Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
C...., S.A.. (Autora/A.), veio intentar contra o Município de Redondo (Réu/R.), a presente acção administrativa, sob a forma ordinária, peticionando a condenação do Réu a pagar-lhe:
(i) A título de indemnização, o montante de €191.502,40;
(ii) O valor das facturas n.ºs 1318 (€ 1.263,63), 1339 (€ 13.317,14) e 1345 (€ 13.242,15);
(iii) Juros de mora vencidos até 31.12.2009, no montante de € 54.440,16.
(iv) Juros de mora vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento de valores ainda em dívida;
(v) A liquidar ao B... , as facturas n.ºs 1557, 1698, 1792, 1838, 1865, 1866.
Suscitou o Réu, em sede de Contestação, a excepção dilatória inominada da obrigatoriedade de sujeição do presente litígio a prévia tentativa de conciliação junto do Conselho Superior das Obras Públicas, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 253.º e 261.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02.03 (RJEOP) – julgada improcedente-, e a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, que viria a proceder com absolvição do Réu de todos os pedidos, conforme decidido na sentença recorrida de 12 de Abril de 2018.
Inconformada, a Autora, ora Recorrente, interpôs para este Tribunal Central recurso jurisdicional daquela decisão, cuja Alegação culmina com as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
1-Discutia-se na presente lide a condenação do Réu Município do Redondo ao pagamento de faturas referentes a revisão de preços e a trabalhos a mais, juros de mora e indemnização, no âmbito da execução de um "Contrato de empreitada de Construção do Pavilhão de exposições do Parque de Feiras do Redondo " celebrado entre a Autora C…, SA e a Ré Município do Redondo, e outorgado em 08 de Outubro de 2004.
2-Tendo o Mmº Juiz do Tribunal " a quo" no despacho saneador, absolvido a Ré de todos os pedidos formulados pela autora, por considerar procedente a exceção perentória de caducidade do direito de Acão prevista no art.º 255 do RJEOP.
3- A questão essencial colocada ao Tribunal no presente recurso, reconduz-se a saber se o Tribunal a quo ao julgar verificada a exceção de caducidade do direito de ação incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito, com violação do artigo 255º do DL N.º 59/99, de 2 de Março, com interpretação daquele normativo em violação do princípio pro actione previsto no artigo 7º do CPTA e do direito à tutela judicial efetiva consagrado nos artigo 20º e 268º da CRP.
4- Com interesse para a decisão sobre a procedência ou não da exceção de caducidade do direito de ação, é essencial a análise do teor dos documentos em que se funda a sentença do tribunal " a quo" verificando se estes documentos são ou não atos definitivos e executórios que negam de forma definitiva os Direitos da Autora .
5- Tendo em consideração os documentos juntos aos presentes autos pelo Réu com a contestação, nomeadamente os documentos nrº 6 e 13 de 29.06.2007 e de 31.07.2007 Dirigidos à autora pelo Réu e transcritos para a douta sentença, o Mmº juiz do tribunal a " quo " considerou que tais missivas são atos administrativos definitivos onde seriam negadas as pretensões da Autora.
6- Com o devido respeito e salvo melhor opinião, ao contrário do referido pelo Mm.º Juiz do tribunal "a quo "da leitura dos documentos em causa não se pode concluir que o Réu nega os direitos e pretensões da Autora.
7- O acto tem de ser expresso, com respetiva notificação, e o prazo de caducidade previsto naquele normativo apenas se inicia quando se esteja perante ato ou deliberação que consubstancie decisão definitiva tomada pelo órgão competente para o efeito.
8- Ora com o devido respeito os atos em causa carecem da definitividade requerida.
Artº 236 do C.Civil - (Sentido normal da declaração)
1. A declaração negociai vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
9- A autora peticiona o pagamento das faturas: nr.º 1318 no valor de 1.263,63€, nr.º 1339 no valor de 13.317,14€ nrº 1698 no valor de 8329,25€,1865 no valor de 169,42€ e e 1866 no valor de 5900,00€ e respetivos juros de mora, referente a Revisão de preços conforme consta do art.º 19 da PI
10-Com o devido respeito e salvo melhor opinião, de acordo com os documentos nr.º 6 e nr.º 13 juntos com a contestação cujas transcrições constam da sentença e no presente recurso, o Réu através do seu representante não negava o pagamento da Revisão de preços.
