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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1681/17.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
PRAZO PARA DEDUZIR IMPUGNAÇÃO
MODO DE CONTAGEM
Sumário:I - Estando em causa a impugnação de um acto de liquidação, o prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, tal como resulta do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
II - Revestindo tal prazo natureza substantiva, na sua contagem deve observar-se o disposto no artigo 279º do Código Civil.
III - A regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecido na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b).
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

C...., Lda., doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 26/05/2022, que julgou procedente a excepção da caducidade do seu direito a impugnar os atos de liquidação de tributos, melhor identificados nos autos.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A) O presente recurso é interposto per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, porquanto tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, a saber, a interpretação e aplicação da norma do artigo 102º, n.º1, alínea a) do CPPT e bem assim das normas do artigo 279º do Código Civil, aplicáveis ao prazo de impugnação judicial de acto tributário ex vi do artigo 20º, n.º 1 do CPPT.

B) O termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de tributos impugnadas nos autos ocorreu às 23.59h do dia 18.09.2017, sendo a partir deste facto, ou seja, a partir das 24:00 horas do dia 18.09.2017 que se inicia a contagem do prazo (termo inicial) de três meses para a sua impugnação.

C) Assim, o prazo para a impugnação dos atos de liquidação de tributos em causa nos presentes autos, teve o seu termo inicial às 00:00 horas do dia 19.09.2017, como decorre do disposto na alínea a) do n.1 do artigo 102º do CPPT e da alínea b) do artigo 279º do CC, e não no dia 18.09.2017, como erradamente, salvo o devido respeito, julgou a sentença recorrida, ocorrendo o termo do prazo para a impugnação (3 meses) em 19.12.2017, data em que deu entrada em juízo a petição inicial de impugnação nos presentes autos- cf. artigo 102º, n. 1 alínea a) e artigo 20º, n. 1 do CPPT e as alíneas b) e c) do artigo 279º do CC.

D) Em 19.12.2017, às 16:40 horas, data/hora em que deu entrada em Juízo a petição inicial da ora Recorrente de impugnação dos tributos, estava ainda a decorrer o prazo para o exercício desse direito, o qual só se consumaria às 23.59h desse mesmo dia.

E) Assim sendo, não ocorre a caducidade do direito da ora Recorrente a impugnar judicialmente os tributos objeto dos autos de impugnação, contrariamente ao decidido na sentença recorrida.

F) As normas constantes das alíneas a) a e) do artigo 279º do CC são todas elas aplicáveis de forma conjugada entre si, em função de cada caso concreto em que haja que proceder à contagem de um prazo ao qual tal norma seja aplicável e sem que a aplicação da norma da alínea c) exclua, na prática, a aplicação da norma da alínea b), como sucede quando a norma da alínea b) é afastada por se considerar “ínsita” na alínea c), interpretação errónea em que incorre a douta sentença recorrida.

G) Mal decidiu a douta sentença recorrida ao julgar verificada a exceção peremptória de caducidade do direito de ação da ora Recorrente à impugnação dos atos tributários impugnados, absolvendo a Fazenda Nacional do pedido, incorrendo em violação das normas do artigo 102º, n. 1, alínea a) do CPPT e do artigo 279º, alíneas b) e c) do CC.

H) Em conformidade, deve aquela douta sentença ser revogada e substituída por outra decisão que julgue improcedente a exceção da caducidade do direito de ação da Impugnante, ora Recorrente, determinando o prosseguimento dos autos.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 102º, n. 1, alínea a) do CPPT e do artigo 279º, alíneas b) e c) do CC, sendo determinado o prosseguimento dos autos de impugnação,

Assim se fazendo a costumada Justiça !

Regularmente notificada do presente recurso, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar consiste em saber se a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito no que respeita ao modo de contagem do prazo de três meses a que alude a al. a) do nº 1, do artigo 102º, do CPPT, ao considerar caducado o direito de acção e, consequentemente, ao absolver a Fazenda Pública do pedido.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«A) . A 19.07.2019 foi emitida a liquidação n.º ..........43, em nome da Impugnante, referente a IRC de 2013, no montante a pagar de 39.038,00EUR, acrescida dos respetivos juros compensatórios, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º ……….43, no valor de 42.780,57EUR, com data limite de pagamento a 18.09.2017 [cf. cópia da notificação da liquidação e demonstração de acerto de contas juntas à contestação como doc. 6 a 8].

B) . A 20.07.2019 foi emitida a liquidação n.º ……..56, em nome da Impugnante, referente a retenções na fonte de IRC de 2013, no montante a pagar de 8.681,05EUR, com data limite de pagamento a 18.09.2017 [cf. cópia da notificação da liquidação junta à contestação como doc. 13].

C) . A 20.07.2019 foi emitida a liquidação n.º …..57, em nome da Impugnante, referente a retenções na fonte de IRS de 2013, no montante a pagar de 198.196,23EUR, com data limite de pagamento a 18.09.2017 [cf. cópia da notificação da liquidação junta à contestação como doc. 16].

