Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:305/06.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:CONJUNTOS COMERCIAIS EXISTENTES- EXPANSÃO;
NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO;
LEI N.º 12/2004, DE 30 DE MARÇO.
Sumário:
I- Para efeitos de omissão de pronúncia- enquanto patologia imputada diretamente à sentença recorrida- deve entender-se que questões são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio
II- A circunstância de não terem sido rebatidos todos os considerandos oferecidos pelo demandante não redunda na omissão de pronúncia, pois que, o Tribunal tem o dever de julgar todas as questões colocadas pelas partes, mas já não de esgotar todos os argumentos, de facto ou de direito, apresentados pelos pleiteantes.
III- A expansão de um conjunto comercial já existente- de 4.900 m2 instalados para 37.400 m2-, acarreta uma tão profunda alteração da realidade, em virtude da transformação tão profunda do edificado e das condições urbanísticas da zona em que se encontra implantado o atual conjunto comercial, que não deve ser configurada como mera “modificação” do conjunto comercial pré-existente, mas antes como verdadeira “instalação” de conjunto comercial, justificativa, portanto, da existência de procedimento autorizativo, em consonância com o disposto nos art.ºs 4.º, n.ºs 1 e 3, art.º 5.º, n.º 1 e art.º 7.º, n.º 1 da mencionada Lei n.º 12/2004.
IV- A Lei n.º 12/2004, de 30 de março, não carece de ser integrada por analogia no que tange à exigência de procedimento autorizativo para a modificação de conjuntos comerciais, antes devendo realizar-se uma interpretação extensiva da mesma, especialmente do preceituado nos art.ºs 1.º, 4.º, n.º 3, 5.º, 9.º, n.º 1, por forma a incluir nessas disposições a modificação de conjuntos comerciais.
V- Resulta evidente que as razões de impacto urbanístico, de ordenamento do território e de qualidade de vida das populações que subjazem à exigência de autorização para instalação de um conjunto comercial com uma área bruta locável de 6.000 m2 ainda mais se justificam no caso de uma modificação de um conjunto comercial que implica uma ampliação de mais de 30.000 m2 de área construída.
VI- Constitui um absurdo sistemático arredar as operações de modificação de conjuntos comerciais da disciplina da Lei n.º 12/2004, remetendo-a para a disciplina geral da urbanização e edificação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*** ***
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
………………………………………, S.A. (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra em 02/07/2007, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si proposta contra o Ministério da Economia e Inovação (Recorrido) e na qual indicou como contrainteressada a sociedade ………………………………, S.A..

Inconformada, a Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela declaração de nulidade do acórdão recorrido e, subsidiariamente, pela subsistência de erro de julgamento, que ditará a revogação da decisão em crise.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
Em Conclusão
a) O Acórdão recorrido não se pronuncia sobre a violação do princípio da concorrência, muito embora a Recorrente invoque esse vício quer no ponto D. da sua p.i., quer no ponto IV das suas alegações de direito, bem como nas alíneas r) a v) das conclusões das mesmas, pelo que o mesmo é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
b) Em todo o caso, o Acórdão recorrido sempre deveria ser revogado, uma vez que, ao contrário do que decidiu o Tribunal "a quo", existe, de facto, uma lacuna na Lei n.º 12/2004 em matéria de modificação de conjuntos comerciais, o que, só por si, determinaria uma decisão diversa da questão submetida a juízo.
c) Com efeito, basta compulsar a exposição de motivos da Lei n.0 12/2004, onde se afirma que "a continuação da intervenção dos poderes públicos em matéria de regulação da implantação das unidades comerciais de que resultam impactes significativos, constitui uma solução imprescindível no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, tendo em atenção as enormes implicações que esta temática assume em termos de estrutura do aparelho comercial, com evidentes reflexos a nível da mesma, dos consumidores em geral, dos próprios trabalhadores do sector e, consequentemente, da economia nacional",
d) Afirmando-se, a propósito dos conjuntos comerciais, que "é inegável que essas estruturas, algumas delas de enorme dimensão e qualquer que seja a respectiva designação, têm um enorme impacte, quer em termos de acessibilidades, quer no que se refere ao restante comércio instalado nas respectivas áreas de influência, quer mesmo nas vertentes ambiental e de ordenamento do território" para concluir que existe, de facto, uma omissão juridicamente relevante na Lei n.0 12/2004 em matéria de modificação de conjuntos comerciais.
e) Com efeito, parecem não restar dúvidas de que estamos perante uma verdadeira lacuna da Lei n.0 12/2004 quando se admite a transformação de um conjunto comercial com 4.900 m2 numa enorme superfície de 37.400 m2, sem sujeição a prévia autorização das entidades competentes, não obstante o impacto que semelhante modificação pode ter (e tem) ao nível do desenvolvimento da economia, da concorrência, da protecção dos consumidores, das acessibilidades, do emprego e do ambiente, interesses que justificam, precisamente, a intervenção pública, prevista na Lei n.º 12/2004, em matéria de regulação da implantação de unidades comerciais.
f) Estamos, assim, perante aquilo que a doutrina denomina de "lacunas teleológicas", as quais se determinam "em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo" (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 8.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1995, p. 196).
g) Acresce que não assiste razão ao Tribunal “a quo” quando afirma (em favor da sua tese de que não existe qualquer lacuna na Lei), que a “Lei n.º 12/2004, de 2004 quanto à modificação de conjuntos comerciais que envolva intervenção urbanística já se encontra sujeita ao procedimento administrativo de licenciamento” previsto no Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização (cfr. fls. 613 do Acórdão recorrido).
h) Por um lado, deve ter-se presente que tais autorizações (as da Lei n.º 12/2004 e as do RJUE) obedecem a requisitos diversos e a critérios de decisão só parcialmente coincidentes.
i) Por outro lado, atentos os objectivos da Lei n.0 12/2004 em matéria de regulação de conjuntos comerciais, o que releva para este efeito são, designadamente, as consequências que a instalação/modificação de um conjunto comercial pode ter sobre as condições concorrenciais da estrutura comercial envolvente, sobre os consumidores e sobre o meio urbano, aspectos que não são, contudo, objecto de análise quer quando do procedimento de autorização dos estabelecimentos comerciais que integram o conjunto comercial modificado, quer quando do licenciamento municipal da operação urbanística de modificação do conjunto comercial.
j) Finalmente, o argumento do princípio da legalidade em matéria contra- ordenacional, invocado pelo Tribunal "a quo", também não pode proceder.
k) E não pode proceder porque estamos, manifestamente, perante duas coisas distintas: uma coisa é o procedimento de licenciamento comercial previsto na Lei n.º 12/2004, o qual não tem, obviamente, natureza contra-ordenacional, tratando-se de um procedimento administrativo, submetido a normas e princípios próprios do Direito Administrativo; outra coisa, necessariamente diferente, é aquela mesma lei prever um quadro sancionatório, para os casos em que sejam violadas algumas das suas normas.
l) Deste modo, não só é possível, neste caso, integrar a lacuna na Lei n.º 12/2004 com recurso à analogia, como a não previsão de uma contra-ordenação para as situações de inexistência de prévia autorização à modificação de conjuntos comerciais não pode, naturalmente, constituir um impedimento à aplicação, nestes casos, por analogia, do regime da modificação de estabelecimentos comerciais previsto naquele diploma, tal como defendido pela Recorrente na sua p.i.
m) Eventualmente, poder-se-á discutir aqui a coercibilidade de semelhante obrigação, face à ausência de sanção para o seu incumprimento, mas não se pode duvidar da sua existência e consequente aplicabilidade.
n) Pelo exposto, e ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, outra não pode ser a conclusão senão a de que, atendendo à teleologia imanente à Lei n.0 12/2004 existe uma lacuna (teleológica) nesse diploma em matéria de procedimento administrativo de modificação de conjuntos comerciais, pelo que o acto impugnado, ao decidir pelo arquivamento do pedido de apreciação da modificação do conjunto comercial FORUM ………….- requerido pela …………………………….., SA, com base numa leitura a contrario do art. 4.º, n.º 3 da Lei n.º 12/2004, violou a teleologia imanente à própria Lei n.º 12/2004.
o) De todo o modo, a entender-se, como no Acórdão recorrido, que o Legislador não quis sujeitar a modificação de conjuntos comerciais ao procedimento administrativo previsto na Lei n.0 12/2004, sempre teria então de se concluir que a norma do art. 4.º, n.º 3 daquele diploma ao contemplar certas situações (instalação), esquecendo outras que preenchem os mesmos pressupostos de facto (modificação) é inconstitucional, por violação do princípi6.da igualdade, o que determina, por sua vez, a ilegalidade do acto administrativo impugnado que nela se baseia.
p) Efectivamente, nada justifica que o requerente de uma autorização de instalação de um conjunto comercial se encontre submetido a um procedimento de autorização de instalação, mas que o requerente de uma modificação de um conjunto comercial (modificação essa que se pode traduzir não só no aumento exponencial da área bruta locável, mas implicar, inclusivamente, a deslocação do conjunto para nova localização) se encontre dela dispensado.
q) Quer num caso, quer no outro, são os mesmos interesses- da protecção do mercado, do ambiente, do ordenamento do território e do urbanismo comercial- que estão em causa, pelo que não há razão para tratar estas duas situações de forma diferente.
r) Conclui-se, assim, que aquela norma é inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da Constituição, já que não se vislumbra justificação razoável e suficiente para a discriminação resultante da sujeição da instalação a procedimento de autorização e da dispensa desse procedimento no âmbito da modificação, tratando-se dos mesmos interesses em ambas as situações, sendo, por conseguinte, o acto administrativo impugnado também ilegal.
s) Finalmente, a entender-se que a norma do art. 4.º, n.0 3 da Lei n.0 12/2004 dispensa a exigência de prévia autorização quando está em causa uma significativa modificação quantitativa de um conjunto comercial- como no caso sub judice-, com a consequente restrição do regime de autorização à fase de instalação, forçoso é concluir também que aquela mesma norma ofende o princípio da concorrência (artigos art. 81.º, al. f) e 99.0, alíneas a) e c) da Constituição), bem como o direito fundamental de iniciativa económica privada (art. 61.º da Constituição).
t) Com efeito, o direito de iniciativa económica privada e o princípio da concorrência não impedem apenas práticas ou acordos entre empresas que visem restringir artificialmente a concorrência, obstando igualmente à criação arbitrária, por via legal, de condições de vantagem para determinadas categorias de empresas.
u) Não podem restar, pois, dúvidas de que o diferente tratamento destas situações, que, em si, são em tudo semelhantes (refira-se que a modificação de um conjunto comercial pode inclusivamente dar origem à sua deslocalização para um novo local, configurando, na prática, uma verdadeira instalação) viola o princípio da concorrência, na medida em que ao mesmo tempo que abre a possibilidade, aos operadores já instalados, de alterarem, unilateralmente, a configuração, bem como a própria localização dos seus conjuntos comerciais, sem se sujeitarem a qualquer controlo administrativo prévio, exige dos novos operadores o cumprimento de um conjunto de critérios e de requisitos legais que tornam mais difícil a sua entrada no mercado.
v) E na medida que assim é, esta situação atenta ainda também contra o direito de iniciativa económica privada, apesar de no Acórdão recorrido se ter decidido em sentido diferente.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo o Acórdão recorrido ser revogado, sendo substituída por outro que, apreciando todas as questões submetidas a juízo, julgue totalmente procedente a acção administrativa intentada pela ora Recorrente, pois só assim se fará a COSTUMADA JUSTIÇA!

