Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:283/19.2BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2024
Relator:LUÍS FERNANDO BORGES FREITAS
Descritores:PROCESSO CAUTELAR
CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA
CONTRADITÓRIO
Sumário:I - A extinção do processo cautelar ou a caducidade da providência é reconhecida pelo tribunal mediante prévia audição das partes.
II - Trata-se da manifestação do princípio do contraditório, expressamente consagrado no artigo 3.º/3 do CPC, do qual resulta a proibição de emissão de decisões surpresa, que assim serão quando comportem uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever.
III - O princípio do contraditório reporta-se a um binómio materialidade versus consequência jurídica, o qual deve ser dado a conhecer na sua integralidade e de modo transparente.
IV - É nula, nos termos do artigo 615.º/1/d) do CPC, a decisão que declara a caducidade da providência cautelar sem cumprir o contraditório previsto no artigo 123.º/3 do CPTA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
F… intentou, em 28.2.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, processo cautelar contra a UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR, pedindo que fosse decretada «a suspensão de eficácia da decisão de homologação da Lista de Ordenação Final dos candidatos aprovados [no procedimento concursal de seleção internacional para a contratação de doutorado(a) ao abrigo do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, para o exercício de atividades de investigação científica na área de Ciências Aeroespaciais - Propulsão, no Departamento de Ciências Aeroespaciais da Universidade da Beira Interior, que integra o LAETA - Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeronáutica] exarada pelo Reitor em 21/02/2019 com todas as consequências legais daí decorrentes, designadamente, a manutenção do contrato de bolsa do Autor».

Por decisão de 16.7.2019 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decretou «a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto de homologação da lista de ordenação final dos candidatos aprovados no âmbito do procedimento concursal em discussão nos autos, proferido pelo Reitor da Requerida em 21.02.2019».

Por despacho de 5.3.2024 o mesmo tribunal declarou «a caducidade da presente providência cautelar, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA».

