Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2549/23.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:08/23/2024
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INTERPRETAÇÃO DE NORMAS CONCURSAIS
(NÃO) EXCLUSÃO
Sumário:I. O que o júri do concurso entendeu, e com razão, foi que a identificação do veículo como da marca Ford torna desnecessária a menção do fabricante. O que revela que, nem sequer se trataria, como pretende a Recorrente, da omissão de junção de qualquer documento, mas antes, a ocorrer, a omissão da menção de 1 dos três itens constante da alínea c) do nº 1 do ponto 11 do PP. Esta norma tem ainda de se conjugar, para sua plena compreensão, com a alínea g), essa sim relativa à ficha técnica/outros documentos com as especificações dos veículos “com a devida identificação das referências das mesmas e que permitam a avaliação, por parte do júri do cumprimento das especificações técnicas exigidas no caderno de encargos”.
II. Tanto mais que na Ficha Técnica elaborada pela CI, consta exactamente que o documento corresponde às citadas alíneas c) e g) do nº 1 do ponto 11 do PP.
III. Assim se alcança, como impõe a lei, uma interpretação que conduz a uma solução lógica e razoável.
IV. Em todo o caso, compulsado o probatório, verifica-se que a CI indicou na sua proposta o fabricante que iria proceder às alterações dos veículos a adquirir pela entidade adjudicante.
V. Pelo que, se dúvidas houvesse, sobre o cumprimento da alegada omissão da indicação constante da parte final da alínea c) do nº 1 do ponto 11 do Programa do Procedimento, ou seja qual o fabricante, sempre poderia ser alcançado por outra via, nomeadamente com a ficha técnica que foi junta. Além de que, no caso em apreço, em última instância, sempre poderia a entidade adjudicante ter lançado mão do disposto no art. 72.º, n.º 3, do CCP, por forma a permitir a regularização da proposta.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção de Contratos Públicos)