O Recorrido apresentou contra-alegações, apresentando as conclusões que se seguem:
Conclusões:
a) Contrariamente ao alegado pela Recorrente o Acórdão recorrido não merece qualquer censura porque não incorre em omissão de pronúncia, tendo analisado e decidido, aliás, de forma clara, inequívoca e suficiente todas as questões suscitadas, nem existem erros de apreciação ou de julgamento;
b) O Acórdão a quo pronunciou-se sobre a pretensa violação do princípio da concorrência a propósito da também alegada violação do princípio da livre iniciativa económica privada, já que ambos, nos termos em que a Recorrente os formula, estão intrinsecamente ligados, fundindo-se;
c) Não se verifica a suposta violação do direito de iniciativa privada, nem do princípio da concorrência, tanto mais que aquele direito não consubstancia em si mesmo um valor absoluto, aliás como evidência o artigo 61.º da CRP, mas, antes, um valor que deve ser exercido nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, in casu, de acordo com o regime da Lei n.º 12/2004, de 30 de Abril;
d) Bem andou o Acórdão a quo ao decidir como decidiu porque o projecto em questão, por se tratar de uma modificação de um conjunto comercial,
e) já existente no local e anteriormente autorizado, não se encontra sujeito à aplicação da Lei n.0 12/2004, de 30 de Março;
f) A pretensão de que o quadro legal da Lei n.º 12/2004, criaria condições de vantagens para os operadores mais antigos, não se verifica porque os operadores ou agentes económicos não estão em condições idênticas, ao invés do que pretende fazer crer;
g) O projecto da Recorrente, designado por ……… Fórum consiste numa instalação de um conjunto comercial, enquanto que o projecto da ………………………………. SA, ora em crise, designado por Fórum Évora resulta da modificação, por ampliação, do conjunto comercial já existente e devidamente autorizado, com deslocalização das instalações na mesma freguesia, que configura uma "modificação'', conforme o disposto na alínea i) do artigo 3.º da Lei n.º 12/2004;
h) As situações referenciadas não são iguais, nem comparáveis, pelo que não exista violação do princípio da igualdade;
i) Não pode a Recorrente vir invocar pela 1.ª vez, em sede de recurso para a 2.ª instância a inconstitucionalidade do artigo 4.º n.º 3 da Lei n.º 12/2004, por violação do artigo 13.º da CRP, como faz na alínea z) das conclusões, quando o não invocou em sede de 1.ª instância como se impunha;
j) O Tribunal recorrido, identificou a questão suscitada e socorrendo-se dos elementos interpretativos consagrados no Código Civil para o que citou abundante e reconhecida Doutrina veio concluir e bem, "Donde resulta, em face do que antecede por o legislador ter sido suficientemente claro na distinção operada, não ser possível configurar uma qualquer situação em que o legislador não tenha conseguido prever (seja por porque motivo for) desde logo a situação da modificação dos conjuntos comerciais. mas antes o contrário. isto é, que o legislador não quis sujeitar a modificação dos conjuntos comerciais ao procedimento administrativo previsto na Lei n.º 12/2004.”;
k) Mais afirma, "Sem prejuízo ainda que se acompanhasse a posição da Autora, não se vê ainda como fosse possível aplicar os critérios de decisão plasmados no artigo 9.º da Lei n.º 12/2004 e regulamentados na Portaria n.º 520/2004, de 20 de Maio, à modificação dos conjuntos comerciais.”
l) Não colhe por ser contraditória a posição da Recorrente quando defende pretensa a integração da lacuna por recurso à analogia, mas já reconhece a ausência de coercibilidade decorrente dessa sua solução por força da natureza contra-ordenacional do quadro sancionatório;
m) Efectivamente, não pode proceder a argumentação da Recorrente, quanto à interpretação da lei mediante a integração de lacuna com recurso à analogia, porque resulta do artigo 27.º da Lei n.º 12/2004, que estamos perante um direito de natureza contra-ordenacional, o qual, porque nele impera o princípio da tipicidade, não admite a integração de lacunas mediante aquele elemento;
n) Inexistem, assim, os alegados vícios assacados ao Acórdão “a quo”;
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, como é de JUSTIÇA!”

