Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1120/22.6BELRS
Secção:CA
Data do Acordão:10/06/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ASILO
RETOMA A CARGO
FALHAS SISTÉMICAS
Sumário:I - No caso de já se encontrar decidido pedido de proteção internacional anterior ao apresentado em Portugal, será de aplicar o artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida aquela decisão.
II - A cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante), não terá então aplicação, pois pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e decisão.
III - Se o requerente de proteção internacional não invoca, nem resulta dos autos minimamente indiciada a existência de motivos válidos que levem a crer que tenha sido vítima de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento em Espanha, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, é de afastar que da aplicação do princípio do non-refoulement resulte a imposição ao SEF de averiguar acerca de tais falhas e condições.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
I....., nacional do Senegal, intentou ação administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, visando o despacho do Diretor Nacional Adjunto do SEF de 03/02/2022, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que havia apresentado e determinou a sua transferência para Espanha, pedindo a sua anulação, bem como a condenação da entidade demandada a reconstituir o procedimento, instruindo-o com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo espanhol e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Espanha, concedendo ao autor asilo ou autorização de residência por proteção subsidiária.
Por sentença de 14/06/2022, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido.
Inconformado, o autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“O Tribunal a quo não deveria ter absolvido o recorrido dos pedidos.
Estão preenchidos os requisitas para a concessão de asilo.
Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo deveria ter concedido asilo ou em última rácio, concedesse autorização de residência por proteção subsidiária, dando benefício da dúvida.
Salvo melhor opinião, o recorrente reúne os requisitos para a concessão de asilo, artigo 3 da Lei 27/2008 de 30 de Junho.
O recorrente sofreu atos de perseguição, pelos agentes de perseguição, provocando assim um nexo de causalidade, existindo um risco sério e real.
O recorrente continua a afirmar a violação dos direitos humanos ou o risco de sofrer ofensa grave, caso volte ao seu país de origem ou ao estado responsável, neste caso, Espanha.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença ao decidir que o SEF não tinha de instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo em Espanha e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença ao decidir que o SEF não tinha de instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo em Espanha e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país.
Quanto à invocada questão do défice instrutório, vejamos o direito aplicável e relevante para a sua solução.
Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo e proteção subsidiária, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Esta Lei prevê um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, no respetivo capítulo IV, que tem lugar “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.
E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”
O referido artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e o n.º 2 que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. Segundo o artigo 20.º, n.º 1, cabe ao Diretor Nacional do SEF tomar tal decisão.
Como se vê, a Lei do asilo e proteção subsidiária remete para o Regulamento (UE) n.º 604/2013, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, posto que são aí estabelecidos os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.
O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”
Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”
A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.
No artigo 18.º do Regulamento estabelecem-se as seguintes obrigações do Estado-Membro responsável:
“1. O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:
a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.º, 22.ºe 29.º, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;
b) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;
c) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;
d) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.
2. Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alíneas a) e b), o Estado-Membro responsável deve analisar ou finalizar a análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo requerente.
Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea c), se o Estado-Membro responsável tiver interrompido a análise de um pedido na sequência da sua retirada pelo requerente antes de ter sido adotada em primeira instância uma decisão quanto ao mérito, esse Estado-Membro assegura que o requerente tenha direito a pedir que a análise do seu pedido seja finalizada ou a introduzir novo pedido de proteção internacional, que não deverá ser tratado como um pedido subsequente tal com previsto na Diretiva 2013/32/UE. Em tais casos, os Estados-Membros asseguram que a análise do pedido seja finalizada.
Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado-Membro responsável assegura que a pessoa em causa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer de recurso efetivo nos termos do artigo 46.º da Diretiva 2013/32/UE.”
A Secção III do Regulamento prevê os procedimentos aplicáveis aos pedidos de retomada a cargo, como segue:
“Artigo 23.º
Apresentação de um pedido de retomada a cargo em caso de apresentação de um novo pedido no Estado-Membro requerente
1. Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.
2. O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.
Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.º, n.º 2.
3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado-Membro em que o pedido tiver sido apresentado.
4. Os pedidos de retomada a cargo são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável com base nos critérios definidos no presente regulamento.
A Comissão adota atos de execução relativos à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.
Artigo 24.º
Apresentação de um pedido de retomada a cargo sem que tenha sido apresentado um novo pedido no Estado-Membro requerente
1. Se o Estado-Membro em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), e em que não foi apresentado nenhum novo pedido de proteção internacional, considerar que o Estado Membro responsável é outro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c), ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.
