Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 881/09.2BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 02/04/2021 |
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Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
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Sumário: | i) Nos termos do disposto no art. 376.º do Código Civil, o atestado médico tem a força probatória própria de um documento com a sua natureza, a de documento particular que apenas é. Nessa medida, trata-se de meio de prova a apreciar livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que é gerada no espírito do julgador acerca da existência do facto. ii) Os dados sobre atestados médicos e relatórios médicos e exames auxiliares de diagnóstico, constituem documentos particulares emanados de terceiros e não das partes, o que compromete a possibilidade de terem força probatória plena sobre os factos compreendidos nas declarações deles constantes. iii) No processo disciplinar foi posta em causa a veracidade dos atestados médicos e do próprio relatório da Junta Médica, fruto dos meios de prova recolhidos no mesmo, designadamente, os documentos comprovativos do exercício de funções do Autor/Recorrido no Hospital de Santa Maria nos períodos em referência e o reconhecimento confessório do Autor/Recorrido relativamente ao exercício dessas funções. iv) De acordo com o que vem provado e de acordo com as regras da experiência comum, estando, no período em referência, o Recorrido capaz de trabalhar no Hospital de Santa Maria, inclusive em serviço de urgência, por maioria de razão, estaria capaz de trabalhar no Centro de Saúde nesse mesmo período. v) E da acumulação indevida e não autorizada advieram prejuízos para o Centro, por exemplo no atendimento dos seus utentes e necessidade de substituição pelos colegas, com sobrecarga de trabalho que em circunstâncias normais não se teriam colocado. vi) Pelo que o ora RECORRIDO violou, para além do dever de zelo, também, os deveres de lealdade - desempenho das funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço - e assiduidade - comparecência ao serviço regular e continuamente (e nas horas que estejam designadas), tal como constante do acto sancionatório impugnado. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A... intentou no TAC de Lisboa contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e vale do Tejo, IP., uma acção administrativa especial onde impugnou a deliberação do Conselho Directivo da entidade demandada, de 8.01.2009, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 9/2008, lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 180 dias, peticionando a sua anulação. Por sentença de 19.11.2019 a acção foi julgada procedente e anulada a sanção disciplinar impugnada. Recorre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e vale do Tejo, IP., para este TCA, tendo a alegação de recurso apresentada culminado com as seguintes conclusões: A – A deliberação da Recorrente, impugnada nos presentes autos, aplicou ao Recorrido a pena disciplinar de suspensão por 180 dias, estribada na prova de três infrações disciplinares que lhe foram imputadas, por violação dos deveres gerais de zelo, lealdade e assiduidade, previstos nas alíneas e), g) e i) do n.º 2 e nos. 7, 9 e 11 do art.º 3.º do EDTFP (Lei n.º 58/2008), concretamente: a) O exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, IP, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 60 dias; b) As ausências injustificadas ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e o dia 23/04/2008, por apresentação tardia de atestado médico, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 30 dias; c) O exercício de atividade profissional no Hospital de Santa Maria, no mesmo período em que apresentou os certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, estando conscientemente a dar justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, que não o impediu de exercer funções no Hospital de Santa Maria, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 90 dias; B - A decisão recorrida anulou a deliberação porque concluiu que o Recorrido apenas praticou uma infração disciplinar - o exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções sem o prévio consentimento da ARSLVT -, e não três, como lhe foi imputado no processo disciplinar. C – Conforme demonstrado nas presentes alegações, a decisão recorrida padece de nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, e do vício de violação de lei, por erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts. 358.º, n.º 2 e 376.º do Código Civil. Vejamos, D – A decisão recorrida considerou que as ausências do Recorrido ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, que configuram faltas injustificadas ao serviço por o Recorrido ter apresentado atestado médico para além do prazo de 5 (cinco) dias úteis fixado no art.º 30.º/1 do DL 100/99, de 31/03, não consubstanciam infração disciplinar porque estavam justificadas por situação de doença comprovada pelo referido atestado médico, não constando da acusação ou do relatório final do instrutor que o autor tivesse exercido funções no Hospital de Santa Maria nesse período, “de tal modo que se possa concluir que o mesmo, ao contrário do que resulta do atestado médico por si apresentado, não se encontrava doente.” E – Contudo, ao contrário do referido na decisão, da Acusação e o Relatório Final do processo disciplinar consta que, no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, o Autor/Recorrido exerceu funções no Hospital de Santa Maria, conforme artigo 23.º da Acusação e ponto 37.2 do Relatório Final reproduzidos nas alíneas l) e m) da matéria de facto provada nos autos. F – Facto que foi provado no processo disciplinar mediante a prova documental constante de fls 10 do processo instrutor – que consubstancia Folha de Ponto de Presenças do Recorrido no Hospital de Santa Maria no indicado mês de abril de 2008 e comprova que, nos dias em referência, o mesmo esteve a trabalhar no Hospital -, e ainda através do reconhecimento confessório do Recorrido exarado na contestação da acusação, conforme resulta da alínea m) dos factos provados e de fls. 178 e ss. do processo instrutor. G - E que, por si só, bastava para se ter por infirmada a veracidade do atestado médico apresentado, já que, a incapacidade temporária para o trabalho nele atestada pressupunha que o Recorrido não podia trabalhar nem no Centro de Saúde nem no Hospital de Santa Maria, locais onde exercia as mesmas funções, de médico (cfr. Fls. 97 do processo instrutor). H – Verifica-se, assim, contradição entre os fundamentos e a decisão, determinante de nulidade da decisão. I – Efetivamente, estando demonstrado que, no período em causa, o autor exerceu funções médicas no Hospital de Santa Maria, então era porque não se encontrava em condições de não poder trabalhar, sendo, assim, inverídica a justificação da “baixa médica” e consequente não comparência ao serviço. J - E, por conseguinte, não se poderiam considerar tais faltas ao serviço como justificadas para efeitos disciplinares ao abrigo do disposto no art.