11- De acordo com uma interpretação de um declaratário normal, dos documentos em causa apenas resulta que havia divergência entre as partes quanto á formula de calculo que serviu de base ao calculo dos mesmos e em consequência aos valores constantes das faturas em causa.
12- E também não se nega a pagar trabalhos a mais, o réu apenas não aceitou pagar parte dos trabalhos do Auto 16 conforme consta do documento nr.º 6 junto com a contestação.
13- Na sequência do doc.º nr.º 6 enviado pela Ré, a Autora procedeu à correção do valor do auto e em consequência da fatura em causa que passou de 69.612,77€ para 60.734,70 €, esse sim o valor peticionado na ação e constante da fatura referente ao auto retificado.
14- Ou seja, dos documentos em causa não se pode concluir como fez o Mm.º Juiz do Tribunal "a quo" que o Réu tomou uma decisão ou deliberação definitiva de denegação dos direitos a que a Autora se arroga.
15- Assim, o Réu nos documentos em causa não negou a pretensão da Autora na presente ação, apenas solicitou correções no valor de cerca de 9.000,00€ correção que foi acatada pela Autora.
16-Até à presente data o Réu Município também não procedeu à elaboração da conta final da empreitada como era sua responsabilidade, nos termos do art.º 221º do Dec. Lei 59/99 de 2 de Março.
17- Pelo que os documentos em causa não eram atos definitivos e executórios, mas sim atos preparatórios para o encerramento de contas.
18- Mais se refere que; e como é entendimento abundante na doutrina, o art.º 255 do RJEOP não se aplica à Revisão de preços.
19- Nada estabelece o DL 6/2004 referente ao regime legal da revisão do preço das empreitadas de obras públicas a que se referem o DL 59/99, de 2/3, e o DL 223/2001, de 9/8 sobre a caducidade do direito de ação para tutela jurisdicional daquele direito à revisão, quando negado pelo dono da obra.
20-Pelo que não se deu início a contagem do prazo do artº 255 do RJIOP, conforme alegado pela autora na resposta à exceção.
21- Por fim, a decisão recorrida configura uma inaceitável violação do direito constitucionalmente consagrado a uma tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa), o qual exige que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos.
22- Um dos corolários deste princípio, é a exigência de interpretação das normas processuais no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas (cfr. artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos),
23- Ou seja, decorre deste princípio que em caso de contradição de interpretações entre normas processuais, tal contradição deve sempre ser resolvida em prol da posição que admita a intervenção em processo, consagrando a lei administrativa tal princípio, até porque a limitação de direitos constitucionalmente consagrados apenas se justifica na medida do mínimo necessário à realização de outros direitos constitucionalmente relevantes e desde que a sua limitação seja considerada uma medida proporcional ao interesse que visa acautelar (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa).
24- O princípio pro actione consagra a obrigatoriedade de as normas processuais serem interpretadas no sentido de promover a obtenção de decisões de mérito.
25- A Sentença recorrida, efectua uma interpretação errada dos documentos em que se fundamenta, considerando que o teor dos mesmos nega em definitivo as pretensões da Autora o que não corresponde à verdade.
26- O Mmº juiz do tribunal "a quo" não interpreta os documentos em causa ao abrigo do art.º 236 do C. Civil tendo procedido a uma interpretação mais lesiva para a eficácia máxima dos direitos, liberdades e garantias, violando o princípio consagrado no artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e restringindo, por via interpretativa, direitos, liberdades e garantias.
27- Tribunal a quo deveria ter perfilhado a interpretação que favorecesse a efectividade do direito de acesso à justiça e a pronúncia de uma decisão de mérito, o que levaria a considerar tempestiva a acção apresentada.
Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e substituída a decisão recorrida por outra onde se julgue improcedente a excepção peremptória de caducidade, deduzida pelo Recorrido, desse modo se promovendo os ulteriores termos do processo. * O Réu, ora Recorrido, apesar de regularmente notificado para o efeito não apresentou suas contra-alegações.* Neste Tribunal, o Procuradora-Geral Adjunto, notificado nos termos e para efeitos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 249 SITAF).