Inconformado, o Requerente interpôs, em 26.3.2024, recurso do referido despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. Está em causa no presente recurso a decisão do Tribunal a quo de declarar a caducidade da providência cautelar alegadamente ao abrigo da al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA.
2. Ora, tal decisão de declaração de caducidade é manifestamente ilegal, desde logo porque a declaração de caducidade configura em si um incidente, sendo que a sua declaração quer seja peticionada pelas partes ou apreciada oficiosamente pelo Tribunal tem de ser precedida pela audição prévia do requerente expressamente para esse fim (artigo 123.º n.ºs 3 e 4 do CPTA).
3. A requerida/executada UBI no requerimento que apresentou (fora de prazo) em 09/02/2024 em resposta a despacho do Tribunal, não requereu a caducidade da providência, nem no despacho de 12/02/2024, que deu 5 dias ao requerente para se pronunciar sobre tal requerimento da UBI, se fez qualquer referência ao artigo 123.º ou à possível apreciação da caducidade da providência.
4. Sem prejuízo do mesmo ter sido apresentado fora de prazo, no requerimento da UBI de 09/02/2024 esta não solicitava a caducidade de providência cautelar, mas que se declarasse que o pagamento em causa apenas se fizesse até ao término do procedimento concursal!
5. No posterior despacho de 12/02/2024 emitido pelo Tribunal não foi invocada a possível caducidade da providência cautelar ou sequer o artigo 123º do CPTA.
6. Se o Tribunal a quo entendia que, no seu entender, estaria em causa não o cumprimento da sentença proferida em sede de execução da providência cautelar, mas a caducidade da providência cautelar decretada nos autos por verificação do previsto no artigo 123º nº 1 al. d) do CPTA devia ter invocado tal possibilidade no seu despacho de 12/02/2024 e notificado o Autor para se pronunciar sobre tal possibilidade.
7. É manifesto que a questão decidida na decisão recorrida relativa à "caducidade da presente providência cautelar, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA" (extinção do direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina), não foi precedida de contraditório imposto pelo artigo 123. n.º s 3 e 4 do CPTA, nem havia sido como tal suscitada pela Requerida UBI ou pelo Tribunal previamente à tomada da presente decisão.
8. Pelo que a decisão aqui em causa é uma verdadeira decisão surpresa, proferida em clara violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º nº 3 do CPC e, in casu, especificamente previsto no artigo 123º nºs 3 e 4 do CPTA, já que foi decidida a questão sem que o requerente/recorrente tenha tido a possibilidade de sobre ela se pronunciar e em clara contradição com decisões previamente proferidas nos autos.
9. Sendo que a decisão recorrida mais surpreendente se torna face a anteriores decisões proferidas nos presentes autos, designadamente a sentença proferida em sede de execução da providência cautelar de 06/11/2023.
10. Daí ter sido com total surpresa que o Recorrente leu a decisão recorrida e se deparou com a questão da determinação da caducidade da providência cautelar, decisão que para além de contrária ao previamente decidido nos presentes autos (o que contribuiu para a surpresa da mesma) não foi precedida do devido contraditório.
11. O Recorrente viu violada a garantia de uma participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, já que não lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre uma alegada caducidade da providência cautelar.
12. É, pois, manifesta a violação da lei processual, consubstanciada na omissão de um acto que a lei prescreve (cfr. artigos 123.º nºs 3 e 4 do CPTA e artigos 3º nº 3 e art. 195º nº 1 do CPC aplicáveis ex vi do art. 1º do CPTA), o que implica desde logo a anulação dos actos que dependam absolutamente da prévia notificação da parte para se pronunciar, ou seja, em concreto da decisão aqui recorrida.
13. O tribunal a quo conheceu na decisão recorrida, proferida em sede cautelar, de questões das quais não podia tomar conhecimento nesta sede face à sua natureza instrumental em relação ao processo principal, apresentou fundamentos ambíguos e contraditórios com o previamente decidido no presente processo cautelar e não especificou factos que sustentem minimamente a decisão tomada pelo que se verificam as nulidades previstas nas al.s b) e c) e segunda parte da al. d) do art. 615º n.º 1 do CPC.
14. Afirma-se na decisão recorrida que “….a impossibilidade de desencadear o procedimento concursal tendente à contratação de doutorado para o exercício das atividades de investigação científica em causa, com a consequente impossibilidade de execução do processo principal n.º 660/19.9BELRA, e extinção do procedimento concursal em causa.” sem prejuízo do erro de tal juízo, a verdade é que o Tribunal a quo não podia afirmar a impossibilidade de execução de execução da sentença proferida no processo principal.
15. A decisão sobre se existe alguma impossibilidade de execução da sentença proferida no processo principal deve ser apreciada e decidida em sede de processo principal, cumprido o processo previsto nos artigos 173º e seguintes do CPTA e não num juízo necessariamente perfunctório em sede cautelar, a qual é instrumental daquela.
16. Não pode o tribunal em sede de processo cautelar prejulgar o fundo da questão relativa à possibilidade de execução da sentença proferida nos autos do processo principal!
17. Porém, o Tribunal não só fez tal juízo como afirmou a impossibilidade de execução da sentença proferida no processo principal unicamente com fundamento num despacho da UBI, sem referir sequer qualquer facto como sequer indiciariamente como provado que sustente tal alegada impossibilidade!
18. Actuação constante na decisão recorrida que é ainda mais incompreensível, obscura e ambígua, quando para sustentar tal decisão se remete para a sentença proferida em sede de execução do processo cautelar na qual se refere que tais condições para executar a sentença proferida em processo principal deviam ser verificadas em sede de execução do processo principal!
19. O que torna os fundamentos da decisão recorrida contraditórios, já que remetem na sua fundamentação para uma sentença cujo concreto conteúdo impõe conclusões opostas ao agora decidido.
20. Acresce que o Tribunal a quo na decisão recorrida não só afirma a impossibilidade de execução da sentença proferida no processo principal, como o faz unicamente por mera invocação de um despacho da Ré, sem qualquer juízo de facto ou de direito sobre as afirmações nele constantes.
21. Ora, este conhecimento de questões de que não podia conhecer e decidir as mesmas sem qualquer juízo de facto (note-se que não há sequer factos dados como provados) ou de direito sobre as afirmações constantes do despacho da UBI denotam além do mais uma ausência de especificação dos fundamentos de facto que sustentam a decisão aqui recorrida.
22. Pelo que se verificam também na decisão recorrida as nulidades previstas nos artigos 615º nº 1 al. s b), c) e d) do CPC, já que o Tribunal a quo na decisão recorrida pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, não especificou os factos que justificariam a decisão recorrida e remeteu para fundamentos constantes de decisões anteriores que, não só não sustentam o afirmado na decisão, como são totalmente contraditórios com a mesma.
23. Acresce, que no requerimento do requerente/Recorrente de 20/02/2024, em que deu resposta ao despacho de 12/02/2024, foi expressamente suscitada a extemporaneidade do requerimento apresentado pela Ré UBI face ao prazo legal que tinha para apresentar resposta, porém nada foi dito na decisão recorrida a tal propósito.
24. De facto, nesse requerimento de 20/02/2024 e como já foi referido supra, o ora recorrente expressamente suscitou na sequência da notificação do despacho datado de 12/02/2024 que o requerimento apresentado pela UBI de 09/02/2024 foi apresentado fora do prazo de 5 dias previsto nos artigos 29.º n.º 1 e 36.º nº4 do CPTA.
25. Ora, como se referiu no requerimento de 20/02/2024 e verificável no sitaf, a UBI representada em juízo pelo seu mandatário foi notificada por ofício colocado no sitaf em 23/01/2024, pelo que se presume notificada em 26/01/2023, terminando o prazo de 5 dias a 31/01/2023 e o 3º dia útil a 05/02/2023.
26. Por tal questão não ter sido sequer referida e muito menos apreciada na decisão recorrida afigura-se que se verifica a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC.
27. Sem conceder quanto às nulidades previamente suscitadas é manifesto que a decisão recorrida que declarou “…a caducidade da presente providência cautelar, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA.“ carece de sustentação de facto e é ostensivamente ilegal.
28. É assim manifesto que não só a decisão recorrida não tem qualquer sustentação na fundamentação da sentença de execução proferida em sede cautelar, como, ao invés, contraria o afirmado na fundamentação de tal sentença de novembro de 2023 de qual a Requerida UBI não apresentou recurso.
