Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12672/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/24/2016
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:LADA – EMPRESAS PÚBLICAS – SEGREDO COMERCIAL
Sumário:I – A LADA (Lei 46/2007, de 24/8) é aplicável às empresas públicas, de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que, salvas as restrições legais, não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos, isto é, em relação a todos os documentos de que sejam detentoras existe um dever de informar, de permitir o acesso.

II – A interpretação referida em I, e no que respeita às empresas públicas que integram o sector público empresarial, conforme se encontra delimitado no art. 82º n.º 2, da CRP – nas quais se incluem as entidades públicas empresariais -, é constitucionalmente imposta pelo disposto no art. 268º n.º 2, da CRP.

III - A própria CRP impõe, expressamente, algumas restrições de acesso aos documentos administrativos (cfr. o seu art. 268º n.º 2, in fine), mas não é ilegítimo, como vem decidindo o Tribunal Constitucional, estabelecer outras restrições, posto que relativas a direitos ou interesses constitucionalmente tutelados e na estrita medida em que se mostrarem necessárias para a salvaguarda destes.

IV – O art. 6º n.º 6, da LADA, permite o condicionamento no acesso a certo tipo de documentos, a fim de proteger a capacidade económica e a competitividade das empresas que constam dos documentos, mas não uma exclusão genérica do âmbito subjectivo de incidência do dever de acesso, pois, como se concluiu em I, toda a actividade das empresas públicas - paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública – encontra-se sujeita ao princípio da transparência administrativa.

V - A recusa de acesso por parte da Administração, com base no art. 6º n.º 6, da LADA, deverá fazer-se sempre de um modo fundamentado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
J………… Portugal – …………………., Ldª., intentou no TAC de Lisboa o presente processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra o Metropolitano de Lisboa, EPE, no qual peticionou a intimação da autoridade requerida para, no prazo de 10 dias, prestar as informações, facultar o acesso aos documentos e passar as certidões como lhe foi requerido pela requerente (por carta de 22.1.2015), eventualmente em termos parciais devidamente fundamentados pela forma estabelecida pela CADA.

Por sentença de 3 de Setembro de 2015 do referido tribunal foi decidido “julgar procedente o pedido de intimação para prestação de informações e passagem de certidão, intimando a Entidade Requerida a emitir à Requerente, em 10 dias, a prestação das informações e a emissão de certidão por esta solicitadas e não prestadas, após eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas que eventualmente existam, devendo o expurgo ser devidamente fundamentado (com menção do tipo de elementos em causa e da medida em que esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas em causa), advertindo-se a mesma das cominações previstas no artigo 108.º, n.º2 do CPTA, caso se verifique incumprimento injustificado da presente intimação”.

Inconformado, o Metropolitano de Lisboa, EPE, interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada (e na sequência de despacho de aperfeiçoamento) formulado as seguintes conclusões:

A) A sentença recorrida não se pronunciou sobre a natureza não pública da gestão da Recorrente nesta área de negócios e pronuncia-se erradamente sobre a qualificação dos contratos como documentos administrativos.

B) O entendimento da CADA, acolhido pela sentença recorrida consagra uma interpretação estritamente literal e restritiva do conceito de "documento administrativo" que viola o n.º 2 do artigo 3.º da LADA e os princípios inerentes à atividade administrativa.

C) O conceito de "documento administrativo" não pode ser desenvolvido com base numa interpretação literal apenas do artigo 3.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 46/2007 ou seja, considerando apenas a natureza jurídica da entidade que tem a posse do documento.

D) Acresce que o conceito de “documento administrativo” não pode ser construído em violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA, onde se refere expressamente que "Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente Lei: (...) b) Os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa (...)".

E) Sobre esta questão refere o Supremo Tribunal Administrativo que "da leitura articulada das disposições dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, LADA) resulta que o diploma qualifica como documento administrativo" um conjunto de suportes "cuja elaboração releve da atividade administrativa" (Acórdão do STA de 03-09-2009, Proc. 0453/09, in www.dgsi.pt) (sublinhado nosso).

F) Assim, o direito de acesso aos documentos administrativos não pode ser dissociado da natureza administrativa do procedimento do qual resultou a produção do documento.

G) A CADA, no seu parecer defendeu uma interpretação contrária ao sentido do citado Acórdão do STA e, agora na página 5, referiu que "(…) as empresas públicas estão genericamente sujeitas ao direito de acesso a todos os documentos emergentes da sua atividade, independentemente do ambiente jurídico e material em que atuem", citando o Acórdão do STA, de 08-07-2009, P. n.º 0451/09.

H) Contudo este Acórdão incide apenas sobre o âmbito de aplicação subjetiva da LADA.

I) O Recorrente invocou como fundamento da recusa para facultar o acesso aos documentos solicitados, o facto de os mesmos não resultarem do exercício de qualquer atividade administrativa.

J) O serviço público desenvolvido pela Recorrente encontra-se hoje regulado pelo Decreto-lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro e tem por objeto o "serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa".

K) A atividade administrativa desenvolvida da Recorrente é aquela que se enquadra no cumprimento destas obrigações e no estrito exercício dos poderes de autoridade que legalmente lhe estão confiados.

L) Não era lícito ao Tribunal a quo alargar o âmbito da atividade administrativa da Recorrente à exploração da publicidade na rede de metropolitano pela Recorrente.

M) A exploração da publicidade na rede de metropolitano constitui de facto uma atividade que se integra na esfera da atividade privada da Recorrente, estando por isso afastada do âmbito de aplicação objetivo da LADA.

N) A sentença recorrida fundamenta o direito da requerente no "âmbito dos contratos públicos" onde vigoram "os princípios da transparência, da publicidade e da concorrência (entre outros), os quais são aplicáveis aos procedimentos pré-contratuais".

O) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, também aqui não andou bem o Tribunal a quo.

P) De facto, atenta a natureza jurídica da Recorrente, a celebração de um contrato de exploração de publicidade não se encontra abrangida pelo Código dos Contratos Públicos.

Q) O contrato de exploração de publicidade traduz-se na prática numa locação de espaços localizados na rede do metropolitano, designada mente nos imóveis onde se situam as suas estações ou nos comboios, a uma entidade que aí coloca a publicidade que contrata com terceiros.

R) O n.º 2 do artigo 4.º do CCP, na sua alínea c), exclui do âmbito de aplicação do Código os “contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de arrendamento de bens imóveis ou contratos similares”.

S) Neste contexto, a locação de espaços situados nos bens imóveis da Recorrente, tendo por finalidade a afixação de mensagens publicitárias, constitui um contrato similar ao contrato de arrendamento de bens imóveis.

T) É lícito portanto concluir que a cedência de espaços para fins publicitários se traduz num contrato similar ao contrato de arrendamento de imóvel, encontrando-se por essa via, excluído do âmbito de aplicação objetivo do CCP.

U) Acresce que o artigo 6.º do CCP, no seu n.º 1, tipifica os contratos públicos que se encontram sujeitos ao CCP, definindo como contratos públicos, a empreitada de obras públicas, a concessão de obras públicas, a concessão de serviços públicos, a locação ou aquisição de bens móveis e a aquisição de serviços.

V) O n.º 2 do artigo 6.º, por sua vez, refere que no caso das entidades previstas no n.º 2 do artigo 2.º, a Parte II do CCP apena s é aplicável relativamente aos contratos "cujo objeto abranja prestações típicas dos contratos enumerados no número anterior".

W) Sendo certo que a Recorrente se integra nas entidades definidas no n.º 2 do artigo 2.º do CCP.

X) Pelo que a locação de espaços para efeitos de exploração publicitária não integra o objeto dos contratos previstos no n.º 1 do artigo 6.º do CCP e, consequentemente, os contratos a que a Requerente pretende ter acesso não se encontram sujeitos às regras de contratação do CCP, não lhe sendo aplicáveis as regras e os princípios relativos à contratação pública.

Y) Acresce que está efetivamente em causa o acesso a dados essenciais relativos aos segredos do negócio.

Z) E que o que a Requerente pretende de facto é ter acesso a informação reservada e assim ganhar uma vantagem competitiva sobre outros operadores do mercado, seus concorrentes, designadamente a MOP.

AA) Os contratos estabelecem as condições de remuneração da Recorrente, o que permitiria à Requerente beneficiar dessa vantagem competitiva na participação em concursos.

BB) O conhecimento integral deste "negócio" permitiria ainda o acesso da Requerente a outras informações relativas a relações das empresas com terceiros, designadamente as condições contratuais das relações com as agências de compras e meios.

CC) Finalmente, a Requerente teria ainda acesso ao conhecimento do portfolio da publicidade, em exploração e a lançar no futuro, podendo assim por efeito deste conhecimento colocar no mercado ofertas semelhantes.

DD) Podemos assim concluir que os contratos a que o Requerente solicitou acesso e certidões não constituem documentos administrativos à luz do disposto no artigo 3.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, uma vez que não decorrem da atividade administrativa da Recorrente.

EE) Os referidos contratos também não podem ser considerados contratos públicos na medida em que, atento o seu objeto, se encontram excluídos do âmbito de aplicação objetivo e subjetivo do Código dos Contratos Públicos.

FF) Finalmente, ainda que assim não se considerasse, os contratos na sua integralidade contêm segredos comerciais, circunstância que obsta à sua disponibilização a terceiros.

Termos em que, nos termos e com os fundamentos das presentes Alegações e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida, com todas as consequência s legais”.

A recorrida apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso.

