Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:298/18.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
MILITAR DA FORÇA AÉREA
EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 38.º/2 DO CPTA
Sumário:I - Decorrendo a ação da prática de dois atos administrativos, a tutela dos direitos que o Autor entende terem sido violados é feita através de ação administrativa para impugnação de atos administrativos ou para a condenação à prática de atos administrativos devidos.
II - Mostrando-se tais atos inimpugnáveis, pelo decurso do prazo para a sua impugnação, ocorre a exceção prevista no artigo 38.º/2 do CPTA quando o Autor formula pedido cuja procedência lhe permitiria obter o efeito que resultaria da anulação daqueles atos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
P....... intentou, em 15.2.2018, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra o Estado Português e a Força Aérea, pedindo a condenação destes nos seguintes termos:

«a) À adoção de condutas necessárias ao restabelecimento de diretos ou interesses do sinistrado, que foram violados, pelo facto de o mesmo dever ser mantido na Força Aérea até ser definida a sua situação clínica, nos termos das al.s i) e k) do n.º 1 do art.º 37 do CPTA;
b) A ressarcir o Autor a título de danos patrimoniais da diferença entre aquilo que recebeu do Centro de Emprego e os montantes salariais vincendos, desde 22 de Fevereiro de 2017, data em que foi passado à reserva de disponibilidade e até ao momento em que vier a ser dado como curado sem aleijão ou deformidade, ou em alternativa com desvalorização fixada pelo Instituto ou Junta em consequência do sinistro;
c) Para o efeito requer-se que o autor seja presente no Instituto de medicina Legal da área da sua residência ou, na junta da CGA a fim de ser determinar o grau de incapacidade de que ficou a padecer em consequência do sinistrado,
d) Requer-se também que os Réus sejam condenados a pagar a título de danos não patrimoniais a quantia de 20.000,00 euros, para ressarcir o sofrimento físico e psicológico a que o autor se sujeitou apos se ter sinistrado ao serviço da Força Aérea Portuguesa;
e) Mais se requer depois de apurados os montantes da indemnização a pagar ao sinistrado, os réus sejam também solidariamente condenados a pagar os juros vencidos e vincendos a contra da citação e até efetivo e integral pagamento.
f) E, finalmente apurado que esteja o grau de incapacidade, o dano estético e o quantum doloris, serem os réus também condenados a pagar a respetiva indemnização de acordo com a tabela nacional de incapacidades».
*

Por despacho saneador de 18.10.2022 o tribunal a quo julgou verificada a exceção inominada prevista no artigo 38.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, suscitada oficiosamente, e, em consequência, absolveu as Entidades Demandadas da instância.
*

Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1 - A decisão do Tribunal “a quo” não foi uma decisão assertiva, porquanto aos militares, por força do art.º 55, do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro apenas se aplica o capítulo IV;
2 - Além disso os acidentes já tinham ocorrido há mais de um ano, e como tal o Recorrido ainda que o quisesse enquadrar nesse normativo, já não podia lançar mão do disposto no Artigo 48º do mencionado Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro;
3 - Não se verifica qualquer exceção inominada, na escolha do processo utilizada pelo Recorrente visto que mais nenhuma se ajustava;
4 - O Recorrente pretende a condenação dos Recorridos à adoção de condutas necessárias ao restabelecimento de diretos e interesses do sinistrado, que foram grosseiramente violados;
5 - O Recorrente, assenta a sua causa de pedir e respetivos pedidos no pressuposto de ter sofrido dois acidentes de serviço e respetivas recidivas ao serviço da Força Aérea;
6 - No que diz respeito à aplicação ao Recorrente do Dec.-Lei 503/99, por força do Despacho do CEMFA nº 23/2011, de 16 de Maio, o mencionado despacho refere que apenas se aplica ao pessoal civil a prestar serviço na força aérea;
7 - Assim é na nossa modesta opinião entendida que não se aplica ao Recorrente, com exceção do capítulo IV, conforme determina o art.º 55 desse mesmo diploma.
8 - E tendo o vínculo contratual apenas sido quebrado com a passagem do Recorrente à situação de reserva de disponibilidade, depois de esgotadas todas as renovações contratuais possíveis, mudança de situação essa que ocorreu em 22 de Fevereiro de 2017;
9 - Assim, o artigo 38.º do CPTA, mencionado na decisão do Tribunal recorrido, impunha que o Recorrente reagisse no prazo de um ano, todavia entendemos que tal não colhe uma vez que já havia passado mais de um ano desde os sinistros;
10 - No entanto, e salvo melhor por douta opinião contrária, perante a factualidade carreada para os autos, o que se aplica ao caso concreto é o determinado no art. 41º do CPTA;
11 - Artigo esse que determina que a ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo, sem prejuízo do disposto na lei substantiva, que impõe um ano a contar da quebra do vínculo laboral;
12 - O Recorrente reagiu dentro do prazo de um ano a contar da sua passagem a situação de reserva de disponibilidade;
13 - Não podendo recorrer a outro meio processual, parece-nos que a forma processual foi a adequadamente possível;
14 - A decisão concluída violou o artigo 41º do CPTA porquanto a forma adequada do processo foi proposta com a forma adequada do processo;
15 - A alegada exceção inominada não deverá ter acolhimento, porquanto o artigo 38.º do Decreto Lei 503/98 de 20 de Novembro não se aplica ao caso concreto.
Assim, nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente Recurso, por ter sido violado o art.º 41 do CPTA, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência devem os autos prosseguir até à decisão de mérito.
Fazendo-se desse modo a costumada justiça!

*

O estado Português apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos a 18/10/2022, em que foi julgada procedente a exceção de impropriedade do meio processual utilizado pelo A., e, em consequência, foi determinada a absolvição dos Réus da instância, nos termos do Artigo 89.º ns.º 1, 2 e 4 alínea b) do CPTA, por ter sido entendido pelo tribunal a quo que o meio próprio para o A. obter o fim em vista seria a ação prevista no artigo 48º, nº 1, do Decreto-Lei 503/99, com o correspondente pedido de anulação dos referidos atos com fundamento em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito
2. Tendo a douta sentença ora recorrida sido proferida sem que se tivesse conhecido da ilegitimidade passiva do Estado Português suscitada na contestação – que se nos afigura evidente e manifesta – consigna-se que se apresenta as presentes contra-alegações sem conceder quanto à verificação de tal exceção dilatória, que sempre implicaria a absolvição da instância do R. Estado Português.
3. Face ao teor das alegações do recorrente, afigura-se-nos que a única questão a decidir é a de aferir da existência de erro de direito relativamente à decisão de procedência da exceção de impropriedade do meio processual utilizado pelo A., por, segundo alega o recorrente, aos militares não ser aplicável o disposto no art.º 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por força do art.º 55 do mesmo diploma legal, sendo antes aplicável ao caso concreto o determinado no art.º 41º do CPTA, que determina que a ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo.
4. Todavia, em primeiro lugar, ao contrário do que alega o A., ora recorrente, era-lhe aplicável o disposto no art.º 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que estabelece o regime jurídico geral dos acidentes em serviço e das doenças profissionais da função pública, só contendendo com os regimes especiais, nos termos e na estrita medida previstos no mesmo.
5. Com efeito, o Despacho do CEMFA nº. 23/2011, de 16 de maio, referido na douta sentença recorrida, junto aos presentes autos a fls. 79 do SITAF, contém as Normas para a Organização e Tramitação dos Processos de Averiguações por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais dos Militares e ex-militares da Força Aérea.
6. Ora, ao contrário do que alega o A., ora recorrente, por força do Despacho do CEMFA nº 23/2011, de 16 de Maio, o Dec.-Lei 503/99 não se aplica apenas ao pessoal civil a prestar serviço na força aérea.
7. Resulta do ponto 4 do anexo a tal despacho, quanto ao âmbito de aplicação do mesmo, que
“As normas aplicam-se a todos os militares na efectividade de serviço, aos cidadãos submetidos às operações de recrutamento militar e aos ex-militares por factos ocorridos durante a prestação do serviço militar”.
8. E resulta do ponto 33 do anexo a tal despacho, quanto ao regime subsidiário, que “Em tudo o que não se encontre especificamente regulado nestas normas aplica-se, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas”.
9. Logo, é aplicável aos militares o disposto no referido art.º 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, nomeadamente a caducidade do direito de ação aí prevista.
10. Por outro lado, sem conceder, conforme se refere no recente Ac. do TCA Sul de 21-04-2022, processo n.º 519/17.4BESNT, disponível in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/763c2ba1ca101c1d8025883100395ed1?OpenDocument, “É incontroverso e incontornável que resulta do n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, que os militares das forças armadas, incluindo os do serviço militar obrigatório, estão sujeitos ao regime instituído pelo referido diploma legal, o qual se aplica a todos os acidentes em serviço ocorridos ou a todas as doenças profissionais diagnosticadas depois de 1 de maio de 2000, como resulta dos artigos 56.º e 58.º do Decreto- Lei n.º 503/99, de 20 de novembro”.
11. Em segundo lugar, conforme muito bem se refere na douta sentença recorrida, o A. pretende, com a presente a ação administrativa obter o mesmo efeito que resultaria da instauração da ação prevista no art.º 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, a qual já não é possível em resultado do decurso do respetivo prazo de impugnação.
12. Todavia, tal é expressamente vedado pelo artigo 38º, nº 2 do CPTA, não podendo agora o A., através da presente ação, procurar obter aquilo que não logrou fazer anteriormente, pois que ao ser potencialmente dado provimento ao aqui peticionado, tal determinaria, na prática, a anulação de ato já inimpugnável, o que contraria frontalmente o n.º 2 do artigo 38º do CPTA.
13. Como tal, sempre se verificaria a exceção dilatória inominada prevista no artigo 38º, nº 2 do CPTA, a qual implicaria a absolvição dos Réus da instância (artigo 89º, nº 1 do CPTA e 576º, nº 2 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA), e impediria o prosseguimento dos autos para julgamento do mérito da causa.
14. Face ao exposto, cumpre concluir que a douta sentença recorrida fez uma ponderada análise dos factos e do direito, tendo decidido de acordo com a lei, improcedendo totalmente as alegações do recorrente, não sendo a douta sentença recorrida merecedora de qualquer censura, devendo a mesma, como tal, ser integralmente confirmada.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado improcedente e manter-se, nos seus precisos termos, a douta sentença recorrida. Assim decidindo farão V. Ex.as
JUSTIÇA!
*

