar a prova testemunhal arrolada, conhecendo de imediato do pedido nos termos do art. 113.º, n.º 1 do CPPT, porque o processo fornece todos os elementos necessários à decisão, e portanto, a realização de audiência de inquirição de testemunhas neste caso consubstanciaria prática de ato inútil proibido por lei (art. 130.º do CPC).


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.
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Declaração de voto
Voto a decisão, porquanto, ainda que seja considerada admissível produção de prova testemunhal pela FP em sede de oposição, verifica-se que não foram alegados factos na contestação, passíveis de preenchimento do conceito de direito “gerente de facto”, não sendo admissível a produção de prova com tal ausência de alegação.
Tânia Meireles da Cunha
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A Juíza Desembargadora Relatora Cristina Flora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.