Em 14.12.2015 foi proferido despacho de sustentação da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
A) Em 22/01/2015, a Requerente enviou missiva à Entidade requerida com a seguinte teor:
« Texto no original»

(cfr. Doc. n.º 1, junto com o R.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);
B) Em 29/01/2015, a Entidade Requerida enviou missiva à Requerente com o seguinte teor:
« Texto no original»
(cfr. Doc. n.º 2, junto com o R.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);
C) Em 10/02/2015, a Requerente apresentou queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»
(cfr. Doc. n.º 3, junto com o R.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);
D) Em 14/07/2015, a CADA emitiu Parecer, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
« Texto no original»

(cfr. Doc. n.º 4, junto com o R.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);
E) Na sequência do Parecer da CADA, a Entidade Requerida não comunicou à Requerente a sua decisão (cfr. facto alegado no art.º 16º do R.I. e não impugnado).”.
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula;

- incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de intimação (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação da questão respeitante à nulidade da decisão recorrida

O recorrente invoca a omissão de pronúncia (cfr. conclusão A), das alegações de recurso), o que corresponde à arguição de nulidade da sentença recorrida (cfr. art. 615º n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPC de 2013), por alegadamente nesta não se emitir pronúncia sobre a natureza não pública da gestão do recorrente nesta área de negócio.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.
A nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º relaciona-se directamente com estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

Improcede, desde logo, a presente arguição, já que, conforme refere a DMMP no respectivo parecer, “Não se verifica a omissão de pronúncia invocada na medida em que a sentença, ao definir os contratos com as empresas de publicidade como contratos públicos, está automaticamente a apreciar a natureza pública da gestão da recorrente nesta área de negócios”.

Assim, tem de improceder a presente arguição de nulidade.


Passando à análise da questão relativa ao alegado erro da decisão recorrida ao ter julgado procedente o pedido de intimação

O recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de intimação, dado que:

1) Os contratos a que a recorrida solicitou acesso e certidões – relativos à exploração da publicidade na rede de metropolitano - não constituem documentos administrativos à luz do disposto no art. 3º n.ºs 1 e 2, da Lei 46/2007, de 24/8, uma vez que não decorrem da actividade administrativa do recorrente – antes se integrando na sua esfera da actividade privada -, nem tais contratos podem ser considerados contratos públicos, na medida em que, atento o seu objecto, encontram-se excluídos do âmbito de aplicação objectivo e subjectivo do Código dos Contratos Públicos;

2) Os contratos na sua integralidade contêm segredos comerciais, circunstância que obsta à sua disponibilidade a terceiros, o que decorre, desde logo, do facto de não nos encontrarmos perante qualquer actividade administrativa, nem estarmos perante relações contratuais abrangidas pelas regras de contratação pública; a recorrida pretende ganhar uma vantagem competitiva sobre outros operadores de mercado, pois a informação solicitada permitir-lhe-á tomar conhecimento das condições de remuneração do recorrente, das condições contratuais das relações com as agências de compras e meios e do “portfolio” da publicidade, em exploração e a lançar no futuro.

Passemos, então, à determinação do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida, através da análise destes dois fundamentos.

1)

O recorrente entende que a decisão recorrida viola o art. 3º, da Lei 46/2007, de 24 de Agosto - diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e sua reutilização, de ora em diante designada como Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) -, já que os documentos pretendidos, relativos à exploração da publicidade na rede de metropolitano, respeitam à sua actividade de gestão privada, ou seja, não relevam da actividade administrativa, razão pela qual não se consubstanciam em documentos administrativos, estando, portanto, afastada a aplicação da LADA.

Acrescenta ainda que os contratos em causa não podem ser considerados contratos públicos, na medida em que, atento o seu objecto, encontram-se excluídos do âmbito de aplicação objectivo e subjectivo do Código dos Contratos Públicos, pelo que os princípios da transparência, da publicidade e da concorrência não lhe são aplicáveis.

Apreciando.

O art. 37º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), consagra o direito de todos a serem informados, sendo tal direito de informação, sobre a gestão dos assuntos públicos, contextualizado, no art. 48º n.º 2, da CRP, como uma garantia de participação pública.

No art. 268º n.ºs 1 e 2, da CRP, encontramos a refracção do direito à informação no âmbito da relação dos cidadãos com a Administração Pública.

Com efeito, dispõe o referido art. 268° n.° 1 que “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.”.

E o n.° 2 desse mesmo artigo, estatui que “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”.

Assim, o art. 268°, da CRP, consagra, no seu n.° 1, um direito fundamental dos directamente interessados num procedimento administrativo e, no n.° 2, o princípio do arquivo aberto, da administração aberta ou “open file”. Estes são os dois planos do direito fundamental à informação administrativa.

O art. 268°, da CRP, distingue, atendendo ao contexto em que o cidadão se dirige à Administração Pública, o direito à informação administrativa procedimental, que pressupõe a qualidade de interessado num procedimento administrativo em curso, do direito de acesso a arquivos e registos administrativos em que um dos pressupostos é precisamente que não haja um procedimento administrativo em curso (direito à informação não procedimental).

O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto nos arts. 104° a 108°, do CPTA, compreende quer a tutela do direito à informação procedimental, fundado nos arts. 61° a 64°, do CPA de 1991/arts. 82º a 85º, do CPA de 2015, quer a tutela do direito à informação extra-procedimental consagrado no art. 268° n.° 2, da CRP, e na Lei 46/2007, de 24/8, na qual se prevê o direito de todos, independentemente de procedimento administrativo, acederem a arquivos e registos administrativos.

No caso dos autos a recorrida invocou no requerimento inicial ter direito de acesso a documentos que se encontrarão nos arquivos do recorrente, face ao estatuído nos arts. 4º n.º 1, al. d) [A LADA aplica-se aos órgãos das empresas públicas], e 5º [“Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”], da LADA, diploma que o recorrente entende que não tem aplicação ao caso sub judice.

Vejamos.

A informação solicitada pela recorrida respeita à existência e conteúdo do contrato(s) celebrado(s) entre o ora recorrente e a MOP, a Publimetro e outras entidades relativo(s)
à exploração de publicidade na rede de Metropolitano de Lisboa, incluindo as respectivas estações e carruagens, bem como ao(s) respectivo(s) procedimento(s) pré-contratual(ais) e demais documentação relacionada com esse(s) contrato(s).


De acordo com o disposto no art. 2º n.º 1, do DL 148-A/2009, de 26/6 [diploma que aprova o regime jurídico aplicável ao Metropolitano de Lisboa, EPE, bem como os respectivos Estatutos, e revoga o DL 439/78, de 30/12], e no art. 1º n.º 1, dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, EPE [publicados no anexo I, do DL 148-A/2009, de 26/6], o ora recorrente é uma entidade pública empresarial com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

O recorrente rege-se pelo disposto no DL 148-A/2009, de 26/6, e nos seus Estatutos, pelos regulamentos internos, pelo disposto no regime jurídico do sector empresarial do Estado, constante do DL 133/2013, de 3/10 (cfr. o respectivo art. 71º), bem como pelas normas legais que lhe sejam especialmente aplicáveis (cfr. art. 2º n.º 2, do DL 148-A/2009, de 26/6).

Prescrevem os arts. 5º n.º 2, 13º n.º 1, al. b), e 56º, do DL 133/2013, de 3/10, que as entidades públicas empresariais são pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins, sendo consideradas empresas públicas.

O capital estatutário do recorrente é detido integralmente pelo Estado (cfr. art. 4º n.º 1, do DL 148-A/2009, de 26/6, art. 21º n.º 1, dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, EPE, e art. 59º n.º 1, do DL 133/2013, de 3/10).

O recorrente tem por objecto a prestação de actividades e serviços – em regime (de exclusividade) de serviço público concessionado – que incidem, a título principal, no transporte público por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa, abrangidos pela respectiva área correspondente ao nível III da Nomenclatura para Fins Territoriais e Estatístico [cfr. art. 2º n.º 1, dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, EPE, e arts. 1º e 2º n.ºs 1 e 2, do DL 175/2014, de 5/12 (diploma que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída ao Metropolitano de Lisboa, EPE)].

O objecto da concessão compreende, ainda e nomeadamente, a exploração comercial, directa ou indirecta, de serviços de publicidade, utilizando para o efeito as respectivas instalações ou o material circulante (cfr. art. 2º n.º 2, al. c), dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, EPE, e art. 2º n.º 3, al. a), do DL 175/2014, de 5/12). Esta actividade é acessória do objecto principal da concessão e destina-se a assegurar e complementar os fins sociais do serviço público e o equilíbrio comercial da exploração do concessionário (cfr. art. 2º n.º 5, do DL 175/2014, de 5/12).

O património da recorrente é constituído pela universalidade dos direitos e bens adquiridos para o exercício da sua actividade, podendo administrá-lo e dele dispor livremente, sem sujeição às normas relativas ao domínio privado do Estado, administrando ainda os bens do domínio público afectos às suas actividades, nos termos da lei (cfr. art. 7º n.ºs 1 e 2, do DL 148-A/2009, de 26/6, e art. 20º n.ºs 1 e 2, dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, EPE).

O art. 9º, do DL 175/2014, de 5/12, sob a epígrafe “Poderes de autoridade do concessionário”, determina que o recorrente detém os poderes, as prerrogativas e as obrigações, conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis, no que respeita:
- À utilização e à gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público;
- Aos processos de expropriação, nos termos do regime jurídico do sector público empresarial, aprovado pelo DL 133/2013, de 3/10, e do Código das Expropriações;
- À ocupação de terrenos, implantação de traçados, constituição de servidões administrativas ou poderes relativos a medidas restritivas de utilização de solos;
- À protecção das instalações afectas ao serviço público;
- À definição dos direitos e deveres dos utentes, constantes de regulamento de exploração, aprovado pelo conselho de administração do recorrente;
- À fiscalização dos títulos de transporte e à aplicação das respectivas sanções, nos termos da lei.

Do exposto resulta que o recorrente é uma empresa pública e que a informação solicitada pela recorrida (relativa à exploração de serviços de publicidade) respeita a actividade que é acessória do objecto principal do recorrente (e que se destina a assegurar e complementar os fins sociais do serviço público e o equilíbrio comercial da exploração).