º 40.º, n.º 3 e 4 do ETFP ou do disposto no art.º 71.º do EDFAACRL. K - Assim, e contrariamente ao decidido, a conduta imputada ao Recorrente integra a violação dos deveres gerais de zelo, lealdade e assiduidade, sendo subsumível na infração disciplinar que lhe foi aplicada na deliberação impugnada que se de verá, como tal, manter válida na ordem jurídica. L – A decisão recorrida concluiu ainda que, o exercício de funções pelo Recorrido no Hospital de Santa Maria em períodos relativamente aos quais tinha apresentado atestado médico no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins não consubstancia igualmente infração disciplinar, “por não permitir presumir que o mesmo deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde”, conclusão que assentou, uma vez mais, em pressupostos contraditórios e, até, incongruentes, determinando a respetiva nulidade. M – Efetivamente, mostrando-se provado que, o Recorrido apresentou, no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença para os períodos mencionados na decisão disciplinar (referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2007 e janeiro de 2008), e que, nesses períodos, esteve a exercer funções no Hospital de Santa Maria, aí cumprindo um horário de 35 horas semanais, e realizando, inclusivamente, bancos de urgência, de 24 horas (cfr. folhas 11, 12, 13 e 14 do processo instrutor), é incompreensível a conclusão constante da decisão recorrida de que o Recorrido não prestou falsas declarações quanto ao seu estado de saúde para justificar as referidas ausências ao serviço. N – Pois, se a alegada doença de que o Recorrido padecia, atestada nos certificados de incapacidade temporária que apresentou, o impedia de o trabalhar no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, por maioria de razão teria forçosa e igualmente de o impedir de trabalhar no Hospital de Santa Maria. O – Ficando demonstrado que, os atestados médicos apresentados não eram credíveis, não fazendo prova de que o Recorrido estava doente, e que este prestou efetivamente declarações falsas relativas ao seu estado de saúde para justificar as faltas do referido período, demonstração que resulta da aplicação das mais elementares regras de experiência comum. P – A decisão recorrida enferma ainda de erro de julgamento ao concluir que a veracidade dos atestados médicos não foi posta em causa no processo disciplinar, pois, é manifesto que, a validade, eficácia e credibilidade destes atestados foi posta em causa no processo disciplinar através dos meios de prova que nele foram recolhidos, concretamente, os documentos que atestaram o exercício de funções no Hospital de Santa Maria naqueles períodos e, bem assim, o reconhecimento confessório do Recorrido exarado na contestação da acusação, na qual o mesmo admitiu incondicionalmente os factos de que foi acusado, inclusive, o de prestar falsas declarações quanto ao seu estado de saúde nos indicados períodos, reconhecimento confessório que tem força probatória plena, nos termos do art.º 358.º do Código Civil. Q – Conforme resulta do art.º 376.º do Código Civil, o atestado médico tem a força probatória própria de um documento com a sua natureza, a de documento particular que apenas é, havendo que ter presente que "as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto" (A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, página 471), excetuados que sejam os casos de prova legal, prova vinculativa, o que seguramente se não configura perante o atestado médico agora em apreciação, ou tão pouco, com o relatório da junta médica, mas que se configura no referido reconhecimento confessório. R – A sentença recorrida padece, assim, do vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação dos artigos 358.º e 376.º do Código Civil, devendo ser reformada em conformidade, concretamente, no sentido constante da deliberação impugnada. S – Quanto ao exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, muito embora a decisão recorrida tenha concluído pela verificação desta infração, por integrar a violação do dever de zelo, considerou, não obstante que, não integrava a violação do dever de lealdade e o dever de assiduidade. T – Relativamente ao dever de lealdade, considerou a decisão que, este dever não foi violado porquanto, não constam da acusação ou do relatório final do processo disciplinar quaisquer factos concretos relativos a esta matéria, designadamente, a prova de sobreposição de horários, contudo, no Relatório Final do processo disciplinar refere-se expressamente que “ambos os Diretores deste Centro confirmaram que dessa acumulação advieram prejuízos para o Centro (autos a fls. 16 e 126); por exemplo no atendimento dos seus utentes e necessidade de substituição pelos colegas, com sobrecarga de trabalho que em circunstâncias normais – caso o arguido não faltasse indevidamente não se teriam colocado.” (ponto 22 do Relatório Final, alínea m) dos factos Provados). U - Acresce que, no processo disciplinar consta devidamente evidenciada a sobreposição de horários, designadamente, através do confronto dos documentos constantes de folhas 136 e 146, ou seja, do horário de trabalho praticado no Hospital de Santa Maria e no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, respetivamente, especialmente no que respeita às urgências de 24 horas, realizadas 3 a 4 vezes ao mês no Hospital de Santa Maria que teriam, necessariamente, de ser realizadas no horário de trabalho do Centro de Saúde, sobrepondo-o. V - Relativamente ao dever de assiduidade, concluiu a decisão recorrida que, o Recorrido não violou este dever por ter ficado por demonstrar que não compareceu ao serviço quando deveria tê-lo feito, por exercer funções no Hospital de Santa Maria, porém, face à demonstrada sobreposição de horários, demonstrada fica igualmente a violação deste dever. X – Fruto do exposto, deve a decisão recorrida ser reformada, mantendo-se a deliberação impugnada na ordem jurídica por não se verificarem os vícios que lhe foram imputados na decisão recorrida, com o que se fará justiça. O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Concluiu do seguinte modo: 1. A douta sentença recorrida mão incorreu em erro de julgamento, devendo ser mantida. 2. Não existe qualquer incongruência entre os fundamentos e a decisão por não se considerarem as faltas ao serviço entre 01 e 23 de Abril de 2008 relevantes para efeitos disciplinares. 3. A força probatória do atestado médico passado ao recorrido não foi afastada, por vício forma ou material. 