29. Na decisão recorrida não se efectua qualquer verificação do afirmado no “Despacho Reitoral de 08.02.2024, a fls. 1225 e seguintes do SITAF”, apenas acriticamente se refere que tal “….decisão que reconhece a impossibilidade de desencadear o procedimento concursal tendente à contratação de doutorado para o exercício das atividades de investigação científica em causa, com a consequente impossibilidade de execução do processo principal n.º 660/19.9BELRA, e extinção do procedimento concursal em causa.”
30. Assim, o Tribunal a quo apesar de decidir sobre questões relativas à impossibilidade de execução da sentença proferida em sede do processo principal em que alicerça a decisão, apresentando tal como um pressuposto da decisão, fá-lo sem efectuar qualquer controlo sobre o invocado em concreto no denominado despacho Reitoral.
31. O Tribunal a quo demite-se assim, além do demais, do exercício da função jurisdicional de controlo da legalidade da actuação da Requerida UBI!
32. Limitando-se o Tribunal a quo a aceitar, sem qualquer sustentação fáctica e/ou jurídica, o despacho reitoral de que o procedimento concursal estaria extinto com a “consequente” impossibilidade de execução do processo principal e em consequência declara a caducidade!
33. Acresce que o Tribunal a quo na decisão recorrida não só aceitou a impossibilidade de execução da sentença proferida no processo principal unicamente como base num despacho da Ré, como o fez acriticamente sem qualquer juízo de facto ou de direito sobre a verificação da extinção do direito resultante da sentença favorável proferida no processo principal.
34. Acresce que, nenhum facto ou realidade normativa se alterou entre Junho de 2023 e 08/02/2024, e muito menos desde que foi apresentada a Oposição sobre a petição de execução nesta sede cautelar e foi proferida a sentença de execução em 06/11/2023, da qual não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado!
35. Sendo que, a bem da verdade, o que é referido em tal despacho Reitoral − que incompreensivelmente não é minimamente circunstanciado e muito menos sindicado na decisão recorrida − é o de forma abstracta e já havia sido invocado em requerimentos anteriores sobre os quais haviam sido proferidos despachos de indeferimento.
36. Sendo que no que toca ao procedimento concursal em causa e a necessidade que o mesmo satisfazia constam nos autos documentos que contrariam frontalmente as afirmações genéricas constantes do referido despacho reitoral.
37. Consta expressamente afirmado no doc. 5 – Declaração do coordenador científico da unidade de I&D Aeronautics and Astronautics Research Center (AEROG) do Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeroespacial (LAETA) que havia sido junto com o requerimento do Autor de 09/08/2023 (com a referência sitaf 005685136) – para o qual também se remeteu no requerimento de 20/02/2024 – que o requerente vinha exercendo as suas funções com inegável mérito e que a necessidade de um investigador em Técnicas Biomiméticas de Propulsão se manteve ao longo dos anos e se mantém, sendo estas “estratégicas para o AEROG/LAETA e as suas atividades têm vindo a intensificar” e que se manterão relevantes e estratégicas.
38. Era ainda expressamente afirmado que em 2024 aquando da próxima avaliação das unidades de I&D a realizar pela FCT “..se voltará a considerar a área Técnicas Biomiméticas de Propulsão no seu plano de ação e seria estratégico, para o AEROG/LAETA, ter na sua equipa um investigador com o perfil definido no Aviso nº 11213/2018.”
39. Pelo que, também por essa factualidade (que não é sequer abordada na decisão recorrida) é a todos os títulos incompreensível o comportamento da UBI e do Tribunal, que nos termos indicados determinou a caducidade da providência cautelar a abrigo da al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA.
40. O reconhecimento da impossibilidade de execução da sentença do processo principal é uma competência do Tribunal em sede da acção principal ao abrigo do previsto nos artigos 177.º e 178º do CPTA, tal como afirmado na sentença proferida nestes autos em 06/11/2023.
41. É manifesto que a decisão recorrida, ao decidir a caducidade da providência cautelar ao abrigo da al. d) do nº 1 do artigo 123.º do CPTA, é ostensivamente ilegal e violadora da natureza instrumental e provisória das providências cautelares, e dos artigos 173º e seguintes do CPTA, designadamente dos artigos 177.º, 178.º e 163.º do CPTA dos quais resulta claramente que a decisão sobre a verificação de impossibilidade de execução da sentença proferida em sede de processo principal deve ser verificada em sede do processo principal.