As partes nada disseram. * Com dispensa de vistos, mas fornecida cópia do projecto de acórdão às Sras. Juízas Desembargadoras adjuntas, vem o processo submetido à conferência para decisão.
*
I. 1- Do objecto do recurso / Das questões a decidir:
As questões essenciais a decidir neste processo, tal como vêm delimitada pelas conclusões de recurso cingem-se em aferir se a decisão recorrida errou quanto à procedência da excepção de caducidade suscitada pelo Réu, por errada interpretação da matéria de facto provada e de Direito quanto ao regime legal aplicável.
* II – Fundamentação
II. 1 – De facto
O Tribunal a quo considerou relevante para a decisão a seguinte factualidade:
A) Em 08.10.2004, a Autora celebrou com o Réu contrato de empreitada de “Construção do Pavilhão de Exposições no Parque de Feiras de Redondo” _ cfr. Documento n.º 1 junto com a petição inicial;
B) Em 29.06.2007, sob o assunto “Empreitada do Pavilhão de Exposições de Redondo”, o Presidente da Câmara Municipal de Redondo expediu missiva na qual se lê que:

cfr. Documento n.º 6 junto com a Contestação;
C) Em 31.07.2007, dirigida à Autora, o Presidente da Câmara Municipal de Redondo expediu missiva na qual se lê que:

_ cfr. Documento n.º 13 junto com a Contestação;
D) Em 10.05.2010, a presente acção administrativa comum foi intentada - cfr. fls. 1 do SITAF
E) Na presente acção, a Autora peticiona a condenação do Réu no pagamento das seguintes facturas atinentes à execução da empreitada de “Construção do Pavilhão de Exposições no Parque de Feiras de Redondo”:

-cfr. artigos 16.º, 19.º e 40.º da petição inicial e, ainda, Documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a mesma;
* II. 2- DE DIREITO
Cumpre decidir conforme delimitado em I.1.
Assenta a Recorrente o seu dissídio quanto ao decidido pelo Tribunal a quo com enfoque em duas questões. A primeira quanto à errada interpretação da matéria de facto provada e a segunda incide sobre o alegado o erro de julgamento de Direito quanto ao regime legal aplicável.
Vejamos;
O instituto da revisão de preços visa actualizar o preço consoante as modificações que, com o tempo, previsivelmente, se verifiquem nos custos da empreitada, ou seja, tem por função “permitir o ajustamento do preço inicialmente estipulado em função as variações normais que podem produzir-se em parâmetros (preços das matérias primas, salários, etc.) condicionantes do preço de custo” (cfr. Licínio Lopes Martins, “Alguns aspectos do contrato de empreitada de obras públicas no Código dos Contratos Públicos II: Em especial, a reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato e a determinação dos danos”, Estudos de Contratação Pública, III, Coimbra Editora, 2010, pág. 394).
Não se mostra disputado que se trata de uma acção relativa à execução de um contrato de uma empreitada, celebrado em 08.10.2004 (doc. 1 junto à p.i.), isto é, no âmbito da vigência do RJEOP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de Março e que vigorou até à sua revogação pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro (diploma de aprovação do Código dos Contratos Públicos), mas só sendo este aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 18.º (cf. artigo 16.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).
Releva ainda no quadro legal aplicável que, embora à data da celebração do contrato (em 08.10.2004) o regime de revisão de preços que era regulado pelo Decreto-Lei n.º 348-A/86, de 16 de Outubro, tenha sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 Janeiro, o certo é que, por via da norma prevista no art. 24º do DL 6/2004, este diploma só seria relevante, para o caso em apreço, para efeitos de prazo para pagamento (art. 17º), mora no pagamento (18º) e caducidade (19º), no âmbito de revisão do preço das empreitadas e fornecimento de obras, a que se refere o artigo 199.º do RJEOP, “em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para entrega das propostas ou na data de referência da correcção de preços da proposta, quando a esta haja lugar” (cf. artigo 1.º n.º 1, do DL 6/2004).