4. O exercício de funções no Hospital de Santa Maria em períodos de baixa por doença no Centro de Saúde de Algueirão/ Mem Martins não significa que não existiu uma situação de doença, comprovada por certificados de incapacidade para o trabalho, confirmada por Junta Médica de Verificação. 5. O acto punitivo é inválido como foi decidido pela douta sentença recorrida que se deve manter. • Neste Tribunal Central Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não se pronunciou. • Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir. • II.1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão; - Se a sentença recorrida errou ao ter anulado o acto punitivo impugnado, por ter concluído que concluímos que o Autor apenas havia praticado uma infracção disciplinar e não três, como lhe foi imputado no processo disciplinar (pelo que não se verificava a circunstância agravante especial prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, ou seja, a acumulação de infracções). • II. Fundamentação II.1. De facto No TAC de Lisboa foi proferida decisão sobre a matéria de facto, como segue: a) O autor é médico e exerce funções no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins [acordo]. b) Na sequência do despacho da Directora do Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, de 25/01/2006, exarado na Nota de Serviço n.º19/2006, foi solicitado ao autor que organizasse o respectivo processo de acumulação de funções [documento de fls. 95 do processo disciplinar, que se encontra apenso aos autos]. c) Em 09/03/2006, o autor apresentou um requerimento a solicitar a acumulação de funções à Coordenadora da Sub-Região de Saúde de Lisboa [documento de fls. 92 do processo disciplinar, que se encontra apenso aos presentes autos]. d) Na sequência da Nota de Serviço n.º1073/06, foi remetido ao autor, pela Directora do Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, um pedido de autorização de acumulação de funções para que fosse preenchido e enviado à Coordenadora Sub-Regional de Saúde de Lisboa [documento de fls. 143 a 145 do processo disciplinar, que se encontra apenso aos autos]. e) No período compreendido entre 01/04/2008 e 22/04/2008, o autor não compareceu ao serviço no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins [acordo]. f) O autor exerceu simultaneamente funções no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins e no Hospital de Santa Maria sem que tivesse autorização da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. para o efeito [acordo]. g) Em 02/05/2008, o Director do Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins enviou um ofício para o Presidente do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) O Dr. A..., clínica geral (Ex. Portaria 81/A), em serviço neste Centro de Saúde, tem faltado desde 25/10/2007. Apresentou atestado de 25-10-2007 a 31-10-2007, de 01-11-2007 a 13-11-2007, de 14-11-2007 a 26-11-2007, de 27-11-2007 a 07-12-2007, de 08-12-2007 a 08-01-2008, e de 10-01-2008 a 25-01-2008, data em que foi solicitada Junta Médica de Verificação. Foi presente a Junta Médica de Verificação a 14-03-2008, a qual prorrogou o atestado até 27-03-2008, data em que se apresentou novamente a Junta Médica de Verificação, tendo alta desta a 01-04-2008, devendo apresentar-se ao serviço, o que não fez. A 23-04-2008, apresentou-se no Centro de Saúde, informando que continuava doente apresentando um atestado válido de 01-04-2008 a 30-04-2008, e manifestando que voltaria ao serviço em 2 de Maio. Face ao exposto, solicitamos apoio jurídico, pois parece-nos, que, de acordo com o nº5 do Dec-Lei nº100/99, de 31 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 181/2007, de 9 de Maio, as faltas a partir da alta, 01-04-2008 a 30-04-2008, podem ser consideradas injustificadas. (…).” [documento de fls. 3 e 4 do processo administrativo n.º413/08-GJC, que se encontra apenso aos autos]. h) Em 19/05/2008, foi elaborada a Informação n.º463/2008, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) O Director do Centro de Saúde Algueirão/Mem Martins, através do ofício em anexo, vem solicitar apoio jurídico, no que respeita à injustificação das faltas dadas pelo Dr A..., a partir do dia 01/04/2008, data em que a junta médica da ADSE o considerou apto para retomar o serviço. (…) Assim, o facto da junta médica lhe ter dado alta com efeitos a 01/04/2008, implica que se deveria apresentar ao serviço. Caso não o fizesse, teria que justificar qual o motivo, por doença, ou outro. Apenas em 23/04/2008, o médico justificou a ausência com a apresentação de atestado médico. Contudo, o atestado para ser considerado com efeitos a 01/04/2008, teria que ser apresentado até ao dia 08/04/2008 (artº 72º do Código do Procedimento Administrativo e nº1 do artº 30º do DL 181/2007). Neste contexto, parece-nos que todas as faltas dadas entre o dia 1 e 22 de Abril de 2008, poderão ser consideradas injustificadas. (…).” [documento de fls. 1 e 2 do processo administrativo n.º413/08-GJC, que se encontra apenso aos autos]. i) Em 04/06/2008, na Informação referida em h), foi exarado despacho por uma vogal do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. a determinar a remessa ao Gabinete Jurídico e do Cidadão “para análise da situação descrita” [documento de fls. 1 e 2 do processo administrativo n.º413/08-GJC, que se encontra apenso aos autos]. j) Em 19/09/2008, foi elaborado o Parecer n.º122/08, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) Face ao exposto, e nos termos do n.º1 e 5 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º100/99, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º181/2007, de 9 de Maio, bem como, do artigo 72.º do Código do Procedimento, entendemos que as faltas dadas ao serviço pelo Sr. Dr. A..., Clínico Geral, a exercer funções no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, entre o dia 01/04/2008 e o dia 22/04/2008 devem ser consideradas injustificadas, porque o referido Clínico deveria ter retomado o serviço a partir do dia 01/04/2008, conforme deliberação da Junta Médica de 27/03/2008, e, quando apresentou o atestado comprovativo das faltas acima referidas no dia 23/04/2008 já o fez extemporaneamente, pois deveria tê-lo apresentado até o dia 08/04/2008. (…) O exercício de funções do Dr. A... no Hospital de Santa Maria, como Assistente Eventual Hospitalar na especialidade de Otorrinolaringologia, a tempo completo com contrato individual de trabalho sem termo, em todas as datas indicadas no ponto 2. deste parecer (confirmado pela assinatura das folhas de tempo), conjuntamente com as faltas dadas pelo referido Médico indicia eventuais infracções disciplinares praticadas por este com violação dos deveres gerais de isenção, zelo, lealdade, assiduidade e pontualidade, previstos n.º4, alíneas a), b), d), g) e h) e n.ºs 5, 6, 8 , 11 e 12 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-lei n.º24/84, de 16 de Janeiro. (…).” [documento de fls. 2 a 5 do processo disciplinar, que se encontra apenso aos autos]. k) Por deliberação do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., de 25/09/2008, exarada no Parecer referido em j), foi determinada a instauração de processo disciplinar ao autor [documento de fls. 2 a 5 do processo disciplinar, que se encontra apenso aos autos]. l) Em 25/08/2008, foi deduzida acusação contra o autor, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) «Imagem no original»