Assim, cumpre determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar procedente o presente pedido de intimação (e sem prejuízo de eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas), com apoio nos arts. 1º e 5º, ambos da LADA, pois entende o recorrente que, respeitando a informação pretendida à sua actividade de gestão privada, a LADA não tem aplicação ao caso em análise.

A propósito desta questão escreveu-se no Ac. do STA de 8.7.2009, proc. n.º 451/09, o seguinte:
Vejamos, antes de tudo, o texto da Lei nº 46/2007, de 24.8 (LADA) que passamos a transcrever na parte que ora interessa.

Artigo 1º
Administração aberta
O acesso e a reutilização dos documentos administrativos são assegurados de acordo com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
Artigo 2º
Objecto
1- A presente lei regula o acesso aos documentos administrativos, sem prejuízo do disposto na legislação relativa ao acesso à informação em matéria de ambiente.
2 – A presente lei regula ainda a reutilização de documentos relativos a actividades desenvolvidas pelas entidades referidas no artigo 4º, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações no sector público
3 - (…)
4 – (…)
5 – (…)
Artigo 3º
Definições
1 – Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) «Documento administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome;
b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.
2 - Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei:
a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante;
b) Os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação.
Artigo 4º
Âmbito de aplicação
1- A presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades:
a) Órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, que integrem a Administração Pública;
b) Demais órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, na medida em que desenvolvam funções materialmente administrativas;
c) Órgãos dos institutos públicos e das associações e fundações públicas;
d) Órgãos das empresas públicas;
e) Órgãos das autarquias locais e das suas associações e federações;
f) Órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais;
g) Outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos.
2- As disposições da presente lei são ainda aplicáveis aos documentos detidos ou elaborados por quaisquer entidades dotadas de personalidade jurídica que tenham sido criadas para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e em relação às quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:
a) A respectiva actividade seja financiada maioritariamente por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
b) A respectiva gestão esteja sujeita a um controlo por parte de alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
c) Os respectivos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número.
Estas normas procedem à conformação do direito de acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos, consagrado no art. 268º/2 da CRP, segundo o princípio do arquivo aberto.
Nesta sua interposição imprescindível, o legislador ordinário delimita o âmbito de protecção do direito de acesso, no essencial, pela definição do que considera, para efeitos de aplicação do diploma, «documento administrativo» (art. 3º).
E, da leitura articulada das disposições dos artigos 3º e 4º, resulta que qualifica como tal “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material” - com excepção de “notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante [art. 3º/1/a) e 2/a)] -, que esteja na posse ou seja detido em nome de um dos entes enunciados no art. 4º e “cuja elaboração releve da actividade administrativa” [arts. 3º/1/a) e 2/ b) e 4º].
Deste modo, a definição combina os critérios da origem/função e da posse, confinando o âmbito de protecção do direito fundamental ao conteúdo informativo contido em suportes cuja elaboração releve da actividade administrativa e que, cumulativamente, se encontrem na posse de algum dos entes enunciados no art. 4º.
Ora, no caso dos autos, a recorrente – B…, S.A.- é uma «sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos» (art. 1º dos Estatutos publicados em anexo ao DL nº 209/2000, de 2/9), à qual é aplicável o regime do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro e que, à luz deste diploma, se considera empresa pública (art. 3º/1). Como tal, é inequívoco que, nos termos previstos no art. 4º/1/d) (1) da LADA, é um dos entes titulares do dever de assegurar o direito de acesso aos documentos administrativos que tiver na sua posse.
Mas, resolvida a questão pelo critério da posse, fica o problema de saber qual é, para efeitos de aplicação do regime da LADA, o alcance do que seja um suporte de informação cuja elaboração releve da actividade administrativa.
Numa primeira aproximação, pela negativa, ninguém duvidará que não são de considerar documentos administrativos os suportes de informação produzidos ou recolhidos no exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, portanto sem qualquer ligação funcional entre o documento e a actividade administrativa Raquel Carvalho, in “ Lei de Acesso aos Documentos da Administração”, p. 27.
Já numa abordagem pela positiva se suscita perplexidade face à polissemia da expressão “actividade administrativa”, associada à noção de administração pública. Esta é plurissignicativa. E, quando reportada, em particular, às empresas públicas, única situação que importa à resolução do caso em apreço, pode referir-se a uma noção ampla de administração em sentido material, que englobe toda a respectiva actividade, em cumprimento da sua missão de “obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade” (art. 4º DL nº 555/99, de 17 de Novembro (2)) compreendendo quer a que levem a cabo com ius imperii, quer a que desenvolvam em paridade com os cidadãos, segundo as regras do direito privado. Vide: Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in “Direito Administrativo Geral”, I, pp. 38-42 Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, I, 3ª ed., p. 348 e segs Mas pode, também, ter um sentido formal, mais restrito, limitado apenas à parte da actividade por elas exercida com poderes de autoridade que lhe dão supremacia sobre os cidadãos. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ob., cit, p. 46
No primeiro caso, todos os suportes de informação produzidos e/ou recolhidos pelas empresas públicas, quer no exercício da sua típica e predominante actividade paritária e concorrencial (arts. 7º e 8º do DL nº 558/99 (3)), quer na actuação dos poderes gerais e especiais de autoridade (art. 14º do DL nº 558/99 (4)), relevarão da actividade administrativa e serão, por consequência, considerados documentos administrativos englobados no âmbito de protecção do direito fundamental de acesso aos arquivos. No segundo caso, só o serão os suportes com ligação funcional à actividade das empresas públicas quando no exercício de poderes de autoridade e na medida desse exercício.
Ora, a lei, dizendo, embora, de maneira inequívoca [art. 4º/1/d)], que se aplica aos órgãos das empresas públicas, não esclarece qual é o conceito de “actividade administrativa” que perfilha.
Dada a perplexidade que o elemento literal não resolve, cumpre aprofundar a indagação sobre o sentido prevalente da lei, procurando reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (cfr. art. 9º/1 CC).
A Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, veio revogar a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Leis nºs 8/95, de 29 de Março e 94/99, de 16 de Julho, que quanto ao âmbito de aplicação prescrevia, no art. 3º/1, o seguinte:
“1 – Os documentos a que se reporta o artigo anterior são os que têm origem ou são detidos por órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas, órgãos dos institutos públicos e das associações públicas e órgãos das autarquias locais, suas associações e federações e outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei”.
Durante a respectiva vigência, conforme nos dá nota MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, In “As Empresas Públicas Nos Tribunais Administrativos”, p. 209 e segs em relação à questão do acesso à informação detida por empresas públicas, formaram-se duas correntes principais: uma tese de sujeição total das empresas públicas às regras de jurídico-públicas de acesso aos documentos administrativos, outra, mais restritiva, defendendo que regime da LADA só era aplicável às empresas públicas quando e na medida em que exerçam poderes de autoridade.
A primeira era a orientação maioritária da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) Vide, entre outros, Pareceres nºs 164/2001, 12/2005, 44/2005 e 81/2005 in www.cada.pt..
Em defesa da segunda vejam-se, na doutrina, PEDRO GONÇALVES In “Entidades Privadas com Poderes Públicos”, pp. 293-294 e 1049, FERNANDO CONDESSO In “Direito à Informação Administrativa”, p. 307 e ss, RAQUEL CARVALHO In “Lei de Acesso aos Documentos da Administração”, p. 24 e RENATO GONÇALVES In “ cesso à Informação das Entidades Públicas”, pp. 40-42 e 140 e ss.
Esta posição, era, igualmente, dominante da Jurisprudência Vide acórdãos TCA de 2002.01.29 – rec. nº 630/01 e de 2002.10.03 – rec. nº 6257/02 e acórdão STA de 1994.01.27 – rec. nº 33 240 (que, sem ser muito claro sobre o assunto, parece apontar neste sentido, mediante o alcance restritivo que fixou para a expressão “autoridades públicas”).
Dito isto, há um primeiro sinal a reter. A lei nova abandonou a alusão ao exercício de poderes de autoridade, expressão que militava em abono da posição que propugnava a interpretação mais restritiva da lei velha, falando agora em exercício de funções administrativas ou de poderes públicos, o que tem um sentido mais amplo
Prosseguindo.
A nova lei – 46/2007 – nasceu da apreciação e votação conjunta da Proposta de Lei nº 49/X/1ª e do Projecto de Lei nº 343/X, Vide “Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias”, publicado in DAR, II Série A, nº 114, de 19 de Julho de 2007 sendo que, na exposição de motivos deste último, se anunciava entre outros, o propósito de “equiparar o elenco das actividades abrangidas pela presente lei à lista de entidades sujeitas à jurisdição e poderes de controlo do Tribunal de Contas” e se propunha a seguinte delimitação do âmbito de aplicação do regime de acesso aos documentos administrativos:
Artigo 3º
Os documentos a que se reporta o artigo anterior são os que têm origem ou são detidos pelos órgãos das seguintes entidades:
a) Estado e Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas;
b) Institutos públicos;
c) Associações públicas;
d) Autarquias locais, suas associações e federações; e
e) Outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei;
f) Empresas públicas, incluindo as entidades públicas empresariais;
g) Empresas municipais, intermunicipais e regionais;
h) Empresas concessionárias da gestão de empresas públicas;
i) Sociedades de capitais públicos;
k) Empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos;
l) Empresas concessionárias de obras públicas;
m) Outras entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos.
Chamada a participar no procedimento legislativo a CADA, pronunciou-se, num primeiro momento, emitindo o Parecer nº 137/2005 Disponível em www.cada.pt, no qual, a propósito da sujeição das empresas públicas, disse o seguinte:
“Quanto às empresas públicas o Acórdão da 1ª secção (1ª subsecção) do Tribunal Central Administrativo de 4 de Abril de 2002 (Processo nº 6131/02) considera-as integradas na categoria jurídica de instituto público e daí conclui serem sujeitos passivos do direito em apreço. No Parecer nº 164/2001, de 12 de Setembro de 2001, entre outros, a CADA também chega a esta conclusão mas por outra via: depois de as excluir do conceito de instituto público (que sustenta só abranger, segundo a melhor doutrina, os serviços personalizados do Estado e as fundações públicas), considera-as incluídas no conceito de “entidades no exercício de poderes de autoridade” utilizada na parte final do nº 1 do artigo 3º da LADA, mesmo quanto aos seus actos de gestão privada. Para esta conclusão são alinhados vários argumentos, de que se respigam os seguintes:
- O regime de acesso aos documentos administrativos concretiza princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático e traduz uma garantia fundamental de controlo dos actos da Administração por parte dos particulares.
- O alcance do acesso aos documentos administrativos deve ser o mais amplo desde que contido na letra e no espírito das leis, abrangendo, muito em particular as entidades que gerem o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos.
- Verifica-se uma crescente tendência para atribuir o desempenho de tarefas do Estado a entes dotados de capitais públicos (em exclusivo ou maioria), em regime de concessão ou não, fazendo-os sujeitar ao regime das sociedades, embora também a normas de direito público.
- Essa fuga para o direito privado não afasta o carácter público do substracto pessoal e patrimonial dessas entidades e o carácter público da actividade que desempenham, pelo que integram, um conceito amplo de Administração Pública, sobrepondo critérios de fundo a artifícios formais.
- O direito de acesso não se restringe aos chamados actos de gestão pública, mas abrange todos os actos da sociedade, salvo se outra causa o impedir (que não a sua sujeição a normas de direito público ou de direito privado).
Esta interpretação do apontado segmento normativo não está isenta de dificuldades e não colhe a unanimidade da CADA. Mas inclinamo-nos para esta solução de jure condendo, tendo também em atenção que o nº 1 artigo 2º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril (na redacção da Lei nº 30/96, de 14 de Agosto), estende a jurisdição (hoc sensu) do Provedor de Justiça às empresas públicas.
Pelo exposto, entendemos aconselhável alterar a LADA, neste âmbito, com vista a evitar controvérsias, consagrando as posições que a CADA já vem assumindo quer quanto às empresas públicas do sector empresarial do Estado quer quanto às empresas municipais, intermunicipais e regionais.”
Mais tarde, a CADA pronunciou-se de novo, através do Parecer nº 46/2007 no qual, depois de reiterar a sua posição anterior, propôs que, quanto ao âmbito, a lei a aprovar tivesse a seguinte redacção:
Artigo 4º
A presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades:
a) Órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que integrem a Administração Pública;
b) Demais órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, na medida em que desenvolvam funções materialmente administrativas;
c) Órgãos dos institutos públicos e das associações e fundações públicas;
d) Órgãos das empresas públicas;
e) Órgãos das autarquias locais e das suas associações e federações;
f) Órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais;
g) Outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos.
Esta redacção, quanto às empresas públicas, relevava, pois, repete-se, da posição maioritária da CADA segundo a qual toda a actividade das empresas públicas e não só a desenvolvida com poderes de autoridade, deveria estar subordinada às regras jurídico-públicas do direito de acesso aos documentos administrativos.
Todavia, a CADA, não deixou de dar a conhecer ao legislador a existência, no seu seio, de uma voz dissonante, nesta matéria. E fê-lo, em nota que, pelo seu relevo, passamos a transcrever, na íntegra:
“O Senhor Dr. José Renato Gonçalves discorda do entendimento segundo o qual a LADA é aplicável, ou deva ser aplicável, em qualquer circunstância, às empresas públicas, pelas seguintes razões (já avançadas na sua declaração de voto ao Parecer nº 137/2006):
“Desde o início da vigência da lei, sempre me pareceu que a referência a «institutos públicos» no artigo 3º, nº 1 não poderia abranger, indiscriminadamente, todas as empresas públicas (cfr. J. Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, citado, págs. 40 e segs.).
E foi essa a interpretação que prevaleceu.
De entre as empresas públicas, estão sujeitas ao regime da LADA as que exercem poderes de autoridade (por exemplo, respeitantes à expropriação por utilidade pública - artigo 14º do Decreto-Lei nº 558/99), para além das «entidades públicas empresariais», que são «de direito público», e as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, no que a essa gestão respeite.
Nas restantes situações (outras empresas públicas, empresas meramente participadas por entidades públicas e, em geral, todas as empresas que não integram o sector público), à luz do ordenamento vigente e da evolução ocorrida em Portugal e em outros países no sentido da privatização do regime aplicável, não nos parece sustentável defender a sujeição à LADA.
As empresas públicas regem-se, em regra, pelo direito privado, «salvo no que estiver disposto no presente diploma», e sujeitam-se às regras da concorrência (cfr. artigos 7º (5) e segs. do Decreto-Lei nº 558/99).
Embora no quadro de orientações estratégicas definidas pelo Governo, as empresas públicas actuam, e devem actuar, como as empresas privadas, com as quais concorrem, nos termos do novo regime das empresas públicas.
Seria certamente excessivo discriminar todas as empresas públicas - em relação às privadas e às do sector cooperativo e social - sujeitando-as ao regime geral do acesso à informação administrativa.
Em contrapartida, toda a informação detida pelo Estado respeitante às empresas públicas fica «sempre» sujeita ao direito de acesso, tal como já impõe a lei.
As empresas públicas só devem sujeitar-se ao regime geral de acesso à informação administrativa quando, e na medida em que, exerçam poderes de autoridade (nos termos da parte final do art. 3.º/1: «… e outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei»)”.
Pois bem. Conhecedor desta problemática, das opiniões divergentes e dos argumentos de cada uma das teses, o que fez o legislador? Como se vê, comparando os textos supra citados, optou por consagrar, integralmente, no art. 3º/1 da lei nova, a redacção proposta pela CADA
Temos, assim, na história da lei, um sinal inequívoco de que o legislador, para efeitos de aplicação do novo diploma, adoptou o critério amplo subjacente à posição da CADA segundo o qual as empresas públicas, mesmo quando agem segundo as regras do direito privado (art. 7º/1 DL 558/99 de 17.12 (6)), para prossecução da sua missão de “contribuir para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público e para obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade” (art. 4º DL 558/99 (7)) estão, indirectamente, a desenvolver uma actividade ou função materialmente administrativa e, por consequência, quis que a lei nova fosse aplicável a toda a sua actividade (paritária e/ou autoritária, de gestão privada e/ou de gestão pública).
Este é, pois, a nosso ver, o sentido prevalente da lei. Tem correspondência verbal no texto e é o que se colhe do pensamento legislativo.” (sublinhados e sombreados nossos).