A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A. A decisão que extingue a providência cautelar afigura-se correta, tanto na forma como no conteúdo, revelando uma rigorosa interpretação do dispositivo da própria sentença proferida no processo cautelar, bem como uma correta apreciação dos poderes de cognição dos tribunais administrativos, e ainda, uma criteriosa subsunção do Direito à factualidade nova que foi trazida aos autos, motivos pelos quais, deverá ser integralmente mantida.
B. A sentença proferida nos presentes autos de execução da sentença cautelar, em 06.11.2023, condenou a UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR a “continuar a pagar ao Exequente a bolsa de investigação que lhe é devida, com efeitos reportados ao mês de julho de 2023 em diante, até ao término do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018”, pelo que, nos precisos termos em que julgou a sentença cautelar, apenas teria como fundamento temporal o período de tempo em que perdurasse e/ou estivesse em vigor o Contrato que havia sido precedido pelo “procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018, trecho decisório que o recorrente insiste em ignorar, mas que lhe é imposto, por força da eficácia do caso julgado.
C. É totalmente descabido, pois, alegar a prolação de uma decisão surpresa, na medida em que a mesma resulta da verificação de uma condição que a mesma fazia depender sobre si, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do CPTA.
D. O recorrente bem sabia, atentos os efeitos do caso julgado, que o procedimento ao abrigo do qual se encontrava a auferir bolsa havia sido anulado judicialmente, não devendo, por essa razão, produzir efeitos, procedimento concursal esse que, de resto, como decorre da sentença proferida em janeiro de 2023, há bem mais de um ano, foi anulado judicialmente.
E. O direito de audiência prévia e do contraditório não constituem direitos meramente formais, mas antes, direitos substantivos, garantindo-se a efetiva pronuncia das partes, o que, in casu, foi assegurado e ponderado pelo Meritíssimo Juiz, pelo despacho proferido em 12.04.2024, e sem qualquer surpresa, o aqui recorrente apresentou requerimento de 20.04.2024, pronunciando-se amplamente sobre as consequências do aludido documento superveniente, pelo que, é infundada a alegação de que a decisão proferida constitui uma decisão surpresa ou sobre a qual o requerente não teve a oportunidade de se pronunciar.
F. Apesar de o recorrente “disparar em todas as direções” não se verificam as causas de nulidade da decisão a que se referem as alíneas b) c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
G. O despacho de 12.02.2020, que admitiu a junção aos autos do Despacho Reitoral, proferido em 08.02.2023, o qual constitui um documento superveniente, que não foi objeto de impugnação judicial, tendo-se formado caso julgado formal relativamente à tempestividade da junção de requerimento, pelo que, não se verifica nenhuma questão e/ou argumento que devesse ser objeto de decisão, não havendo qualquer omissão de pronúncia.
H. Nenhuma contradição existe na decisão proferida, na medida em que a mesma, de forma clara, conclui, em conformidade com a sentença, que, inexistindo procedimento concursal [anulado judicialmente], não subsiste a causa de pagamento da bolsa, não subsistindo a providência cautelar decretada.
I. Bem andou a decisão proferida ao determinar que “Verificamos, agora, que chegou ao seu término o procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018, pelo que, o recorrente deixou de ter direito a que lhe sejam pagas estas quantias, “desde logo por não haver substância legal para a manutenção do seu contrato de bolsa de investigação”.
J. A decisão proferida é bem clarividente nos respetivos pressupostos, apesar de merecer a discordância infundada do recorrente, mas não padece de qualquer nulidade, por omissão, contradição ou falta de especificação dos respetivos fundamentos, devendo improceder a alegação de nulidade.
K. A decisão proferida não incorre em erro de julgamento, porquanto, decorre das pronúncias do tribunal a quo, as quais, formaram caso julgado formal, que o momento do término do procedimento concursal não deveria ser determinado judicialmente, nem tão pouco, no âmbito do processo cautelar.
L. Não obstante, o recorrente, na tentativa de “eterizar” os efeitos de uma sentença meramente cautelar, ensaia a tese de que a apreciação sobre a execução de uma sentença anulatória por parte da entidade administrativa, UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR, só poderia ter lugar no âmbito de um eventual processo executivo no processo principal, atente-se, se e quando o próprio recorrente o vier a instaurar, furtando-se, por essa via, à avaliação sobre a real possibilidade de execução do julgado anulatório.
M. Decorre que da sentença anulatória do procedimento concursal, que não existe qualquer condenação da Universidade Ré a abrir um novo procedimento, pelo que, haveria de resultar de uma apreciação administrativa por parte da entidade administrativa, no âmbito de valorações próprias da função administrativa.
N. Em face da prática do ato administrativo, praticado pelo Magnífico Reitor da UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR, em 09.02.2024, a qual constitui a pronúncia e decisão administrativa relativamente à forma de proceder em cumprimento do julgado anulatório, a qual se impõe à insubsistência da providência cautelar decretada, na medida em que, com o sobredito ato administrativo, não subsiste mais na ordem jurídica quaisquer efeitos do procedimento concursal anulado.
O. Subsumindo o direito aos factos – designadamente, à prática do ato administrativo supra descrito -, a decisão proferida teria que concluir pela verificação do termo ou condição de que dependia a providência cautelar, isto é, o término do procedimento concursal anulado, concluindo-se pela extinção da providência cautelar, por aplicação do disposto na alínea d) do artigo 123.º do CPTA.
P. Ao recurso interposto deve ser atribuído, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA, um efeito meramente devolutivo, porquanto, o Recorrente não alegou que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos para a esfera jurídica do requerente, o que, de resto, não basta tratar-se de uma providência cautelar, para que esteja automaticamente demonstrada a existência de danos gerados pelo efeito devolutivo do recurso.

