Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 368/23.0BEALM |
| Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
| Data do Acordão: | 09/15/2025 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM JUÍZO CONTRATOS PÚBLICOS FINANCIAMENTO |
| Sumário: | I. Quer da primitiva redação, quer da atual redação, do artigo 44.º-A do ETAF decorre que a competência dos juízos de contratos públicos não abarca todos e quaisquer litígios relativos, mediata ou imediatamente, a contratos.
II. A competência para decidir ação, em que está em causa um litígio relacionado com correção financeira de 25% sobre o montante da despesa submetida a cofinanciamento, é do Juízo Administrativo Comum. |
| Votação: | DECISÃO SINGULAR |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)] I. Relatório A Senhora Juíza do Juízo de Contratos Públicos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante TAC de Lisboa) veio requerer oficiosamente, junto deste TCAS, ao abrigo do disposto na alínea t) do n.º 1 do art.º 36.º do ETAF, a resolução do Conflito Negativo de Competência, em Razão da Matéria, suscitado entre si e Senhora Juíza do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Almada [a funcionar agregado com o Tribunal Tributário de Almada, sob a designação unitária Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, designação que adotaremos de ora em diante], uma vez que ambas se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação administrativa que a I ……………………………, SA (doravante A.) apresentou contra a Autoridade de Gestão do POSEUR – Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos e o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (doravante RR.). Chegados os autos a este TCAS, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 112.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). Pronunciou-se a A., no sentido de que a competência material para a apreciação do presente litígio cabe ao Juízo Administrativo Comum do TAF de Almada, nos termos conjugados dos art.ºs 44.º-A, n.º 1, al. a), do ETAF, 4.º, al. a), do DL n.º 174/2019, de 13 de dezembro, e 16.º, n.º 1, do CPTA. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum do TAF de Almada.
É a seguinte a questão a decidir: a) A competência para decidir ação, que deu entrada antes da alteração ao art.º 44.º-A do ETAF, operada pelo DL n.º 74-B/2023, de 28 de agosto, em que está em causa um litígio relacionado com a validade de um ato de correção financeira de 25% sobre o montante da despesa submetida a cofinanciamento, no âmbito do POSEUR, cabe ao Juízo Administrativo Comum do TAF de Almada ou ao Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação do presente conflito, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos: 1) Em 31.05.2023, a A. Intentou, no TAF de Almada, a presente ação contra os RR., na qual formulou o seguinte pedido: “Termos em que, e nos mais de Direito que o presente Tribunal doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, o ato administrativo datado de 28/02/2022 praticado pela Senhora Presidente da Comissão Diretiva da 1.ª Ré de aplicação de correção financeira de 25% sobre o montante da despesa submetida a cofinanciamento, referente ao contrato inicial da empreitada “Sistema ………………….. – Empreitada de Adaptação a uma solução BRT – M……….., no troço ………… ……………..” impugnado ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, ser anulado” (cfr. documento com o n.º 005712135 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 2) Foi proferida decisão, no TAF de Almada – Juízo Administrativo Comum, a 12.06.2023, da qual se extrai designadamente o seguinte: “O Juízo de contratos públicos é meramente o juízo da contratação pública e não o juízo residual de todo e qualquer contrato (administrativo ou de direito privado) celebrado por entidades ou sujeitos na órbita da Administração Pública. Ora nos presentes autos é peticionado: “Termos em que, e nos mais de Direito que o presente Tribunal doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, o ato administrativo datado de 28/02/2022 praticado pela Senhora Presidente da Comissão Diretiva da 1.ª Ré de aplicação de correção financeira de 25% sobre o montante da despesa submetida a cofinanciamento, referente ao contrato inicial da empreitada “Sistema de Mobilidade do Mondego – Empreitada de Adaptação a uma solução BRT – …………., no troço …………………….” impugnado ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, ser anulado. Mais se requer que sejam as Rés Autoridade de Gestão do POSEUR e Ministério do Ambiente e da Ação Climática citadas para contestar, querendo, e ainda, nos termos do disposto no artigo 84.