E no Ac. do STA de 6.1.2010, proc. n.º 965/09, explicitou-se ainda o seguinte:
No entanto, e independentemente dos trabalhos que conduziram à elaboração daquela Lei - onde o citado Acórdão (8) foi buscar parte substancial da sua argumentação para chegar a um conceito abrangente de documento administrativo – quer-nos parecer que igual conclusão se pode retirar do seu próprio texto.
Com efeito, e desde logo, nela se diz que não se consideram documentos administrativos “os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação” [art.º 3.º/2/b) com sublinhado nosso] o que significa que o conceito de documento administrativo adoptado pelo legislador é amplo e de que dele só deve ser excluído uma parcela muito restrita da documentação produzida pelos órgãos das entidades públicas sujeitas ao escrutínio da LADA. E isto porque se o legislador tivesse querido adoptar um conceito mais restrito de documento administrativo por certo que teria dado outro exemplo do que não devia entender por documento administrativo. Dito de forma diferente, ao dar o referido exemplo o legislador quis manifestar que o critério que se devia adoptar para definir documento administrativo deveria ser abrangente, pois que se outra tivesse sido a sua intenção por certo que não daria como exemplo do que o não é a burocracia inerente à actividade política do Governo.
E igual conclusão se colhe do art.º 18.º/1/a) daquela Lei – inserido na secção que trata da reutilização dos documentos a que se teve acesso - onde se prescreve que só não podem ser objecto de reutilização os documentos que tenham sido “elaborados no exercício de uma actividade de gestão privada”. O que só pode querer significar que os documentos produzidos no âmbito da actividade privada também podem ser consultados e, por isso, que, para os presentes efeitos, também são susceptíveis de ser qualificados como documentos administrativos. Carecem, pois, de consistência as considerações desenvolvidas pela Recorrente a propósito da distinção que importaria fazer entre os actos de gestão pública e os actos de gestão privada e ao pretender que só a documentação aqueles atinente poderia ser consultada.
Com efeito, e muito embora os actos destinados à satisfação do interesse público sejam de actos de gestão pública - independentemente de envolverem, ou não, o exercício de poderes de autoridade – a verdade é que, como claramente resulta do citado normativo, a documentação decorrente da actividade privada da empresa pública é susceptível de também ser consultada ao abrigo das disposições da LADA. O que, aliás, se compreende já que quando as empresas públicas agem segundo as regras do direito privado com vista a contribuir para a satisfação das necessidades da colectividade estão, directa ou indirectamente, a desenvolver uma actividade ou função materialmente administrativa. De resto, como se afirmou no Acórdão deste STA de 30/09/2009 (rec. 453/09) “o interesse público é hoje, em última instância, a dimensão administrativa da actividade da Administração Pública, face à conhecida fuga para o direito privado.”
A não ser assim, isto é, a adoptarmos a visão reducionista da Recorrente, isso implicaria a exclusão do âmbito de aplicação daquela Lei da esmagadora maioria das actuações das empresas públicas, visto estas se desenvolverem ao abrigo do direito privado - regime regra que lhes é aplicável (art.º 7.º do DL 558/99 (9)) – o que importaria subverter o princípio do arquivo aberto constitucionalmente consagrado”.