2. Em derrogação do artigo 6.º, n.º 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, se o Estado-Membro, em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa, decidir pesquisar o sistema Eurodac nos termos do artigo 17.o do Regulamento (UE) n.º 603/2013, o pedido de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b) ou c) do presente regulamento, ou de uma pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alínea d), cujo pedido de proteção internacional não tenha sido indeferido por decisão definitiva, é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 17.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.
Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data em que o Estado-Membro requerente toma conhecimento de que outro Estado-Membro pode ser responsável pela pessoa em causa.
3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, o Estado-Membro em cujo território a pessoa em causa se encontre sem possuir um título de residência deve dar-lhe a oportunidade de apresentar novo pedido.
4. Se a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alínea d), do presente regulamento, cujo pedido de proteção internacional foi indeferido por decisão definitiva num Estado-Membro, se encontrar no território de outro Estado-Membro sem título de residência, o segundo Estado-Membro pode solicitar ao primeiro que retome a seu cargo a pessoa em causa ou conduza um procedimento de retorno nos termos da Diretiva 2008/115/CE.
Se o segundo Estado-Membro tiver decidido solicitar ao primeiro Estado-Membro que retome a seu cargo a pessoa em causa, não se aplicam as regras estabelecidas na Diretiva 2008/115/CE.
5. Os pedidos de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável, com base nos critérios definidos no presente regulamento;
A Comissão adota atos de execução relativos à elaboração e revisão periódica de duas listas com os elementos de prova e os indícios, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 22.º, n.º 3, alíneas a) e b), e à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.
Artigo 25.º
Resposta a um pedido de retomada a cargo
1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.
2. A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.º 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.”
Haverá ainda que ter em consideração o invocado princípio de não repulsão ou non-refoulement, princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28/07/1951, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave (cf. artigo 2.º, n.º 1, al. aa) da Lei de asilo e proteção subsidiária).
Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação:
[A] factualidade provada, reitere-se, não indicia, no caso sub judice, a existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Espanha, que impliquem, para o Autor, o risco de tratamento desumano ou degradante.
Com efeito, o contexto fáctico apresentado pelo Autor não indicia a existência de elementos objectivos que permitam concluir que a transferência mesmo para Espanha o colocaria numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas e que atente contra a sua saúde física ou mental ou o coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana.
Nem o Autor invocou, de resto, a existência de qualquer circunstância excepcional que lhe fosse própria e que implicasse que, em caso de transferência para o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido, seria colocado, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, única hipótese em que uma eventual falta de averiguação e ponderação, pela entidade ora demandada, da situação actual em Espanha no que às condições de acolhimento dos requerentes de protecção se refere, poderia afectar a validade da decisão impugnada, designadamente, por insuficiência instrutória, pois nesse caso caberia à Administração aferir da veracidade do risco invocado pelo requerente.
O que não sucedeu no caso vertente.
O Estado ao qual compete executar a transferência do requerente apenas deve abster-se de o fazer, prosseguindo com a análise do pedido, quando disponha de elementos sérios para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem, para o requerente de protecção e no caso concreto, o risco de tratamento desumano ou degradante, sendo certo que esses indícios hão-de resultar, desde logo, das declarações dos requerentes. O que no caso vertente não sucedeu, como se viu, não indiciando os autos a existência de motivos suficientemente válidos para crer que Espanha não tem condições para acolher o Autor, atentas as suas específicas circunstâncias.
Face ao que, se conclui que a decisão impugnada não merece a censura que lhe vem dirigida, não se mostrando, por conseguinte, violadora dos arts. 3º da CEDH, 1º, 3º, 18º e 19º, nº 2 da CDFUE e 78º do TFUE.