«Imagem no original» (…).” [documento n.º1 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso]. m) Em 06/01/2009, a instrutora do processo disciplinar elaborou o Relatório Final, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) «Imagem no original» (…)”. [documento n.º3 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso]. n) Em 08/01/2009, o Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. deliberou aplicar ao autor a pena de suspensão por 180 dias [documento n.º3 junto com a petição inicial]. Não resultaram provados nos autos outros factos com relevância para a decisão da causa. • II.2. De direito No recurso interposto, vem a Recorrente suscitar a nulidade da sentença recorrida, por contradição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, imputar erro de julgamento ao concluir-se naquela que apenas havia sido praticada uma infracção disciplinar e não três como consignado no acto impugnado, com o que julgou procedente o vício de violação de lei. Vejamos então. II.2.1. Da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC)
Alega a Recorrente neste ponto que é notória a contradição existente entre os fundamentos e a decisão, já que, contrariamente ao que se refere na decisão, da matéria de facto provada resulta que, no período a que respeitam as referidas ausências injustificadas ao serviço, o Autor esteve a trabalhar no Hospital de Santa Maria. O que teria necessariamente que levar a decisão distinta daquela que foi proferida. Contrariamente ao decidido, o facto de o Autor e ora Recorrido ter faltado ao serviço no período em referência consubstancia infração disciplinar uma vez que, tendo estado nesse período a trabalhar no Hospital de Santa Maria, o atestado médico apresentado não era suscetível de comprovar que o autor se encontrava incapacitado para trabalhar, mormente por doença. Mas a apontada contradição é-o somente na aparência. Com efeito, na sentença recorrida afirmou-se, neste capítulo concretamente o seguinte: “Ora, o facto de o autor ter exercido funções no Hospital de Santa Maria em períodos em que se encontrava de “baixa médica” não permite presumir que o mesmo deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, sendo certo que tal estado de saúde foi verificado pela Junta Médica de Verificação. Acresce que se é certo que o autor não podia trabalhar noutro local enquanto se encontrava em situação de “baixa médica”, não é menos certo que a sua ausência ao serviço no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins se encontrava justificada pelos atestados médicos apresentados, cuja veracidade não é, em rigor, questionada no processo disciplinar. Refira-se que o Relatório Final não é muito claro quanto à conduta do autor que reputa de violadora dos seus deveres funcionais, designadamente se a infracção disciplinar consiste em ter dado justificações falsas quanto ao seu estado de saúde ou se, de outro modo, a infracção resulta de o mesmo ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica”. Contudo, não obstante tal falta de clareza, certo é que, por um lado, não podemos concluir que se verificava o pressuposto de que partiu o instrutor do processo disciplinar, qual seja, que o autor deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, uma vez que, reitere-se, a situação de doença foi confirmada pela Junta Médica de Verificação. Por outro lado, o facto de o autor ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica” apenas consubstanciaria uma violação dos deveres de zelo, lealdade e assiduidade se pudéssemos concluir, e não podemos, por força dos atestados médicos apresentados, que o mesmo, naquele período, deveria ter trabalhado no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins.” Como se observa, o juízo tirado pelo tribunal a quo assentou na matéria de facto que deu como provada e da qual retirou as seguintes ilações: i) “o facto de o autor ter exercido funções no Hospital de Santa Maria em períodos em que se encontrava de “baixa médica” não permite presumir que o mesmo deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde”; e ii) “o facto de o autor ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica” apenas consubstanciaria uma violação dos deveres de zelo, lealdade e assiduidade se pudéssemos concluir, e não podemos, por força dos atestados médicos apresentados, que o mesmo, naquele período, deveria ter trabalhado no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins”. Ou seja, basta ler a sentença para perceber que nenhuma contradição existe entre os factos dados como provados – premissas menores - e a conclusão alcançada, sendo que ao nível da fundamentação a Mma. Juiz a quo devidamente explicitou o regime legal que aplicou. O silogismo judiciário foi, pois, respeitado. Verdadeiramente o que a Recorrente questiona é a valoração da matéria provada, as ilações que dela foram tiradas, no sentido em que o foram (v. supra); mas tal não se situa no âmbito dos vícios da sentença, mas sim do erro de julgamento. Improcede, portanto, a suscitada nulidade por omissão de pronúncia. II.2.2. Do erro de julgamento Continuando, é tempo de verificar do imputado erro de julgamento. A decisão recorrida anulou a deliberação impugnada, que havia aplicado ao ora Recorrido a pena disciplinar de suspensão por 180 dias, porque concluiu que este apenas havia praticado uma infração disciplinar (concretamente, o exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções sem o prévio consentimento da ARSLVT) e não três, como lhe foi imputado no processo disciplinar. Na sentença recorrida, ao que releva para o conhecimento do objecto do presente recurso, avançou-se a seguinte fundamentação para julgar procedente a arguição do vício de violação de lei: “(…) Na presente acção, o autor não impugna a factualidade considerada provada no âmbito do processo disciplinar, designadamente que faltou ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008 e que acumulou o exercício de funções no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins com o exercício de funções no Hospital de Santa Maria sem autorização da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. para o efeito, tendo exercido funções naquele Hospital em períodos em que tinha apresentado certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no referido centro de saúde. No que respeita à medida da pena disciplinar aplicada, importa ter presente que “ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis” [Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/03/2007, proferido no Processo n.