Conclui-se, assim, que, de acordo com o entendimento do STA, o qual é de acolher, a LADA é aplicável às empresas públicas, de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que, salvas as restrições legais, não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos – também neste sentido, Acs. do STA de 30.9.2009, procs. n.ºs 453/09 e 493/09, 20.1.2010, proc. n.º 1110/09, e 21.9.2010, proc. n.º 562/10.

Cumpre salientar que esta posição do STA mereceu o acolhimento da doutrina.

Com efeito, escreveu a este propósito Pedro Costa Gonçalves, O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público, in CJA, 81, Maio/Junho de 2010, págs. 8 a 11, que:
Como é sabido, a alteração da LADA, em 2007, alargou o âmbito do dever de informação que onera as empresas do sector público. Na verdade, ao contrário do que defendia a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, bem como alguma doutrina, a versão anterior da LADA não deixava margem para dúvidas: só queria assegurar o direito de acesso aos documentos com origem ou detidos por empresas do sector público (quando em formato jurídico-privado) relacionados com o exercício de poderes de autoridade. E, dizemo-lo desde já, foi correcta essa opção de alargamento do dever de informação a todos os documentos das empresas do sector público.
(…)
Já aludimos de passagem ao facto de a submissão das empresas do sector público à LADA apresentar um perfil institucional ou orgânico [e não funcional, como sucede em relação às "outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos"]. Quer isto dizer que: i) ressalvadas as excepções (cf. art. 3.°, n.° 2), todos os documentos dessas empresas se qualificam como administrativos; ii) ressalvadas as restrições (cf. art. 6.°), em relação a todos eles existe um dever de informar, de permitir o acesso.
As empresas surgem, pois, totalmente equiparadas a todas as outras entidades públicas (Estado, municípios), sem qualquer distinção quanto ao seu objecto: quer se dediquem a tarefas com uma feição mais burocrática (v. g., administração e gestão de portos) ou actuem num mercado exposto à concorrência (v. g., exploração de um estabelecimento hoteleiro), quer exerçam poderes de autoridade ou prestem serviços num ambiente paritário, encontram-se abrangidas pelo dever de informação nos mesmos termos que se aplicam a qualquer entidade pública.
(…) na versão de 2007, a LADA não parece deixar margem para atenuar ou diminuir a incidência do dever de informação no caso das empresas do sector público, seja qual for o ambiente jurídico ou material em que actuem.
Concordamos, pois, com a linha que tem sido seguida pela jurisprudência dos tribunais administrativos quanto a este ponto. Mais: observamos até que, na nossa interpretação, aquela opção legislativa se revela especialmente adequada à situação institucional das empresas do sector público.
É certo que se tem falado, neste contexto, de um imperativo de igualização, que se traduz em submeter as empresas do sector público que actuam em ambiente de mercado ao regime aplicável às empresas concorrentes. (…)
Sem prejuízo desta matriz de igualização, não pode, contudo, excluir-se a bondade de desvios pontuais e razoáveis, que, nos termos da lei, se imponham, logicamente e de forma justificada, por força da circunstância de estar em causa uma empresa do sector público.
Ora, o acesso à informação das empresas do sector público revela-se um dos domínios em que se justificam desvios que atendam precisamente ao facto de se tratar de empresas que, mesmo actuando em ambiente de mercado – e nem sempre este é o caso -, não são como as outras (do sector privado), pois pertencem aos poderes públicos e desenvolvem uma acção que é acção pública, que se funda numa competência e não na liberdade (Por essa razão, não tem cabimento a invocação do direito de livre iniciativa económica para questionar a constitucionalidade da imposição do arquivo aberto às empresas do sector público).
Como, de resto, vem sendo notado nas decisões judiciais que se ocupam do tema, ao que acaba de se dizer acresce a circunstância de a LADA conter restrições e condicionamentos do direito de acesso que se apresentam especialmente pertinentes neste âmbito: referimo-nos ao disposto no art. 6.°, n.° 6, em cujos termos só subsiste um direito de acesso a documentos que contenham "segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa" na medida em que o interessado esteja munido de autorização escrita da própria empresa ou demonstre interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Na senda da jurisprudência, afigura-se-nos que, seja qual for o espaço em que desenvolvem a sua acção e mesmo que se trate, portanto, do mercado, a submissão de todas as empresas do sector público ao princípio do arquivo aberto ou a uma regra de information disclosure não consubstancia um constrangimento desnecessário, nem uma solução que as impeça de realizar os objectivos públicos que nortearem a decisão de as instituir.
(…)
Retomando o raciocínio, insiste-se, a regra é, e deve mesmo ser, a da submissão das empresas do sector público ao dever de informação consagrado na LADA, o que nos parece revelar-se inteiramente coerente com a situação institucional de tais empresas enquanto entidades vinculadas pelos direitos fundamentais (nos mesmos termos das entidades públicas) (Lembre-se que o "direito de acesso aos arquivos e registos administrativos", consagrado no art. 268.°, n.º 2, da CRP, assume a natureza de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; neste sentido, cf. J. J. GOMES CANOTILHO /VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 374; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 145) (As empresas do sector público estão também vinculadas pelos direitos fundamentais e pelas liberdades consagradas ao nível do direito da União Europeia (…)). Neste caso, a vinculação pelos direitos fundamentais não resulta apenas do desenvolvimento de uma acção pública (como sucede no caso das entidades particulares com funções administrativas), mas, especificamente, do facto de se tratar de entidades do sector público e em relação às quais se mostra afeiçoada a adopção de um princípio de equiparação institucional a quaisquer outras entidades do sector público. Como ensina VIEIRA DE ANDRADE, precisamente a propósito de entidades como as empresas do sector público, mesmo quando não disponham de poderes de autoridade, tais entidades, "em vista da sua ligação organizativa, funcional ou material à actividade administrativa em sentido estrito, devem estar sujeitas em primeira linha aos direitos, liberdades e garantias, não devendo ser tratadas como entidades dotadas de autonomia privada" (Cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 2009, p. 224)” (sublinhados e sombreados nossos).

E Miguel Assis Raimundo, Ainda o acesso à informação detida por empresas públicas, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção) de 30.5.2012, P. 263/12, in CJA, 98, Março/Abril de 2013, págs. 44, 46, 47 e 54, o seguinte:
“7. A análise do art. 4. da LADA, e do modo como se lhe refere o art. 3.º, n.º1, alínea a), da mesma Lei, revela, assim, que o legislador previu a existência de três classes de sujeitos passivos do direito de acesso, com relativa autonomia entre si : (i) as entidades que são, inequivocamente, pessoas colectivas públicas, de regime administrativo - as referidas nas alíneas a), b), c) e e) do n.º1 - ou órgãos de tais pessoas colectivas, e cuja sujeição ao direito de acesso à informação administrativa surge como natural e incontestada; (ii) as chamadas entidades administrativas privadas, ou seja, as entidades de mão pública que, pela forma jurídica que revestem ou pelo regime jurídico aplicável à sua actuação, surgem com uma proximidade clara ao direito privado, mas não deixam, apesar disso, de ser entidades públicas, ou do sector público - as referidas nas alíneas d) e f) do n.º1 (e porventura enquadráveis, algumas delas, no n.º2, como explicámos acima); e (iii) os verdadeiros sujeitos privados - os referidos na alínea g) do n.º1 e (alguns deles) no n.º2.
Vale a pena notar, porém, aproveitando observação e terminologia de PEDRO GONÇALVES (PEDRO COSTA GONÇALVES, “O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público”, cit., p. 9), que em relação às duas primeiras classes de sujeitos indicadas em (i) e (ii) e que fazem parte da Administração Pública – pessoas colectivas inequivocamente públicas e sujeitas ao direito público, e entidades administrativas privadas, incluindo as empresas públicas - a colocação é sobretudo institucional ou orgânica, não operando o legislador distinções internas quanto à natureza da actividade ou dos actos sujeitos ao acesso.
(…)
O problema, para nós, está, pelo contrário, em que, no sistema construído pelo legislador, todos os documentos de todas as empresas públicas (recorde-se que, para o serem, estas têm de preencher os critérios do art. 3.º do RSEE (10)) constituem, prima facie, objecto do direito de acesso.
(…) a referência do art. 3.º; n.°2, alínea b), da LADA, a qual, como em anterior ocasião dissemos (MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, As empesas públicas nos tribunais administrativos, cit., p. 229, com outras referências), serve para excluir do acesso os documentos emergentes de outras funções do Estado, como se retira dos exemplos dados tia própria norma (documentos referentes às reuniões do Conselho de Ministros e de secretários de Estado).
13. Esta opção do legislador parece clara, pois ao contrário do que fez com outras entidades, não acompanhou a menção às empresas públicas de qualquer ressalva de teor funcional.
(…)
Foi a esta constelação específica de interesses e valores que o legislador quis responder, dizendo: porque esta entidade é um instrumento da administração (o que vale quer para as empresas concorrenciais quer para as não concorrenciais), permita-se o acesso, a não ser que outras razões mais fortes que o direito de acesso prevaleçam (…)” (sublinhados e sombreados nossos).

Finalmente cumpre salientar que o referido entendimento do STA – sujeição de toda a actividade das empresas públicas, paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública, ao princípio da transparência administrativa - foi considerado pelo Tribunal Constitucional como, em grande medida, constitucionalmente imposto pelo disposto no art. 268º n.º 2, da CRP (quanto às empresas públicas que integram o sector público empresarial, conforme se encontra delimitado no art. 82º n.º 2, da CRP - nas quais se incluem as entidades públicas empresariais, forma jurídica assumida pelo ora recorrente -, as quais estão integradas no conceito amplo de Administração), o qual também salientou que esse entendimento do STA decorre necessariamente da redacção da actual LADA, isto é, as empresas públicas (tal como definidas no DL 133/2013, de 3/10) estão genericamente – e não apenas em relação à actividade relacionada com o “exercício de funções administrativas ou de poderes públicos” - incluídas no âmbito subjectivo de aplicação desse diploma.