Ora, por força do disposto no artigo 19º do DL 6/2004, “o direito à revisão caduca com a conta da empreitada” salvo, nas situações aí previstas (alíneas a) a c) e nº 2). Todavia, o objecto deste prazo de caducidade respeita ao direito substantivo à revisão de preços, a exercer pelo empreiteiro perante o dono da obra, designadamente, nos termos do artigo 8.º n.º 2, daquele Decreto-lei n.º 348-A/86, de 16 de Outubro, preceito que dispõe que “(…) o empreiteiro poderá apresentar por sua iniciativa os cálculos da revisão de preços, elaborados nos mesmos termos dos fixados para o dono da obra”.
Tal prazo é distinto do prazo de caducidade do direito de acção judicial, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.05.2013, no Rec. nº 1251/12 (in www.dgsi.pt, assim como os demais citados na presente decisão):
“Sumário:
I - O objecto da caducidade regulada no artigo 19° do DL n.º 6/2004, de 6 de Janeiro, é diverso do objecto da caducidade regulada no artigo 255° do DL 59/99, de 2 de Março: o artigo 19° respeita ao direito substantivo à revisão de preços, a exercer perante o dono da obra, enquanto o artigo 255° reporta-se à caducidade do direito de acção, nomeadamente na sequência da negação daquele direito à revisão de preços pelo dono da obra;
II - O prazo de caducidade do direito de acção a que se reporta aquele artigo 255º, conta-se, para o empreiteiro, a partir da sua notificação da decisão que lhe negue direito ou pretensão, decisão pelo órgão competente, ou seu delegado, para a prática de actos definitivos sobre a matéria em causa”.
Ora, o juízo proferido pelo Tribunal a quo teve como pressuposto legal o citado art. 255º do RJEOP, segundo o qual: Prazo de caducidade
“As acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado» (s/n).
O Tribunal a quo fundamentou, no essencial, a sua decisão no seguinte:
“Note-se que, o aludido prazo de “132 dias” previsto no artigo 255.º do RJEOP é contado em dias úteis, atento o disposto no artigo 274.º, n.º 1 alínea b), do diploma em questão.
Assim, o disposto no RJEOP a respeito do prazo para instaurar a acção referente à interpretação, validade ou execução do contrato constitui a “lei substantiva” a que se reporta o artigo 41.º, n.º 1, do CPTA e que, como tal, importa atender na presente
situação, por estar em causa um contrato de empreitada de obra pública celebrado na sua vigência e ao qual deve ser aplicado o respectivo regime.
Prosseguindo.
Frise-se que, no âmbito da vigência do RJEOP, tem-se entendido que o artigo 255.º exige que o órgão que detém competência para a prática de actos definitivos emita uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro (nesse sentido, entre outros, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.10.2003, in processo n.º 0298/03 e de 05.02.2009, disponíveis em www.dgsi.pt), sendo pacífico o entendimento em como o prazo de caducidade previsto naquele normativo apenas se inicia - para o empreiteiro - quando se esteja perante acto ou deliberação que consubstancie decisão definitiva tomada pelo órgão competente (ou seu delegado), para a prática de actos definitivos sobre a matéria em causa, que lhe negue direito ou pretensão (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.05.2013, in processo n.º 01251/12, disponível em www.dgsi.pt).
Neste mesmo sentido se pronunciou, nomeadamente, o Tribunal Central Administrativo Sul no seu Acórdão de 14 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 06695/10, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê que: “Nestas acções o prazo de caducidade do direito de acção é de 132 dias, contados desde a data da notificação da decisão ou deliberação proferidas pelo órgão competente para a prática de actos definitivos que negue algum direito ou pretensão do empreiteiro; exige-se, assim, que este órgão emita uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro (…)”.
Nesta sequência, assiste integral razão ao Réu, porquanto, sucessivamente se constata que:
(i) Em 29 de Junho de 2007 e em 31 de Julho de 2007,
(ii) O órgão competente para o efeito [pois, era ao Presidente da Câmara Municipal que competia, nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 1 alínea h), da Lei n.º 169/99, de 18.09, republicada em anexo à Lei n.º 5-A/2002, de 11.01, “Autorizar o pagamento das despesas realizadas, nas condições legais”],
(iii) Expressamente, denegou a pretensão da Autora em ver liquidadas facturas, vencidas entre 20.02.2007 e 29.05.2007, referentes à execução da empreitada em apreço.