Também a FORÇA AÉREA apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a) Não se conformou o recorrente com a douta sentença que considerou procedente a exceção de impropriedade do meio processual utilizado pelo A., por erro na forma de processo e assim, absolvendo as entidades demandadas da instância, nos termos dos números 1, 2 e 4, alínea b), do artigo 89.º do CPTA.
b) Tendo concluído que o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o regime jurídico geral dos acidentes em serviço e das doenças profissionais da função pública se aplica ao caso concreto, pois,
c) Nos termos do nº 1 do seu artigo 48ºO interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, ação para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os atos ou omissões relativas à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência”.
d) O Despacho do CEMFA nº 23/2011, de 16 de maio, contém as Normas para a Organização e Tramitação dos Processos de Averiguações por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais dos Militares e ex-militares da Força Aérea.
e) Sendo que, quanto ao âmbito de aplicação do mesmo, e nos termos do ponto 4 do anexo do despachoAs normas aplicam-se a todos os militares na efetividade de serviço, aos cidadãos submetidos às operações de recrutamento militar e aos ex-militares por factos ocorridos durante a prestação do serviço militar.
f) E não apenas ao pessoal civil a prestar serviço na força aérea, como considera o A.
g) E subsidiariamente, conforme o ponto 33 do anexo ao despacho, “Em tudo o que não se encontre especificamente regulado nestas normas aplica-se, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas”.
h) Aplicando-se, assim aos militares, o disposto no artigo 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, nomeadamente a caducidade do direito de ação aí prevista.
i) Com a ação, o A. pretende obter o mesmo efeito que resultaria da instauração da ação prevista no art.º 48º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro,
j) Mas deixou passar o prazo de impugnação que a lei impõe.
k) Improcedendo todas as conclusões do A., tendo a douta sentença aplicado corretamente a lei ao caso concreto.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao recurso, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 144.º/2 e 146.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 608.º/2, 635.º/4 e 5 e 639.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal consiste em determinar se a decisão recorrida errou ao considerar verificada a exceção prevista no artigo 38.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