I. RELATÓRIO

O... , LDA. (Autora), intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual, contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P. (ARSN/Entidade Demandada), indicando, como Contra-interessada), a empresa W... , LDA. (CI ou W...), tendo por objecto “o Relatório Final e o acto de adjudicação” a esta última, no procedimento de Concurso Público (com o n.º CP/AP 489/2023), do contrato destinado ao fornecimento de quatro unidades móveis de saúde, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, consubstanciada na Deliberação do Conselho Directivo da ARSN datada de 13.07.2023.
Peticionando a final que, sendo considerada procedente a presente acção, sejam «o Relatório Final e o ato de adjudicação ora impugnados (…) considerados ilegais, condenando-se a Ré a alterar o teor do Relatório Final, de modo a determinar a exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada e, nessa medida, a ordenar a proposta da Autora em 1.º lugar, uma vez que a mesma é a única que reúne as condições para ser admitida no seio do presente procedimento e, consequentemente, proceder a Ré à competente adjudicação do presente procedimento a favor desta última».
Por Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos, de 29.02.2024, foi a acção julgada totalmente improcedente.
Inconformada a Autora, ora Recorrente, interpôs o presente recurso terminando a Alegação com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“I. Vem o presente Recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a 29.02.2024, com referência SITAF 009491801 através da qual aquele digníssimo Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a pretensão aduzida pela Autora (ora, Recorrente) e, nessa medida, não anulou a decisão do Conselho Diretivo da Ré (ora, Recorrida), que adjudicou à proposta da Contrainteressada a celebração de um contrato para o fornecimento de quatro unidades móveis de saúde, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, condenando, ainda, a Recorrente em custas;
II. Na referida sentença, o douto Tribunal a quo começou por decidir que a falta da menção do fabricante do veículo na proposta da Contrainteressada constitui uma mera irregularidade da proposta, por entender (erradamente) que a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso “não configura uma causa autónoma de exclusão de propostas”
III. Decidiu ainda o douto Tribunal a quo que a menção ao fabricante não constituía um termo ou condição respeitante à execução do contrato pelo que não existiria fundamento para exclusão da proposta da Contrainteressada à luz da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), por não se encontrar preenchida a previsão ínsita na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP;
IV. Por último, foi decidido pelo douto Tribunal a quo que o facto da Recorrida ter indicado que a informação respeitante ao fabricante do automóvel era apreensível através de outros documentos juntos com a proposta que não a ficha técnica apresentada pela Contrainteressada também inviabilizaria a aplicabilidade daquela causa de exclusão;
V. Tendo o Tribunal a quo considerado – erroneamente – que não existiam fundamentos para a invalidade do ato de adjudicação impugnado, deu como prejudicada a análise relativa à adjudicação do contrato à Recorrente, bem como à invalidade do contrato celebrado entre a Ré e a Contrainteressada;
VI. Atendendo aos claros e manifestos erros na aplicação do Direito que eivam a sentença recorrida, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, nessa medida, ser revogada a referida sentença e substituída por um acórdão que julgue totalmente procedente, por provada, a presente ação;
VII. Resulta claro, mediante uma leitura medianamente atenta do proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso, que a intenção que a Recorrida pretendeu dar àquela disposição era de vincular os concorrentes a apresentarem os elementos previstos nas alíneas daquela norma, sob pena da sua omissão configurar uma causa de exclusão;
VIII. Independentemente do grau de acerto da construção frásica do proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso, dele resulta claramente que devem ser excluídas todas as propostas, não só que não aludam à referência do procedimento ou não estejam assinadas, mas também, como nunca poderia deixar de ser, todas aquelas que não ostentassem os documentos previstos nas alíneas daquela norma;
IX. A interpretação adotada pelo douto Tribunal a quo quanto ao proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso apresenta-se como inovadora face à posição processual das partes, tendo aquela instância realizado uma leitura daquela norma que contraria frontalmente a “interpretação autêntica” que, pelo menos tacitamente, foi sufragada pela Recorrida nos presentes autos;
X. O entendimento do douto Tribunal a quo relativamente ao segmento “quando aplicável” resulta numa interpretação do preceito em causa que deixa à arbitrariedade dos concorrentes juntar, ou não, um elemento que a Recorrida definiu como devendo constar obrigatoriamente das propostas;
XI. Deixando à mercê dos concorrentes a decisão de instruir ou não a sua proposta com informação relativamente à marca comercial, modelo e fabricante ou a qualquer outro aspeto ínsito nas alíneas do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Procedimento, não é, de forma alguma, garantida a igualdade que pressupõe o n.º 1 do artigo 1.º-A do CCP, uma vez que se abre a possibilidade de as propostas não serem apresentadas nos mesmos termos e com os mesmos elementos que eram impostos, o que poderia ter implicações na análise das mesmas;
XII. Atendendo a que o objeto do procedimento era a aquisição de veículos automóveis, não se concebe como é que, mesmo sufragando essa errada interpretação do disposto no proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso, não possa ser obrigatória a inclusão, com as propostas, de elementos respeitantes à natureza técnica do veículo, como é a marca comercial, o modelo e o fabricante;
XIII. É importante referir que, quando se esteja perante um preceito que gerador de dúvidas – como é o do caso concreto, já que o Tribunal a quo assume uma posição diamentralmente oposta à interpretação propugnada pelas partes – a decisão deve seguir, preferencialmente, o que resulta da literalidade do preceito, tal como adiantado pela mais distinta Doutrina;
XIV. Dúvidas não podem restar de que, face ao incumprimento do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa do Procedimento, a proposta da Autora deveria ter sido excluída à luz do preceituado no proémio daquela norma, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos;
XV. O fabricante da viatura a fornecer pela Contrainteressada constitui, de forma indelével, um termo ou condição das propostas nos precisos termos em que também o são a sua marca comercial e o seu modelo;
XVI. Através da previsão ínsita no proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso, a Recorrida pretendeu que lhe fosse transmitido, em sede de apresentação de propostas, qual o carro que lhe seria fornecido em caso de adjudicação, por referência à sua marca e modelo, e, bem assim, qual seria o seu fabricante;
XVII. Ao não ter cumprido a obrigação de indicação do fabricante do veículo, a Contrainteressada deixou em aberto um aspeto que se pretendia ver esclarecido através da sua proposta e que contende diretamente com um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência como é o caso da identificação técnica dos veículos;
XVIII. Ao assim agir, torna-se evidente concluir que, ao contrário do que o douto Tribunal parece entender (numa pressuposição em tudo errada), a Contrainteressada pode “(…) optar entre dois ou mais fabricantes para fornecer o veículo daquela marca e modelo” uma vez que, em boa verdade, não se vinculou à contratação de qualquer fabricante;
XIX. Ao apresentar a proposta sem vinculação a qualquer tipo de fabricante, a Contrainteressada não fez incluir na sua proposta os termos como iria cumprir um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência e que dizia respeito ao fabricante do veículo a fornecer, realidade que é inexorável, por mais distinções fictícias que o douto Tribunal a quo tenha encetado;
XX. Ao ter exigido, como exigiu, a indicação do modelo comercial, marca e fabricante do veículo a fornecer, é evidente que a Entidade Adjudicante pretendeu, desde logo, e ab initio, que os concorrentes se vinculassem ao fornecimento de um veículo de determinada marca, de um determinado modelo e fabricada por uma determinada entidade;
XXI. Toda e qualquer discussão que o douto Tribunal a quo pretenda encetar quanto aos termos da prestação concreta da Contrainteressada sempre será meramente artificial na estrita e indelével medida em que aquela entidade não se vinculou nos termos que lhe eram exigidos; XXII. Não ostentando a proposta da Contrainteressada qualquer referência ao fabricante (que constitui um termo ou condição daquela proposta), é de meridional clareza que a proposta apresentada pela Contrainteressada nunca deveria ter sido admitida por conta da verificação da causa de exclusão ínsita na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP;
XXIII. Está condenada a soçobrar a posição sufragada pelo douto Tribunal a quo segundo a qual a indicação do fabricante corresponderia a uma redundância e que a indicação do “fabricante da transformação” corresponderia, isso sim, a um elemento relevante, uma vez que a mesma parte do princípio (errado, como já vimos) de que os concorrentes poderiam, à luz do proémio do n.º 1 do artigo 11.º do Programa do Procedimento, juntar os elementos que apenas fossem “aplicáveis” no caso concreto, o que não se verifica.
XXIV. A não apresentação de termos ou condições constitui fundamento para a exclusão da proposta, com base na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do CCP;
XXV. Não é de aceitar que a Recorrida tenha exigido a apresentação de três informações diferentes e, face à omissão da Contrainteressada de uma das informações, tenha considerado que todas foram satisfeitas, não por a Contrainteressada ter expressamente prestado tal informação, mas sim através de um mero exercício dedutivo, tendo em conta o previsto noutros documentos que constituíam a proposta da Contrainteressada e não idóneos ao cumprimento daquela exigência em concreto;
XXVI. Convém deixar claro que a informação do fabricante a que o douto Tribunal a quo se refere não foi retirada diretamente “(…) do catálogo da F... respeitante ao Modelo Transit”, mas sim, indiretamente, a partir da informação constante daquele documento e que dizia respeito, não à indicação expressa de quem fabricará efetivamente o veículo, mas sim da indicação da entidade responsável em caso de litígio;
XXVII. Mesmo considerando o princípio da unidade da proposta, é inexorável a conclusão de que a documentação constante da proposta da Contrainteressada nunca identificou (muito menos de forma expressa) qual a entidade fabricante do automóvel que se propunha fornecer, seja por não referir no documento que juntou à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Procedimento, seja por tal realidade não constatar, tal quale, do famigerado catálogo.
XXVIII. Não o tendo feito, a Contrainteressada apresentou uma proposta da qual não consta, como acima se deu nota, um termo ou condição, tal como acima se deu exaustiva nota, o que configura a verificação, in casu, do fundamento de exclusão previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e na alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;
XXIX. Não constando diretamente do catálogo da F... a identificação do fabricante do automóvel, nunca tal documento poderá constituir fundamento para que se possa dar como cumprida a exigência plasmada na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Procedimento e, nessa medida, apresentados com a proposta da Contrainteressada todos os termos ou condições da proposta que aquela norma encerra, nomeadamente o fabricante do automóvel;
XXX. Em caso de procedência das alegações de recurso acima realizadas, com a consequente revogação da decisão recorrida no que tange com a ilegalidade da decisão de adjudicação praticada a favor da Contrainteressada, deverá este douto Tribunal ad quem pronunciar-se sobre os pedidos que foram dados como prejudicados com base na sentença ora em crise, ao abrigo do disposto no acima citado n.º 2 do artigo 149.º do CPTA;
XXXI. Se, como se espera, a decisão de admissão da proposta da Contrainteressada for julgada ilegal na sequência do provimento do presente recurso, é de meridional clareza concluir que apenas passará a figurar como admitida a proposta apresentada pela Recorrente pelo que não restará outra alternativa à Recorrida que não seja adjudicar o presente procedimento à Recorrente;
XXXII. Na eventualidade de o presente recurso vir a proceder (como se espera que venha a acontecer), deverá este douto Tribunal proferir Acórdão que, na sequência da declaração de ilegalidade da decisão de adjudicação ora impugnada, condene a Recorrida a praticar uma nova decisão de adjudicação, desta feita a favor da proposta da ora Recorrente, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos;
XXXIII. Na eventualidade de vir a ser declarada a ilegalidade da decisão de adjudicação praticada a favor da Contrainteressada, o que se espera que venha a acontecer por força da procedência do presente recurso, o contrato celebrado entre a Recorrida e a Contrainteressada sempre será, também ele, ilegal à luz do disposto no n.º 2 do artigo 293.º do CCP;
XXXIV. Face a tudo quanto se expendeu nas presentes alegações de recurso, ficou claramente demonstrado que se o Relatório Final e a decisão de adjudicação impugnados forem declarados como estando feridos de ilegalidade, em consequência, o contrato que os sucede se encontra igualmente ferido de ilegalidade;
XXXV. Tendo em conta os vícios que ferem de ilegalidade a decisão de adjudicação, a conclusão não pode ser outra senão a de julgar inválido o contrato ora em causa, uma vez que, em caso de procedência do presente recurso, verificar-se-á uma modificação subjetiva do contrato consubstanciada na substituição da Contrainteressada pela Recorrente na qualidade de adjudicatário;
XXXVI. Em suma, como é bom de ver, reconhecendo o Tribunal ad quem a ilegalidade do Relatório Final e da decisão de adjudicação através da atribuição de provimento ao presente recurso, impõe-se que este declare, consequentemente, a ilegalidade do contrato celebrado, posteriormente, entre a Recorrida e a Contrainteressada, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÁ JULGAR-SE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, POR PROVADO, E, NESSA MEDIDA, DEVERÁ REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO A MESMA SUBSTITUÍDA POR UMA ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO”.