*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se ocorreu uma nulidade por falta de pronúncia sobre o requerido pelo ora Recorrente em 20.2.2024;
b) Se o despacho recorrido violou, por falta de audição prévia, o disposto no artigo 123.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
c) Se o despacho recorrido é nulo, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) e segunda parte da alínea d) do artigo 615.º/1 do Código de Processo Civil;
d) Se o despacho recorrido errou ao declarar a caducidade da providência cautelar.


III
É a seguinte a factualidade a considerar:


A. Em 15.8.2023 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, através de decisão do Senhor Juiz de turno, havia indeferido a então requerida declaração de caducidade da providência cautelar de suspensão da eficácia da decisão de homologação da lista de ordenação final dos candidatos aprovados no procedimento concursal de seleção internacional para a contratação de doutorado(a) ao abrigo do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, para o exercício de atividades de investigação científica na área de Ciências Aeroespaciais - Propulsão, no Departamento de Ciências Aeroespaciais da Universidade da Beira Interior, que integra o LAETA - Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeronáutica (SITAF 1013);
B. Nessa decisão considerou-se, nomeadamente, assistir «razão ao Requerente quando refere que a Requerida se limita a tecer considerações abstractas, sem densidade factual e jurídica que permitam vislumbrar uma situação de impossibilidade ou excessiva onerosidade face ao cumprimento do julgado», não se encontrando «minimamente fundamentada ou demonstrada» a alegada existência de causa legítima de inexecução (SITAF 1013);
C. No âmbito da execução dessa decisão cautelar, e mediante despacho de 23.1.2024 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido) a Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu sem efeito o seu despacho antecedente, de 19.1.2024 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), na medida em que considerou que «estamos perante uma execução para a prestação de factos ou coisas, e não tendente ao pagamento de uma quantia certa, uma vez que não é possível liquidar a quantia que, a final e na data do pagamento, será devida ao A., por estarmos perante a falta de pagamento de uma bolsa de doutoramento, que teve início em julho de 2023 e não tem data certa de término» (SITAF 1210);
D. Por outro lado, determinou-se no mesmo despacho que se notificasse «pessoalmente o Reitor da Entidade Executada, com cópia da sentença proferida a fls. 1169 e seguintes do SITAF, para efeitos de exercício do contraditório a propósito da possibilidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no pagamento das quantias devidas ao A., nos termos do disposto no artigo 169.º do CPTA» (SITAF 1210);
E. Em resposta a Universidade da Beira Interior/Recorrida apresentou requerimento em 9.2.2024, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que concluiu do seguinte modo (SITAF 1218);

«I. Requer-se a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos do Despacho Reitoral proferido em 08.02.2024, e nessa conformidade, declarar que o cumprimento da douta sentença proferida se faça na exata medida do aí determinado, isto é, o pagamento mensal ao Requerente se faça apenas até ao término do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018;
II. Deverá V. Exa., com os fundamentos expostos, indeferir o pedido de imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença».

F. Através desse requerimento a Universidade da Beira Interior/Recorrida juntou cópia do despacho de 8.2.2024 do seu Reitor (SITAF 1218);
G. Perante tal requerimento, a Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria exarou, em 12.2.2024, despacho no qual se pode ler, nomeadamente, o seguinte (SITAF 1241);

«Requerimento e documento de fls. 1218 e seguintes do SITAF.
Notifique o Requerente para, querendo e pelo prazo de cinco dias, se pronunciar acerca do requerimento e documento que antecedem

H. Na pronúncia subsequente, de 20.2.2024, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o ora Recorrente, ali Requerente, invocou o facto de «[o] requerimento da UBI de 09/02/2024 [ter sido] apresentado fora de prazo de 5 dias previsto nos artigos 29.º 1 e 36.º nº 4 do CPTA», pelo que o mesmo deveria «ser considerado como apresentado fora de prazo com as legais consequências» (SITAF 1246),
I. tendo terminado o seu requerimento do seguinte modo (SITAF 1246);

«Nestes termos e melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá, não podendo existir dúvidas que a sentença proferida a 06/11/2023 transitada em julgado deve ser cumprida, verificando-se que a UBI apenas depositou na conta do Autor a referida quantia muito depois do prazo definido na sentença de 06/11/2023, e face a resultar do requerimento da UBI de 09/02/2024 que esta pretende incumprir a sentença nestes autos proferida deixa-se ao prudente arbítrio de V. Exa a necessidade e termos de aplicação da sanção pecuniária compulsória para que se mantenha o cumprimento da sentença de 06/11/2023 que condenou a “… Entidade Executada a pagar ao Exequente a bolsa de investigação que lhe é devida por força do contrato de pós-doutoramento celebrado entre as partes, com efeitos reportados a julho de 2023, inclusive, até ao término do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018, o que deve levar a cabo no prazo de trinta dias

J. O tribunal ad quem não se pronunciou sobre o requerido (SITAF);
K. Por despacho de 5.3.2024, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o tribunal ad quem declarou a caducidade da providência cautelar (SITAF 1272);


IV
Da alegada nulidade por falta de pronúncia sobre o requerido pelo ora Recorrente em 20.2.2024

1. Mostram os autos que no seu requerimento de 20.2.2024 o ora Recorrente invocou o facto de «[o] requerimento da UBI de 09/02/2024 [ter sido] apresentado fora de prazo de 5 dias previsto nos artigos 29.º 1 e 36.º nº 4 do CPTA», pelo que o mesmo deveria «ser considerado como apresentado fora de prazo com as legais consequências».