E, ainda que
(iv) A presente acção foi instaurada em 10 de Maio de 20[7]10, ou seja, quase três anos volvidos sobre o termo a quo dos “132 dias” úteis previsto no artigo 255.º do RJEOP, aqui aplicável.
O que, na situação vertente nos autos, prejudicadas demais considerações, conduz a que deva considerar-se intempestivamente instaurada a presente acção administrativa comum, devendo como tal o Município de Redondo ser absolvido dos pedidos ora deduzidos (cfr. artigos 576.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil ex vi artigos 1.º e 35.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), conforme infra se determinará”.
Argui a Recorrente que não tendo sido elaborada pelo dono de obra (Recorrido) até então (à data de interposição do presente acção) a conta final da empreitada, logo, o termo a quo do prazo de caducidade em causa nos presentes autos ainda não se teria iniciado. Tal raciocínio labora em erro, uma vez que a Autora formulou já o seu pedido de pagamento das quantias que entendia serem-lhe devidas a título de revisão de preços. Aliás, são exactamente as facturas por si emitidas a esse respeito (vide art. 19º da p.i.) que se encontram em discussão nos presentes autos. Sendo, portanto, irrelevante a data em que tal conta teria sido – ou se foi - elaborada.
Em todo o caso, como se aludiu, não se trata do prazo de caducidade do art. 19º do DL 6/2004, mas antes do previsto no art. 255º do RJEOP.
A destrinça dos respectivos pressupostos e efeitos é evidenciada no citado Acórdão do STA de 15.05.2013:
“Assim, o objecto da caducidade regulada no artigo 19° é diverso do objecto do do 255°: o artigo 19° respeita ao direito substantivo à revisão de preços, a exercer perante o dono da obra, designadamente nos termos do artigo 15°/2 (“... o empreiteiro poderá apresentar por sua iniciativa os cálculos da revisão de preços, elaborados nos mesmos termos dos fixados para o dono da obra.”); o artigo 255° reporta-se à caducidade do direito de acção, nomeadamente na sequência da negação daquele direito à revisão de preços pelo dono da obra.
E novamente, como bem assinala, o Ministério Público, ao contrário do que alega a Recorrente (com base no n° 2 do artigo 19º), essa interpretação não conduz à caducidade do direito de acção antes da caducidade do direito à revisão de preços, pois aquele direito de ação pressupõe sempre uma prévia recusa do dono da obra em satisfazer o direito à revisão e é um meio ou instrumento para efectivação deste direito de revisão”.
O que conduz à falência da tese da Recorrente de que o art. 255º do RJEOP não se aplica ao presente pedido de condenação do Réu aos valores peticionados a título de revisão de preços.
Vem também a Recorrente/Autora questionar que a notificação constante das alíneas B) e C) do probatório possa consistir na tomada de decisão quanto à revisão de preços que identificou (conclusão 9ª), ou seja: as facturas nº 1318, no valor de €1.263,63; nº 1339 no valor de €13.317,14, nº 1698 no valor de €8.329,25; 1865, no valor de €169,42 e 1866 no valor de €5900,00€ e respectivos juros de mora (art. 19º da p.i.).
Quanto ao mais peticionado a Recorrente parece conformar-se com o decidido pelo Tribunal a quo quanto à aludida caducidade do direito de acção, uma vez que a mesma não se mostra questionada no presente recurso (art. 635º, nº 5 do CPC). Donde, está este Tribunal ad quem impedido de alterar ou pronunciar-se sobre a absolvição dos demais pedidos, com fundamento naquela causa extintiva do direito de acção
Soçobra também a tese da Recorrente de que o Recorrido/Réu não negou o pagamento das aludidas facturas, quando do ofício de 31.07.2007, consta exactamente que a Autora não tem direito aos valores reclamados a título de revisão de preços, designadamente os titulados pelas facturas indicadas no art. 19º da p.i.. Sendo essas as reclamadas e não quaisquer outras que possa eventualmente ter emitido/corrigido.
Nessa medida, alude a Recorrente (conclusões 12ª e 13ª) que terá procedido, em conformidade com o solicitado pelo Réu/Recorrente à correcção do Auto 16 para o valor de €60.734,78 (que diz ser o peticionado na presente acção ??).