º do CPTA, para proceder à junção aos autos do Processo Administrativo que correu junto do POSEUR.” (…) [A]plicando os mencionados conceitos ao caso em apreço é manifesto que o Tribunal competente é o Juízo de contratos considerando que a matéria em apreço prende-se com a matéria de contratação pública, designadamente a interpretação das normas nacionais e europeias e respectiva jurisprudência referentes à modificação e execução dos contratos públicos ( cfr. diretiva 2014/25/ue do parlamento europeu e do conselho de 26 de Fevereiro de 2014)” (cfr. documento com o n.º 005712162 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 3) A decisão referida em 2) foi notificada à parte e ao IMMP e os autos foram remetidos ao TAC de Lisboa e distribuídos no Juízo de Contratos Públicos (documentos com os n.ºs 005712163 a 005712169 de registo no SITAF neste TCAS). 4) Foi proferida decisão no TAC de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos, a 20.05.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte: “No presente caso, o objeto da ação não é a legalidade do contrato de empreitada “Sistema de Mobilidade do Mondego _ Empreitada de Adaptação a uma Solução BRT – …………….., no troço …………………”, nem os adicionais ao contrato, mas o ato proferido a 28.02.2022, pela Presidente da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do POSEUR, relativamente ao montante da despesa submetida a cofinanciamento. Não se colocam questões de formação, interpretação, ou incumprimento contratual, nem de efetivação de responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, estando em causa a validade do ato de correção financeira do montante submetido a cofinanciamento, pela Autoridade de Gestão do POSEUR. Neste sentido foi proferida a Decisão de 11.02.2025, da Digníssima Juíza Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, no Proc. 496/24.5BEALM, em que se colocou a mesma questão sobre a competência para o conhecimento da validade de um outro ato de correção financeira no âmbito do POSEUR, atual programa ação climática e sustentabilidade (PACS), entre as mesma Partes agora em litígio nos presentes autos e mediante a qual o conflito foi decidido pela atribuição de competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada” (cfr. documento com o n.º 005712435 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 5) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal, ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado (cfr. plataforma SITAF). * II.B. Apreciando. Considerando o quadro processual descrito, cumpre decidir qual o juízo de competência especializada administrativa materialmente competente para o conhecimento dos autos. Vejamos, então. Nos termos do art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respetivo tribunal central administrativo”, sendo que, no âmbito do contencioso administrativo, os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos art.ºs 135.º a 139.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Estabelece-se no n.º 1 do art.º 135.º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. art.ºs 109.º e ss. do CPC). Por sua vez, o art.º 136.º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”. Entende-se (como tem sido pacífico na jurisprudência deste TCAS) que, apesar de o art.º 136.º do CPTA manter a redação originária, a mesma não afasta a aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 111.º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo, com as devidas adaptações, ex vi art.º 135.º, n.º 1, do CPTA. Ademais, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art.º 13.º do CPTA). Atenta a data de entrada em juízo da presente ação administrativa [31.05.2023], é ainda de considerar o disposto no art.º 44.º-A do ETAF, na redação anterior à que lhe foi dada DL n.