Como se decidiu no acórdão do TCA Sul, de 26/09/2019, proferido no proc. nº 559/19 (disponível em www.dgsi.pt): “(…) aquando da entrevista pessoal realizada ao recorrente, confrontado com a possibilidade de ser transferido para Itália, por ser o Estado responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional, atento o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado Membro, determinado em função de critérios enunciados no capítulo III do Regulamento 604/2013, o recorrente nada referiu quanto ao tratamento e às condições a que esteve sujeito durante o período de mais de um ano que permaneceu instalado em centros de acolhimento em Itália. (…) Donde, como corretamente decidiu o tribunal recorrido, não cumpria à entidade recorrida, neste caso concreto, aferir do risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes com a sua transferência para Itália. (…). Muito embora as circunstâncias políticas, de pressão migratória e de acolhimento a migrantes, existentes em Itália, faça crer que as indicadas condições de acolhimento aos migrantes e requerentes de proteção internacional se mantenham deficitárias e cada vez mais debilitadas, maxime após as alterações ao sistema de acolhimento italiano introduzidas pelo Decreto Salvini, que entrou em vigor a 5.10.2018, [a]s razões pelas quais o recorrente saiu de Itália e veio para Portugal não exigiam na decisão de transferir, ou melhor, tornavam despicienda a ponderação, in concreto, das cláusulas humanitárias previstas nos artigos 16º e 17º e da «cláusula de salvaguarda», prevista no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento UE 604/2013, de 26.6. (…)”. Cfr., ainda, os acórdãos do TCA Sul, de 26/09/2019, proferido no proc. nº 743/19, e de 13/02/2020, proferido no proc. nº 1733/19 (igualmente disponíveis em www.dgsi.pt). Também a este propósito, importa atentar nas considerações expendidas no aresto do STA, de 16/01/2020, proferido no proc. nº 02240/18 (disponível em www.dgsi.pt), que aqui se seguem de perto: “(…) resulta dos «considerandos 4 e 5» do Regulamento [EU] 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013, que se pretendeu implementar um método claro e operacional para determinar o Estado-membro responsável pela análise dos pedidos de asilo, e que esse método se deverá basear em critérios objectivos e equitativos, de modo a permitir uma determinação rápida do Estado-membro responsável e a não comprometer o objectivo de celeridade no tratamento dos pedidos de protecção internacional.
Daí resultar que apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que «há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes» e que tais falhas impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos. Nestes casos, de ponta, não há quaisquer razões de celeridade e eficiência que possam suplantar a protecção devida ao requerente de asilo.
O que obviamente não ocorre neste caso, no qual as queixas do requerente, relativas à sua permanência em campo de «refugiados», em Itália, e desde logo por falta da sua necessária densificação, não são de molde a induzir qualquer «suspeita séria» - motivos válidos - de vir a sofrer - por parte do Estado Italiano - tratamento «desumano ou degradante», nos termos expostos.
E isto bastaria, a nosso ver, para impor o julgamento de total improcedência da acção, uma vez que não devendo o SEF ser condenado no sentido em que o foi, a sua decisão administrativa está em sintonia com as normas legais em que se louvou.” (fim de citação).
Revertendo ao caso sub judice, forçoso é concluir que o ora Autor não invocou, nem em sede procedimental, nem no âmbito dos presentes autos, quaisquer factos concretos que permitissem concluir pela existência de um risco sério e real de aquele vir a ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes em caso de transferência para a Espanha, razão pela qual não se impunha à Entidade Demandada que, previamente à tomada da decisão no sentido da inadmissibilidade do pedido e da transferência do requerente para o Estado responsável pela análise do pedido, diligenciasse pela obtenção de informação acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos ou, dito de outro modo, acerca da existência de eventuais falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento naquele país.
Em face de todo o exposto, considerando o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, determinado em função dos critérios enunciados no capítulo III do Regulamento nº 604/2013, não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor possa ser apreciado pelo Estado Português, como decidiu a Entidade Demandada, não cabendo, pois, às autoridades portuguesas proferir decisão de mérito acerca desse pedido, por ser entidade responsável o Estado Espanhol, que aceitou essa responsabilidade.
Assim, verificando-se a inadmissibilidade do pedido, nos termos supra expostos, a decisão ora impugnada, ao considerar Espanha como responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, não padece da invalidade que lhe vem imputada.
Consequentemente, será de improceder in totum a presente acção.
Tal decisão é de manter.
Contra a mesma insurge-se o recorrente, por entender que incumbia ao SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em Espanha.
Vejamos.
No caso vertente, temos que o recorrente já apresentou pedido de proteção internacional em Espanha, sabendo-se que este pedido foi recusado.
Seguiu depois para Portugal, onde apresentou um segundo pedido de proteção internacional.
O pedido de retoma a cargo do recorrente às autoridades espanholas foi aceite.
Nos termos definidos no citado Regulamento n.º 604/2013, apenas um Estado-membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, que à partida será o primeiro Estado-membro em que o pedido tenha sido apresentado.