III
A matéria de facto constante da decisão recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte:

A) O A. ingressou na Força Aérea a 22.02.2010, em regime de contrato.
B) Existem duas participações relativas ao A. e a alegados acidentes por ele sofridos, durante a sua permanência nas fileiras, a saber:
- No dia 4 de maio de 2010, o A. lesionou-se durante um jogo de futebol cerca das 20:00, na Ota;
- No dia 4 de dezembro de 2014, pelas 13:30, diz ter- se lesionado no alojamento de praças masculino, em Alfragide, enquanto fazia a sua higiene bucal, dizendo que a referida lesão se traduziu numa entorse a nível dos tendões do joelho esquerdo.
C) A primeira participação mereceu despacho de indeferimento do Comandante da Unidade, de 7 de abril de 2015, por falta de relatório médico que refira nexo de causalidade entre a lesão e o serviço.
D) O A. recusou-se a assinar a notificação do despacho referido em C), mas tomou conhecimento da mesma em 29/6/2015.
E) A segunda participação mereceu despacho de indeferimento do Comandante da UAL, de 4 de março de 2015, por extemporaneidade e falta de prova testemunhal.
F) O A. recusou-se a assinar a notificação do despacho referido em E), mas tomou conhecimento da mesma em 5/3/2015.
G) O seu Contrato com a Força Aérea cessou em 22/2/2017, passando à reserva de disponibilidade.
H) A presente ação deu entrada neste tribunal no dia 15/2/2018, com o seguinte petitório:
Assim, nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exa., deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência serem os Réus condenados,
a) – Á adoção de condutas necessárias ao restabelecimento de diretos ou interesses do sinistrado, que foram violados, pelo facto de o mesmo dever ser mantido na Força Aérea até ser definida a sua situação clinica, nos termos das al.s i) e k) do n.º 1 do art.º 37 do CPTA;
b) A ressarcir o Autor a título de danos patrimoniais da diferença entre aquilo que recebeu do Centro de Emprego e os montantes salariais vincendos, desde 22 de Fevereiro de 2017, data em que foi passado à reserva de disponibilidade e até ao momento em que vier a ser dado como curado sem aleijão ou deformidade, ou em alternativa com desvalorização fixada pelo Instituto ou Junta em consequência do sinistro;
c) Para o efeito requer-se que o autor seja presente no Instituto de medicina Legal da área da sua residência ou, na junta da CGA a fim de ser determinar o grau de incapacidade de que ficou a padecer em consequência do sinistrado,
d) Requer-se também que os Réus sejam condenados a pagar a título de danos não patrimoniais a quantia de 20.000,00 euros, para ressarcir o sofrimento físico e psicológico a que o autor se sujeitou apos se ter sinistrado ao serviço da Força Aérea Portuguesa;
e) Mais se requer depois de apurados os montantes da indemnização a pagar ao sinistrado, os réus sejam também solidariamente condenados a pagar os juros vencidos e vincendos a contra da citação e até efetivo e integral pagamento.
f) E, finalmente apurado que esteja o grau de incapacidade, o dano estético e o quantum doloris, serem os réus também condenados a pagar a respetiva indemnização de acordo com a tabela nacional de incapacidades.
g) Requer o autor que seja notificado o Hospital das Forças Armadas a fim de juntar aos autos cópia certificada de todo o processo clínico do autor/ sinistrado.
h) - Para tanto, requer-se a citação previa dos Réus nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 323 do Código Civil por se estar a atingir o prazo de um ano a contar da passagem a disponibilidade conforme consta do contrato (doc. 1 Junto aos autos), para contestarem, querendo, em prazo e sob cominação legal;
Fazendo-se desse modo a já acostumada e sã Justiça!”.