º 74-B/2023, de 28 de agosto, nos termos do qual: “1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete: a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo; (…) c) Ao juízo de contratos públicos, conhecer de todos os processos relativos à validade de atos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação, incluindo a efetivação de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”. Como é pacífico, a competência do Juízo Administrativo Comum é de caráter residual, face às competências dos demais juízos administrativos especializados. Cumpre, então, antes de mais, atentar no âmbito de competência do Juízo de Contratos Públicos. Tal como decorre do teor da mencionada alínea c), é da competência dos juízos de contratos públicos não todos e quaisquer litígios relativos, mediata ou imediatamente, a contratos. Como referido por este TCAS, “[n]a delimitação de competências entre o juízo comum e os diferentes juízos especializados dos tribunais administrativos (e estes entre si), afigura-se-nos evidente que o legislador de 2019 atendeu ao objeto material das causas, relevando as especificidades que decorrem do direito substantivo que regula as correspondentes relações jurídicas, associando, no que aqui importa, a área de competência do Juízo de Contratos Públicos, à execução de um contrato de procura pública com interesse concorrencial. Por isso o legislador utilizou a expressão “contratação pública”, para o que nos remete para o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos” [cfr. decisão deste TCAS de 22.07.2024 (Processo: 967/19.5BELSB), inédita]. Posto este enquadramento, cumpre ainda referir que a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, isto é, a mesma tem subjacente a pretensão da, in casu, A. e os fundamentos em que esta a alicerça [cfr. Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012 – (Processo: 0189/11): “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pelo quid decidendum, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor”]. Atenta a relação controvertida, tal como configurada pela A., e muito sucintamente, decorre da petição inicial que: a) A A. foi adjudicante em concurso público para celebração do contrato de empreitada “Sistema de Mobilidade do Mondego – Empreitada de Adaptação a uma Solução BRT – ………….., no troço ……………………”, que foi adjudicada em 2019, tendo sido celebrado contrato e diversos adicionais; b) Paralelamente, a A. apresentou a sua candidatura ao Aviso POSEUR-07-2019-15, em 01.12.2019, à qual foi atribuído o código “POSEUR-……………….”, aprovada em 2020; c) Foi proferida decisão, pela AG POSEUR, a 28.02.2023, no sentido da “aplicação de uma correção financeira de 25% sobre o contrato inicial (CNT……………), nos termos do disposto no ponto 23 da Tabela Anexa à Decisão da Comissão C (2019) 3452, de 14/05/2019”; d) É este o ato contra o qual a A. se insurge. O que é aqui discutido é um ato praticado pela autoridade de gestão no âmbito dos poderes de fiscalização do POSEUR e em execução de uma decisão de financiamento aprovada. Ou esteja, não estamos perante contrato enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º 44.º-A do ETAF. O contrato de empreitada aqui é apenas abordado contextualmente, não é tal contrato aquele que se discute. Como se referiu na decisão de 18.01.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte (Processo: 2063/06.6BEPRT – inédita), relativamente à redação anterior do art.º 44.º-A do ETAF, aqui aplicável: “[D]ecorre da letra e do espírito da lei (mens legis) do artigo 44.º-A, n.º 1, alínea c), do ETAF (os elementos teleológico e histórico de interpretação apontam no mesmo sentido) que compete ao Juízo de contratos públicos conhecer de todos os processos relativos à validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos (administrativos ou quaisquer outros) de procura pública com interesse concorrencial. (…) Conclusões: 1. O Juízo de contratos públicos é o juízo da contratação pública e não o juízo comum dos contratos que cabem no âmbito da jurisdição administrativa. 2. O Juízo de contratos públicos é materialmente incompetente para conhecer do litígio emergente da execução de um contrato de concessão de incentivos financeiros (contrato de atribuição de vantagens) que não se integra no grupo dos contratos de procura pública com interesse concorrencial”. Também já este TCAS se pronunciou neste sentido, em situações com semelhanças com a presente, concretamente nas decisões de 11.02.2025 (Processo: 496/24.5BEALM) e de 26.03.2025 (Processo: 879/23.3BEALM), ainda que, nestes casos, na vigência da atual redação do art.º 44.º-A do ETAF, e de 14.04.2025 (Processo: 392/23.3BEALM), num quadro de vigência da redação anterior. Como tal, conclui-se que a competência material, in casu, é do Juízo Administrativo Comum do TAF de Almada [art.º 5.º e art.º 44.º-A, n.º 1, alínea a), ambos do ETAF; art.º 4.º, alínea a), do DL n.º 174/2019, de 13 dezembro, conjugado com a alínea c) do art.º 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio].
III. Decisão Face ao exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. Sem custas. Registe e notifique. Baixem os autos. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, (Tânia Meireles da Cunha) |