Todavia, tal valor não corresponde à factura junta como doc. 4, à p.i., sob o nº 001/1557, nem ao constante no quadro das facturas que entende estarem em falta [que várias surgem em duplicado - vide alínea E) do probatório -, surge o valor de €56.201,81 (que corresponde àquela mesma factura).
Em todo o caso, esta factura (1557) tem a data de 31.07.2006, ou seja, anterior aos ofícios indicados em B) e C) do probatório. Tendo o Réu aceite, como confessa (art. 52º da Contestação), pagar a revisão de preços desde que correctamente facturada. O que não foi demonstrado.
Pelo que também aqui decaem os argumentos da Recorrente.
A causa de pedir e pedidos (salvo nos casos de modificação do pedido) que devem ser atendidos pelo Tribunal ad quem são aqueles que foram invocados em sede de petição inicial e não outros que, em virtude do insucesso da acção (sentença recorrida), a parte venha eventualmente a formular.
Com efeito, como se constata do petitório no ponto 1, peticiona a Recorrente/Autora a condenação do Réu a pagar-lhe as seguintes facturas (e não outras):
a) factura nº 1318, no valor de 1.263.63€
b) factura nº 1339, no valor de 13.317,14€
c) factura nº 1345, no valor de 13.242,15€
(total de €27.822,92)
Ora, inexplicavelmente a Autora no art. 14º da p.i. diz que o “Réu pagou em Junho de 2006 a factura nº 1318, no valor de 1.263,63€” e, em simultâneo, reclama o pagamento desta mesma factura (art. 19º). Como também em relação à factura nº 1339, que o Réu teria pago em Junho de 2006, no valor de 13.317,14€ (art. 14º da p.i.) e em simultâneo reclama o respectivo pagamento (cfr. art. 19º).
Em todo o caso, o ofício de 31.07.2007 assinado pelo Presidente da Câmara é posterior a qualquer das facturas indicadas no art. 19º da p.i., e é bem explícito “Mantemos a nossa posição sobre a revisão de preços: a CMR acordou pagar a revisão de preços desde que correctamente facturada. O que não aconteceu. Por esse facto, e mais vez mais, declaramos a nossa disponibilidade para, de imediato, pagar, a revisão de preços, ade acordo com os cálculos já apresentados” (doc.13 da Contestação /al. C) do probatório).
Mantendo-se os pressupostos que determinaram a procedência da excepção de caducidade da presente acção ao ter sido instaurada em 10 de Maio de 2010, ou seja, quase três anos volvidos sobre os ofícios indicados em B) e C) do probatório, é evidente que se encontrava esgotado o prazo de “132 dias” úteis previsto no artigo 255.º do RJEOP, aqui aplicável.
Por último, defende a Recorrente que sempre seria de apelar ao princípio pro actione (vide conclusão 22ª).
É certo que o Tribunal Constitucional tem afirmado na sua jurisprudência que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional ao processo impõe que se atribua prevalência à justiça material sobre a justiça formal, evitando-se soluções que, devido à exigência de cumprimento de “requisitos processuais”, conduzam a uma decisão que se poderá traduzir numa verdadeira denegação de justiça (cfr. Ac T.C. n.º 462/2016).
Porém, o mesmo Tribunal tem insistido também que “o legislador tem uma ampla liberdade de conformação no que respeita ao estabelecimento, em cada ramo processual, das respetivas regras, desde que tais regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 299/93).” (Ac. T.C. n.º 462/2016).
Ou seja: os referidos princípios não dispensam, como é óbvio, a aplicação das regras de processo civil e a existência de prazos de caducidade, desde que eles sejam razoáveis e não sejam desproporcionados (cfr., ainda, o Ac. STJ de 13.5.2014, proc. nº 16842/04.5TJPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt). O que não se vislumbra, nem foi invocado.
Em suma: soçobrando os argumentos da Recorrente contra o decidido pelo Tribunal a quo, então será de negar provimento ao presente recurso e confirmar a Decisão recorrida, o que se fará a final.
*
III. Decisão
Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso e confirmar sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente (cfr. art. 527º do CPC).
Registe e notifique.
Lisboa, 11 de Abril de 2024
Ana Cristina Lameira, Relatora
Paula de Figueirinha Loureiro
Mara de Magalhães Silveira
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