2. Sobre o requerido o tribunal ad quem não se pronunciou. Com essa omissão cometeu uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º/1 do Código de Processo Civil. Note-se que essa omissão não está coberta pelo despacho subsequente, de 5.3.2024. Evidentemente que seria o momento adequado para apreciar o requerido, mas nada obstaria, teoricamente, à separação de pronúncias, a primeira das quais, evidentemente, sobre a invocada extemporaneidade.

3. Sucede que da alegada nulidade caberia reclamação, nos termos impostos pelo 196.º do Código de Processo Civil, e não recurso, pelo que a mesma não poderá ser aqui apreciada.


Da alegada violação, por falta de audição prévia, do disposto no artigo 123.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

4. De acordo com o disposto no artigo 123.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, «[a] extinção do processo cautelar ou a caducidade da providência é reconhecida pelo tribunal, oficiosamente ou a pedido fundamentado de qualquer interessado, mediante prévia audição das partes» (destaque e sublinhado nossos, evidentemente). Temos, portanto, e aqui, uma manifestação do princípio do contraditório, expressamente consagrado no artigo 3.º/3 do Código de Processo Civil, do qual resulta a proibição de emissão de decisões surpresa, que assim serão quando comportem «uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever» (acórdão de 19.5.2016 do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 6473/03.2TVPRT.P1.S1).

5. A decisão recorrida, datada de 5.3.2024, declarou «a caducidade da presente providência cautelar, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA». Tratou-se, para o Recorrente, de uma decisão surpresa, na medida em que não foi cumprido o devido contraditório.

6. Vejamos, então, o que precedeu a decisão recorrida. No âmbito da execução da decisão cautelar, e mediante despacho de 23.1.2024, a Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu sem efeito o seu despacho antecedente, de 19.1.2024, na medida em que considerou que «estamos perante uma execução para a prestação de factos ou coisas, e não tendente ao pagamento de uma quantia certa, uma vez que não é possível liquidar a quantia que, a final e na data do pagamento, será devida ao A., por estarmos perante a falta de pagamento de uma bolsa de doutoramento, que teve início em julho de 2023 e não tem data certa de término». Por outro lado, determinou que se notificasse «pessoalmente o Reitor da Entidade Executada, com cópia da sentença proferida a fls. 1169 e seguintes do SITAF, para efeitos de exercício do contraditório a propósito da possibilidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no pagamento das quantias devidas ao A., nos termos do disposto no artigo 169.º do CPTA». Note-se, portanto, que inexiste a menor referência à eventual caducidade da providência cautelar.

7. Notificado nos termos ali determinados – ou seja, para se pronunciar sobre a possibilidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória -, a Universidade da Beira Interior/Recorrida fê-lo em 9.2.2024, terminando o seu requerimento do seguinte modo:

«I. Requer-se a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos do Despacho Reitoral proferido em 08.02.2024, e nessa conformidade, declarar que o cumprimento da douta sentença proferida se faça na exata medida do aí determinado, isto é, o pagamento mensal ao Requerente se faça apenas até ao término do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018;
II. Deverá V. Exa., com os fundamentos expostos, indeferir o pedido de imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença».

8. A Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, perante tal requerimento, exarou despacho, em 12.2.2024, no qual se pode ler, no que releva, o seguinte:

«Requerimento e documento de fls. 1218 e seguintes do SITAF.
Notifique o Requerente para, querendo e pelo prazo de cinco dias, se pronunciar acerca do requerimento e documento que antecedem

9. O Recorrente acedeu ao convite, pronunciando-se em 20.2.2024, concluindo no seu requerimento nos seguintes termos:

«Nestes termos e melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá, não podendo existir dúvidas que a sentença proferida a 06/11/2023 transitada em julgado deve ser cumprida, verificando-se que a UBI apenas depositou na conta do Autor a referida quantia muito depois do prazo definido na sentença de 06/11/2023, e face a resultar do requerimento da UBI de 09/02/2024 que esta pretende incumprir a sentença nestes autos proferida deixa-se ao prudente arbítrio de V. Exa a necessidade e termos de aplicação da sanção pecuniária compulsória para que se mantenha o cumprimento da sentença de 06/11/2023 que condenou a “… Entidade Executada a pagar ao Exequente a bolsa de investigação que lhe é devida por força do contrato de pós-doutoramento celebrado entre as partes, com efeitos reportados a julho de 2023, inclusive, até ao término do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 11213/2018, o que deve levar a cabo no prazo de trinta dias

10. Ora, o que temos é a inexistência de uma única palavra – quer nos despachos de 23.1.2024 e 12.2.2024, quer no requerimento de 9.2.2024 da Universidade da Beira Interior/Recorrida – relativa à eventual caducidade da providência cautelar. Portanto, nem o tribunal nem a Universidade da Beira Interior/Recorrida suscitaram tal questão.