D) . A 20.07.2019 foi emitida a liquidação n.º ……58, em nome da Impugnante, referente a retenções na fonte de IRS de 2014, no montante a pagar de 179.330,86EUR, com data limite de pagamento a 18.09.2017 [cf. cópia da notificação da liquidação junta à contestação como doc. 18].

E) . Às 16:40 do dia 19.12.2017 foi submetida, via SITAF, a petição inicial que deu origem à presente ação [cf. formulário de submissão de petição inicial – referência n.º 309693].


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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo TAF de Sintra que julgou verificada a exceção peremptória de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Sustenta, em síntese, que o termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de tributos impugnadas nos autos ocorreu às 23.59h do dia 18.09.2017, sendo a partir deste facto, ou seja, a partir das 24:00 horas do dia 18.09.2017 que se inicia a contagem do prazo (termo inicial) de três meses para a sua impugnação, ocorrendo o termo do prazo para a impugnação (3 meses) em 19.12.2017 - data em que deu entrada em juízo a petição inicial de impugnação nos presentes autos - e não no dia 18.09.2017, como erradamente julgou a sentença recorrida.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Dispõe o artigo 102º do CPPT (na redacção introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31-12) sob a epígrafe “Impugnação Judicial – Prazo de apresentação” e para o que aqui interessa, que: “A impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

Como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, o prazo para instaurar uma impugnação judicial contra um acto de liquidação de um tributo assume uma natureza substantiva e não processual – cfr., entre outros, o Acórdão de 2013-05-22 (Processo nº 0405/13), de 22 de maio, disponível em www.dgsi.pt.

Em consequência, as regras de contagem do prazo para deduzir uma impugnação judicial encontram-se no artigo 20º, nº 1 do CPPT, que remete para o disposto no artigo 279º do Código Civil.

O artigo 279º, alínea b) estipula que “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for em horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, e, por seu turno, a alínea c) diz que o “prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia a que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao referido artigo, “a doutrina da alínea c) harmoniza-se com as regras das alíneas anteriores. Assim, o prazo de uma semana que começou numa segunda-feira termina às 24 horas da segunda-feira seguinte, não se contando, portanto, o dia do início do prazo. O mesmo acontece com prazo de meses ou anos” – Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, p. 256.

Dito de outro modo, a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecido na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b) – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.10.2017, proferido no processo n.º 01140/16, disponível em www.dgsi.pt.

Em sentido idêntico, a propósito do prazo para o exercício do direito de queixa, veja-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência, de 18.04.2012, no processo 148/07.0TAMBR.P1-B.S1, disponível em www.dgsi.pt:

«O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artº 115º nº 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês».

No caso, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que tendo ocorrido os factos em 22 de Fevereiro, o prazo de 6 meses para apresentar a queixa terminava às 24 horas de 22 de Agosto seguinte.

Sustentou-se neste acórdão: “No sentido de interpretação exposta, do disposto no artº 279º do C.C. e, com referência ao dies ad quem, se vem pronunciando a nossa jurisprudência. Da qual, disponível em www.dgsi.pt, se indicam, como exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-07-2010; os Acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 542/2005; n.º 540/2005; n.º 414/2004; n.º 404/99; os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 21-09-2011; de 23-08-2008; de 28-11-2007;de 18-02-2004; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-07-2011; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-01-2011; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-11-2005.”

De igual forma, escreveu-se no Acórdão n.º 404/2000, de 27 de setembro, do Tribunal Constitucional «segundo o recorrente haveria que contar o prazo de 2 meses de acordo com a alínea c) do artigo 279º do CC e, depois, como a alínea b) se aplica na contagem de qualquer prazo haveria que adicionar mais um dia, uma vez que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento. […]. Porém, um tal entendimento não colhe qualquer apoio na doutrina civilista ou na jurisprudência […] verifica-se assim que a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecida na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b)[…]».

Assim, no caso dos autos, o prazo de três meses fixado na al. a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT começou a contar desde o dia em que terminou o prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias notificadas ao contribuinte (18.09.2017) e expirou, por força do estabelecido na alínea c) do art.º 297º do C. Civil, no dia correspondente do terceiro mês seguinte, ou seja, 18.12.2017.

Assim, como bem concluiu a decisão recorrida, no momento em que foi intentada a presente acção, em 19/12/2017, já tinha decorrido o prazo de 3 meses, impondo-se julgar verificada a exceção peremptória de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolver a Fazenda Pública do pedido.

Motivo pelo qual se conclui que não assiste razão à Recorrente, pelo que o recurso terá necessariamente de improceder, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

1- Estando em causa a impugnação de um acto de liquidação, o prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, tal como resulta do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT.

2- Revestindo tal prazo natureza substantiva, na sua contagem deve observar-se o disposto no artigo 279º do Código Civil.

3- A regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecido na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b).


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Condena-se a Recorrente em custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Maio de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Maria da Luz Cardoso)

(Ana Cristina Carvalho)

Assinaturas eletrónicas na 1.ª folha