º0412/05]. À data em que foi proferida a deliberação impugnada nos autos, que aplicou ao autor a pena de suspensão por 180 dias, encontrava-se em vigor o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro. Contudo, à data em que foram praticadas as infracções disciplinares pelas quais o autor foi punido com a pena de suspensão, encontrava-se em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-lei n.º24/84, de 16 de Janeiro, uma vez que o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro, entrou em vigor em 01/01/2009 [artigo 7.º da Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro]. Nos termos do artigo 4.º, n.ºs 1 a 5, da Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro, “1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa. 2. O regime referido no número anterior abrange as disposições normativas do Estatuto relativas aos deveres funcionais, à sua violação e sancionamento, bem como ao respectivo procedimento, designadamente no que respeita à não previsão do anteriormente vigente instituto da infracção directamente constatada. 3. Os prazos de prescrição do procedimento disciplinar e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º4 do artigo 6.º do Estatuto, contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador. 4. O disposto no n.º5 do artigo 6.º do Estatuto não se aplica: a) Aos processos de inquérito e de sindicância que se encontrem instaurados, no que se refere ao prazo ali previsto para a sua instauração; b) Aos procedimentos disciplinares comuns que se encontrem instaurados, no que se refere ao prazo ali previsto para a sua instauração. 5. A pena de inactividade que se encontre proposta, aplicada ou em curso de execução é automaticamente convertida em pena de suspensão, pelo seu período máximo: a) Cessando, ou não se aplicando, os efeitos que produzia e que não sejam produzidos pela pena de suspensão; e b) Cessando imediatamente a sua execução quando aquele limite já se encontre atingido ou ultrapassado”. Atento o disposto na norma legal citada, conclui-se que as normas do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro, relativas, designadamente, aos deveres funcionais, à sua violação e sancionamento apenas são aplicáveis ao processo disciplinar em causa nos autos na medida em que a sua aplicação se revele, em concreto, mais favorável ao autor. (…) Da factualidade provada resulta que foi aplicada ao autor a pena de suspensão, por 180 dias, por, com a sua conduta, ter violado os deveres de zelo, lealdade e assiduidade, sendo imputados ao autor os seguintes factos, que foram considerados provados: i) o exercício de funções no Hospital de Santa Maria, em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, I.P.; ii) as ausências injustificadas ao serviço no período compreendido entre o dia 01/04/2008 e o dia 23/04/2008, que configuram faltas injustificadas para todos os efeitos legais; iii) o exercício de actividade profissional no Hospital de Santa Maria, no mesmo período em que apresentou os certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, estando conscientemente a dar justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, que não o impediu de exercer funções no Hospital de Santa Maria [alínea m) dos factos provados]. (…) Como já referimos, a deliberação impugnada aplicou ao autor a pena de suspensão por 180 dias por o mesmo, com a sua conduta, ter violado os deveres de zelo, lealdade e assiduidade. Nos termos do artigo 3.º, n.º1, n.º2, alíneas e), g) e i), e n.ºs 7, 9 e 11, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro,“1. Considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce. 2. São deveres gerais dos trabalhadores: e) O dever de zelo; g) O dever de lealdade; i) O dever de assiduidade. (…) 7. O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. (…) 9. O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço. (…) 11. Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas”. Relativamente às faltas dadas pelo autor no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, verifica-se que o mesmo, como reconhece na presente acção, apenas apresentou o atestado médico em 23/04/2008 [cfr. alíneas l) e m) dos factos provados], quando, nos termos do artigo 30.º, n.º1, do Decreto-lei n.º100/99, de 31 de Março, o funcionário ou agente impedido de comparecer ao serviço por motivo de doença deve indicar o local onde se encontra e apresentar documento comprovativo no prazo de cinco dias úteis, sendo que a falta de entrega do documento comprovativo da doença, se não for devidamente fundamentada, determina a injustificação das faltas dadas até à data da entrada do documento comprovativo nos serviços. Contudo, se é certo que a falta de apresentação de comprovativo da doença no prazo previsto na norma citada pode determinar que a falta seja considerada injustificada, quando a falta de entrega naquele prazo não seja devidamente fundamentada, o que tem consequências, desde logo, a nível remuneratório, não é menos certo que tais faltas, quando o comprovativo da doença seja apresentado tardiamente, não têm necessariamente relevância disciplinar, ou seja, podem não consubstanciar uma violação do dever de assiduidade. Com efeito, quer o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Decreto-lei n.º24/84, de 16 de Janeiro, quer o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro, admitem que as faltas consideradas injustificadas por força do disposto no artigo 30.º, n.º1, do Decreto-lei n.º100/99, de 31 de Março, sejam consideradas ausências justificadas para efeitos disciplinares. Assim, nos termos do artigo 71.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, “1. Sempre que um funcionário ou agente deixe de comparecer ao serviço durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados sem justificação, será pelo imediato superior hierárquico levantado auto por falta de assiduidade. 2. O disposto no número anterior não prejudica que o dirigente máximo do serviço considere, do ponto de vista disciplinar, justificada a ausência, se o funcionário ou agente fizer prova de motivos atendíveis”. Por sua vez, o artigo 40.º, n.ºs 3 e 4, do Estatuto dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas estabelece o seguinte: “3. Para os efeitos do disposto no número seguinte, quando um trabalhador deixe de comparecer ao serviço, sem justificação, durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, o respectivo superior hierárquico participa o facto, de imediato, ao dirigente máximo do órgão ou serviço. 