Finalmente, a contrainteressada também contra-alegou, oferecendo as seguintes
Conclusões:
1.ª- O Acórdão recorrido não padece da nulidade de omissão de pronúncia indicada pela recorrente nas suas alegações e respectivas conclusões, e, quanto muito, poderia padecer de nulidade por omissão de especificação dos fundamentos de direito, mas a apreciação desta eventual causa de nulidade apreciação não faz, nos termos em que a recorrente delimitou o respectivo objecto nas conclusões das suas alegações, parte do presente recurso;
2.ª- A interpretação do disposto na Lei n.0 12/2004 de acordo com a qual o diploma ainda acolhe, no seu espírito, a sujeição da modificação de conjuntos comerciais a autorização administrativa não tem qualquer acolhimento na letra do mesmo, uão parte da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e violaria, caso subsistissem quaisquer dúvidas, o princípio in dubio pro libertate na interpretação de normas administrativas;
3.ª- O legislador considerou expressamente, em sede de proposta de lei, a hipótese de sujeitar a modificação de conjuntos comerciais ao procedimento de autorização, e afastou essa realidade do âmbito objectivo de aplicação do diploma na sequência de participação particular que defendia esse afastamento, pelo que o não tratamento desta matéria foi uma opção clara, inequívoca, consequente e propositada por parte do legislador;
4.ª- A sobrevalorização do elemento teleológico da interpretação proposta pela recorrente, e independentemente da substância da teleologia concretamente em causa, tem sempre por efeito desvalorização dos demais elementos da interpretação e a translação ilegítima das matérias da limitação dos direitos e liberdades fundamentais e da determinação da competência administrativa da esfera do legislador para a esfera do intérprete;
5.ª- Na modificação de um conjunto comercial, os aspectos relacionados com o ambiente, o ordenamento do território e o urbanismo foram aferidos no procedimento de elaboração, revisão, alteração ou avaliação do plano urbanístico que a suporta, bem como no da permissão para a realização da operação urbanística e, sempre que a operação atinja determinada dimensão, em sede da avaliação de impacte ambiental;
6.ª- Na modificação de um conjunto comercial, os aspectos relacionados com a localização e o impacte económico e social da operação foram aferidos no procedimento de elaboração, revisão, alteração ou avaliação do plano urbanístico que a suporta e, sempre que a operação atinja determinada dimensão, em sede da avaliação de impacte territorial, bem como o será ainda na autorização de instalação dos estabelecimentos comerciais que estejam integrados no conjunto comercial modificado;
7.ª- Os bens, os valores e os interesses públicos cuja tutela constitui o escopo da Lei nº 12/2004 já se encontram, no caso da modificação de conjuntos comerciais, suficientemente protegidos e acautelados com a aplicação das demais leis gerais, não reclamando a aplicação daquela Lei;
8.ª- Não existe qualquer elemento no sistema normativo que imponha, ou que, pelo menos, induza o intérprete a considerar que a modificação de conjuntos comerciais se encontra sujeita a autorização a emitir nos termos do disposto na Lei n.º 12/2004;
9.ª- Cotejados comerciais não se encontra sujeita, em boa hermenêutica, à obtenção de autorização;

10.ª- O pedido formulado na presente acção, na parte em que peticiona a declaração de nulidade do acto impugnado, é absoluta e totalmente improcedente, por não estar em causa nem ter sido alegada a violação do conteúdo essencial de u m direito fundamental;
11.ª- Ainda que a formulação do pedido tivesse sido diversa, por o poder exercido no caso em apreço ser totalmente vinculado por lei, não existe espaço para a violação directa, pelo acto administrativo impugnado, quer de princípios, quer de normas constitucionais;
12.ª- Ainda que, não obstante a letra da lei ser unívoca, estivesse em causa realizar a interpretação de normas em conformidade com a CRP, a utilização deste expediente hermenêutico imporia como única solução possível a propugnada pela contra-interessada;
13.ª- A verificar-se a violação da CRP, esta teria como consequência o afastamento da aplicabilidade das normas eivadas de inconstitucionalidade, mais precisamente das que impõem ónus ou encargos contrários ao princípio da concorrência e ao direito fundamental de iniciativa económica privada, e nunca a extensão do âmbito de aplicação daquelas normas aos casos não previstos na lei;
14.ª- A efectivação da inconstitucionalidade que a recorrente imputa ao acto impugnado e às normas que o informaram deve ser esgrimida por ela em sede de impugnação de um acto que submeta um projecto por si apresentado a autorização para a instalação de um conjunto comercial, obtendo a recorrente, através da remoção dessa obrigação, tutela jurisdicional adequada;
15.ª- No seguimento do que já aconteceu em sede de primeira instância, a arguição de que o acto impugnado viola a teleologia imanente à Lei n.º 12/2004 não cumpre com o ónus de alegação da causa de pedir, consagrado na alínea g) do n.º 2 do artigo 78.º do CPTA, pelo que, quanto a esta parte do pedido, devem as partes passivas ser absolvidas da instância;
16.ª- Caso assim não se entenda, a conformidade do acto administrativo impugnado com a teleologia imanente à Lei n.º 12/2004 já foi sobejamente demonstrada nas presentes alegações, maxime nas conclusões supra formuladas;
17.ª- Existe fundamento para a não inclusão da modificação de conjuntos comerciais no âmbito objectivo de aplicação da Lei n.º 12/2004, não sendo violado o princípio da igualdade;
18.ª- O poder de cujo exercício é fruto o acto impugnado é vinculado, não havendo lugar para a aplicação do princípio da igualdade;
19.ª- Uma hipotética imposição do princípio da igualdade ao caso em apreço apenas poderia ter como resultado a desaplicação da Lei n.º 12/2004, mais precisamente das normas eivadas de inconstitucionalidade, o que não afectaria, de forma alguma, a validade do acto impugnado;
20.ª- Perante a situação em apreço, seja qual for a actuação do intérprete no sentido de integrar a alegada, mas inexistente, lacuna, estaremos sempre perante um caso de invasão da esfera da reserva constitucional de competência do legislador;
21.ª- Por não haver fundamento para declarar nulo ou anular o acto impugnado pela recorrente, não há também qualquer fundamento para condenar a Administração na prática de qualquer acto por este não ser legalmente devido.
NESTES TERMOS,
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se o Acórdão recorrido e, em consequência, o acto administrativo impugnado.”