Efectivamente, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 117/2015, escreveu-se designadamente o seguinte:
(…) O n.º 2, do artigo 268.º, ainda que careça de concretização legislativa, concede aos cidadãos um «direito» que não pode deixar de ser considerado de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º da CRP, e como tal diretamente aplicável e imediatamente vinculante (cfr. Acórdãos nºs 176/92, 177/92, 80/95, 254/99 e 2/2013).
(…)
Na definição constitucional, os titulares do dever de assegurar o acesso à informação são as entidades que fazem parte da Administração (cfr. n.ºs 1 e 6 do artigo 268.º). O termo adotado – «Administração» –, por estar enunciado no Título IX, dedicado à Administração Pública, por certo que se quer referir ao conceito básico de «administração pública», o que torna bem complexa a tarefa de delimitar o conjunto dos sujeitos obrigados ao acesso, dada a dificuldade que atualmente existe em determinar o universo das entidades que integram a Administração Pública, bem como as fronteiras do direito administrativo que forma o seu estatuto.
(…)
A CRP, particularmente nos artigos 266.º a 268.º, adota um conceito amplo de Administração Pública que, além das pessoas coletivas de direito público, abrange, quer as formas de organização de caráter privado que pertencem ao setor público ou que se encontrem sob a influência dominante dos poderes públicos, quer as entidades particulares a quem foram delegadas funções públicas. (…)
Um conceito alargado de administração pública permitirá assim considerar “entidades públicas”, para efeitos de vinculação aos direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 18.º da CRP), as pessoas coletivas privadas de «mão pública», como é o caso das empresas de capitais exclusiva ou predominantemente públicos. É que, como refere Vieira de Andrade, «essas entidades, em vista da sua ligação organizativa, funcional ou material à atividade administrativa em sentido estrito, devem estar sujeitas em primeira linha aos direitos, liberdades e garantias, não devendo ser tratadas como entidades dotadas de autonomia privada» (cfr. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª ed. pág. 223).
De igual modo, um conceito amplo de administração pública é o que mais se adequa à aplicação dos princípios constitucionais da Administração Pública quando ela utiliza formas organizativas e meios de atuação de direito privado para a prossecução de interesses públicos. É que, como diz Sérvulo Correia, «nos seus artigos 266.º e seguintes a Constituição, não estabelece qualquer dicotomia entre administração por meios de direito público e de direito privado. As normas de fundo ali estatuídas dirigem-se a todo o complexo das atividades administrativas» (cfr. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos administrativos, Almedina, pág. 532).
15. É nesse sentido alargado que o conceito de «Administração» deve ser entendido para efeitos da vinculação ao princípio do arquivo aberto. O direito de acesso aos registos e arquivos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º deve ser interpretado com a maior largueza consentida pela sua justificação teleológica. Como já foi mencionado, a acessibilidade aos arquivos e registos administrativos pelos particulares, sem necessidade de se demonstrar uma posição legitimante, radica na exigência de transparência da atividade administrativa. E esta exigência projeta-se em quaisquer campos da ação administrativa e não apenas naquela que é exercida através de poderes públicos de autoridade. A Administração deve permitir a visibilidade da sua atuação, qualquer que seja a forma como se organiza e atua, pois toda a ação pública, mesmo quando levada a efeito por entidades privadas, deve ser desenvolvida sob a égide da publicidade, para que os cidadãos possam aferir o pleno cumprimento das vinculações legais da Administração Pública e tenham a possibilidade de participarem na vida administrativa. É esta dimensão democrática da transparência administrativa que explica a amplitude que o n.º 2 do artigo 268.º da CRP atribui ao princípio do arquivo aberto, ao dispensar a invocação de uma posição legitimante.
O pressuposto essencial do direito de acesso é a natureza pública da atividade desenvolvida pelas entidades oneradas com o dever de assegurar o acesso aos arquivos e registos administrativos. E daí que todas as entidades responsáveis pela execução de tarefas administrativas sejam sujeitos passivos do direito de acesso. Abrangidos pela regra geral do acesso aos arquivos e registos administrativos estão assim, não apenas as tradicionais pessoas coletivas de direito público, mas todas as entidades públicas que se dediquem à execução de tarefas administrativas, como é o caso das entidades administrativas privadas, ou seja, das organizações administrativas de estatuto jurídico-privado sob o domínio ou influência dominante de pessoas públicas, e as entidades particulares, quando investidas em funções públicas administrativas.
Qualquer uma destas entidades é constitucionalmente lícita e admissível: a previsão de um setor público da economia – n.º 2 do artigo 82.º da CRP – legitima a criação de entidades públicas em forma jurídico-privada; e o n.º 6 do artigo 267.º da CRP legitima a delegação de tarefas públicas em entidades genuinamente privadas. O envolvimento direto ou indireto do Estado ou de outras entidades públicas nessas entidades, incumbindo-as de realizar interesses públicos, tem como consequência a sujeição às limitações impostas pelos princípios gerais resultantes da Constituição para a organização e funcionamento da Administração Pública. De modo que também elas têm a obrigação de serem transparentes no exercício da atividade pública que desenvolvem, o que implica a submissão ao princípio do arquivo aberto.
Há, porém, que distinguir as que estão genericamente sujeitas ao dever de acesso, dada a situação institucional em se encontram, das que estão obrigadas apenas na exata medida em que exercem funções administrativas.
As entidades administrativas privadas localizam na esfera do Estado e por isso mesmo desenvolvem sempre uma ação pública, não obstante revestirem formato privado. Como refere Pedro Gonçalves, «o facto do Estado ou uma outra entidade pública criar ou, de qualquer modo, assumir uma posição dominante numa entidade privada só pode querer significar que pretende fazer dessa mesma entidade um instrumento para intervir no espaço social. Ora, para nós, essa intervenção indireta representa uma intervenção pública» (cfr. Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 466). A natureza pública da atividade desenvolvida por essas entidades implica que os arquivos e registos que dispõem sejam sempre produto de uma atividade ou função materialmente administrativa e por conseguinte todos eles objeto do direito de acesso.
Já as entidades particulares incumbidas de participar na execução de tarefas públicas localizam-se na Sociedade, na esfera privada, e por isso mesmo a atividade que desenvolvem, em princípio, é uma ação privada. Mas quando desempenham funções administrativas que foram delegadas por uma entidade pública, a atividade exercida deve ser qualificada como pública. Nestes casos excecionais, o direito de acesso só pode abarcar os documentos produzidos no âmbito das atividades conexionadas com a ação pública e não os que relevem da ação privada.
16. No conceito alargado de Administração que delimita, no plano constitucional, o universo dos sujeitos obrigados ao acesso aos arquivos e registos administrativos, incluem-se as empresas que fazem parte do setor público empresarial.
Como já foi referido, a pertença ao setor público empresarial não depende da forma jurídico-organizatória da empresa, podendo revestir a forma de pessoa coletiva pública, de sociedade comercial, ou até de ente não personalizado. O regime jurídico do setor público empresarial consta hoje do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, que revogou o anterior Decreto-lei n.º 558/99, de 17 de dezembro. De acordo com a caracterização seguida no artigo 5.º desse diploma, são empresas públicas: (i) as entidades públicas empresariais, pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para a prossecução dos seus fins – que correspondem às entidade empresas públicas stricto sensu (artigos 5.º, n.º 2 e 56.º); (ii) e as empresas públicas de natureza societária, «organizações empresariais constituídas sob forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante».
Tratando-se de uma entidade pública empresarial (11), por revestir a forma de pessoa coletiva pública, não há quaisquer dúvidas que se integra no conceito de Administração Pública, para efeitos do âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos. Mas quanto às empresas públicas sob a forma societária colocam-se dúvidas na delimitação do universo das empresas obrigadas genericamente ao acesso, porque o conceito legal de empresa pública é muito mais amplo do que a delimitação que o n.º 2 do artigo 82.º das CRP faz do setor público empresarial.
De facto, para integrar o setor público, o preceito constitucional exige a natureza pública tanto da propriedade como da gestão da empresa. Ora, os critérios que o legislador usou para definir influência dominante não obedecem necessariamente aos critérios de delimitação do setor público empresarial. Nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, a influência dominante concretiza-se através de alguns fatores que dispensam a propriedade jurídica da empresa, nomeadamente, a maioria dos direitos de voto, a possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização, e a posse de participações qualificadas ou direitos especiais. Isto significa que o conceito legal de empresa pública, que teve a influência do direito comunitário, abrange também empresas nas quais o setor público não tem participação maioritária no capital social. Ou seja, as empresas públicas de capitais maioritariamente privados não integram o setor público empresarial, embora sejam entidades particulares que o legislador, dentro da sua liberdade de conformação, entendeu incluir na noção de empresa pública (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág, 37).
Já as empresas de capitais exclusivamente ou maioritariamente públicos, quando revestem formato privado, qualificam-se como entidades administrativas privadas. A relação específica que mantêm com as entidades públicas que as criaram é uma relação de domínio ou de influência dominante, o que as coloca na esfera do Estado e da Administração Pública. Perante a ausência de um conceito unitário de Administração Pública, grande parte da doutrina integra, do ponto de vista institucional, as empresas públicas sob forma societária no conceito de Administração Pública em sentido orgânico, usando os conceitos de “Administração indireta privada” ou de “Administração Pública em forma privada” (cfr. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, págs. 283, 397 e 433 e Entidades Privadas com poderes administrativos, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, pág. 52; Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, pág. 305, e Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Setor Empresarial do Estado, pág. 228 e Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 61 e ss.).
Paulo Otero considera mesmo que «há uma equivalência estrutural e funcional entre estas entidades privadas e os institutos públicos integrantes da Administração indireta», uma vez que estão vinculadas à prossecução do interesse público, enquanto expressão instrumental de interesses integrantes dos fins ou atribuições da entidade pública que participa no respetivo capital; e Pedro Gonçalves fala numa “integração institucional” das empresas públicas na Administração Pública em sentido estrito, pretendendo esclarecer que «um tal efeito surge (exclusivamente) determinado pela situação subjetiva da entidade privada, em concreto, pelo facto de se tratar de uma entidade privada sob domínio público».
Independentemente da conceção que se tenha sobre a integração das empresas públicas na teoria da organização administrativa, o que não oferece dúvida é que as empresas que fazem parte do setor público empresarial, tal como definido no n.º 2 do artigo 82.º da CRP, embora possam ver a sua atuação regulada pelo direito privado, desenvolvem uma atividade pública, caracterizada por fins de natureza pública. A circunstância de atuarem em ambiente de concorrência e de mercado, como qualquer outro operador económico, não permite esquecer que a sua existência e o seu agir radica nas entidades públicas que as criaram. Subjacente à criação (ou conversão) de uma empresa pública estão sempre interesses e finalidades públicas que integram os fins ou atribuições da entidade instituidora. As empresas do setor público empresarial não deixam de ser públicas no exercício da sua atividade, mesmo quando usam formas ou instrumentos de direito privado, pois não atuam na área da autonomia privada e da liberdade, como qualquer particular, antes obedecendo aos princípios da legalidade e da competência. De facto, como refere Pedro Gonçalves «na dicotomia entre Estado e Sociedade, as empresas do setor público integram o primeiro pólo e veem, por isso mesmo, a sua existência e o seu agir juridicamente suportados pelos canais e instrumentos normais da legitimidade democrática, e não pelos direitos e liberdades dos cidadãos»» (cfr. O direito de acesso à informação detida por empresas do setor público, in, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 81, pág. 4).
O interesse público justificativo da existência e do agir das empresas que pertencem ao setor público empresarial é o critério causal de legitimação do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos detidos por essas empresas. A atividade das empresas públicas, mesmo quando concorrencial, é sempre uma atividade administrativa, na medida em que visa a prossecução do interesse público ao serviço do qual foram instituídas e é uma atividade exercida de forma subordinada à Constituição, à lei, aos princípios constitucionais e no respeito pelos direitos fundamentais (artigos 18.º e 266.º da CRP). Ora, o desenvolvimento indireto de uma atividade vinculada aos direitos fundamentais e aos princípios gerais resultantes da Constituição não pode prescindir de uma exigência de transparência, uma condição essencial para se indagar o cumprimento de tais parâmetros. Com efeito, sem informação não é possível aos cidadãos conhecerem se a atividade desenvolvida pelas empresas públicas está de harmonia com os princípios constitucionais da atividade administrativa e com as normas da Constituição relativas a direitos, liberdades e garantias dotadas de aplicabilidade direta.
A transparência administrativa é assim um dos cânones hermenêuticos da atividade das empresas públicas, de forma a permitir ao cidadão comum, enquanto membro da comunidade, aferir o cumprimento das vinculações constitucionalmente impostas à sua atividade, seja ela regida por formas de atuação jurídico-públicas ou jurídico-privadas. A aplicabilidade às empresas do setor público do princípio do arquivo aberto, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, impondo a publicidade e transparência das diversas formas de atuação, constitui um instrumento de garantia do respeito pela vinculação aos princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé, e pela vinculação especial aos preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias dotados de aplicabilidade direta.
17. A atuação das empresas públicas segundo o direito privado, que é o regime geral da sua atividade (cfr. n.º 1, do artigo 14.º da Lei n.º 133/2013) envolve consequências de natureza constitucional quanto ao âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos. Apesar de vinculadas aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais da atividade administrativa, as empresas públicas exercem, por regra, uma atividade de gestão privada, uma atuação que é regida pelo direito privado. Mas a submissão a este “direito privado administrativo”, como o qualifica alguma doutrina, não faz esquecer que as empresas públicas intervêm no mercado em concorrência com as empresas privadas e que esse facto reclama igualdade nas condições de atuação.
A equiparação das empresas públicas que atuam em ambiente de mercado às empresas privadas, quer quanto a privilégios quer quanto a ónus e deveres especiais, justifica por si só algumas cautelas quanto à revelação de certos documentos da atividade empresarial, sob pena de desigualdade injustificada entre operadores económicos e de se criar risco de concorrência desleal entre eles.
Só que imperativo da igualização não justifica a exclusão genérica do dever de permitir o acesso aos documentos emergentes da sua atividade. Como diz Aroso de Almeida, precisamente a propósito do âmbito do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP «poder-se-ão, é certo justificar, certas precauções quanto ao enquadramento das empresas comerciais e industriais detidas pelo Estado (tenham ou não o estatuto específico de empresas públicas) na medida (ou nas áreas de atuação) em que não exerçam efetivos poderes de autoridade (designadamente, cuja atividade não envolva a exploração de bens ou serviços públicos), desenvolvendo uma atividade económica substancialmente idêntica à das empresas privadas. A questão não se coloca, no entanto, em termos de excluir estas empresas do âmbito das entidades abrangidas, mas em termos de admitir o condicionamento do acesso a certo tipo de documentos, destinados a proteger a capacidade económica e a competitividade das empresas em causa» (cfr. Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, in, Revista Direito e Justiça, Vol. VI., 1992, pág. 307).
A proteção dos interesses constitucionalmente relevantes das empresas do setor público que atuam em ambiente de mercado é feita através de restrições ou condicionamentos no acesso a determinados tipo de documentos e não através da exclusão genérica do âmbito subjetivo de incidência do dever de acesso. No n.º 2 do artigo 268.º da CRP, o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos é a regra e não a exceção. Na verdade, «com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas (n.º 2, in fine), a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da coletividade» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. Vol. II., pág. 824).
(…)
19. O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos foi inicialmente regulamentado ou concretizado por uma lei – Lei n.º 65/93, de 26 de agostoque não teve suficientemente em conta a força expansiva desse direito fundamental. Com efeito, para além de não fazer referência às empresas do setor público, a letra da lei parecia exprimir a intenção de apenas se permitir o acesso a documentos que fossem relacionados como o exercício de «poderes de autoridade» (cfr. n.º 1 do artigo 3.º).
Tal limitação gerou controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o acesso à informação detida por empresas públicas: uma corrente considerava que a lei não deixava margem para dúvidas que o regime de acesso aos documentos detidos por empresas públicas só era aplicável quando e na medida em que exercessem poderes de autoridade (cfr. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 293-294; Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, pág. 103-104; Raquel Carvalho, Lei de Acesso aos Documentos da Administração, pág. 24; José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, pág. 40-41 e 140 e segs.); outra corrente, que prevalecia na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, apoiando-se na natureza jusfundamental do direito, defendia a sujeição genérica das empresas públicas ao regime de acesso aos documentos administrativos (cfr. Pareceres da CADA n.ºs 164/2001, 12/2005, 44/2005 e 81/2005, in, www.cada.pt; Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, pág. 204 e segs.).
A atual LADA – aprovada pela Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto – resolveu o problema ao incluir as empresas públicas no âmbito subjetivo de aplicação do diploma, sem lhe acrescentar qualquer outra exigência funcional. Na verdade, as empresas públicas surgem autonomizadas nas alíneas d) e f), do n.º 1, do artigo 4.º, numa situação totalmente equiparada a todas as outras entidades públicas, sem qualquer distinção, quer quanto à forma que podem revestir (jurídico-pública ou jurídico-privada), quer quanto ao respetivo objeto (as que atuam em regime de concorrência ou no exercício de poderes públicos de autoridade). A noção de empresa pública que foi adotada não obedece sequer ao critério de delimitação do setor público estabelecido no artigo 82.º, n.º 2 da CRP, pois tem a intenção de abranger todas as que se encontram sob influência dominante dos poderes públicos, tal como definidas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 de 3 de outubro (artigo 3.º do anterior Decreto-Lei n.º 558/99, de 17/12).
As empresas públicas estão abrangidas pela LADA em claro contraste com as entidades genuinamente privadas a quem foram delegados poderes públicos: enquanto aquelas estão genericamente sujeitas ao acesso, estas apenas estão abrangidas em relação à atividade relacionada como o «exercício de funções administrativas ou de poderes públicos» (cfr. alínea g), do n.º 1 do artigo 4.º). E também estão autonomizadas em relação aos “organismos de direito público” referidos no n.º 2 do artigo 4.º, pelo que não é necessário preencherem os elementos deste conceito para estarem sujeitas ao dever de informação consagrado na LADA.
Em conformidade com o princípio constitucional do arquivo aberto, a regra geral é a submissão das empresas públicas ao direito de acesso a todos os documentos emergentes da sua atividade, independentemente do ambiente jurídico e material em que atuem. É com esse sentido e alcance que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, socorrendo-se de elementos de natureza histórica, sistemática e teleológica, interpreta as alíneas d) e f), do n.º 1, do artigo 4.º da LADA, sujeitando as empresas públicas aos deveres de informação estabelecidos no diploma, independentemente do exercício ou não de poderes de autoridade (cfr. Acórdãos nºs 451/09, de 8/7/2009, 493/09, de 30/9/2009, 965/09, de 6/1/2010 e 1110/09, de 20/1/2010). E à obtenção deste critério normativo não obsta o facto da alínea b), do n.º 2 do artigo 3.º da LADA excluir do acesso «os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa», porque tal referência tem apenas em vista excluir do acesso os documentos emergentes de outras funções do Estado, como se extrai dos exemplos dados pela própria norma” (sublinhados e sombreados nossos).

