Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:587/12.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NEXO E INDISSOCIABILIDADE COM O PROCEDIMENTO EXTERNO
SUSPENSÃO DO PRAZO DE CADUCIDADE SEM ATO
PROCEDIMENTO INTERNO VS EXTERNO
Sumário:I) Os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto a sua apreciação implicar a preterição de um grau de jurisdição.

II) O artigo 46.º, nº1, da LGT, atribui relevância enquanto facto suspensivo ao início de ação inspetiva, mas circunscreve-o ao procedimento de inspeção externa, daí resultando, portanto, que esta causa suspensiva não é aplicável quando a ação tenha natureza interna, sendo que a ratio se coaduna com o facto de nessas situações a AT ter na sua posse todos os elementos necessários ao controlo dos factos declarados ou omitidos pelos sujeitos passivos.

III) O instituto da caducidade está indissociavelmente ligado ao ato de liquidação o qual tem de ter um nexo direto com a ação inspetiva da qual resulta. Só pode haver suspensão do prazo de caducidade se daí advir ato de liquidação.

IV) Não promanando da ação inspetiva externa qualquer ato de liquidação não poderá ser valorada qualquer causa suspensiva decorrente dessa ação, porquanto lhe falta a premissa base, ou seja, o ato jurídico fundamental que torna o tributo certo, líquido e exigível.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

N …………. CONCEITO DE ………….. PARA PORTUGAL, (doravante N………….. ou Recorrente) vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º …………827, no valor de €11.219,42, relativa ao período de 12/2005, e respetivos Juros Compensatórios (JC) no montante de €1.686,91.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 11 de Janeiro de 2019, no processo de Impugnação Judicial que correu termos sob o n.º 587/12.5BESNT;

B) A Sentença proferida julgou totalmente improcedente o pedido formulado pelo ora Recorrente, mantendo inalterados os actos de liquidação de IVA praticados com referência ao ano de 2005;

C) Sucede, porém, que a Sentença recorrida foi proferida com erro de julgamento;

D) No caso concreto não se encontram verificados os pressupostos para apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos;

E) As liquidações adicionais em apreço resultaram de acção de inspecção realizado pela Autoridade e Aduaneira, qualificado como interno.

F) Sucede, porém, que, ao contrário da qualificação da Autoridade Tributária e Aduaneira, o procedimento limitou-se a utilizar os meios de prova recolhidos, em procedimento inspectivo anterior, nas instalações da ora Recorrente;

G) Em substância, e ao contrário da qualificação da Autoridade Tributária em Aduaneira estamos perante um procedimento de inspecção externo – na justa medida em que os elementos que instruem o procedimento foram recolhidos fora da Autoridade Tributária e Aduaneira.

H) Esta é a única conclusão possível em face dos princípios da justiça, da confiança jurídica e da prossecução do interesse público ínsitos no artigo 55.º da LGT e 266.º, da Constituição da República Portuguesa – disposições legais estas violadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, bem assim, pelo Tribunal a quo.

I) Sendo o procedimento de inspecção tributária de qualificar como externo é, também, impostergável a conclusão de que o mesmo é proibido pelo artigo 63.º, n.º 4, da LGT, disposição legal esta também violada pela Sentença recorrida e pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

J) Sendo o procedimento que lhe deu origem ilegal também o é, necessariamente, o acto de liquidação em apreço por violação das sobreditas disposições legais, devendo a Sentença em apreço ser revogada em conformidade;

K) o Tribunal a quo conclui também pela improcedência do pedido por considerar que o prazo de caducidade se encontrou suspenso no decurso do procedimento de inspecção externa.

L) Nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, a realização de procedimento de inspecção externo tem por efeito a suspensão da contagem do prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação de tributos;

M) Sucede, porém, que a suspensão da contagem do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, n.º 1, da LGT é aplicável quando o acto de liquidação seja uma consequência desse mesmo procedimento de inspecção tributária (externo) e não de qualquer outro facto ou procedimento;

N) No caso concreto, o Tribunal a quo considera que os actos de liquidação resultam do procedimento de inspecção interno realizado em 2009;

O) Interpretando o artigo 46.º, n.º 1, da LGT a contrario este procedimento de inspecção interno não tem, por natureza, efeito suspensivo da contagem do prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação;

P) Se os actos de liquidação não decorreram do procedimento de inspecção externo mas de um, posterior, interno não se pode aplicar no caso concreto a regra de suspensão de contagem do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, da LGT (preceito legal este violado pela decisão recorrida);

Q) Estando em causa IVA de período de tributação incluindo no ano civil de 2005, o prazo de caducidade, que é de quatro anos (cfr. artigo 45.º da LGT), iniciou a sua contagem em 1 de Janeiro de 2006 e correu interruptamente até 31 de Dezembro de 2009.

R) Tendo os actos de liquidação impugnados sido praticados apenas em 30 de Janeiro de 2010 (alínea M. do julgamento da matéria de facto) é impostergável a conclusão de que quando o acto foi praticado já se mostrava transcorrido o prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação;

S) O acto é, pois, ilegal, por violação do disposto no artigo 45.º da LGT, preceito legal este também violado pela Sentença recorrida impondo-se a sua revogação.

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente Recurso proceder, anulando-se a Sentença recorrida e, bem assim, os actos de liquidação de Imposto, com as necessárias consequências legais.”


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A Recorrida DRFP, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 21.06.2006 a Impugnante entregou a declaração periódica de IVA do período 2005/12 (declaração P2-……………….) da qual resultou crédito de Iva no valor de €44,90-cf. fls. 50/51 e 56 do Proc. Adm. Tributário (PAT) apenso.

B) Em 16.07.2008, durante o procedimento inspetivo externo, realizado à contabilidade da Impugnante a coberto da ordem de serviço n.º OI200706402, para o exercício de 2005/12, aquela entregou voluntariamente a declaração de substituição P4-…………….. onde regularizou os valores apurados pelos Serviços Inspetivos que concluíram, conforme resulta do teor do relatório de inspeção que aqui se dá por integralmente reproduzido, IVA a regularizar a favor do Estado referente ao exercício de 2005 no montante de €11.219,12” cf. fls. 29 a 41 do processo de Reclamação Graciosa (RG) apenso, em concreto, relatório de inspeção a fls. 39 e DP de IVA a fls. 43 da RG e fls. 50 do PAT.

C) Do procedimento descrito em B) resultou a emissão, em 02.08.2008, da liquidação de IVA n.° ………….677 no valor de € 11.219,42 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.° ………….678, no valor de € 1.090,59 cf. fls. 23/24 da RG apensa.

D) O início do procedimento descrito em B) foi notificado à Impugnante em 17.04.2008 cf. fls. 28 da RG apensa.

E) Em 11.08.2008, por ofício datado de 05.08.2008, a ora Impugnante foi notificada de que da ação inspetiva efetuada a coberto da ordem de serviço n.º OI200706402 “não resultaram quaisquer actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis” cf. a fls. 57 da RG apensa.

F) Em 28.02.2009 a ora Impugnante apresentou nova declaração de substituição para o período de 2005/12 (declaração P5-…………….) nos exatos termos da apresentada em 21.06.2006, mencionada em A) cf. fls. 23 da RG apensa e fls. 50/54 do PAT apenso.

G) Em 03.03.2009 a ora Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IVA n.º …………..677 no valor de 11.219,42 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.° …………..678, no valor de € 1.090,59, identificadas em C) invocando “erro” do TOC na submissão da declaração de substituição que deu origem às mencionadas liquidações, pedindo a respetiva anulação cf. fls. 2/3 do primeiro processo de RG em apenso.

H) A reclamação que antecede terminou em 26.03.2009, com despacho de arquivamento por inutilidade do pedido porquanto, “[...] procederam os serviços à sua correcção oficiosa, a qual se encontra em conformidade com o solicitado. Foram assim anuladas as liquidações em causa, em 2009.03.14” --cf. fls. 12 do primeiro processo de RG em apenso.

I) Por ofício de 30.03.2009 a Impugnante foi notificada da decisão que antecede cf. fls. 13 do primeiro processo de RG em apenso.

J) Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs OI200907335 e OI200907336, com despacho de 02.10.2009, emitidas pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, teve início, um procedimento inspetivo à ora Impugnante, de âmbito interno e parcial, para os exercícios de 2005 e 2006 cf. fls. 41 e 42 dos autos.

K) A ação identificada na alínea que antecede foi desencadeada na sequência de informação do Serviço de Finanças de Sintra-1 após ter detetado que:

“[...] no âmbito das ordens de serviço n° 01200706402 e 01200706403, e após apuramento do imposto pelos serviços de inspeção, o contribuinte se prontificou a corrigir voluntariamente a situação, através da apresentação de declarações de substituição, sendo o procedimento de inspeção encerrado por regularização voluntária.

Posteriormente, o contribuinte apresentou novas declarações de substituição, para 05/12 e 06/12 de IVA, as quais foram tratadas automaticamente, originando a emissão de crédito de valor igual ao débito anteriormente assumido, com a consequente anulação de ambos, de que resulta que nenhum imposto é pago.

Em sede de IVA, verifica-se que os autos também foram anulados, por alegadamente não haver imposto em falta [...]” cf. fls. 86 do PAT apenso.

L) A ação de inspeção mencionada em J) e K), cujo teor de relatório final aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu, no ponto “III. 1.1 - IVA”, no que ao IVA de 2005/12 respeita, que: “[...]após o encerramento das Ordens de Serviço acima referidas, sem correcções por regularização voluntária o SP entregou nova declaração de substituição onde repõe os montantes da 1a declaração. Anulando a correcção apurada por estes serviços inspectivos, colocando-se na situação de crédito indevido no montante da liquidação anterior [...]”.-cf. o Relatório de inspeção a fls. 83 a 88 do PAT.

M) Ato impugnado: Do procedimento inspetivo interno mencionado em J) a L) resultou a emissão em 30.01.2010, da liquidação adicional de IVA n.° ……………827 no montante de € 11.219,42 e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.° ………..828, no montante de € 1.686,91 para o período 2005/12- cf. fls. 16 da RG apensa.




N) Em 06.07.2010 a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações identificadas na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde invoca, como nos presentes autos, a duplicação de liquidação de IVA “já apreciada anteriormente e em consequência anulada” com fundamento em erro imputável aos serviços, decisão que foi favorável ao sujeito passivo, mais invocando a caducidade do direito à liquidação cf. fls. 3 a 7 da RG apensa.

O) Por despacho de 20.04.2011 a reclamação que antecede foi indeferida considerando-se na informação que serve de base à decisão, além do mais, que a ora Impugnante, ao apresentar nova declaração de substituição, para reposição dos valores da inicialmente apresentada deu origem à anulação da “correcção apurada por aqueles serviços inspectivos, colocando-se em situação de crédito indevido no montante da liquidação anterior” e, no que à caducidade do direito à liquidação respeita, atenta a suspensão por 116 dias do respetivo prazo de caducidade, o mesmo terminava em 25.04.20 e a notificação do sujeito passivo ocorreu em 15.02.2010 — cf. fls. 130 a 135 da RG apensa.

P) Em 26.05.2011 a Impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão que antecede onde invoca a diferença entre a natureza interna do procedimento de inspeção que deu origem à liquidação de IVA n.° ………827, não se aplicando a suspensão do prazo de caducidade por efeito da anterior inspeção de natureza externa — cf. fls. 2 a 13 do Recurso Hierárquico (RH) apenso.

Q) Por despacho de 26.01.2012 o recurso mencionado em P) foi indeferido, concluindo-se pela legalidade da liquidação de IVA notificada em 15.02.2010, incluindo o respeito pelo respetivo prazo de caducidade considerando que “o relatório subsequente à ordem de serviço interna é consequência directa da situação gerada pela própria recorrente, com o objectivo de anular as correcções que no decurso da acção inspectiva externa havia voluntariamente regularizado” - cf. fls. 22 a 36 do RH apenso.

R) Em 15.02.2012 a ora Impugnante foi notificada da decisão que antecede — cf. fls. 38 a 40 do RH apenso.

S) A presente impugnação judicial foi apresentada em 11.05.2012 - cf. verso de fls. 21 do suporte físico dos autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão do mérito da causa e que importe dar como provados ou não provados.”


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Em sede de motivação da matéria de facto, resulta que a mesma assentou no seguinte:

“O julgamento de facto assentou nos documentos referidos em cada uma das alíneas, que não foram impugnados pelas partes, nem se afigura ao tribunal existirem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

T) A 24 de março de 2009, a liquidação nº …………677, melhor evidenciada em C), no valor de €11.219,42, respeitante ao período de 2005/12, foi objeto de anulação pelo Diretor de Serviços de IVA, dela constando, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc a fls. 13 do processo de reclamação graciosa apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IVA respeitante do período de 2005/12, totalmente improcedente.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de:

i. Erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito porquanto:

a. Existe ilegalidade do procedimento de inspeção por violação do disposto no artigo 63.º, nº4, da LGT, cominando o ato de liquidação de ilegalidade.

b. Encontra-se ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação, constante no artigo 45.º, nº1, da LGT na medida em que o procedimento inspetivo, do qual dimanou a liquidação impugnada foi qualificado como interno, não sendo, portanto, aplicável a causa de suspensão constante no artigo 46.º nº da LGT;

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, substituição ou supressão da matéria de facto constante do probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada.

Aqui chegados, há então que apreciar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

De evidenciar, desde já, que carece de materialidade o expendido em D), na medida em que não tem respaldo na situação sub judice, nem, tão-pouco, apresenta qualquer substanciação no corpo das suas alegações, razão pela qual não cumpre emitir qualquer pronúncia.

Prosseguindo.

Aquilatemos primeiramente do erro de julgamento atinente à ilegalidade do procedimento.

Alega a Recorrente que ao contrário da qualificação conferida pela AT encontramo-nos perante um procedimento de inspeção externo, na justa medida em que os elementos que instruem o procedimento foram recolhidos fora da AT, logo sendo o procedimento de inspeção tributária de qualificar como tal é, também, impostergável a conclusão de que o mesmo é proibido pelo artigo 63.º, n.º 4, da LGT.

Advoga, adicionalmente, que esta é a única conclusão possível em face dos princípios da justiça, da confiança jurídica e da prossecução do interesse público ínsitos no artigo 55.º da LGT e 266.º, da CRP, disposições legais estas violadas pela AT e, bem assim, pelo Tribunal a quo.

Conclui, assim, que sendo o procedimento que lhe deu origem ilegal necessariamente que o ato de liquidação que dele deriva padece de ilegalidade.

Vejamos, então.

Atentando no teor das aludidas conclusões delas dimana que a Recorrente se insurge com a violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção externo.

O acento tónico é, portanto, a premissa a montante da qualificação que foi atribuída à ação inspetiva, porquanto, não obstante a AT o tenha qualificado como interno -o mesmo face ao lugar do procedimento de inspeção- apenas pode assumir o qualificativo de externo.

Ulteriormente, e enquanto corolário direto convoca a regra da proibição da repetição do procedimento inspetivo externo, constante no citado artigo 63.º, nº4 da LGT, e inerente cominação de anulabilidade dos atos impugnados.

Mas a verdade é que, mediante uma leitura atenta da decisão recorrida verifica-se que a aludida questão não foi objeto de análise na visada decisão.

Com efeito, perscrutada a decisão recorrida constata-se, desde logo, que a mesma elenca como questões decidendas as que infra se descrevem:

(i) Aferir da invocada ilegalidade da liquidação de IVA, e respetivos juros compensatórios, por erro nos pressupostos de facto, decorrente da alegada falta de correspondência com os elementos contabilísticos;

(ii) Aferir se as mesmas padecem de ilegalidade por terem sido notificadas após o prazo de caducidade.

Sendo que no item inerente à apreciação do vício referido em (i), é, desde logo, evidenciado que “[a] Impugnante imputa o vício de erro nos pressupostos de facto por, alegadamente, não refletirem os elementos da sua contabilidade, e porque resultam da reposição de valores de imposto sobre os quais a própria administração tributária já se havia pronunciado anulando as respetivas liquidações, resultando assim violados os princípios da legalidade, da confiança jurídica e do respeito pelas garantias dos contribuintes, previstos no art.º 55.º da LGT”.

Densificando, depois, essa apreciação da forma que infra se descreve:

“Ora, as declarações de substituição têm por objetivo permitir a correção dos valores apurados e declarados, por iniciativa do sujeito passivo, consubstanciando-se em regularizações voluntárias dos erros cometidos pelo contribuinte (…)
[o] procedimento de liquidação tem origem nas declarações dos contribuintes, as quais se presumem verdadeiras ao abrigo do artigo 75.º da LGT, havendo a possibilidade de, desde que cumpridos determinados prazos, proceder à substituição das declarações apresentadas.
Contudo, o n.º 5 do art.º 59.º do CPPT prevê que nos casos em que haja apresentação da declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando a decisão o sujeito passivo.(…)
Estando a AT na posse de elementos que lhe permitem conhecer que a primeira declaração não correspondia ao IVA dedutível da Impugnante para o período em causa e sendo a segunda declaração de substituição a reposição dos valores constantes na primeira, estava afastada a presunção da veracidade e constatada a irregularidade da situação tributária com base na mesma.
Refira-se ainda que a lei prevê a presunção da veracidade e permite a autoliquidação dos impostos, no entanto compete à administração, em última instância, proceder ao controlo da sua legalidade, ou seja, verificar se as mesmas correspondem capacidade contributiva do sujeito passivo.
O facto de ser apresentada a declaração de substituição, e de terem sido, de modo automático (depois reconhecido pelo serviço de finanças) anuladas as anteriores liquidações de IVA e JC de 2005/12, emitidas na sequência de regularização voluntária pelo sujeito passivo no decurso de ação de inspeção, aquela decisão de arquivamento por inutilidade, por terem já sido anuladas as liquidações [cf. al. H)], não concede à Impugnante, de imediato a chancela de veracidade e irrevogabilidade da liquidação resultante da 2.ª DP de substituição, atento o dever de controlo de legalidade por parte da AT dentro do respetivo prazo de caducidade e, além do mais, atentas as especiais circunstâncias de facto, considerando que a Impugnante, em sede de inspeção tributária de que foi alvo em 2008 reconheceu as irregularidades e apresentou declaração de substituição em conformidade, corrigindo a situação, com os benefícios legais previstos nos artigos 29.º a 31.º do RGIT, vindo depois, em abuso de direito, querer repor a situação cuja ilegalidade reconheceu implicitamente ao apresentar a declaração de substituição em 16.07.2008. Pelo exposto, falece a alegação da impugnante, inexistindo violação dos princípios da legalidade, da confiança jurídica e do respeito pelas garantias dos contribuintes, previstos no art.º 55.º da LGT.”

Ora, face ao supra expendido e ao teor das alegações da Recorrente verifica-se que a ilegalidade do procedimento nos moldes, ora, colocados nunca foi dirimida na decisão recorrida, constituindo, efetivamente, uma questão nova.

De relevar, neste concreto particular, que da leitura da petição inicial não se vislumbra, outrossim, essa específica arguição, donde qualquer vinculação de análise e abordagem nesse e para esse efeito. De todo o modo, sempre se dirá que a Recorrente não arguiu qualquer omissão de pronúncia, nesse e para esse efeito, o que sempre obstaria, naturalmente, a qualquer análise.

Face ao exposto, encontramo-nos, efetivamente, perante uma questão nova.

Com efeito, é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto a sua apreciação implicar a preterição de um grau de jurisdição (1).

Como doutrina Abrantes Geraldes “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas (2)”.

A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.

No caso vertente, como visto e atenta a aludida densificação, resulta inequívoco que a questão, ora sindicada, não foi analisada pela primeira instância, não se reconduzindo, outrossim, a uma questão de conhecimento oficioso.

De relevar, in fine, que o supra expendido não colide com o alegado em H), e a conclusão atinente à “violação dos princípios da legalidade, da confiança jurídica e do respeito pelas garantias dos contribuintes, previstos no art.º 55.º da LGT”, na medida em que a substanciação do vício tem uma raiz fundamentadora completamente díspar, em nada permitindo uma análise da errónea qualificação jurídica do segundo procedimento inspetivo e concreta violação do princípio da irrepetibilidade das inspeções.

E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pela Recorrente e não sendo, como visto, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.


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Prosseguindo, ora, com a questão atinente à caducidade do direito à liquidação.

Sufraga, neste âmbito, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir pela improcedência do pedido por considerar que o prazo de caducidade se suspendeu no decurso do procedimento de inspeção externa.

Advoga, neste âmbito, que a suspensão da contagem do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, n.º 1, da LGT apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja uma consequência desse mesmo procedimento de inspeção tributária (externo) e não de qualquer outro facto ou procedimento.

Aduz, adicionalmente, que não obstante o Tribunal a quo reconheça que os atos de liquidação resultaram do procedimento de inspeção interno-sendo esta a qualificação atribuída pela AT- realizado em 2009, o qual, per se, coarta a possibilidade de qualquer suspensão do prazo de caducidade, a verdade é que, erroneamente, computa enquanto factos integrantes da suspensão os respeitantes ao anterior procedimento de inspeção externa.

Conclui, assim, que incorreu em erro de julgamento porquanto a caducidade do direito à liquidação, tem de ser apreciada em ordem ao competente procedimento de inspeção que a originou. Logo, se os atos de liquidação não decorreram do procedimento de inspeção externo, mas de um, posterior, interno não se pode aplicar no caso concreto a regra de suspensão de contagem do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, da LGT.

Mediante competente corporização do acervo fático sustenta que estando em causa IVA de período de tributação incluindo no ano civil de 2005, o prazo de caducidade, que é de quatro anos, iniciou a sua contagem em 1 de janeiro de 2006 e correu interruptamente até 31 de dezembro de 2009, logo tendo os mesmos apenas sido praticados em 30 de janeiro de 2010 (alínea M. do julgamento da matéria de facto) é impostergável a conclusão de que quando os atos foram praticados já se mostrava transcorrido o prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação, sendo, portanto, ilegais.

Apreciando.

Comecemos por ter presente a fundamentação que esteou a improcedência da impugnação judicial.

A decisão recorrida começa por contextualizar que “[a] liquidação de IVA relativa aos períodos de 2005/12 resulta de ter sido detetado pelos serviços que a Impugnante, após ter procedido à correção voluntária da sua situação em sede de IVA durante ação de inspeção tributária ocorrida em 2008, veio, depois de encerrado aquele procedimento inspetivo (sem correções, atenta a sanação voluntária pelo sujeito passivo das irregularidades detetadas), apresentar nova declaração de substituição com vista à reposição da situação cuja irregularidade havia reconhecido, o que deu origem à abertura de novo procedimento de inspeção, desta vez de caráter interno, com vista à regularização da situação tributária em conformidade com a análise e conclusões da inspeção de 2008.”

Após estabelecer o respetivo enquadramento normativo ajuíza que “o termo inicial da contagem do prazo de caducidade reporta-se a 01 de janeiro de 2006, terminando em 31 de dezembro de 2009 (…)”.

Sustentando, depois, que “[t]odo o circunstancialismo de facto relacionado com a definição da situação tributária em sede de IVA do período em apreço, não podendo ignorar-se, como pretende fazer valer a Impugnante, que para o período em causa foi alvo, não só do procedimento de inspeção interno realizado em 2009 [cf. al. J) do probatório] mas, primeiramente, de um procedimento de inspeção de natureza externa, onde foram analisados os elementos de suporte à sua contabilidade e detetadas irregularidades, além do mais, para o IVA do período de 2005/12, em apreço nestes autos.”

Enfatizando que “[o] procedimento de liquidação no presente caso, não obstante os diversos atos praticados pelo SP e pela AT que foram dando origem a diferentes liquidações, não pode deixar de ser considerado no seu todo, valorando-se para efeitos de suspensão e/ou interrupção do respetivo prazo de caducidade todos os atos praticados no decurso do mesmo.”

Materializando, assim, que “o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação inspetiva externa, cessando esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspeção tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação (n.º 1 do artigo 46.º da LGT).”

Concluindo, depois, com a devida transposição para o caso vertente que “[a] notificação da liquidação foi validamente realizada dentro do prazo de caducidade, em 15.02.2010, uma vez que o procedimento inspetivo externo, a coberto da ordem de serviço OI 200706402, teve início em 17.04.2008, conforme notificação à Impugnante [cf. o provado em D)], e terminou com a notificação em 11.08.2008 (tendo em conta o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, uma vez que a data constante do registo é 07.08.2008 e o terceiro dia posterior é um domingo, 10.08.2008). Tendo em conta o n.º 1 do artigo 46.º do RCPIT, o prazo de caducidade esteve suspenso durante a realização daquela ação de inspeção externa cuja duração foi de 116 dias, inferior a 6 meses.”

Aqui chegados, há, então, que atentar no quadro normativo atinente à caducidade do direito à liquidação.


Vejamos, então.


Preceituava, à data, o artigo 45.º da LGT sob a epígrafe de caducidade do direito à liquidação, e na parte que, ora, releva o seguinte:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indiretos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos. (…)

4-O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”

Mais consignava o artigo 46.º, nº1, do mesmo diploma legal, relativamente à suspensão e interrupção do prazo de caducidade que:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

Sendo, outrossim, de chamar à colação o consignado no artigo 36.º do RCPIT relativamente ao “início e prazo do procedimento de inspeção”, segundo o qual:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá, no caso de procedimento geral ou polivalente, ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspecionadas;

b) Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral dos Impostos.

4 - A prorrogação da ação de inspeção é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento. (…)”

No atinente à conclusão do procedimento de inspeção importa ter presente o consignado no artigo 62.º do RCPIT, o qual estatuía que para conclusão do procedimento deve ser elaborado um Relatório Final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária, consagrando, por seu turno, o seu nº2 que a notificação ao contribuinte deve ser concretizada “por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação. (…)”.


Visto o regime normativo, importa, então, transpor para a realidade fática dos autos.


Cumpre, desde já, evidenciar que não é controvertido qual o prazo legal aplicável, o seu dies a quo e o seu dies ad quem, ou seja, inexiste qualquer dissenso que é aplicável o prazo legal de quatro anos que o mesmo se inicia a 01 de janeiro de 2006 e que, inexistindo qualquer causa de suspensão, o mesmo terminaria a 31 de dezembro de 2009.


Como visto, a discórdia coaduna-se quanto à aplicação da causa de suspensão decorrente da ação de inspeção externa sentenciando, como visto, o Tribunal a quo que deverá ser aquilatado o procedimento de inspeção no seu todo, e nessa medida valorar o período de 116 dias, concatenado com a data de início da ação de inspeção 17.04.2008, e com o seu terminus a 11.08.2008.


Dissentindo, por seu turno, a Recorrente porquanto reputa que a suspensão terá de reportar-se ao procedimento que originou a liquidação em contenda, não podendo valorar-se um procedimento, ainda que externo, do qual não resultou qualquer ato de liquidação.


E a verdade é que, ainda que o Tribunal a quo tenha estabelecido uma correta enunciação do regime jurídico, entendemos que não terá realizado a melhor interpretação aquando da concreta transposição para o recorte probatório dos autos.


Senão vejamos.


A 16 de abril de 2008, foi dado início a um procedimento inspetivo de âmbito externo, credenciado pela Ordem de serviço n.º OI200706402, para o exercício de 2005/12, o qual terminou a 11 de agosto de 2008, sem a emissão de qualquer ato de liquidação, conforme resulta expresso do respetivo Relatório de Inspeção, e, aliás, não controvertido.


No decurso dessa ação inspetiva, foi submetida uma declaração de substituição P4-103918105200, tendente a corporizar regularizações a favor do Estado, a qual deu origem à liquidação de IVA n.° …………677 no valor de € 11.219,42 e respetiva liquidação de juros compensatórios.


Ulteriormente, a 28 de fevereiro de 2009, a ora Recorrente apresentou nova declaração de substituição para o período de 2005/12 (declaração P5-…………….) nos exatos termos da apresentada em 21.06.2006, dela resultando, portanto, crédito de IVA no valor de €44,69.


Dimanando, outrossim, que a 03 de março de 2009, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IVA n.° ………..677, e respetiva liquidação de JC, decorrente da apresentação da primeira declaração de substituição pedindo a respetiva anulação, e invocando “erro” do TOC na submissão da declaração de substituição que deu origem às mencionadas liquidações, as quais foram anuladas conforme solicitado, e mediante expresso reconhecimento de erro imputável aos serviços.


Ulteriormente, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI200907335 e OI200907336, foi dado início a um novo procedimento inspetivo à Impugnante, ora Recorrente, de âmbito interno e parcial, o qual foi desencadeado atento o trâmite supra expendido, e face à “anulação” da regularização voluntária anteriormente efetuada.


Na sequência dessa ação inspetiva resultou a emissão, a 30 de janeiro de 2010, da liquidação adicional de IVA n.º ………….827, respeitante ao período de 2005/12, no valor de €11.219,42 e correspondentes juros compensatórios no valor de €1.686,91, objeto de notificação a 15 de fevereiro de 2010, as quais foram objeto de reclamação graciosa e ulterior recurso hierárquico, ambos indeferidos, e subsequente impugnação e ora recurso jurisdicional.


Ora, do supra expendido resulta inequívoco que nos encontramos perante dois procedimentos inspetivos visando o mesmo sujeito passivo, o mesmo período de tributação e as mesmas infrações tributárias, sendo que o primeiro foi qualificado como externo e o segundo como interno.


Como visto, e decorre, aliás, do citado artigo 46.º, nº1, da LGT, a lei atribui relevância enquanto facto suspensivo ao início de ação inspetiva, mas circunscreve-o ao procedimento de inspeção externa, daí resultando, portanto, que esta causa suspensiva não é aplicável quando a ação tenha natureza interna, sendo que a ratio se coaduna com o facto de nessas situações a AT ter na sua posse todos os elementos necessários ao controlo dos factos declarados ou omitidos pelos sujeitos passivos. Noutra formulação, nessas circunstâncias a AT depende de si própria para proceder ao ato de liquidação (3).


Daqui resulta, portanto, que a segunda ação inspetiva não tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação, porquanto de âmbito interno. Aliás, a decisão recorrida assim o sancionou, reputou, no entanto, que seria de atender ao primeiro procedimento inspetivo e que a realidade procedimental/fática deveria ser vista como um todo.


Porém, ainda que se aquiesça que ocorreu um conjunto de atos sucessivos tendentes a analisar a mesma realidade tributária, não podemos descurar que da primeira ação inspetiva não resultou qualquer ato de liquidação, e a verdade é que o instituto da caducidade está indissociavelmente ligado ao ato de liquidação o qual tem de ter um nexo direto com a ação inspetiva da qual resulta.


O instituto da caducidade respeita à fase da liquidação do tributo, ou seja, ao momento de apuramento ou determinação do quantum da obrigação tributária, donde, na estipulação de um limite legal ao exercício do direito de liquidar o imposto. Logo, só pode haver suspensão do prazo de caducidade se daí advir ato de liquidação.


Como expendido no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo no 0353/16, de 12 de outubro de 2016 “[u]ma acção inspectiva de que não decorreu qualquer acto de liquidação não tem qualquer efeito suspensivo do prazo de caducidade.”(sublinhado nosso).


Doutrinando, depois na sua fundamentação jurídica que: “[t]endo a recorrente sido alvo de uma acção inspectiva de que não decorreu qualquer acto de liquidação a circunstância de ela ter decorrido por um período superior a seis meses é irrelevante dado que não teve qualquer efeito suspensivo do prazo de caducidade, tendo ele continuado a decorrer (…) neste caso, depois de findar a acção inspectiva a Administração Tributária recolheu junto de terceiros elementos que considerou indiciadores de que o imposto liquidado não reflectia a vida negocial da empresa e, por isso, realizou outro procedimento de inspecção. Durante ele, estava impedida de corrigir a liquidação inicial de imposto por falta de elementos bastantes para o efeito, daí a suspensão do prazo de caducidade constante do art.º 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.”


Sendo este, também, o sentido expendido no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0350/16, 07 de junho de 2017, não relevando o primeiro procedimento de inspeção para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação – pois que nenhum acto de liquidação dele resultou–, e não tendo o segundo procedimento de inspeção, devidamente autorizado pelo Director-Geral dos Impostos, ultrapassado o prazo de seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação decorrente da (segunda) inspecção externa não cessou, sendo relevante para o cômputo do prazo a suspensão verificada por força da realização deste último procedimento de inspeção.” (sublinhado nosso).


Note-se que, de uma interpretação conjugada dos normativos 45.º e 46.º da LGT, o que resulta da letra da lei é que o direito de liquidar os impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, suspendendo-se, no entanto, esse prazo de caducidade desde o início da ação de inspeção externa até ao seu termo.

Daí resulta, portanto, uma relação indissociável entre o ato de liquidação e o respetivo procedimento de inspeção externa, donde, não promanando dessa mesma ação inspetiva qualquer ato de liquidação não poderá ser valorada qualquer causa suspensiva porquanto lhe falta a premissa base, ou seja, o ato jurídico fundamental que torna o tributo certo, líquido e exigível.

Aliás, interpretação díspar poderia levar a que o sujeito ativo da relação tributária próximo do termo dos seis meses concluísse o procedimento inspetivo, e depois procedesse à abertura de nova ação inspetiva, desta feita, de natureza interna, contornando, dessa forma, o decurso legal do prazo dos seis meses ajuizados como os legalmente adequados para apurar os elementos em falta.

Há, portanto, que ter presente que “[a] caducidade, enquanto facto natural juridicamente relevante caracteriza-se, no essencial, pela pré-fixação normativa de um prazo, dentro do qual pode ser exercido um direito que é dele contemporâneo e que se extingue decorrido o mesmo prazo de exercício (4).” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que, este Tribunal não descura que não ocorreu emissão de ato de liquidação -entenda-se decorrente da primeira ação inspetiva- porquanto foi apresentada uma declaração de substituição que visava a regularização voluntária do imposto, alegadamente, em falta, mas a verdade é que tal não pode, per se, legitimar uma suspensão de um prazo de caducidade de um ato de liquidação que não promanou desse ato inspetivo.

Ademais, e independentemente da concreta bondade da atuação da Impugnante, que não cumpre, ora, aquilatar, a verdade é que não se pode descurar que o ato de liquidação que adveio da declaração de substituição foi objeto de reclamação, sendo invocado erro na sua submissão por parte do TOC, a qual foi objeto de anulação, dela constando a expressa menção “por ter havido erro imputável aos serviços”.

Sendo, a final, de adensar que tendo a ação inspetiva interna sido instaurada a 2 de outubro de 2009 – por, alegadamente, já terem sido recolhidos e analisados todos os elementos atinentes ao efeito- poderia/deveria a AT ter acautelado o decurso do respetivo prazo de caducidade, na medida em que restavam quase três meses para o mesmo se completar.

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, conclui-se que no caso vertente relativamente ao ato de liquidação impugnado dimanante, como visto, de ação de inspeção interna, inexiste ponderação de causa suspensiva operativa da precedente ação inspetiva.

E por assim ser, tendo o ato de liquidação de IVA e respetivos JC, respeitante a 2005 sido emitidos a 30 de janeiro de 2010, quando o respetivo prazo de caducidade ocorria a 31 de dezembro de 2009, assiste razão à Recorrente quando advoga que à data se encontrava precludido o respetivo prazo de caducidade do direito à liquidação, o que, comina, por conseguinte, os atos de liquidação de ilegalidade.

Destarte, a sentença que assim o não decidiu deve ser revogada, sentido em que se decidirá.


***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO DA IMPUGNANTE, revogar a decisão recorrida, julgando a impugnação judicial procedente, com a anulação do ato de liquidação de imposto e respetivos juros compensatórios, e demais consequências legais.
Custas pela Recorrida.
Registe. Notifique.

Lisboa, 26 de junho de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Ana Cristina Carvalho)

(1)cfr. Ac. do STA, proferido no processo nº 13331, de 22 de janeiro de 1992; Ac.TCA Sul,2ª. Secção, proferido no processo nº proc.2442/08, de 1 de março de 2011 e Ac.TCA Sul-2ª. Secção, processo nº 6817/13, de 9 de julho de 2013.
(2) Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, p.119.
(3)Vide, neste âmbito, José Maria Fernandes Pires, e outros, LGT anotada e comentada, Almedina: julho de 2015, página 420.
(4) In Prescrição da obrigação tributária e caducidade do direito de liquidar o imposto , Maria Celeste Cardona Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, a. 54 n. 1 (Abr. 1994), p. 473-488. Disponível em formato PDF no endereço: https://portal.oa.pt/upl/%7B08712be1-7249-48bf-8e8e-30240d4e93d4%7D.pdf