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A Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer, nos termos do qual propugna a negação de provimento ao presente recurso jurisdicional.
Estriba a sua posição, em suma, no entendimento da não ocorrência de qualquer omissão decidente, bem como na não ocorrência de erros de julgamento, em virtude, essencialmente, de estar em discussão a alteração da disposição interior das lojas existentes no edifício, e não a ampliação de qualquer edificação ou mudança de localização.
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Foram colhidos os vistos dos Venerandos Adjuntos.
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Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar:

i) Se o acórdão a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, porque “não se pronuncia sobre a violação do princípio da concorrência, muito embora a Recorrente invoque esse vício quer no ponto D. da sua p.i., quer no ponto IV das suas alegações de direito, bem como nas alíneas r) a v) das conclusões das mesmas”;
ii) Se o acórdão a quo padece de erro de julgamento no que concerne ao entendimento que sufragou, de que a Lei n.º 12/2004, de 30 de março, optou por não disciplinar a modificação dos conjuntos comerciais, no sentido de que não exige ato autorizativo para a concretização da aludida modificação, não subsistindo, portanto, qualquer lacuna que imponha o recurso à analogia.





II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra assentou a seguinte factualidade, que entendeu provada, a qual se reproduz ipsis verbis:
“A) A ora Autora solicitou autorização para a instalação de um conjunto comercial em Évora, designado ………… Fórum, ao abrigo da Lei n.° 12/2004, de 30 de Março- documento n.º 3 junto à petição inicial;

B) Em 19 de Setembro de 2005 foi emitida pela Direcção Regional da Economia do Alentejo, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 17.° da Lei n.º 12/2004, de 30 de Março, Autorização de Instalação, do conjunto comercial referido em A)- documento n.º 3 junto à petição inicial;

C) Em 30 de Setembro de 2005, a ora contra-interessada apresentou, na Direcção Regional da Economia do Alentejo, um pedido de apreciação da modificação de um conjunto comercial designado por fórum Évora, resultante da ampliação do conjunto comercial feira nova já existente no mesmo local – documento n.º 2 junto à contestação da contra-interessada;

D) Através de oficio com a referência 421-DSCS/05, da Direcção Regional da Economia do Alentejo, datado de 29 de Novembro de 2005, a ora Autora teve conhecimento de que foi proferido, pelo Director Regional da Economia, em 13 de Outubro de 2005, despacho de arquivamento do pedido de modificação/instalação para um conjunto comercial designado Fórum Évora, resultante da ampliação do conjunto comercial feira nova, já existente, apresentado pela ora contra-interessada, referido em C)- documento n° 1 junto à petição inicial;

E) O despacho de 13 de Outubro de 2005 referido em D) foi exarado sobre a informação n.º 42-DSCS/200s, com a qual concordou, na qual se refere: (…) 3. 1- A questão ora solicitada já não é nova, e, conforme documentos que se encontram incluídos no processo, um pedido semelhante apresentado pelos mesmos promotores noutra direcção regional da economia, mereceu uma proposta de arquivamento por se considerar que não carecia de autorização prévia de instalação ao abrigo da Lei nº 12/2004 de 30103. (…)
4.– Conclui-se, em resumo, da análise do processo, que o empreendimento comercial feira nova que já existe e que se coaduna com a designação de conjunto comercial definida na Lei n.º 12/2004 de 30/03, pretende efectuar uma expansão, situação que não se encontra prevista na referida lei. Entendemos, porém, que a mesma configura uma operação urbanística cuja a autorização é matéria da competência de outras entidades que não a DRE ou qualquer uma das comissões de licenciamento previstas na Lei, pelo que o pedido deverá ser encaminhado para essas entidades.
5.– Assim, atendendo a que a Lei n.º 12/2004 de 30/03 não se ocupa da modificação de conjuntos comerciais já existentes comerciais, e porque disso se trata, propõe-se a V.Exa o arquivamento deste pedido, com a já consequente notificação dos interessados (…) – documento n.º 1 junto à petição inicial;

F) Em 12 de Dezembro de 2005 a ora Autora apresentou reclamação, dirigida ao Director Regional da Economia do Alentejo, requerendo a revogação do despacho de arquivamento, referido em D), bem como a atribuição de efeito suspensivo à reclamação- documento n.º4 junto à petição inicial;

G) A Autora foi notificada, através do oficio da Direcção Regional de Economia do Alentejo, com a referência 465-DSCS/05, datado de 23 de Dezembro de 2005, do despacho do Director Regional da Economia, de 19 de Dezembro de 2005, que suspendeu o seu anterior despacho de arquivamento, de 13 de Outubro de 2005, exarado na informação n.º465-DSCS/2005, relativo ao projecto FÓRUM…………., até que fosse emitido parecer, pela Secretaria Geral do Ministério da Economia e da Inovação, sobre a aplicação da Lei n.º 12/2004 aos casos de modificação de conjuntos comerciais - Documento n.º 5 junto à petição inicial;

H) O despacho do Director Regional da Economia, de 19 de Dezembro de 2005, referido em G), foi exarado sobre a informação n.° 53-DSCS/2005, de 15 de Dezembro de 2005, com a com concordou, na qual se refere, designadamente que: (…) 3– A decisão de arquivamento foi contestada pelos promotores de um conjunto conjunto comercial aprovado em fase anterior, razão que motivou o pedido de parecer que formulámos em 14-11-2005 à Secretaria Geral culminando com a entrega nestes Serviços de 12-12-2005 de uma reclamação onde se pede a revogação dos despachos de arquivamento relativos aos outros 2 processos, juntando-se para o efeito, parecer jurídico sobre a matéria.
4- Pelos factos expostos, revela-se de extrema urgência a elaboração de um parecer pela Secretaria Geral do MEI, que permita, em tempo, uma decisão legal, uniforme e justa, adequada à situação, tendo em atenção que o procedimento que as DRE‘s têm adoptado em casos idênticos foi al1’o de contestação e elaboração de parecer jurídico contrário, devidamente fundamentado.
5- Por carência de parecer oficial orientador da actuação dos serviços, os dois processos atrás referidos foram arquivados; contudo, e porque é invocada na reclamação a ocorrência de prejuízos graves para s promotores de conjunto comercial já autorizado nos termos da Lei n.º 12/2004 de 30703, somos de opinião de que devem ser suspensos os referidos despachos de arquivamento até emissão do parecer pedido á Secretaria Geral.
6- Em consequência, e por se tratar de pedidos entrados na mesma fase, esta actuação acarreta igualmente a suspensão da decisão sobre o terceiro pedido formulado em Setembro de 2005, conforme determina o artº.8° da Lei n.º 12/200-1 de 30/03, situação que se revela desfavorável para os respectivos promotores
7- Caso V.Exª concorde com este entendimento, propõe-se que sejam suspensos até emissão de parecer pela Secretaria Geral do MEI, os despachos dearquivamento exarados em 13-10-2005 nas informações n.º 42/DSCS72005 8 Multi 27- Processo Forúm ……..) e nº 43/DSCS72005 ( ……..-Centro Comercial……… (…) – Documento n. o 5 junto à petição inicial;