11. É certo que o Recorrente, no seu requerimento de 20.2.2024, contém alusões ao problema da caducidade da providência. Mas por uma razão muito simples: porque recuperou, para a temática que lhe foi colocada, o despacho de 15.8.2023 e a sentença de 6.11.2023. Ou seja, transcreveu decisões que continham argumentos para o entendimento que pretendia defender, isto é, que a sentença proferida em 6.11.2023, já transitada em julgado, não estava a ser cumprida.

12. O princípio do contraditório reporta-se a um binómio materialidade versus consequência jurídica, o qual deve ser dado a conhecer na sua integralidade e de modo transparente. Nada disso sucedeu no caso dos autos. Por isso de modo algum se pode aceitar a sustentação que é feita no âmbito do despacho previsto no artigo 641.º/1 do Código de Processo Civil, nos termos do qual «sobre o requerimento da Recorrida de fls. 1218 e seguintes do SITAF, que originou a decisão recorrida, o Recorrente teve oportunidade de emitir pronúncia, tendo para tal sido notificado por despacho de fls. 241 do suporte informático dos autos».

13. Assim como não se poderá aceitar a afirmação, constante do mesmo despacho, de que inexistiria qualquer decisão surpresa, «uma vez que a questão da caducidade da providência cautelar é verdadeiramente a questão que ocupa os intervenientes processuais desde o início da execução da presente providência, suscitada primeiramente pela Recorrida em requerimento de 28.07.2023, a fls. 953 e seguintes do SITAF, do que foi dado expresso contraditório ao Recorrente, conforme despacho de fls. 959 do SITAF».

14. De facto, em 28.7.2023 a Universidade da Beira Interior/Recorrida requereu a caducidade da providência, tendo o Recorrente emitido a respetiva pronúncia. Sucede que o Tribunal Administrativo de Leiria, através de despacho de 15.8.2023 do Senhor Juiz de turno, indeferiu a requerida declaração de caducidade. E ali se reconheceu assistir «razão ao Requerente quando refere que a Requerida se limita a tecer considerações abstractas, sem densidade factual e jurídica que permitam vislumbrar uma situação de impossibilidade ou excessiva onerosidade face ao cumprimento do julgado», não se encontrando «minimamente fundamentada ou demonstrada» a alegada existência de causa legítima de inexecução.

15. Foi isto, portanto, que tivemos, num primeiro momento, em que efetivamente se colocou a questão da caducidade da providência, face a uma materialidade que o Senhor Juiz de turno considerou, como se viu, sem qualquer densidade. E no segundo – visto nos parágrafos 6 a 11 - temos uma materialidade totalmente diversa, consubstanciada no despacho de 8.2.2024 do Reitor da Universidade da Beira Interior/Recorrida, sem que a questão da caducidade da providência tenha sido suscitada pelo tribunal ou pela Recorrida.

16. A decisão recorrida consubstancia, pois, uma verdadeira decisão surpresa, na medida em que contém uma solução que o Recorrente não tinha qualquer obrigação de prever, tanto mais que, à luz da mesma decisão, nem se consegue descortinar a razão pela qual a nova factualidade trazida aos autos através do requerimento de 9.2.2024 da Universidade da Beira Interior/Recorrida teria motivado uma decisão oposta à que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria tinha tomado em 15.8.2023, momento em que indeferiu a então requerida declaração de caducidade da providência cautelar.

17. Vejamos, então, a consequência da falta de audição prévia. Como refere Miguel Teixeira de Sousa, «[a] audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). (…) Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronuncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar» (https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html) (consult. 23.9.2020). Esse entendimento foi acolhido, nomeadamente, no acórdão de 20.12.2023 do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 0445/12.3BELRS). E é o mesmo que aqui se adota, ficando prejudicado o conhecimento do demais que foi alegado.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, declarar nulo o despacho de 5.3.2024, determinando que os autos voltem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que seja cumprido o contraditório previsto no artigo 123.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou no recurso.

Lisboa, 23 de maio de 2024.


Luís Borges Freitas – relator
Rui Fernando Belfo Pereira – 1.º adjunto
Teresa Caiado – 2.ª adjunta