IV
1. O presente recurso tem por objeto o despacho saneador que absolveu os Recorridos da instância, na medida em que considerou verificada «a exceção inominada prevista no artigo 38º, nº 2, relativamente aos pedidos das alíneas a), b), c) e f)», a saber:

«a) [Condenação na] adoção de condutas necessárias ao restabelecimento de diretos ou interesses do sinistrado, que foram violados, pelo facto de o mesmo dever ser mantido na Força Aérea até ser definida a sua situação clinica, nos termos das al.s i) e k) do n.º 1 do art.º 37 do CPTA;
b) [Condenação a] ressarcir o Autor a título de danos patrimoniais da diferença entre aquilo que recebeu do Centro de Emprego e os montantes salariais vincendos, desde 22 de Fevereiro de 2017, data em que foi passado à reserva de disponibilidade e até ao momento em que vier a ser dado como curado sem aleijão ou deformidade, ou em alternativa com desvalorização fixada pelo Instituto ou Junta em consequência do sinistro;
c) [Apresentação do Autor] no Instituto de medicina Legal da área da sua residência ou, na junta da CGA a fim de ser determinar o grau de incapacidade de que ficou a padecer em consequência do sinistrado,
f) E, finalmente apurado que esteja o grau de incapacidade, o dano estético e o quantum doloris [condenação dos Réus a pagarem] a respetiva indemnização de acordo com a tabela nacional de incapacidades».

2. A decisão tomada pelo tribunal a quo assentou, essencialmente, no seguinte, que se extrai do seu discurso fundamentador.

«O A. assenta a toda a sua causa de pedir e respetivos pedidos no pressuposto de ter sofrido dois acidentes de serviço.
Todavia, o A. não reagiu contra os despachos de indeferimento da qualificação dos incidentes como acidentes em serviço, nos termos do Decreto-Lei 503/99, aplicável por força do Despacho do CEMFA nº 23/2011, de 16 de maio.
(…)
Ora, o que constata, no caso em apreço, é que o A., por via da propositura de ação administrativa, vem tentar obter os efeitos que se produziria com a ação de reconhecimento de um direito contra os atos ou omissões, relativos à aplicação do Decreto-Lei 503/99.
(…)
Ponderadas as considerações atrás sintetizadas e a factualidade assente, temos que os atos referidos nas alíneas C) e E) do probatório traduzem atos que produzem efeitos na esfera jurídica do A., na medida em que foram praticados no âmbito de um procedimento administrativo que se iniciou com as participações do A..
Neste quadro, cada um dos referidos atos determinaram a não qualificação como acidente em serviço dos incidentes participados pelo A.., com o que definiram unilateralmente a situação jurídica concreta do A., e, por isso, são decisões com eficácia externa, no sentido que nos é dado no Artigo 148.º do CPA, suscetíveis de serem impugnadas contenciosamente, nos termos do Artigo 51.º n.º 1 do CPTA.
Atos estes que se consolidaram na ordem jurídica por não terem sido atempadamente impugnados, no prazo de um ano a que alude o artigo 48º, do Decreto-Lei 503/99, de 20 de novembro.
Esta conclusão, por sua vez, acarreta uma outra: a de que, por força de disposição expressa (contida no Artigo 38.º n.º 2 do CPTA), está vedado ao A. contornar os efeitos da possibilidade de instauração de uma ação contra o ato administrativo de indeferimento da qualificação como acidente em serviço, mediante a instauração de uma ação administrativa, com idêntico objetivo, como é o caso.
Assim, e considerando o teor das decisões referidas nas alíneas C) e E) do probatório, é patente que o meio próprio para o A. obter o fim em vista seria a ação previsto no artigo 48º, nº 1, do Decreto-Lei 503/99, com o correspondente pedido de anulação dos referidos atos com fundamento em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Em resumo, constata-se que foi indevidamente usada a ação administrativa, como meio de obter os resultados que seriam obtidos se tivesse sido apresentada, em tempo, a adequada ação prevista no referido artigo 48º.
Perante o exposto, ocorre, consequentemente, erro na forma de processo, termos em que se deverá julgar procedente a exceção de impropriedade do meio processual utilizado pelo A., com o que se deve absolver as entidades demandadas da presente instância, nos termos do Artigo 89.º ns.º 1, 2 e 4 alínea b) do CPTA, ao que se provirá na parte dispositiva da presente decisão».

3. Insurge-se o Recorrente contra o assim decidido. Mas sem razão. Na verdade, e antes de mais, importa assinalar que nem o Recorrente tem dúvidas quanto ao facto de a presente ação decorrer da prática de dois atos administrativos. Trata-se dos atos de indeferimento referidos em C) e E) do probatório, sendo que, e como escreveu o Recorrente, «[t]ais atos administrativos, determinaram a não qualificação como acidentes em serviço os factos participados pelo recorrente».

4. Ora, perante a prática de atos administrativos a tutela dos direitos que o Recorrente entende terem sido violados é feita através de ação administrativa para impugnação de atos administrativos ou para a condenação à prática de atos administrativos devidos.

5. O que não foi feito, como se sabe. No entanto, e em caso de procedência dos pedidos referidos no § 1, o Recorrente obteria o efeito que resultaria da impugnação dos atos que determinaram a não qualificação como acidentes em serviço dos eventos participados pelo Recorrente, atos esses que se mostram inimpugnáveis, na medida em que – e como reconhece o Recorrente – não foi respeitado o prazo de um ano previsto no artigo 48.º/1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

6. É certo que o Recorrente alega que tal norma não lhe é aplicável. Mas não é assim, ainda que não sejam corretas as razões invocadas no despacho saneador recorrido, na medida em que o Despacho do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea n.º 23/2011, de 16 de maio, não tem força jurídica para determinar o âmbito de aplicação de um decreto-lei. Importa, sim, ter em conta que o artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tem um efeito inclusivo, em linha, aliás, com o propósito, manifestado no próprio preâmbulo, de «[a]tribuição à Caixa Geral de Aposentações da responsabilidade pela reparação em todos os casos de incapacidade permanente» (note-se que o artigo 57.º/2 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, determinou a revogação dos artigos 127.º a 131.º do Estatuto da Aposentação, que se reportavam à pensão de invalidez de militares). Por isso já se concluiu ser «incontroverso e incontornável que resulta do n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, que os militares das forças armadas, incluindo os do serviço militar obrigatório, estão sujeitos ao regime instituído pelo referido diploma legal, o qual se aplica a todos os acidentes em serviço ocorridos ou a todas as doenças profissionais diagnosticadas depois de 1 de maio de 2000, como resulta dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro» (acórdão de 21.4.2022 do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 519/17.4BESNT, invocado, aliás, pelos Recorridos).

7. De resto, e ainda que assim não fosse, o Recorrente não obteria o efeito pretendido. Isto porque, caso não fosse aplicável o prazo de um ano ali previsto, teria de observar o prazo geral de três meses estabelecido no artigo 58.º/1/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, diretamente ou por remissão do artigo 69.º/2, consoante os casos.

8. Por outro lado, não tem qualquer fundamento legal a alegação de que os atos em causa não se consolidariam enquanto subsistisse «a relação de subordinação a que estava sujeito o recorrente».

9. Portanto, importa relembrar o que acima se disse: em caso de procedência dos pedidos referidos no § 1, o Recorrente obteria o efeito que resultaria da impugnação dos atos que determinaram a não qualificação como acidentes em serviço dos eventos participados pelo Recorrente, atos esses que se mostram inimpugnáveis. Ora, como expressamente se estabelece no artigo 38.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, «não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável». Em face da verificação dessa exceção, outra não poderia ser a decisão que não a da absolvição das Entidades Demandadas (aqui Recorridas) da instância.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho saneador recorrido, com a fundamentação precedente.

Custas pelo Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa, 15 de julho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Maria Helena Filipe
Rui Fernando Belfo Pereira