I) Em 1 de Fevereiro de 2006 foi emitido o parecer n.º 04/DSJC/06, da Secretaria-Geral do Ministério da Economia e da Inovação, com o seguinte teor:
Assunto: Pedido de parecer apresentado pela Direcção Regional da Economia do Alentejo sobre a interpretação da Lei n.º 12/2004, de 30 de Março.
(…) 3. O objecto do presente parecer interpretativo da Lei n.º 12/2004, de 30 de Março, cinge-se à análise interpretativa da obrigatoriedade 01/ não de autorização administrativa nos casos de “modificação” de “conjuntos comerciais’, dando como assente que, na situação ou situações sub júdice, a DRE procedeu á qualificação jurídica prévia dos prédios apresentados pelo promotores, enquadrando-os no conceito de “conjunto comercial” e considerando-os como uma “modificação“ do mesmo, independentemente da qualificação apresentada pelo respectivo promotor.
Ora, o n.º 3 do artigo 4.º da Lei 1272004, de 30 de Março, prevê a obrigatoriedade de sujeição a autorização nos casos de “instalação” de “conjuntos comerciais” que tenham uma área bruta locável igual ou superior a 6000m2.
Por sua vez o n.º 4 da mesma norma legal apenas prevê a obrigatoriedade de autorização nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo 4º, para a instalação ou modificação dos “estabelecimentos de comércio” integrados em “ conjuntos comerciais”, excepcionando da mesma, os casos em que a modificação desses estabelecimentos de comércio integrados em “ conjuntos comerciais” consista em simples mudança da sua localização no interior do edifício ou edifícios afectos ao conjunto comercial em causa. (realce e sublinhado nosso)
Nos restantes preceitos jurídicos do diploma, não previu o legislador semelhante norma para os casos de “modificação do conjunto comercial”.
Assim sendo, na ausência de disposição normativa expressa em sentido diferente, resulta da letra do n.º 4 do artigo 4º do diploma em questão, por interpretação á contrário que estando em causa a “modificação do conjunto comercial” no seu todo e não apenas de um ou mais estabelecimentos, de per si, integrados nesse conjunto comercial, essa alteração não se encontra submetida a autorização administrativa.
Esta, mesma, interpretação literal da norma encontra, igualmente, suporte no elemento sistemático do diploma, já que em todo o seu elenco não se encontra um único preceito legal que contemple a regulação do instituto da “modificação dos conjuntos comerciais”.
A “modificação de conjunto comerciais” não se encontra submetida ao regime de autorização regulado pelo Decreto – Lei n.º 12/2004, de 30 de Março. (…) – Documento n.º 2 junto à petição inicial.

J) Em 13 de Fevereiro de 2006 foi proferido, pelo Director Regional da Economia do Alentejo, despacho com o seguinte teor:
Considerando:
1.- O parecer jurídico n.º 04/DSJC706 da SGMEI.
2.- A inf. N.07-DSCS72006 da direcção de Serviços de comércio da DRE – Alentejo.
3.- Que nunca houve dúvidas na DRE –Alentejo quanto ao facto do caso em apreço dever ser considerado como uma “Modificação de um conjunto comercial”.
4.- Que a Lei 1272004 de 30 de Março, não contempla a regulação deste “instituto”.
5.- Que as dúvidas residiam apenas e tão só no facto de, não havendo regulação, eventualmente, o legislador não tivesse sido intencional nessa omissão.
6.- Que as Instituições que estiveram mais próximas da elaboração ad Lei 12/2004 – Direcção Geral da Empresa e Secretaria Geral do MEI sugerem que a omissão não é lacuna da Lei e que o Legislador quis de facto afirmara as “Modificações de conjuntos comerciais” não necessitam de qualquer autorização, determino o levantamento da decisão de suspender o meu despacho de 13 de Outubro de 2005, exarado na Inf. N.º42-DSCS/2005, ficando o mesmo a produzir todos os seus efeitos.
Desta decisão deve ser dado conhecimento a todos os interessados (…) -Documento n.º2 junto à petição inicial;

K) A petição inicial do presente processo foi remetida pelo correio, registado em 20 de Março de 2006 – Petição inicial a fls. 1 a 91 dos autos.

Nenhum outro facto com relevância para a decisão da causa ficou provado.”



III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
A Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra a presente ação administrativa especial contra o Ministério da Economia e da Inovação, peticionando, em suma, a declaração de nulidade do despacho de arquivamento do pedido de modificação do conjunto comercial Forum ………, emitido em 13/10/2005 pelo Diretor Regional de Economia do Alentejo, e mantido pelo despacho proferido em 13/02/2006, bem como a condenação do Recorrido a praticar ato que “sujeite o mencionado pedido de apreciação da modificação do conjunto comercial Foruum …….. (…), ao regime de modificação de estabelecimentos comerciais previsto na Lei n.º 12/2004, de 30 de março, aplicável por analogia à modificação de conjuntos comerciais”.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra proferiu acórdão em 02/07/2007, nos termos do qual julgou a ação administrativa totalmente improcedente e absolveu o Recorrido dos pedidos.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe a nulidade e erro de julgamento.

Passemos, pois, ao exame da decisão recorrida.


*
A) Quanto à imputada nulidade
A Recorrente esgrime, em primeiro lugar, que o acórdão a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, pois que “não se pronuncia sobre a violação do princípio da concorrência, muito embora a Recorrente invoque esse vício quer no ponto D. da sua p.i., quer no ponto IV das suas alegações de direito, bem como nas alíneas r) a v) das conclusões das mesmas”;
Ora, desde já se adianta que o acórdão recorrido não padece da patologia que a Recorrente lhe assaca, fracassando a vertente impetração.
Vejamos porquê.

O art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC (na versão anterior à conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA (também na redação anterior o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro), estipula que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta sanção é dimanante da violação do dever de fundamentação das decisões, dever este imposto, entre o mais, pelo art.º 154.º do CPC, que estatui que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, sendo que a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Concomitantemente, o art.º 95.º, n.º 1 do CPTA (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) prescreve que o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, mais acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que, nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas. Esta disposição transpõe para o contencioso administrativo o que é um princípio processual de longa tradição, vertido no art.º 660.º, n.º 2 do CPC (na versão anterior à conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA (também na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) e que consagra que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O desrespeito deste dever imposto ao Juiz contamina a sentença com uma patologia genética, conducente ao mais grave desvalor, ou seja, à nulidade, nos termos que se encontram plasmados no art.º 668.º do CPC, por força do estatuído no art.º 140.º do CPTA. Assim, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC). A nulidade consubstancia, pois, a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2018, no processo 01411/16).
O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso. Realmente, a não ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB).
Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, “proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade das exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio” (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 no processo 01002/16, de 30/05/2018, no processo 0986/14, de 20/06/2018 no processo 0209/14, de 14/11/2018 no processo 0829/12.7BELRA e de 20/12/2018 no processo 0229/17.2BELSB e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2018 no processo 942/14.6BELLE).
Dito doutro modo, “a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado.((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/10/2018, no processo 01096/11.5BELRA).
Finalizando, e como se consignou no Aresto deste Tribunal Central Administrativo proferido em 06/12/2018, no processo 79/18.9BCLSB, “quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes, não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com suscetibilidade do cometimento de nulidade; independentemente da maior ou menor validade daquela argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia se não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.”
Realizado este périplo jurisprudencial, importa reverter ao caso versado.
O escrutínio do articulado inicial da Recorrente permite assumir que a sua pretensão de declaração de nulidade do ato promanado pelo Recorrido em 13/10/2005, mantido pelo despacho emitido em 13/02/2006, bem como de condenação do Recorrido a proferir ato que sujeite, por aplicação analógica, a modificação do conjunto comercial em questão ao regime de modificação dos estabelecimentos comerciais estabelecido na Lei n.º 12/2004, funda-se na imputação ao ato impugnado de violação do princípio da concorrência e do direito de iniciativa económica privada, assim como na violação do princípio da igualdade. Entende a Recorrente que a violação de tais princípios decorre do entendimento do Recorrido de que a Lei n.º 12/2004 não visa, deliberadamente, disciplinar a modificação dos conjuntos comerciais, inexistindo, por isso, lacuna que imponha a integração analógica.
Ora, escalpelizado o acórdão a quo, verifica-se que o mesmo debruça-se sobre a enumerada questão, debatendo amplamente a problemática da interpretação da lei em discussão, com recurso à análise dos elementos sistemático, histórico e teleológico que presidem à existência daquele diploma legal, especialmente, o disposto no seu art.º 9.º, concluindo, a final, pela inexistência de lacuna.
Igualmente, o acórdão a quo excursa sobre a clamada violação do princípio da igualdade, bem como sobre a imputada violação do princípio da concorrência e do direito de iniciativa económica privada, no sentido de concluir que, nos moldes do que nele se encontra estabelecido, não ocorre a violação dos sobreditos valores principiológicos. De resto, o acórdão em crise contém um trecho absolutamente esclarecedor do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, precisamente no que concerne ao aspeto que a Recorrente indica que foi silenciado, atinente à violação do princípio da concorrência:
“(…)
Do alegado vício violação de violação de lei, por ofensa do princípio da concorrência e do direito fundamental de iniciativa económica privada.
Considera a Autora que o segmento decisório do acto impugnado favorece ilegitimamente, uma empresa já instalada no mercado dispensando-a quer do procedimento de autorização quer do correspondente pagamento de taxas, razão pela qual imputa ao acto sindicado a violação do princípio da concorrência e do direito fundamental de iniciativa económica privada.
A este respeito importa observar que o direito à livre iniciativa privada, consagrado no artigo 61° da CRP, tem um duplo sentido – por um lado, a liberdade de iniciar uma actividade económica e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade da empresa (Cfr. Constituição da Republica Portuguesa, Anotada - Artigos 1º a 107º,J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, 4ª ed. Revista, Coimbra pp790).
Também o Tribunal Constitucional sobre o conteúdo do direito á livre iniciativa económica privada tem reiteradamente afirmado que o mesmo se divide num dupla vertente: «Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário)» (In. Ac. do TC n.º 289/2004, disponível na página da Internet do Tribunal, no endereço www.tribunal constitucional.pt.).
Ora, assim delimitado o alcance constitucional do direito à livre iniciativa económica privada, impõe-se a conclusão de que manifestamente nenhuma dessas liberdades de criação, de escolha do objecto ou de gestão de empresa que se consideram incluídas no conteúdo desse direito é minimamente atingido com a não sujeição de modificação do conjunto comercial a autorização administrativa.
Pelos fundamentos expostos, não se mostram procedentes as ilegalidades apontados ao acto sindico, de modo a declara a sua ilegalidade
Perante o decidido, a apreciação do pedido de condenação à prática do acto devido fica prejudicada pela solução dada ao pedido anulatório, cujo destino só poderia ser o insucesso, dada a total improcedência dos vícios imputados pela Autora ao acto trazido a juízo ( n.º1 do art. 95º do CPTA).
(…)”.
Quer isto significar, portanto, que não só a questão essencial posta nos autos foi apreciada e julgada pelo Tribunal a quo, como igualmente foi apreciada a assacada violação do princípio da concorrência.
É certo que o Tribunal a quo não concedeu tratamento autónomo ao sobredito princípio, antes conexionando a sua análise com a também reclamada violação do princípio da livre iniciativa económica. Seja como for, a verdade é que a Recorrente limita-se a empreender um ataque genérico de conclusivo à violação da concorrência, não substanciando, nem qualificando o modo de violação da concorrência, mormente com recurso à disciplina então em vigor, vertida na Lei n.º 18/2003, de 11 de junho, que aprovou o regime jurídico da concorrência.
Ademais, importa clarificar que, tendo o acórdão recorrido excursado, ainda que brevemente, sobre o princípio da concorrência e concluído pela ausência de desrespeito do mesmo no caso versado, é forçoso afirmar que o Tribunal a quo faceou a questão em causa. A circunstância de não terem sido rebatidos todos os considerandos eventualmente oferecidos pela Recorrente não redunda na omissão de pronúncia, pois que, como se expôs antecedentemente, o Tribunal tem o dever de julgar todas as questões colocadas pelas partes, mas já não de esgotar todos os argumentos, de facto ou de direito, apresentados pelos pleiteantes.
Sendo assim, não há qualquer dúvida que as problemáticas postas pela Recorrente foram enfrentadas expressamente.
De resto, o exame do trecho transcrito possibilita a conclusão, sem margem para dúvida, de que o Tribunal a quo realizou o julgamento que se impunha no que se refere à questão essencial.
Assim sendo, não se verificando a existência de omissão de pronúncia, improcede o vertente recurso no que tange ao alegado na conclusão a).


Destarte, urge assentar que o acórdão em causa não padece da nulidade que lhe é imputada, assomando a procedência do vertente recurso jurisdicional, nesta parte, como totalmente inviável.

*
B) Quanto ao erro de julgamento
A Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo no sentido de derribar o julgado na Instância a quo, por entender que a decisão recorrida padece de erro de julgamento no que concerne ao entendimento que veio a cristalizar, de que a Lei n.º 12/2004, de 30 de março, excluiu deliberadamente do seu âmbito a modificação de conjuntos comerciais, não estando tal modificação sujeita a procedimento autorizativo.
Aduz a Recorrente, em defesa da sua posição, que para além da clara subsistência de uma lacuna legal, o entendimento propugnado na decisão agora recorrido conduz à violação dos princípios da igualdade e da concorrência, bem como do direito fundamental de iniciativa económica privada.
Ora, a problemática trazida aos autos foi já objeto de análise e julgamento por banda deste Tribunal Central Administrativo, no Acórdão proferido em 08/07/2010, no processo 03439/08, precisamente a propósito da modificação de um conjunto comercial também em Évora, que implicava a expansão do conjunto comercial para efeitos de instalação de um estabelecimento de comércio a retalho, comummente designado de “supermercado”. Referencie-se, aliás, que os ora Recorrente e Recorrido figuram também no aludido processo como Recorrente e Recorrido, sucedendo que as questões colocadas naqueloutro processo assumem identidade com as postas no presente recurso.
Assim, no que concerne à existência- ou não- de lacuna na Lei n.º 12/2004 no que respeita à ausência de exigência de procedimento autorizativo para a modificação de conjuntos comerciais, este Tribunal Central Administrativo consignou, além do mais, o que se segue:
“(…)
2. UCDR - DL 218/97 de 20.08; conjunto comercial – Lei 12/2004 de 30.04;
As autorizações administrativas constituem uma das figuras jurídicas que, no plano da regulação da concorrência, procuram dar resposta às questões que se suscitam no âmbito do direito das implantações comerciais e que “(..) não pode ser dissociada da procura de um adequado ordenamento do território, na medida em que a desconsideração do aspecto da localização das actividades comerciais pode causar desequilíbrios no tecido urbano e na própria estrutura comercial, assim como prejudicar os objectivos de fomento do comércio.(..)”.
No domínio do DL 218/97 de 20.08 tanto a instalação como a modificação de unidades comerciais de dimensão relevante (UCDR) estavam sujeitas a autorização prévia, artº 4º nº 1, esclarecendo a lei que a expressão UCDR define, conforme expresso no artº 3º a), o “estabelecimento considerado individualmente ou no quadro de um conjunto pertencente a uma mesma empresa ou grupo, em que se exerce a actividade comercial e relativamente ao qual se verificam as condições estabelecidas no nº 1 do artº 4º”, sendo que o conceito de estabelecimento “(..) para os efeitos desta lei não se confunde com empresa, e que designa o local em que se exerce uma dada, ou simultaneamente várias, actividades comerciais.
Assim, estabelecimento encontra-se aqui no sentido físico de equipamento ou de edifício, o que permite englobar um conjunto mais amplo de formas comerciais no âmbito de aplicação desta lei (..)”.
*
A Lei 12/2004 de 30.04 veio introduzir uma noção nova, a de conjunto comercial, definida no artº 3º g) como “o empreendimento planeado e integrado composto por um ou mais edifícios nos quais se encontra instalado um conjunto diversificado de estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços quer sejam ou não propriedade ou explorados pela mesma entidade, que preencha cumulativamente os seguintes requisitos: - Disponha de um conjunto de facilidades concebidas para permitir a uma mesma clientela o acesso aos diversos estabelecimentos; - Seja objecto de uma gestão comum responsável, designadamente pela disponibilização de serviços colectivos, pela instituição de práticas comuns e pela política de comunicação e animação do empreendimento.”.
E só quanto à instalação de conjuntos comerciais que tenham uma área bruta locável (ABL) igual ou superior a 6000 m2 a lei determina a aplicação do regime da autorização para efeitos de implantação comercial, vd. artº 4º nº 3, não já quanto à modificação, que apenas rege quanto a estabelecimentos de comércio a retalho que apresentam as condições tipificadas na lei, vd. artº 4º nº 1 a) e b).
No tocante à noção jurídica de “modificação” esta abrange “qualquer mudança de localização”, vd. artº 3º i), a lei, que sujeita a autorização a “instalação dos estabelecimentos de comércio integrados em conjuntos comerciais”, todavia dispensa-a no tocante à “simples mudança de localização dos mesmos no interior do edifício ou edifícios afectos ao conjunto comercial.”., vd. artº 4º nº 4 da citada Lei 12/2004.
Ou seja, não carece de autorização a instalação de um estabelecimento de comércio que traduza uma mudança de localização - que cabe nas definições legais do artº 3º i) da Lei 12/2004 quanto ao conteúdo do conceito de “mudança” – configurada na mudança de loja no interior do edifício ou dos edifícios que no seu todo constituem um conjunto comercial.
*
Todavia, a situação de facto dos autos não é esta no tocante ao conjunto comercial ………. Évora a localizar na freguesia da Horta das Figueiras, na medida em que não se trata de mudar o estabelecimento dentro do mesmo edifício ou de um edifício para o outro.
O caso dos autos configura uma realidade nova, não só por via de larguíssima ampliação do …………. Évora como por ser acompanhada de mudança de localização, donde, não se trata de obra de ampliação da construção existente onde o ……….. Évora estava instalado, mas da construção de um novo edifício maior que o anterior e territorialmente localizado em área distinta.
É o sentido que se retira da frase constante do item F do probatório “(..) conclui-se da análise do processo que o empreendimento comercial modelo que já existe (..) pretende efectuar uma expansão e mudança de localização (..)”.
O que significa que se trata não de uma “modificação” mediante mudança no interior de um dos edifícios do conjunto comercial ou para outro dos edifícios do conjunto comercial (artº 3º g) e artº 4º nº 4 in fine) mas sim da instalação de um conjunto comercial traduzida em nova edificação [artº 3º h)] e tanto assim que o conjunto comercial passa dos anteriores 7 595 m2 de área de venda para uma área bruta locável (ABL) de 19 935 m2 por mudança de localização.
*
Atento o novo conceito introduzido pela noção de “conjunto comercial”, que não coincide com a definição dada ao conceito de UCDR no domínio do DL 218/97, temos que apenas podem ser objecto do âmbito de aplicação da Lei 12/2004 os “conjuntos comerciais abrangidos pela presente lei”, expressão legal v.g. dos artºs. 25º nº 2, 19º nº 1, 9º nºs. 1 e 8, 7º nº 1 b), 5º nº 1, carecendo a instalação destes conjuntos comerciais abrangidos pelo artº 4º de autorização prévia de localização, sujeita a diversos pareceres de entidades externas, vd. artºs. 5º nº 1 e 7º nº 1 da Lei 12/2004.
De acordo com a factualidade constante dos autos, o Modelo Évora na sua anterior conformação jurídica sob o regime do DL 218/97, das UCDR, deixa de existir e passa a configurar uma realidade física distinta, não é recondutível ao conceito de “modificação” enquanto “conjuntos comerciais abrangidos pela presente lei” porque na Lei 12/2004 os “conjuntos comerciai” respeitam a outra realidade, de modo que a alteração pretendida há-de conformar-se, por subsunção, na nova formulação legal, o que significa que estamos face a uma “instalação de conjunto comercial” à luz do novo regime introduzido pela Lei 12/2004.
O que, na economia dos presentes autos, significa que um centro comercial existente no domínio do DL 218/97 e que no domínio da Lei 12/2004 se pretende transferir para outro local físico, com aumento dos 7 595 m2 primitivos para os novos 19 935 m2 e consequente reformulação total de área bruta locável (ABL) dos estabelecimentos comerciais instalados no interior do edifício, essa transformação se é verdade que não é passível de subsunção no conceito de legal de “modificação” - porque este conceito de “modificação” só é aplicável ao estabelecimento de comércio e não a conjuntos comerciais conforme decorre das disposições conjugadas dos artºs. 3º i) e 4º nº 3 da Lei 12/2004 -, não é menos verdade que o evento plasmado na realidade física constante dos autos configura uma instalação de conjunto comercial sendo, assim, subsumível na previsão do artº 4º nºs 1 e 3, artº 5º nº 1 e artº 7º nº 1, todos da citada Lei 12/2004.
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Pelo que vem de ser dito conclui-se que os actos administrativos configurados nos despachos de arquivamento de 13.10.2005 (alíneas E e F do probatório) e de 08.03.2006 (alínea K do probatório) enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo por isso, passíveis de anulação (artº 135º CPA) por violação dos citados comandos da Lei 12/2004.
De modo que cabe ao Recorrido Ministério da Economia e da Inovação retomar o procedimento administrativo respeitante à contra-interessada C... Centro Comercial SA no ponto em que ficou aquando dos citados despachos de arquivamento e retomar o mesmo não no domínio da modificação, mas no domínio da instalação de conjuntos comerciais abrangidos pela Lei 12/2004, isto é, de instalação do conjunto comercial Modelo Évora, nos termos supra citados do artº 4º nºs 1 e 3, artº 5º nº 1 e artº 7º nº 1, todos da Lei 12/2004.
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Termos em que acordam em conferência, por maioria, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida e, na procedência do recurso;
A) anular o despacho de 13.10.2005 do Director Regional da Economia do Alentejo, por si mantido pelo despacho de 08.03.2006;
B) condenar o Ministério da Economia e da Inovação a retomar o procedimento administrativo e apreciar o pedido da contra-interessada C... Centro Comercial SA no domínio da instalação de conjuntos comerciais abrangidos pela Lei 12/2004 de 30.04, tendo por objecto o conjunto comercial ……… Évora.
(…)”.