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A Entidade Demandada, Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., ora Recorrida, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) Todas as questões e argumentos trazidos pela Recorrente à apreciação deste Tribunal foram, já, devidamente valorados pelo Tribunal a quo, que, com sólida fundamentação que não merecerá censura, os rejeitou,
B) Desde logo porque, ao contrário do que pretende a Recorrente, a cláusula invocada para excluir a proposta de contra interessada não constitui uma cláusula autónoma de exclusão,
C) Também porque os elementos de facto evidenciados no processo tornam claro o cumprimento do programa do procedimento, concretamente do seu ponto 11, pela contrainteressada, na proposta e documento submetidos ao júri, sendo clara a identificação da marca dos veículos a fornecer – F... .
D) E ainda porque do ponto 11 do programa de procedimento que, nos documentos que deveriam constituir qualquer proposta, deveriam ser indicados a marca comercial modelo e fabricante do veículo, sendo prevista a sanção de exclusão do procedimento perante a sua omissão, quando aplicável, não podendo esta “aplicabilidade” ser dissociada da previsão legal inserta na alínea c) do número 2 do artigo 70 do código dos contratos públicos, nos termos da qual “são excluídas as propostas cuja análise revele a impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos”, traduzindo, assim, a decisão de exclusão, uma consequência direta e adequada de uma real e sentida incapacidade de entidade adjudicante compreender os termos da proposta em causa e, consequentemente, de a avaliar,
E) Todos estes elementos identificadores do fabricante resultam evidentes dos documentos juntos pela contrainteressada W... , LDA., concretamente, dos catálogos relativos às qualidades dos veículos a fornecer sendo estes documentos assinados digitalmente pelo responsável da Contrainteressada W... , LDA,.
F) A decisão recorrida apreciou devidamente os factos essenciais constitutivos da pretensão da Recorrente, fazendo uma boa aplicação do Direito aos mesmos ao julgar essa pretensão improcedente, pelo que deve ser confirmada.
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O DMMP notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), não emitiu pronúncia.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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I.2. DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