À luz do artigo 33.º da Lei do asilo e proteção subsidiária, o recorrente podia apresentar um pedido de proteção subsequente, configurado como tal por o requerente dispor de novos meios de prova ou por se terem alterado as circunstâncias com base nas quais formulara o pedido inicial, o que não foi feito.
Trata-se, pois, de um pedido de proteção internacional, quando um anterior já fora decidido.
Tem aplicação a estes casos o já citado artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida a decisão de recusa de proteção internacional.
É verdade que a já citada cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, prevê que à transferência do requerente para o Estado-membro competente pode obstar a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Caso em que, de acordo com o respetivo artigo 17.º, n.º 1, seria de derrogar o artigo 3.º, n.º 1, podendo Portugal decidir analisar o pedido de proteção internacional, ainda que essa análise não seja da sua competência.
Contudo, como já se reconheceu em recentes acórdãos deste TCAS(1), nos casos em que o pedido de um requerente de proteção internacional já foi decidido por outro Estado-membro, não tem aplicação a referida cláusula de salvaguarda, que pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e, claro está, a sua decisão.
O que não impede, como se reconhece nos mesmos arestos, que o SEF esteja obrigado a apurar as condições de acolhimento e do procedimento de asilo em país relativamente ao qual sejam fundadamente invocadas falhas sistémicas, ao abrigo do já citado princípio do non-refoulement, a par da proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes, plasmada no artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (veja-se, neste sentido, a jurisprudência do TEDH, citada no invocado acórdão do TCAS de 02/07/2020).
Quanto à questão das invocadas falhas sistémicas, atente-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem-se orientado consensualmente no sentido do sistema de asilo comum assentar no princípio da confiança mútua, presumindo-se que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada estado membro está em conformidade com as exigências da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Quanto à presente questão, existe orientação jurisprudencial consolidada do STA, no sentido do SEF não se encontrar obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento quando, no caso concreto, não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas (cf. os acórdãos de 16/01/2020, proc. n.º 02240/18.7BELSB, de 23/04/2020, proc. n.º 0916/19.0BELSB, de 21/05/2020, proc. n.º 1300/19, de 04/06/2020, proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01786/19.4BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01088/19.6BELSB, de 09/07/2020, proc. n.º 01419/19.9BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01705/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 02194/19.2BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 02364/18.0BELSB, de 19/11/2020, proc. n.º 01301/19.0BELSB, de 27/05/2021, proc. n.º 01357/19.5BELSB, de 24/02/2022, proc. n.º 0878/21.4BELSB, e de 21/04/2022, proc. n.º 0545/21.9BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E no caso concreto do Estado-Membro em questão nos presentes autos, podem ver-se os acórdãos deste TCAS de 29/10/2020, proc. n.º 1127/20.8BELSB, e de 11/12/2020, proc. n.º 1146/20.4BELSB, nos quais se manteve o juízo de improcedência da ação.
No caso vertente, igualmente será de concluir no sentido de não recair sobre a entidade recorrida a obrigação de averiguar acerca das condições no procedimento de asilo e no acolhimento em Espanha.
Para aí apontando o que consta dos autos, posto que o recorrente não aportou quaisquer elementos que minimamente indiciem a existência de motivos válidos que levassem a entidade demandada a crer que tenha sido vítima de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Espanha, implicando o risco de tratamento desumano ou degradante.
Por outro lado, inexistindo os referidos indícios quanto à falta de capacidade sistémica do sistema de acolhimento espanhol, a aplicação do princípio do non refoulement, na apreciação do risco que comportará o seu regresso ao país de origem, terá de competir, em exclusivo, àquele Estado-Membro, por ser, à luz do Regulamento, o responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, sob pena de se afrontar o Sistema Europeu Comum de Asilo.
Em face do exposto, verifica-se que bem andou a sentença recorrida ao julgar improcedente a presente ação.
Como tal, será de negar provimento ao presente recurso.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei do Asilo.

Lisboa, 6 de outubro de 2022

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

O relator consigna e atesta que o Juiz Desembargador Ricardo Ferreira Leite se encontra impossibilitado de assinar e tem voto de conformidade com o presente acórdão.





(1)v.g., os acórdãos de 02/07/2020, proc. n.º 61/20.6BELSB, e de 10/09/2020, proc. n.º 115/20.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt