Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:344/10.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:10/31/2024
Relator:LUÍS FERNANDO BORGES FREITAS
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Sumário:A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua versão inicial, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações iniciais de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
K… – E… PORTUGAL, S.A., intentou, em 18.10.2010, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, ação administrativa especial contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., pedindo a anulação do ato administrativo praticado pelo Diretor da Unidade de Prestações e Atendimento do Centro Distrital de Évora através do qual determinou o pagamento de € 159.317,32, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

Por sentença proferida em 5.5.2018 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou a ação totalmente improcedente.

Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, no «segmento do ato administrativo que não levou em consideração a eventualidade - comprovada documentalmente nos autos - de os nove ex-trabalhadores que excederam as quotas disponíveis previstas no artigo 10º n.º 4 alínea b) perderem o direito à atribuição do subsídio de desemprego, com a consequente violação de lei, em concreto do disposto no artigo 63º do DL 220/2006, de 3 de novembro». Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O recurso interposto respeita apenas ao segmento do ato administrativo que não levou em consideração a eventualidade - comprovada documentalmente nos autos - de os nove ex-trabalhadores que excederam as quotas disponíveis previstas no artigo 10º n.º 4 alínea b) perderem o direito à atribuição do subsídio de desemprego, com a consequente violação de lei, em concreto do disposto no artigo 63º do DL 220/2006, de 3 de novembro.
B. A Sentença Recorrida declarou legal o ato administrativo impugnado que intimou a Autora a restituir uma verba que alegadamente corresponde ao somatório da totalidade dos períodos de concessão de subsídios de desemprego aos beneficiários da Segurança Social que, segundo esta, estarão "fora" do valor da quota legal prevista no artigo 10º n.º 4 alínea b) do DL n.º 220/2006 de 03/11.
C. Face ao decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 19.06.2014, in processo n.º 01308/13, disponível em www.dgsi.pt) é manifesto que sempre deverá proceder o segundo dos argumentos invocados pela Autora em sede de petição inicial, ou seja, o Réu apenas pode exigir à Autora o valores das prestações que, de facto suportou ou, caso tenha intimado a Autora a proceder ao pagamento integral dessa importância, deverá ser condenado a restituir o valor excedente,
D. Com efeito, o Recorrido só pode exigir da Recorrente, enquanto entidade patronal, ao abrigo do artigo 63° do DL n.° 220/2006, de 3 de novembro, o reembolso das prestações a que os trabalhadores tiveram efetivamente direito e não o que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
E. Com efeito, o artigo 63º do DL 220/2006, com a epígrafe “Responsabilidade pelo pagamento das prestações”, previa à data dos factos que “Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
F. O que quer dizer que esta norma teve em vista responsabilizar a entidade patronal pelo pagamento do subsídio de desemprego quando ela convenceu o trabalhador a acordar na resolução do contrato de trabalho apesar de se não verificarem as condições nele previstas ou, na situação em concreta, quando ultrapassou o número de quotas legalmente possível.
G. Contudo, a Sentença Recorrida - sufragando anterior jurisprudência do TCA - considerou que, verificado o apontado ilícito, a Recorrente tinha de pagar à Segurança Social a totalidade das prestações correspondentes ao período em que o subsídio era devido, mesmo que os trabalhadores o não viessem a receber por, entretanto, terem arranjado novo emprego ou qualquer outro motivo e, por essa razão, terem perdido o direito a esse subsídio.
H. A Recorrente, como sempre sustentou, rejeita este entendimento, sufragado pela Sentença que ora impugna por considerar que a referida norma visa, unicamente, circunscrever o limite máximo do valor devido à Segurança Social nos mencionados casos de cessação do contrato de trabalho e que, por ser assim, esse pagamento nunca poderá exceder o montante do subsídio efetivamente pago ao(s) trabalhador(es) visto ele ser a exata medida do prejuízo sofrido pela Segurança Social.
I. Considera a Recorrente que a Sentença Recorrida fez uma errada apreciação da matéria de facto ao não ter dado como provados os documentos de fls., juntos pelo então Réu, com o requerimento apresentado em juízo a 12 de outubro de 2017, em concreto, ao não dar como provados os factos constantes da tabela onde se sintetiza a informação relativa aos nove ex-trabalhadores que excederam as quotas disponíveis, porquanto resulta de tal tabela o NISS, Nome, Benefício, Data de Início, N.º de Dias Processado, Valor Processado Acumulado e o Último Ano/Mês Processado relativo a cada um dos nove ex-trabalhadores que se encontram “fora” da quota, com a concreta informação do valor pago pelo Réu a cada deles, o que assume, para os devidos efeitos, evidente relevância para apreciação e boa decisão da causa.
J. Face à relevância que tais factos assumem (sublinhando-se que os mesmos foram juntos aos autos pela própria Segurança Social), considera a Recorrente que só está obrigada ressarcir o Réu do valor que este efetivamente pagou a título de “SD - Subsídio de Desemprego” e não a totalidade do montante que teria sido pago se aqueles trabalhadores estivesse desempregados durante o período a que legalmente teriam direito e recebessem subsídio por todo esse período.
K. A não ser assim, uma parte do valor que lhe foi exigido correspondia a “uma multa ou coima destinada a sancionar um comportamento que fosse considerado ilícito do ponto de vista penal ou contraordenacional” sem que houvesse tipificação legal dessa sanção e sem que a sua aplicação obedecesse “às exigências legais e constitucionais garantindo, nomeadamente, os direitos de defesa do empregador no âmbito desse processo”.
L. A exigência ínsita no ato impugnado configurava, assim, para além da violação do princípio da proporcionalidade - visto lhe exigirem o pagamento de subsídios que ascendem a € 159.317,31 quando o Recorrido pagou apenas € 113.277,28 aos beneficiários em causa - um ato de confisco e uma clara situação de enriquecimento sem causa por parte da Segurança Social do montante correspondente à diferença entre o que obrigou a Recorrente a entregar-lhe e o que pagou aos ex-trabalhadores, ou seja, € 46.040,03.
M. A questão que se coloca é, pois, como se vê, a de saber se, por força do que se dispõe no artigo 63º do DL 220/2006, a Recorrente, enquanto entidade patronal, está obrigada a pagar ao Réu a totalidade das prestações devidas mesmo que - por qualquer razão - o(s) trabalhador(es) tenha(m) perdido o direito à sua perceção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade, considerando-se que a resposta a essa interrogação só pode ser a de que a Recorrente, enquanto entidade empregadora, só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efetivamente despendeu visto a responsabilidade ora em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor
desse dano.
N. Nesta conformidade, e sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (artigo 483º do Código Civil), é forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o(s) trabalhador(es) tinha(m) direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social.
O. A Sentença Recorrida entendeu que, no caso, esse princípio não se aplicava justificando esse entendimento com o disposto no artigo 63º do DL 220/2006 já que nele se lia que, nas circunstâncias dos autos, o empregador fica obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego e esta totalidade só pode ser interpretada como correspondendo ao montante global do subsídio que era devido.
P. Como parece claro, e salvo diferente opinião, a norma em causa não pode ser lida e/ou interpretada dessa maneira, desde logo porque a mesma teve por finalidade responsabilizar o empregador pelo pagamento do subsídio de desemprego nos casos em que convenceu o trabalhador a cessar, por acordo, o seu contrato de trabalho sem que se verificassem os requisitos que permitiam o seu despedimento e não sancioná-lo por essa conduta, ou seja, o escopo único daquela norma foi afastar a hipótese de caber à Segurança Social o pagamento de um subsídio provocado pela conduta, negligente neste caso, de terceiro e não o ter um efeito punitivo.
Q. Depois, porque, se assim é, a responsabilidade indemnizatória do obrigado tem de ter como limite o prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e como medida o valor desse dano pelo que não fará sentido ressarcir o Réu ora Recorrido por um prejuízo que ele não teve.
R. Finalmente, porque, a não ser assim, o pagamento de quantia diversa daquela que a Segurança Social efetivamente pagou configurava uma sanção não prevista no citado diploma (vide artigos 64º a 67º), o que era ilegal uma vez que as sanções estabelecidas nos apontados normativos não incluem a “punição” que a Sentença Recorrida admitiu.
S. Está assente que os trabalhadores da Recorrente que excederam a quota acordaram com esta a cessação do seu contrato de trabalho no convencimento, criado pela empregadora, de que a empresa atravessava dificuldades e existiam quotas disponíveis, e que, por isso, se verificavam os requisitos previstos no artigo 10º do DL 220/2006.
T. Todavia, a Segurança Social constatou que os citados requisitos não ocorriam o que a levou a ordenar a notificação da Recorrente para que ela pagasse € 159.317,32 (o ato impugnado), correspondentes à totalidade das prestações que os referidos trabalhadores iriam receber até final do mencionado período muito embora, como se veio a comprovar em documento junto aos autos, “o período em que efetivamente houve desemprego fosse menor relativamente a todos os ex-trabalhadores”.
U. Deste modo, e pelas razões já enunciadas, havendo a certeza da data de início do benefício atribuído a cada um dos nove ex-trabalhadores, designadamente do número de dias processado, do valor processado e último ano/mês processado, em montante global que ascende a € 113.277,28 (o qual resulta da documentação junta aos autos e a Sentença Recorrida entendeu não considerar como factos assentes), quando a Recorrente foi intimada para proceder ao pagamento de € 159.317,31, procedeu em conformidade e pagou a integralidade da quantia de que foi intimada, é manifesto que deverá ser julgado parcialmente procedente o pedido de restituição de prestações decorrentes da atribuição de subsídio de desemprego e, consequentemente, o Recorrido condenado a restituir à Recorrente a diferença entre o que obrigou a Recorrente a entregar-lhe e o que pagou aos ex-trabalhadores, ou seja, € 46.040,03, acrescido de juros de mora desde a data do pagamento, sob pena de violação do disposto no artigo 63º do DL 220/2006.
V. Devendo, em face do exposto, ser concedido provimento ao presente recurso e, revogada a Sentença Recorrida, julgando-se a ação parcialmente procedente, anulando o ato impugnado e condenando o Recorrido a restituir à Recorrente o valor das prestações que efetivamente suportou e que resulta da diferença entre o que obrigou a Recorrente a entregar-lhe e o que pagou aos ex-trabalhadores, ou seja, € 46.040,03, acrescido de juros de mora desde a data do pagamento, sob pena de violação do disposto no artigo 63º do DL 220/2006, de 3 de novembro.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Nas suas alegações de recurso a Recorrente conclui, nomeadamente, no sentido de que deve «ser concedido provimento ao presente recurso e, revogada a Sentença Recorrida, julgando-se a ação parcialmente procedente, anulando o ato impugnado e condenando o Recorrido a restituir à Recorrente o valor das prestações que efetivamente suportou e que resulta da diferença entre o que obrigou a Recorrente a entregar-lhe e o que pagou aos ex-trabalhadores, ou seja, € 46.040,03, acrescido de juros de mora desde a data do pagamento, sob pena de violação do disposto no artigo 63º do DL 220/2006, de 3 de novembro».

Sucede que na presente ação a ora Recorrente formulou apenas um pedido de estrita anulação – o que se mostra, no caso, sem mácula legal -, tendo por objeto o ato administrativo praticado pelo Diretor da Unidade de Prestações e Atendimento do Centro Distrital de Évora através do qual determinou o pagamento de € 159.317,32, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

E foi nessa configuração que a ação foi apreciada e decidida no tribunal de 1.ª instância. Tal pressuposto limita o âmbito do presente recurso.

Deste modo, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal consiste em determinar se existiu erro de julgamento por se ter considerado que a Recorrida poderia exigir à Recorrente o pagamento de prestações iniciais de desemprego que efetivamente não pagou.


III
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:


A) Entre 15 de Fevereiro de 2006 e 15.10.2009, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 393.º da Lei n.º 99/2003, de 27.08 (aprovava o Código do Trabalho), por mútuo acordo, 69 (sessenta e nove) trabalhadores e a Autora cessaram a vigência de contratos de trabalho que mantinham entre si;
B) As cessações mencionadas em A) basearam-se “na restruturação” que a Autora estava a levar a cabo “devido a razões de ordem técnica e tecnológica”;
C) Entre 15.05.2007 e 28.12.2009, pela Entidade Demandada, foram deferidas prestações - “ao abrigo das quotas” a que a Autora tinha direito - atinentes às seguintes 90 (noventa) cessações de vigência de contratos de trabalho:



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D) Os trabalhadores elencados em C) requereram – e foi-lhes atribuída – prestações de desemprego;
E) Em 18.01.2010, sob o assunto “Restituição de Prestações indevidamente pagas”, a Entidade Demandada intimou a Autora “nos termos do n.º 5 [do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril] (…) à restituição” do valor de € 145.976,13;
F) Em 11.02.2010, sob o assunto “Restituição de Prestações indevidamente pagas”, a Entidade Demandada intimou a Autora “nos termos do n.º 5 [do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril] (…) à restituição” do valor de € 13.944,23 _ cfr. fls. 43, 45 e 54 do processo administrativo;
G) Em 04.06.2010, o Director da Unidade de Prestações e Atendimento do Centro Distrital de Évora da Entidade ora Demandada expediu o ofício n.º ISS-CDE 041419, dirigido à Autora, no qual se lê que:







H) Em 18.10.2010, foi intentada a presente acção administrativa especial.

Ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 662.º/1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, adita-se aos factos provados o seguinte:

I) Relativamente aos nove trabalhadores que excederam a quota, a Entidade Demandada pagou os seguintes montantes, a título de subsídio de desemprego, que perfazem a quantia total de € 113.277,28 (não incluindo o subsídio social de desemprego subsequente) (documento n.º 003429247, junto aos autos pela Entidade Demandada):



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IV
1. Tal como referido pela Recorrente, a questão que vem submetida à apreciação deste tribunal já havia sido decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19.6.2014, proferido no processo n.º 01308/13. Em momento anterior, portanto, ao da prolação da sentença recorrida.

2. Recorde-se, no entanto, e antes de mais, a norma em causa, constante do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua versão inicial:

Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.

3. Da norma transcrita releva, para o presente recurso, a obrigação prevista no seu trecho final, ou seja, a do pagamento, perante a segurança social, do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, relativamente ao qual importa saber se esse período é apenas o da concessão efetiva da prestação ou se respeita ao montante que o trabalhador receberia se se mantivesse na situação de desempregado durante todo o tempo em que tinha direito ao subsídio, independentemente, portanto, da possibilidade de o trabalhador ter perdido o direito à sua perceção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade.

4. A resposta, como se disse, já havia sido dada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão acima identificado. Fê-lo nos seguintes termos: «O art.º 63.º do DL 220/2006 - cuja epígrafe é «responsabilidade pelo pagamento das prestações» - estatui que “nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.”

5. «O que quer dizer que esta norma teve em vista responsabilizar a entidade patronal pelo pagamento do subsídio de desemprego quando ela, dolosamente, convenceu o trabalhador a acordar na resolução do contrato de trabalho apesar de se não verificarem as condições nele previstas. E ao fazê-lo estatuiu que, ocorrendo essa ilegalidade, o pagamento das prestações devidas continuaria a ser feito pela Segurança Social mas que o empregador tinha de a ressarcir por esse pagamento, obrigando-o a pagar o montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. Deste modo, nos casos em que o trabalhador aceitou ser dispensado convencido pela sua entidade patronal de que se verificavam as condições que permitiam o despedimento colectivo ou a extinção do seu posto de trabalho e, afinal, tais condições não se verificarem o trabalhador continua a ter direito ao subsídio, a ser assegurado pela Segurança Social, mas esta tem o direito de exigir do empregador o montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.

6. (…)

7. «A questão que se coloca é, pois, como se vê, a de saber se, por força do que se dispõe no art.º 63.º do DL 220/2006, a entidade patronal está obrigada a pagar à Segurança Social a totalidade das prestações devidas mesmo que – por qualquer razão – o trabalhador tenha perdido o direito à sua percepção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade.

8. «A resposta a essa interrogação só pode ser a de que o empregador só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efectivamente despendeu visto a responsabilidade ora em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor desse dano.

9. «Nesta conformidade, e sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (art.º 483.º do CC), é forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social.

10. «O Acórdão recorrido entendeu que, no caso, esse princípio não se aplicava justificando esse entendimento com o disposto no art.º 63.º do DL 220/2006 já que nele se lia que, nas circunstâncias dos autos, o empregador fica obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego e esta totalidade só pode ser interpretada como correspondendo ao montante global do subsídio que era devido.

11. «Não nos parece, porém, que aquela norma possa ser lida dessa maneira.

12. «Desde logo, porque, como já se disse, a mesma teve por finalidade responsabilizar o empregador pelo pagamento do subsídio de desemprego nos casos em que, fraudulentamente, convenceu o trabalhador a cessar, por acordo, o seu contrato de trabalho sem que se verificassem os requisitos que permitiam o seu despedimento e não sancioná-lo por essa conduta ilegal. Ou seja, o escopo único daquela norma foi afastar a hipótese de caber à Segurança Social o pagamento de um subsídio provocado pela conduta dolosa de terceiro e não o ter um efeito punitivo.

13. «Depois, porque, se assim é, a responsabilidade indemnizatória do obrigado tem de ter como limite o prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado e como medida o valor desse dano pelo que não fará sentido ressarcir o Réu por um prejuízo que ela não teve.

14. «Finalmente, porque, a não ser assim, o pagamento de quantia diversa daquela que a Segurança Social efectivamente pagou configurava uma sanção não prevista no citado diploma (vd. seus art.ºs 64 a 67.º). O que era ilegal uma vez que as sanções estabelecidas nos apontados normativos não incluem a «punição» que o Acórdão recorrido admitiu.

15. «O que fica dito, porém, não significa que, verificado o ilícito, a Segurança Social não possa ordenar a reposição do montante já pago ao trabalhador como ordenar que seja depositado, antecipadamente, o valor que, previsivelmente, irá ser pago e que o devedor não esteja obrigado a proceder a esse pagamento. O que não quer dizer que, nessas circunstâncias, o montante pago antecipadamente não possa ser devolvido se se constatar que o trabalhador – por qualquer razão - perdeu o direito ao subsídio e, por esse motivo, a Segurança Social cessou o seu pagamento e que o empregador não possa reivindicar essa devolução.

16. (…).

17. «Deste modo, e pelas razões já enunciadas, havendo a certeza de que a trabalhadora só esteve desempregada durante 4 meses e que só durante este período recebeu subsídio de desemprego da Segurança Social, esta só pode exigir à Recorrente o montante que, efectivamente, havia pago sob pena de violação do disposto no art.º 63.º do DL 220/2006».

18. Este entendimento veio a ser acolhido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.12.2018, proferido no processo n.º 0606/15.3BELRA, onde se sumariou que «a Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art.º 63.º do DL n.º 220/2006, de 3/11, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efetivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego».

19. Em 25.3.2021 o mesmo tribunal, por acórdão proferido no processo n.º 02550/17.0BEBRG, veio a uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: «A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redacção resultante do DL n.º 64/2012, de 15/3, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efectivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão».

20. Ali se chegou com o seguinte fundamento: «Sob a epígrafe “Responsabilidade pelo pagamento das prestações”, o art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, na redacção resultante do DL n.º 64/2012, dispunha que “nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do art.º 10.º ou que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.

21. «Este preceito, inserido no Capítulo X que tem por título “Responsabilidade e regime sancionatório”, constitui o único normativo da Secção I que tem por epígrafe “Responsabilidade”, não estando, assim, incluído no regime sancionatório a que se referem os artºs. 64.º e 65.º do DL n.º 220/2006, o que demonstra – como nota o acórdão fundamento – que a intenção do legislador não foi a de punir a entidade patronal, mas de a responsabilizar pelos danos sofridos pela Segurança Social com o montante da prestação de desemprego que suportou.

22. «Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, esta intenção legislativa tem correspondência no texto do preceito quando interpretado como circunscrevendo o limite máximo da indemnização devida à Segurança Social, ou seja, quando se considere que a totalidade nele referida se reporta ao montante que o trabalhador, beneficiário da Segurança Social, receberia se se mantivesse na situação de desempregado durante todo o tempo em que tinha direito a auferir a prestação de desemprego.

23. «Assim, em consonância com a doutrina do acórdão fundamento, é de considerar que a A. só tinha de compensar a Segurança Social pelo valor que esta tivesse efectivamente despendido a título de prestações de desemprego dos seus trabalhadores, não se podendo entender – como os actos impugnados e o acórdão recorrido – que era irrelevante apurar esse montante efectivamente pago».

24. É este, portanto, o entendimento que se impõe (absolutamente válido para a redação inicial do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro), o qual, aliás, veio a tomar forma de lei com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 113/2023, de 30 de novembro, nos termos do qual o referido artigo 63.º passou a estabelecer o seguinte (o sublinhado é nosso, evidentemente):

«Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente às prestações de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador».

25. E é aquele entendimento que também aqui se acolhe, do qual decorre que a Recorrente apenas está obrigada perante o Recorrido ao pagamento do montante correspondente às prestações iniciais de desemprego efetivamente pagas aos trabalhadores em causa. Ora, como se sabe, e através do ato impugnado, o Recorrido exigiu à Recorrente o pagamento de € 159.317,32. No entanto, o Recorrido apenas pagou aos trabalhadores excedentes, a esse título, € 113.277,28, Tal significa que exigiu indevidamente o montante de € 46.040,04.



V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte objeto de recurso, anulando o ato impugnado na parte em que excedeu o montante que efetivamente pagou, ou seja, em € 46.040,04 (quarenta e seis mil e quarenta euros e quatro cêntimos).

Custas da apelação a cargo do Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 31 de outubro de 2024.

Luís Borges Freitas – relator
Frederico de Frias Macedo Branco – 1.º adjunto
Teresa Caiado – 2.ª adjunta