4. O dirigente máximo do órgão ou serviço pode considerar, do ponto de vista disciplinar, justificada a ausência, determinando o imediato arquivamento da participação quando o trabalhador faça prova de motivos que considere atendíveis”. Ora, na situação dos autos, como já referimos, o autor apresentou um atestado médico, cuja veracidade não é questionada pela entidade demandada, relativo ao período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, o que significa que o autor não compareceu ao serviço neste período por se encontrar doente, tal como foi devidamente atestado por um médico. Nesta medida, ainda que as faltas dadas pelo autor naquele período não possam ser consideradas justificadas em virtude de o atestado médico ter sido apresentado após o termo do prazo previsto no artigo 30.º, n.º1, do Decreto-lei n.º100/99, de 31 de Março, tal não determina que a sua ausência naquele período se deva ter por violadora do dever de assiduidade, uma vez que a sua falta de comparência ao serviço encontrou o seu fundamento numa situação de doença comprovada mediante a apresentação, tardia é certo, de um atestado médico. Tendo presente o alegado pela entidade demandada, cumpre referir que não consta da acusação ou do Relatório Final do instrutor que o autor exerceu funções no Hospital de Santa Maria no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, de tal modo que se possa concluir que o mesmo, ao contrário do que resulta do atestado médico por si apresentado, não se encontrava doente. De facto, quer na acusação, quer no Relatório Final, apenas é referido que o autor exerceu funções no Hospital de Santa Maria quando se encontrava em situação de “baixa médica” nos períodos de 25/10/2007 a 31/10/2007, de 01/11/2007 a 13/11/2007, de 14/11/2007 a 26/11/2007, de 27/11/2007 a 07/12/2007, de 08/12/2007 a 08/01/2008 e de 10/01/2008 a 25/01/2008 [alíneas l) e m) dos factos provados]. Assim, concluímos que o facto de o autor ter faltado ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008 não consubstancia infracção disciplinar, uma vez que, atento o atestado médico apresentado, o mesmo se encontrava doente, não violando, assim, com a sua conduta, qualquer dos deveres que sobre si impendiam, sem prejuízo de a falta de entrega atempada do atestado médico poder consubstanciar uma violação do dever de zelo, que, no entanto, não assume qualquer relevância para efeitos de apreciação da legalidade da deliberação impugnada, uma vez que não foi esta a infracção imputada ao autor no processo disciplinar. Quanto ao exercício de funções pelo autor no Hospital de Santa Maria em períodos relativamente aos quais tinha apresentado atestado no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, consta do Relatório Final do instrutor do processo disciplinar, designadamente, o seguinte: “(…) 52. O arguido revelou: 52.1 O exercício de actividade profissional no Hospital de Santa Maria, no mesmo período em que apresentou os certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins (…), estando conscientemente a dar justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, que não o impediu de exercer funções no Hospital de Santa Maria, 52.1.2 Um consciente e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais no referido Centro, que atentam gravemente contra o prestígio do funcionário e da função que exerce pois como médico estava numa posição privilegiada, designadamente para saber que não poderia trabalhar noutro local enquanto se encontrava sob baixa médica, incorrendo por conseguinte na pena de suspensão prevista na alínea h) do artigo 17.º do Estatuto. (…).” [alínea m) dos factos provados]. Tal como consta da Acusação do processo disciplinar, o autor apresentou certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins de 25/10/2007 a 31/10/2007, de 01/11/2007 a 13/11/2007, de 14/11/2007 a 26/11/2007, de 27/11/2007 a 07/12/2007, de 08/12/2007 a 08/01/2008 e de 10/01/2008 a 25/01/2008, sendo que a Junta Médica de Verificação, em 14/03/2008, prorrogou o atestado médico do autor até 27/03/2008, data em que o autor se apresentou novamente a Junta Médica, que deliberou que o mesmo se encontrava apto a regressar ao serviço, onde se deveria apresentar a 01/04/2008 [alínea l) dos factos provados]. Ora, o facto de o autor ter exercido funções no Hospital de Santa Maria em períodos em que se encontrava de “baixa médica” não permite presumir que o mesmo deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, sendo certo que tal estado de saúde foi verificado pela Junta Médica de Verificação. Acresce que se é certo que o autor não podia trabalhar noutro local enquanto se encontrava em situação de “baixa médica”, não é menos certo que a sua ausência ao serviço no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins se encontrava justificada pelos atestados médicos apresentados, cuja veracidade não é, em rigor, questionada no processo disciplinar. Refira-se que o Relatório Final não é muito claro quanto à conduta do autor que reputa de violadora dos seus deveres funcionais, designadamente se a infracção disciplinar consiste em ter dado justificações falsas quanto ao seu estado de saúde ou se, de outro modo, a infracção resulta de o mesmo ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica”. Contudo, não obstante tal falta de clareza, certo é que, por um lado, não podemos concluir que se verificava o pressuposto de que partiu o instrutor do processo disciplinar, qual seja, que o autor deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, uma vez que, reitere-se, a situação de doença foi confirmada pela Junta Médica de Verificação. Por outro lado, o facto de o autor ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica” apenas consubstanciaria uma violação dos deveres de zelo, lealdade e assiduidade se pudéssemos concluir, e não podemos, por força dos atestados médicos apresentados, que o mesmo, naquele período, deveria ter trabalhado no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins.[sublinhados nossos] Assim, concluímos que o facto de o autor ter trabalhado no Hospital de Santa Maria quando se encontrava de “baixa médica” não consubstancia infracção disciplinar. Quanto a ter exercido funções no Hospital de Santa Maria, em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, I.P., o autor não nega este facto, referindo, no entanto, que apenas violou o dever de zelo e não os deveres de lealdade e assiduidade. Tendo presente que o dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço, verifica-se que na acusação não constam quaisquer factos que demonstrem que o autor, por força da acumulação de funções com o Hospital de Santa Maria, não desempenhou as suas funções no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins com subordinação aos objectivos do serviço.[idem] Acresce que, no Relatório Final do instrutor, apenas é referido que “Mais se diz na resposta à acusação que, da acumulação das funções não resultou qualquer prejuízo para os utentes do Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, quando ao invés ambos os Directores deste Centro confirmaram que dessa acumulação advieram prejuízos para o Centro (autos a fls. 16 e 126): por exemplo, no atendimento dos seus utentes e necessidade de substituição pelos colegas, com sobrecarga de trabalho que em circunstâncias normais – caso o arguido não faltasse indevidamente não se teriam colocado” [alínea m) dos factos provados]. O facto de o contrato celebrado entre o autor e o Hospital de Santa Maria prever um horário semanal de 35 horas é, por si só, insuficiente para concluirmos, como fez a instrutora do processo disciplinar no Relatório Final, mas sem que elencasse quaisquer factos concretos quanto a esta matéria, que existia uma sobreposição de horários, sendo que, se assim era, não se compreende a razão pela qual não é feita qualquer referência na acusação às faltas ao serviço dadas pelo autor por força da acumulação de funções, elencando-se apenas as faltas justificadas por atestado médico. É certo que o autor, como já referimos, trabalhou no Hospital de Santa Maria em períodos em que se encontrava de “baixa médica”. Contudo, como também já referimos, para que pudéssemos concluir que, com tal conduta, foram violados os deveres funcionais que impendiam sobre o autor no âmbito da sua relação de emprego público com a ARSLVT, I.P., era necessário que a entidade demandada tivesse demonstrado, no âmbito do processo disciplinar, sede própria para o efeito, que os atestados médicos apresentados pelo autor não correspondiam à realidade. Não podemos, também, concluir que o autor violou o dever de assiduidade, na medida em que ficou por demonstrar que o autor não compareceu ao serviço quando deveria tê-lo feito, ou seja, sem se encontrar em situação de doença e por exercer funções no Hospital de Santa Maria. [sublinhado nosso] Pelo exposto, concluímos que apenas o facto de o autor ter exercício funções no Hospital de Santa Maria, em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, I.P., consubstancia infracção disciplinar, por constituir uma violação do dever de zelo, pelo que a deliberação impugnada, uma vez que os demais factos imputados ao autor não consubstanciam infracção disciplinar, padece de vício de violação de lei, na medida em que viola o disposto no artigo 3.º, n.º1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, o que determina a sua anulação.[sublinhado nosso] (…)” Quanto à escolha e medida das penas, o artigo 20.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas estabelece o seguinte: “Na aplicação das penas atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 15.º a 19.º, à natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do arguido, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade da sua relação jurídica de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”. Atento o disposto no artigo 22.º, alínea a), do mesmo Estatuto, a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo constitui uma circunstância atenuante especial, sendo que, de acordo com o artigo 24.º, n.º1, alínea g), a acumulação de infracções constitui uma circunstância agravante especial. Ora, atendendo a que concluímos que o autor não praticou todas as infracções disciplinares que lhe foram imputadas no processo disciplinar e que o período da suspensão foi determinado tendo em consideração a pena que seria aplicável a cada uma das infracções cometidas [alínea m) dos factos provados], impõe-se concluir que a pena concretamente aplicada, ou seja, a suspensão por 180 dias, é desproporcionada, não sendo adequada à infracção disciplinar cometida pelo autor. (…) Assim sendo, tendo sido considerada na determinação da medida da pena disciplinar, como resulta do artigo 31.º da acusação, uma circunstância agravante que não se verifica, concluímos que a deliberação impugnada viola o disposto nos artigos 20.º e 24.º, n.º1, alínea g), do Estatuto dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, o que determina a sua anulação também com este fundamento. Pelo exposto, concluindo que a deliberação impugnada padece de vício de violação de lei, cumpre proceder à sua anulação.”. É contra o assim decidido que a Recorrente se insurge, reiterando que o ora Recorrido praticou três infracções e não apenas uma, tendo o tribunal recorrido errado no seu raciocínio ao não concluir pela falta de veracidade do atestado médico apresentado. Sustenta que a incapacidade temporária para o trabalho nele atestada pressupunha que o Autor e ora Recorrido não podia trabalhar nem no Centro de Saúde nem no Hospital de Santa Maria, locais onde exercia as mesmas funções, de médico. Reafirma a Recorrente que “tendo o Autor/Recorrido apresentado, no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença (vulgo, atestado médico) para os referidos períodos (outubro, novembro e dezembro de 2007 e janeiro de 2008), e mostrando-se provado que, nesses períodos, esteve a desenvolver as mesmas funções, médicas, no Hospital de Santa Maria, aí cumprindo um horário de 35 horas semanais e realizando, inclusivamente, bancos de urgência, de 24 horas (cfr. folhas 11, 12, 13 e 14 do processo instrutor), não se compreende em que medida é que possível concluir, como fez a decisão recorrida, que o Autor/Recorrido não estava a prestar justificações falsas quanto ao seu estado de saúde”// se a alegada doença de que o Autor/Recorrido padecia, atestada nos certificados de incapacidade temporária que apresentou, o impedia de o trabalhar no Centro de Saúde, por maioria de razão teria forçosa e igualmente de o impedir de trabalhar no Hospital de Santa Maria”. E que “a decisão recorrida enferma ainda de erro de julgamento ao concluir que a veracidade dos atestados médicos não foi posta em causa no processo disciplinar, pois, da acusação e do relatório final resulta claramente que foi posta em causa a veracidade destes atestados médicos, e retirado qualquer valor probatório a tais documentos atenta a prova documental e o reconhecimento confessório do próprio Autor/Recorrido relativamente a estes factos feito na contestação da acusação. // Efetivamente, é manifesto que, a validade, eficácia e credibilidade dos atestados médicos apresentados pelo Autor/Recorrido, foi posta em causa no processo disciplinar por outros meios de prova nele recolhidos, concretamente, os documentos que atestavam o exercício de funções no Hospital de Santa Maria naqueles períodos e bem assim pelo reconhecimento confessório que o Autor/Recorrido fez na contestação da acusação, admitindo incondicionalmente os factos de que foi acusado, inclusive, o de prestar falsas declarações quanto ao seu estado de saúde nos indicados períodos”. E assiste razão à Recorrente. Começando pela questão do valor probatório dos atestados médicos, temos que nos termos do disposto no art. 376.