Examinando com minúcia a Jurisprudência citada antecedentemente, impõem-se como forçosas duas asserções: a primeira, no sentido de que a Jurisprudência em causa versa sobre questão que assume indiscutível identidade fáctico-jurídica com a questão posta no presente recurso; a segunda, no sentido de que não se descortina qualquer argumento jurídico razoável para divergir da Jurisprudência citada.
Quer isto significar, portanto- regressando ao caso posto-, que estando em causa a modificação de um conjunto comercial que implica a expansão do mesmo de 4.900 m2 instalados para 37.400 m2, é mister concluir que a situação não se reconduz, meramente, à mudança de loja no interior do edifício ou edifícios que, no seu todo, constituem um conjunto comercial, caso em que estaria dispensada a autorização, de acordo com o estipulado no n.º 4 do art.º 4.º da Lei n.º 12/2004, de 30 de março.
Realmente, o caso trazido aos autos, como de resto é reconhecido por todas as partes, consubstancia uma expansão do conjunto comercial em 32.000 m2, o que, evidentemente, altera toda a fisionomia urbanística, não só do conjunto comercial primitivo, mas também da própria zona geográfica em que serão implantados os 32.000 m2 acrescidos.
Deste modo, e considerando a profunda alteração da realidade que acarreta a pretensão pela contrainteressada, impera assumir que a modificação do conjunto comercial em causa redunda numa transformação tão profunda do edificado e das condições urbanísticas da zona em que se encontra implantado o atual conjunto comercial, que não deve ser configurada como mera “modificação” do conjunto comercial pré-existente, mas antes como verdadeira “instalação” de conjunto comercial, justificativa, portanto, da existência de procedimento autorizativo, em consonância com o disposto nos art.ºs 4.º, n.ºs 1 e 3, art.º 5.º, n.º 1 e art.º 7.º, n.º 1 da mencionada Lei n.º 12/2004.
Assim sendo, a situação trazida aos autos, pelos seus específicos contornos, não reclama o labor hermenêutico proposto pela Recorrente, no sentido de afirmar a existência de uma lacuna legal no que se refere à omissão de submissão da modificação dos conjuntos comerciais a procedimento autorizativo.
Seja como for, sempre cabe dizer que, a nosso ver, a Lei n.º 12/2004, de 30 de março, não carece de ser integrada por analogia no que tange à exigência de procedimento autorizativo para a modificação de conjuntos comerciais, antes devendo realizar-se uma interpretação extensiva da mesma, especialmente do preceituado nos art.ºs 1.º, 4.º, n.º 3, 5.º, 9.º, n.º 1, por forma a incluir nessas disposições a modificação de conjuntos comerciais. É que, apresenta-se totalmente destituído de sentido, por absurdo, a dispensa da exigência de procedimento autorizativo para uma operação de expansão, em mais de 30.000 m2, de um conjunto comercial pré-existente e, do mesmo passo, se exija o dito procedimento autorizativo para um conjunto comercial que detenha uma área bruta locável correspondente, somente, a 6.000 m2. Naturalmente, resulta evidente que as razões de impacto urbanístico, de ordenamento do território e de qualidade de vida das populações que subjazem à exigência de autorização para instalação de um conjunto comercial com uma área bruta locável de 6.000 m2 ainda mais se justificam no caso de uma modificação de um conjunto comercial que implica uma ampliação de mais de 30.000 m2 de área construída.
Por último, e em reforço da inclusão da modificação dos conjuntos comerciais na disciplina da Lei n.º 12/2004, refira-se que o diploma legal que veio a vigorar posteriormente, com inerente revogação daquela lei, incluiu explicitamente a modificação de conjuntos comerciais no elenco de operações carecedoras de autorização prévia. Efetivamente, basta compulsar o previsto, mormente, nos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, n.ºs 1, 2 al.s e) e f) e 3 do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro, para, de imediato, percecionar que este novo regime visou, também, clarificar o regime instituído pela Lei n.º 12/2004, nomeadamente, no tocante ao tratamento legal a conferir às operações de modificação de conjuntos comerciais. De resto, a nosso ver, constitui um absurdo sistemático arredar as operações de modificação de conjuntos comerciais da disciplina da Lei n.º 12/2004, remetendo-a para a disciplina geral da urbanização e edificação.

Em derradeiro lugar, cumpre assentar que, propendendo este Tribunal de apelação para a consideração de que a modificação do conjunto comercial em discussão encontra-se submetida à exigência de autorização, em virtude do enorme calibre da transformação da realidade existente, queda prejudicada a apreciação da impetração da Recorrente no tocante à violação dos princípios da igualdade e da concorrência, bem como do direito de iniciativa privada, uma vez que a tese da Recorrente quanto à violação daqueles princípios e direito ancora-se no pressuposto de que a concreta modificação do conjunto comercial em discussão não estaria sujeita a procedimento autorizativo.
Adicionalmente, ressalte-se que a invocação da afronta àqueles princípios e direito servia os objetivos de, primo, demonstrar a inadmissibilidade da dispensa de autorização para as operações de modificação de conjuntos comerciais e de, secundo, justificar a aplicação do regime legal consagrado na Lei n.º 12/2004 para as operações de instalação de conjuntos comerciais.
Seja como for, estando assente a aplicação do estatuído nos art.ºs 4.º, n.ºs 1 e 3, art.º 5.º, n.º 1 e art.º 7.º, n.º 1 da mencionada Lei n.º 12/2004 à modificação do conjunto comercial em discussão nestes autos- seja por estar em causa uma verdadeira operação de instalação de conjunto comercial, seja por via da interpretação extensiva dos normativos insertos nos art.ºs 1.º, 4.º, n.º 3, 5.º, 9.º, n.º 1 daquele diploma, por forma a incluir nessas disposições a modificação de conjuntos comerciais-, é mister concluir que encontra-se obliterado o argumento da violação dos princípios da igualdade e da concorrência e do direito de livre iniciativa económica privada, visto que esta invocação servia, precisamente, o intento de demonstrar a necessidade de aplicação à modificação de conjuntos comerciais do regime instituído na Lei n.º 12/2004 para a instalação de conjuntos comerciais.

Do que vem de expender-se decorre, então, que o despacho de arquivamento do pedido de modificação do conjunto comercial Forum …….., emitido em 13/10/2005 pelo Diretor Regional de Economia do Alentejo, e o despacho proferido em 13/02/2006, que manteve o arquivamento, padecem de erro nos respetivos pressupostos de direito, em virtude da violação do disposto nos art.ºs 4.º, n.ºs 1 e 3, art.º 5.º, n.º 1 e art.º 7.º, n.º 1 da Lei n.º 12/2004, de 30 de março, merecendo, por essa razão, a anulação, consonantemente com o prescrito no art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo.
Em consequência, cumpre ao Recorrido retomar o procedimento administrativo no qual é requerente a contrainteressada, subsumindo a operação em causa, desta feita, no regime da instalação de conjuntos comerciais abrangidos pela Lei n.º 12/2004, de 30 de março, especificamente, nos art.ºs 4.º, n.ºs 1 e 3, art.º 5.º, n.º 1 e art.º 7.º, n.º 1.


Destarte, em face do exposto, o acórdão recorrido não pode manter-se em atenção ao erro de julgamento patenteado, impondo-se conferir provimento ao presente recurso e inerente revogação do acórdão a quo, julgando-se a ação administrativa especial procedente com a consequente condenação do Recorrido nos pedidos.



IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Conceder provimento ao recurso jurisdicional;
II- Revogar a decisão recorrida;
III- Julgar a ação administrativa procedente e, consequentemente,
a) Anular os atos proferidos pelo Recorrido em 13/10/2005 e em 13/02/2006; e
b) Condenar o Recorrido a retomar o procedimento administrativo, procedendo à apreciação da operação respeitante ao conjunto comercial Forum ……….. nos termos determinados, com aplicação do regime previsto na Lei n.º 12/2004, de 30 de março.



Custas a cargo do Recorrido e da contrainteressada.



Lisboa, 4 de abril de 2019,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Carlos Evêncio de Almada Araújo

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Cristina dos Santos