As questões a decidir neste recurso residem em aferir do alegado erro de julgamento da sentença recorrida ao ter entendido que a proposta da Contra-interessada/Recorrida cumpria o exigido na alínea c) do número 1 do número 11) do Programa do Procedimento, e que, por isso, era insusceptível de desencadear a aplicação da causa de exclusão de propostas vertida na alínea a) do n° 2 do art. 70° do Código dos Contratos Públicos (CCP), em conjugação com a alínea o) do n° 2 do art. 146° do mesmo Código.


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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:
Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade não impugnada, que se reproduz, na íntegra:
a) Por Despacho do Presidente do Conselho Diretivo do Réu datado de 14/04/2023 e exarado na ata n.º 2013_11, foi autorizada a abertura do procedimento de concurso público com publicidade internacional n.º CA/AP 489/2023, ao abrigo da alínea d) do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio e da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP, tendente à aquisição de 4 (quatro) unidades móveis de saúde, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência — cfr. Relatório Final junto como DOC 1 com a petição e Caderno de Encargos constante do processo administrativo inserido no SITAF (PA).
b) Este processo aquisitivo foi publicitado no Jornal Oficial da União Europeia a 25 de Abril de 2023, sob Anúncio de concurso n.º 2023/S 081-244119, bem como no Diário da República, 2.ª série - L, n.º 80, de 24 de Abril de 2023, Anúncio de Procedimento n.º 6492/2023 — cfr. DOCS. 5 e 4 juntos com a petição inicial.
c) No âmbito do presente concurso público previu-se que seriam fornecidas quatro unidades móveis de saúde, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência, nos termos do Anexo A do Caderno de Encargos, pelo preço base total de €280.000,00 (sem IVA) — cfr. cláusulas 1ª e 7ª do Caderno de Encargos (CE) e ponto 9 do Programa do Procedimento (PP), ambos constantes do PA.
d) A cláusula 5ª do CE determina, por remissão para o anexo A àquela peça do procedimento, quais as características, especificações e requisitos dos veículos a fornecer, nos seguintes termos:



e) Quanto às especificações do veículo propriamente dito, determina o ponto 1. daquele Anexo A o seguinte:

(…)
f) De acordo com o ponto 11. Do Programa do Procedimento (PP), o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa determinada pela modalidade monofactor, «sendo o fator preço o único aspeto da execução do contrato a celebrar submetido à concorrência de mercado».
g) O ponto 11. do PP apresenta a seguinte redacção:
«11. Documentos que constituem a proposta
1. A proposta deve ser apresentada, sob pena de exclusão, devidamente identificada com a referência do procedimento supra e assinada, indicando cada um dos seguintes aspetos, quando aplicável:
a) Preço unitário, em euros, sem inclusão do IVA, o qual deve incluir eventual valor de portes, bem como a taxa legal do imposto a aplicar;
b) Preço total, em euros, sem inclusão do IVA, o qual deve incluir eventual valor de portes, bem como a taxa legai do imposto a aplicar;
c) Marca Comercial, Modelo e Fabricante;
d) Prazo de entrega, especificando a data limite para entrega dos veículos objeto do contrato, não podendo esta, em caso algum, ultrapassar o dia 31/12/2023;
e) Prazo de validade da proposta;
f) Garantia dos bens;
g) Ficha técnica/outros documentos com as especificações dos veículos (brochuras, catálogos ou outros documentos), apresentados em língua portuguesa ou em qualquer das línguas admitidas no presente programa do procedimento, com a devida identificação das referências dos mesmos e que permitam a avaliação, por parte do júri, do cumprimento das especificações técnicas exigidas no Caderno de Encargos.
2. A proposta deve ainda ser acompanhada, sob pena de exclusão, do seguinte:
a) Formulário do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), aprovado pelo Regulamento de Execução (EU) 2016/7 da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, segundo as instruções enumeradas no Anexo \ ao presente programa do procedimento;
b) Declaração CE, emitida pelo fornecedor, assegurando que os equipamentos cumprem todos os requisitos legais em vigor.
3. Nos casos em que seja exigível a apresentação de um documento oficial que o concorrente não possa apresentar, por motivos que não lhe sejam imputáveis, deverá, sob pena de exclusão, demonstrar que o mesmo foi solicitado, à entidade competente para a sua emissão, em momento anterior ao termo do prazo para apresentação de propostas.
4. Quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, o documento referido no n.º 2, deve ser assinado pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser apresentados os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, o documento deve ser assinado por todos os seus membros ou respetivos representantes» cfr. o PP constante do PA.

h) Ao concurso mencionado em a) foram apresentadas propostas pelos seguintes operadores económicos: A... – Unipessoal, Lda., C...Motors, S.A. e W... , Lda. — cfr. PA.
i) Foram admitidas 4 propostas, tendo sido excluída a apresentada pela concorrente– E... Group, Lda., ao abrigo das alíneas b) e h) do ponto 11.2 do Programa do Procedimento, por desconformidades na rotulagem identificadas pela ASAE, conforme Relatório final.

j) Em sede de 1º Relatório Final, e após analisar o requerimento de audiência prévia apresentado pela Autora, o Júri do Procedimento decidiu no seguinte sentido «O júri aceita a pronúncia remetida pelo concorrente O... no diz respeito às seguintes questões:
· O prazo de garantia (2 anos) proposto pelo concorrente C...Motors, S.A., viola o exigido no Caderno de Encargos;
· A proposta apresentada pelo concorrente A... – Unipessoal, Lda. é omissa a respeito de especificações técnicas exigidas no Caderno de Encargos.» — cfr. PA.

k) Com fundamento naquele entendimento, o Júri do Procedimento acabou por propor a exclusão das propostas apresentadas por aqueles concorrentes com a seguinte fundamentação:
“(texto integral no original; imagem)”
l) E mais procedeu à ordenação das duas propostas remanescentes, nos seguintes termos:
“(texto integral no original; imagem)”

m) Sobre aquele 1º Relatório Final, foi proporcionada audiência prévia, tendo a Autora apresentado pronúncia — que se dá por reproduzida e consta a fls. 365 e ss. do PA — na qual defendeu que a proposta da CI deveria ser excluída.

n) Sobre essa pronúncia o júri do concurso deliberou, no último Relatório Final, como segue:
“(texto integral no original; imagem)”

— cfr. DOC 1 junto com a petição inicial.

o) Por decisão do Conselho Directivo do Réu, deliberada em reunião de 13/7/2023, foi determinada a adjudicação do contrato para aquisição de 4 (quatro) unidades móveis de saúde, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência à CI W..., conforme proposto pelo júri do concurso — cfr. fls. 449 do PA bem como extracto da acta n.º 2023- 31 junta pelo Réu sob Requerimento (785176) Documento(s) (009355581) de 22/11/2023 15:57:24
p) Da proposta apresentada pela W... ao procedimento mencionado em a) consta, designadamente, um catálogo oficial da marca F... , respeitante ao modelo “Transit” — cfr. fls. 295 e ss do PA.
q) Desse catálogo consta no verso da última folha a indicação de que se trata de uma publicação da F... Motor Company Limited e que, em Portugal, para resolução de litígios de consumo a entidade que actua é a F... L..., S.A. — cfr. Fls. 309 do PA.
r) Dessa proposta consta igualmente a “Ficha Técnica”, designadamente, com o seguinte teor:
« FICHA TÉCNICA
[a que se referem as alíneas c) e g) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa do Procedimento]
Marca comerciai: F...
Modelo: Transit ...
Fabricante da transformação: W...
1. Veículo:
• Cilindrada: 1995 cm3;
• Potência: 110 cv;
• Largura exterior, incluindo espelhos retrovisores: 2474 mm;
• Volume compartimento de carga: 15,1 m3
• Comprimento interior do compartimento de carga: 4211 mm
• Tipo de carroçaria: furgão de mercadorias; • Peso máximo autorizado: 3500 kg;
• Combustível: Gasóleo; • Airbag frontal e lateral para condutor e passageiros;
• Banco de passageiro duplo;
• Lotação: 3 Lugares;
• Ar condicionado na cabine de condução; • Porta lateral direita deslizante com janela;
• Pintura opaca de cor branca;
• Sensores de estacionamento frontais e traseiros (…)» — cfr. fls. 311/312 do PA
s) O contrato em causa foi já celebrado com a W... — cfr. PA.

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II.2 De Direito

Conforme delimitado em I.1, importa aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento uma vez que, como defende a Recorrente, a proposta da Contra-interessada W... sempre teria de ser excluída por não ter feito menção do fabricante dos veículos a fornecer, conforme exigido na alínea c) do nº 1 do ponto 11 do Programa do Procedimento (PP), o que seria causa de exclusão da proposta nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, em conjugação com a alínea o) do n° 2 do artigo 146° ambos do Código dos Contratos Públicos.
Apreciando;
Como resulta do Relatório Final, que foi aprovado pela Recorrida/ED, a proposta da Recorrida/Contra-interessada não poderia ser excluída, por ser de “aceitar a referência “F... ” como informação suficiente para o efeito pretendido”.
Atentemos no quadro legal.
Dispõe o artigo 70º, nº 2, alínea a) do CCP sob a epígrafe “Análise das propostas”, que
«2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
E dispõe o artigo 57º, nº 1, alíneas b) e c), do CCP sob a epígrafe “Documentos da proposta”, que:
«1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
(...)
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

Mais estabelece o artigo 146, nº 2, alínea o), do mesmo Código, sob a epígrafe “Relatório preliminar”, que
«2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º»

Do Programa do Procedimento (alínea g) do probatório), do ponto 11 intitulado “Documentos que constituem a proposta”, destaca-se o seguinte:
1. A proposta deve ser apresentada, sob pena de exclusão, devidamente identificada com a referência do procedimento supra e assinada, indicando cada um dos seguintes aspetos, quando aplicável:
(…)
c) Marca Comercial, Modelo e Fabricante;
(…)
g) Ficha técnica/outros documentos com as especificações dos veículos (brochuras, catálogos ou outros documentos), apresentados em língua portuguesa ou em qualquer das línguas admitidas no presente programa do procedimento, com a devida identificação das referências dos mesmos e que permitam a avaliação, por parte do júri, do cumprimento das especificações técnicas exigidas no Caderno de Encargos

Como consta do julgamento de facto (não questionado) a Recorrida/Contra-interessada apresentou todos os documentos que constam do ponto 11, n.º 1 do PP, mas terá omitido, segundo a Recorrente, a menção do fabricante a que alude a alínea c) do mesmo ponto do PP.
Ao identificar os termos em que seria aferida a (i)legalidade do acto de adjudicação ora em crise, o Tribunal a quo decidiu que seria necessário aferir “(…) se deveria ter sido determinada a exclusão da proposta em causa: i) por a respetiva ficha técnica não ter contemplado informação respeitante ao fabricante dos veículos a fornecer conforme exigido pelo PP; ii) por tal informação constituir um termo ou condição exigidos pelas peças do procedimento; e iii) por a informação relativa ao fabricante dos veículos não resultar sequer dos demais documento da proposta da CI”.
Prosseguiu o Tribunal a quo:
“É certo que, para além das especificações técnicas que a entidade adjudicante impôs aos veículos (vertidas no anexo A do CE), esta pretende que este se vincule (mesmo que sem qualquer preferência préestabelecida) a fornecer um determinado modelo de veículo de uma determinada marca, dentro de um prazo de entrega limite, com uma determinada garantia e em obediências às especificações técnicas mencionadas. Vale isto por dizer que, vindo a ser o adjudicatário, o concorrente terá de fornecer os veículos que indicou na sua proposta, e não outros. Nesta medida, a indicação do modelo do veículo e da marca constituem, sem dúvida, termos ou condições relativos a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo caderno de encargos. Convém frisar que essa indicação segue o propósito de identificar, vinculativamente, os veículos que o concorrente se propõe fornecer caso venha a ser adjudicatário”.
Daí ter sufragado o entendimento de que a falta da menção do fabricante do veículo na proposta da Contrainteressada constitui uma mera irregularidade da proposta, por entender que a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Programa de Concurso “não configura uma causa autónoma de exclusão de propostas”.
(…)
“E se dúvidas houvesse sobre a interpretação já avançada, sempre estas teriam de ser solucionadas a [favor] da não exclusão, não só porque as causas de exclusão de propostas criadas pela entidade adjudicante carecem de ser expressamente identificadas ─ o que não seria o caso ─ mas também por, na dúvida, deve preferir-se a interpretação que favoreça o aproveitamento das propostas (do maior número de propostas)”.
O principal dissídio da Recorrente face ao assim decidido pelo Tribunal a quo é que aquela defende a interpretação de que a consequência da omissão de qualquer dos elementos descritos na alínea c) do n.º 1 do ponto 11 do Programa do Procedimento, conduziria, por força do proémio daquela norma, à exclusão da proposta da Contra-interessada. Solução interpretativa que não foi acolhida pelo Júri do Concurso nem pela sentença recorrida.
Assim, perante as duas interpretações que se apresentam em disputa importa aferir qual delas se adequa i.) ao teor das previsões a interpretar, ii) ao contexto do contrato a celebrar e iii) aos elementos estruturais da contratação pública.
Em sede de interpretação da previsão em causa não pode deixar de se atender em primeira linha ao elemento literal, mas completado pela existência de limites ao seu alcance, designadamente os que decorrem da lógica e da razoabilidade da solução que assim se alcança. Estes limites encontram-se hoje consagrados no artigo 8.º, do Código do Procedimento Administrativo.
O elemento literal da previsão (ponto 11, nº 1 do PP) é o seguinte:
“A proposta deve ser apresentada, sob pena de exclusão, devidamente identificada com a referência do procedimento supra e assinada, indicando cada um dos seguintes aspetos, quando aplicável:
(…)
c) Marca Comercial, Modelo e Fabricante;
(…)
g) Ficha técnica/outros documentos com as especificações dos veículos (brochuras, catálogos ou outros documentos), apresentados em língua portuguesa ou em qualquer das línguas admitidas no presente programa do procedimento, com a devida identificação das referências dos mesmos e que permitam a avaliação, por parte do júri, do cumprimento das especificações técnicas exigidas no Caderno de Encargos” (s/n).

Esta redacção inculca que a menção dos vários aspectos indicados em cada uma das alíneas deveria ser efectuada quando aplicável, ou seja, quando exigível/necessário.
O que o júri do concurso entendeu, e com razão, foi que a identificação do veículo como da marca F... torna desnecessária a menção do fabricante. O que revela que, nem sequer se trataria, como pretende a Recorrente, da omissão de junção de qualquer documento – vide conclusão VIII. do recurso-, mas antes, a ocorrer, a omissão da menção de 1 dos três itens constante da citada alínea c)
Entendemos que a previsão da alínea c) do nº 1 do ponto 11 do PP, tem ainda de se conjugar, para sua plena compreensão, com a alínea g), essa sim relativa à ficha técnica/outros documentos com as especificações dos veículos “com a devida identificação das referências das mesmas e que permitam a avaliação, por parte do júri do cumprimento das especificações técnicas exigidas no caderno de encargos”.
Tanto mais que na Ficha Técnica elaborada pela CI, consta exactamente que o documento corresponde às citadas alíneas c) e g) do nº 1 do ponto 11 do PP – vide alínea r) do probatório.
Assim se alcança, como impõe a lei, uma interpretação que conduz a uma solução lógica e razoável.
No que respeita ao contexto de execução do contrato a celebrar, está em causa a determinação da interpretação cuja razoabilidade se conforme com o ambiente em que está inserida. Ou seja, não pode simplesmente partir-se de um segmento de texto e proceder à sua apreciação e interpretação tendo em conta exclusivamente as palavras utilizadas, o designado elemento literal da interpretação. Este não pode ser abandonado, mas não pode, de igual modo, ser considerado em termos absolutos e obnubilando todo o contexto em que se insere.
O que é relevante é determinar a interpretação que, de forma conjugada, deriva do teor literal da disposição a considerar e o contexto em que se insere, quer no seu estrito âmbito de funcionamento – análise de propostas – quer no seu significado efectivo no contexto inerente à execução do contrato, nenhuma destas duas esferas pode ser desconsiderada.
No caso sub iudice o contexto de execução do contrato tendente à aquisição de 4 (quatro) unidades móveis de saúde apresenta contributos relevantes para a compreensão do sentido da expressão usada na alínea c) do ponto 11 do PP, da menção da Marca Comercial, Modelo e Fabricante. Sendo, perfeitamente compatível com a interpretação do júri do concurso e do Tribunal a quo de que a menção da marca, que coincida com o fabricante (F... /F... ), diferentemente p.ex. (.../…), cumpre a finalidade da norma em causa.
Tanto mais que é a própria Recorrente/Autora a assumir tal correspondência, no art. 50.º da p.i. “Sempre impendia sobre a Contrainteressada a obrigação de referir na sua proposta que o fabricante do veículo era a F... , cumprindo assim a apresentação de todos os termos ou condições exigidas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do programa do Concurso”.
Por fim, na determinação da interpretação a efectuar das disposições aplicáveis, importa atender aos elementos estruturais da contratação pública, entre os quais avulta o recurso à concorrência de mercado como a melhor forma de obter propostas óptimas para a prossecução do interesse público cuja execução se visa com a celebração do contrato.
Na lógica da concorrência de mercado, de acordo com o objecto que se pretende realizar, no presente caso, a aquisição de 4 (quatro) unidades móveis de saúde, com as especificações técnicas que constam do Caderno de Encargos (al. e) do probatório), e às quais a proposta da CI corresponde – vide al. r) do probatório – tal como reconhece a Recorrente, ao não imputar qualquer desrespeito dos termos ou condições do Caderno de Encargos.

A lógica da concorrência de mercado, ainda que assente no recurso ao critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, em que o preço não tem de ser sempre e necessariamente o factor com maior peso na escolha da proposta vencedora, não pode deixar de assumir, mesmo que de forma implícita, que os custos inerentes à execução do contrato devem ser estritamente os que se revelam imprescindíveis para esse fim.

Daí que, tal como assertivamente entendeu o Tribunal a quo, a possibilidade de a indicação do fabricante configurar, sem mais, como um termo ou condição, porquanto: “E a indicação do fabricante não pode constituir, em todo o caso, um termo ou condição exigido pelas peças do procedimento na medida em que, no caso, em nada altera os termos da vinculação oferecida pela CI com a sua proposta: com ou sem indicação do fabricante, será sempre o mesmo veículo F... a ser fornecido, fabricado por quem a marca tiver escolhido para fabricar o veículo em causa. A omissão daquela indicação não é suscetível de alterar a prestação concreta a que a CI se pretendeu vincular com a sua proposta, ou aquela a que a entidade adjudicante espera que o concorrente se vincule”.

Em todo o caso, compulsado o probatório verifica-se que a contra-interessada indicou na sua proposta o fabricante, que iria proceder às alterações dos veículos a adquirir pela entidade adjudicante – vide alínea r) do probatório.
Donde, imperioso se torna não perder de vista a visão de equilíbrio que resulta das Directivas, designadamente, da 2014/24/UE, e, bem assim, das recentes alterações ao CCP – DL 111-B/2017, de 31.08 e DL 78/2022, de 7.11.
Pelo que, se dúvidas houvesse, sobre o cumprimento da alegada omissão da indicação constante da parte final da alínea c) do nº 1 do ponto 11 do Programa do Procedimento, ou seja qual o fabricante, sempre poderia ser alcançado por outra via, nomeadamente com a ficha técnica que foi junta. Além de que, no caso em apreço, em última instância, sempre poderia a entidade adjudicante ter lançado mão do disposto no art. 72.º, n.º 3, do CCP, por forma a permitir a regularização da propostaLuís Verde de Sousa, in “Algumas considerações sobre o novo regime de suprimentos de irregularidades das propostas”, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, Coord. Carla Amado Gomes e outros, AAFDL, 2017, pg. 605 e ss., em particular, 632, sobre a possibilidade de se ultrapassar causas de exclusão de natureza formal, quando o interesse específico subjacente à formalidade possa ser alcançado por outra via, v. também pg. 618 e respetiva nota de rodapé n.º 29, e demais doutrina aí citada. Mas o que se revela desnecessário.
Por último, a exclusão de uma proposta reduz a concorrência e que, portanto, tal actuação deverá ser reduzida ao mínimo necessário (como se afirmou, designadamente no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.12.2020, processo 02481/19.0BELSB, publicado em www.dgsi.pt) e que “no domínio da contratação pública, deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.04.2021, processo 0188/20.4BELLE, publicado em www.dgsi.pt ).

De todo o exposto, a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados pela Recorrente pelo que o recurso terá de improceder.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, decide este Tribunal em negar provimento ao Recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente (Autora) - cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC

Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Agosto de 2024


Ana Cristina Lameira, relatora
Lurdes Toscano
Hélia Gameiro Silva