Do exposto resulta que, na versão da anterior LADA (Lei 65/93, de 26/8), discutia-se se o acesso à informação nas empresas públicas se limitava às situações em que estas exerciam poderes de autoridade ou também abrangia situações em que actuavam em situação de paridade com empresas verdadeiramente privadas.

Com a publicação da lei em vigor (Lei 46/2007, de 24/8), generalizou-se esta última posição, que era a posição da CADA já no domínio da anterior lei, ou seja, a de que toda a actividade das empresas públicas, e não só a desenvolvida com poderes de autoridade, deve estar submetida ao regime jurídico do acesso aos documentos administrativos, isto é, em relação a todos os documentos de que sejam detentoras existe um dever de informar, de permitir o acesso (ressalvadas as restrições, previstas no art. 6º, da LADA).

Esta interpretação, e no que respeita às empresas públicas que integram o sector público empresarial, conforme se encontra delimitado no art. 82º n.º 2, da CRP – nas quais se incluem as entidades públicas empresariais -, é constitucionalmente imposta pelo disposto no art. 268º n.º 2, da CRP.

Retomando o caso vertente, verifica-se que, sendo o recorrente uma empresa pública - concretamente uma entidade pública empresarial -, é irrelevante apurar se a informação pretendida respeita à sua actividade de gestão privada ou é relativa a contratos administrativos ou a contratos públicos, pois toda a sua actividade está submetida ao regime jurídico do acesso aos documentos administrativos, pelo que a sentença recorrida não incorreu em erro ao sujeitar a informação pretendida pela recorrida (relativa à exploração da publicidade na rede de metropolitano) à LADA.

Nestes termos, improcede o invocado nas conclusões B) a X), DD) e EE), das alegações de recurso.


2)

Alega também o recorrente que os contratos na sua integralidade contêm segredos comerciais, circunstância que obsta à sua disponibilidade a terceiros, o que decorre, desde logo, do facto de não nos encontrarmos perante qualquer actividade administrativa, nem estarmos perante relações contratuais abrangidas pelas regras de contratação pública.

Acrescenta ainda que a recorrida pretende ganhar uma vantagem competitiva sobre outros operadores de mercado, pois a informação solicitada permitir-lhe-á tomar conhecimento das condições de remuneração do recorrente, das condições contratuais das relações com as agências de compras e meios e do “portfolio” da publicidade, em exploração e a lançar no futuro.

Vejamos.

De acordo com o disposto no art. 268º n.º 2, in fine, da CRP, o acesso aos documentos administrativos, faz-se “sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.

Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 117/2015, acima citado:

18. Para além das restrições expressamente previstas no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer outras restrições impostas pela necessidade de salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
A consagração constitucional da transparência como regra, empurrando o segredo para o domínio da exceção, não exclui a existência de outras áreas onde se justifique uma intervenção legislativa destinada a resolver, por via geral e abstrata, um conflito entre direitos e valores afirmados por normas e princípios constitucionais. O facto da Constituição consagrar limites expressos não implica que nenhum outro limite seja admitido. É que, qualquer que seja o âmbito e intensidade de proteção de um direito na Constituição, podem existir limites que resultam simplesmente da existência de outros direitos e bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam. (…)
Por conseguinte, há domínios não referidos no n.º 2 no artigo 268.º que podem conflituar com o direito de acesso, como é o caso dos documentos que contenham informação sobre a vida económica das empresas ou relacionada com direitos de propriedade intelectual ou industrial e respetivos segredos comerciais e industriais. Estes interesses económicos, protegidos em várias normas constitucionais (cfr. artigos 42.º, 61.º, n.º 1, 62.º, 80.º, alínea c), 81.º, alínea f)) podem justificar a prevalência do secretismo de certa categoria de documentos, em termos que permitam o controlo da sua razoabilidade. Todavia, como refere Gomes Canotilho, «uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas e depois de um juízo de ponderação se poderá determinar, pois só nessas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro» (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed. pág. 1256).
Por se considerar que esse juízo de ponderação foi efetuado por via legislativa, segundo um critério de proporcionalidade, o Tribunal Constitucional julgou não desconforme com o princípio do arquivo aberto as normas do artigo 62.º do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 10.º da Lei n.º 63/93, de 26 de agosto (primitiva LADA) que não admitem o acesso a documentos que revelem segredos comerciais, industriais ou autorais ou sobre a vida interna das empresas (Acórdãos n.ºs 254/99, 335/99, 384/99, 385/99, 386/99 e 136/2005).”.

Conclui-se, assim, que a própria CRP impõe, expressamente, algumas restrições de acesso (cfr. o seu art. 268º n.º 2, in fine), mas não é ilegítimo, como vem decidindo o Tribunal Constitucional, estabelecer outras restrições, posto que relativas a direitos ou interesses constitucionalmente tutelados e na estrita medida em que se mostrarem necessárias para a salvaguarda destes.

Estatui a este propósito o art. 6º n.º 6, da actual LADA, que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”.

De todo o modo, cumpre salientar que este art. 6º n.º 6 permite o condicionamento no acesso a certo tipo de documentos, a fim de proteger a capacidade económica e a competitividade das empresas em causa, mas não uma exclusão genérica do âmbito subjectivo de incidência do dever de acesso, pois, como acima se concluiu, toda a actividade das empresas públicas - paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública – encontra-se sujeita ao princípio da transparência administrativa.

Acresce que a recusa de acesso por parte da Administração, com base neste normativo legal e conforme se salientou no supra citado Ac. do STA de 8.7.2009, proc. n.º 451/09, deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado (12), isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afectaria esses valores.

Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) acto de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflecte (ou não) a exactidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder.

Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do acto e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adoptada” (sublinhado e sombreado nossos).

Ora, a alegação do recorrente de que os contratos, na sua integralidade (a qual, aliás, está em contradição com o afirmado no artigo 38º, da contestação, apresentada por correio sob registo de 17.8.2015, onde admite que, pelo menos parte da informação constante desses contratos, não integra segredo comercial), contêm segredos comerciais, traduz-se numa invocação completamente genérica, vaga e conclusiva, já que destituída, por um lado, de qualquer concretização quanto à informação cuja divulgação é susceptível de pôr em causa “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa” (o que implica a identificação de cada um dos documentos em causa, bem como da informação neles contida cujo acesso deve ser restringido) e, por outro lado, da indicação dos motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afectaria tais valores.

Acresce que a restrição de acesso prevista no art. 6º n.º 6, da LADA, e como acima salientado, destina-se apenas a proteger a capacidade económica e a competitividade das empresas que constam dos documentos a que a recorrida pretende ter acesso, e não também a evitar que esta tenha acesso a informação (não secreta) que não é do conhecimento geral (nas conclusões Z) a CC) o recorrente limita-se a pôr em evidência as vantagens obtidas pela recorrida com a informação em causa, mas não concretiza em que medida a divulgação de tal informação prejudica a capacidade económica e a competitividade das empresas a que respeita tal informação).


Assim, bem andou a sentença recorrida ao intimar o recorrente a satisfazer o pedido de informação formulado pela recorrida (através do requerimento descrito em A), dos factos provados), “após eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas que eventualmente existam, devendo o expurgo ser devidamente fundamentado (com menção do tipo de elementos em causa e da medida em que esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas em causa) (…)”, ou seja, improcedem as conclusões Y) a CC) e FF), das alegações de recurso [caso se considere que o alegado nas conclusões AA) a CC) apresenta novidade face ao invocado na contestação apresentada – o que não se admite -, sempre se dirá que o referido expurgo e a respectiva fundamentação terão de ser comunicados directamente à recorrida (a qual, se tal for o caso, poderá suscitar nestes autos a questão relativa à inexecução da sentença proferida) e não em sede de alegações de recurso].

Pelo exposto deverá ser julgado improcedente o pedido de revogação da decisão recorrida, a qual deverá ser mantida.


*

Uma vez que o recorrente ficou vencido no presente recurso jurisdicional deverá suportar as custas (cfr. art. 527 n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e assim manter a decisão recorrida.

II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional.

III – Registe e notifique.

*
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2016


_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina dos Santos)

(1) Normativo igualmente aplicável in casu, já que, como acima se apurou, o ora recorrente é uma empresa pública.
(2) De acordo com o art. 6º, do DL 133/2013, de 3/10 [o qual estabelece os princípios jurídicos e as regras aplicáveis ao sector público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas, tendo revogado o DL 558/99, de 17/12 (cfr. o respectivo art. 74º, al. a))], “O objecto social das empresas públicas é a actividade económica fixada no ato ou contrato que determinou a sua constituição e cuja prossecução e desenvolvimento lhes foi confiada”.
(3) Que correspondem aos arts. 14º e 15º, do DL 133/2013, de 3/10.
(4) O qual corresponde ao art. 22º, do DL 133/2013, de 3/10.
(5) Que corresponde ao art. 14º, do DL 133/2013, de 3/10.
(6) O qual corresponde ao art. 14º n.º 1, do DL 133/2013, de 3/10.
(7) De acordo com o art. 6º, do DL 133/2013, de 3/10, “O objecto social das empresas públicas é a actividade económica fixada no ato ou contrato que determinou a sua constituição e cuja prossecução e desenvolvimento lhes foi confiada”.
(8) Ac. do STA de 8.7.2009, ora transcrito.
(9) Que corresponde ao art. 14º, do DL 133/2013, de 3/10.
(10) Que corresponde ao art. 5º, do DL 133/2013, de 3/10.
(11) O ora recorrente, conforme supra explicitado, é uma entidade pública empresarial.
(12)Exigência que decorre dos arts. 14º n.º 1, al. c), e 15º n.º 5, ambos da LADA.