º do Código Civil, o atestado médico tem a força probatória própria de um documento com a sua natureza, a de documento particular que apenas é. E, nessa medida, trata-se de meio de prova a apreciar livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que gerada no espírito do julgador acerca da existência do facto (cfr., neste sentido, Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, p. 471; idem, Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2020 reimpressão, p. 165-166). Um atestado médico e uma declaração médica são documentos particulares: os factos compreendidos nas declarações neles consignadas consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, ou seja, dos médicos que os subscrevem (cfr., entre muitos outros, o ac. do TRL de 28.05.1991, proc. n.º 44461, o ac. do STJ de 25.10,1995, proc. n.º 4312, ou o ac. do STA de 17.03.1988, proc. nº 25277). E como se conclui no ac. do STJ de 3.05.2006, proferido no proc. n.º 251/06: “os dados sobre atestados médicos e relatórios médicos e exames auxiliares de diagnóstico, constituem documentos particulares emanados de terceiros e não das partes, o que compromete a possibilidade de terem força probatória plena sobre os factos compreendidos nas declarações deles constantes.” Ora, é nosso entendimento que, como alegado pela Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, desde logo ao concluir que no processo disciplinar não foi posta em causa a veracidade dos atestados médicos e do próprio relatório da Junta Médica, já que é claro que a validade, eficácia e credibilidade de tais documentos foi posta em causa nesse processo, fruto dos meios de prova recolhidos no mesmo, designadamente, os documentos comprovativos do exercício de funções do Autor/Recorrido no Hospital de Santa Maria nos períodos em referência (folhas 11 a 14 do processo instrutor) e o reconhecimento confessório do Autor/Recorrido relativamente ao exercício dessas funções e às falsas declarações sobre o seu estado de saúde no mencionado período (fls. 178 e seguintes do processo instrutor). Isso é o que resulta do provado em L) e M) do probatório, respectivamente do art. 20º da acusação e do art. 15º do relatório final, sendo neste ponto expressamente afirmado que “o arguido apresentou tempestivamente resposta à matéria da acusação (…), não se opondo à matéria de facto descrita na acusação (…) admitindo que a mesma corresponde à verdade”. Nos períodos em que o ora Recorrido apresentou os referidos atestados médicos, que o davam como doente e incapaz de trabalhar no Centro de Saúde, esteve, nesse mesmo período, a trabalhar em regime de tempo completo no Hospital de Santa Maria, aí realizando, inclusivamente, bancos de urgência de 24 horas (era chefe da Urgência de OML do HSM). A decisão recorrida, que concluiu que o facto de o ora Recorrido ter exercido funções no Hospital de Santa Maria, em regime de acumulação de funções, desde 3.01.2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, consubstanciava uma infração disciplinar, veio a entender que com esta conduta apenas foi violado o dever de zelo, mas não o dever de lealdade e o dever de assiduidade. Mas assim não é, como decorre do que se vem de dizer. Com efeito, estando a credibilidade do atestado pela declaração de incapacidade abalada, da prova existente deverá extrair-se antes uma conclusão extraída por presunção judicial. A presunção representa o juízo lógico pelo qual, argumentando segundo o vínculo de causalidade que liga uns com outros os acontecimentos naturais e humanos, podemos induzir a existência ou o modo de ser de um determinado facto que nos é desconhecido em consequência de outro facto ou factos que nos são conhecidos (cfr. o ac. do STJ de 3.04.1991, proc. n.º 2663). Por outro lado, como refere Luís Filipe Sousa, “num sistema de persuasão racional da prova, a prova por presunção possui igual hierarquia na suscetibilidade de influir na formação da convicção do julgador, ressalvadas as disposições que restringem a prova por presunções/testemunhas (arts. 393º a 395º) e situações de colisão da prova por presunção com um meio de prova legal ou tarifada” (cfr. ob. cit. p. 166); o que não é o caso. Donde, de acordo com as regras da experiência comum, estando, no período em referência, o Recorrido capaz de trabalhar no Hospital de Santa Maria, por maioria de razão, estaria capaz de trabalhar no Centro de Saúde nesse mesmo período. É apodítico afirmar que se, no período em causa, o Autor exerceu funções médicas no Hospital de Santa Maria, então era porque não se encontrava em condições de não poder trabalhar. Acresce que, no processo disciplinar consta devidamente evidenciada a sobreposição de horários, designadamente, através do confronto dos documentos constantes de folhas 136 e 146, ou seja, do horário de trabalho praticado no Hospital de Santa Maria e no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, respetivamente, especialmente no que respeita às urgências de 24 horas, realizadas 3 a 4 vezes ao mês no Hospital de Santa Maria que teriam, necessariamente, de ser realizadas no horário de trabalho do Centro de Saúde, sobrepondo-o. Nessa sequência, releva igualmente a circunstância de constar do Relatório Final do processo disciplinar expressamente que “ambos os Diretores deste Centro confirmaram que dessa acumulação advieram prejuízos para o Centro (autos a fls. 16 e 126); por exemplo no atendimento dos seus utentes e necessidade de substituição pelos colegas, com sobrecarga de trabalho que em circunstâncias normais – caso o arguido não faltasse indevidamente não se teriam colocado.” (ponto 22 do Relatório Final, alínea M) dos factos Provados). Ou seja, com a conduta em causa, de acumulação de funções sem autorização prévia da ora Recorrente, o ora Recorrido violou, para além do dever de zelo, também, os deveres de lealdade - desempenho das funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço - e assiduidade - comparecência ao serviço regular e continuamente (e nas horas que estejam designadas). Assim sendo, procede a alegação da Recorrente de que a sentença recorrida padece do vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação dos artigos 358.º e 376.º do Código Civil, devendo ser revogada. Perante o que vem de se dizer, terá o recurso que proceder integralmente, mantendo-se na ordem jurídica a decisão punitiva impugnada – a deliberação do Conselho Directivo da entidade demandada de 8.01.2009 que, no âmbito do processo disciplinar n.º 9/2008, lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 180 dias -, a qual se julga válida. • III. Conclusões Sumariando: i) Nos termos do disposto no art. 376.º do Código Civil, o atestado médico tem a força probatória própria de um documento com a sua natureza, a de documento particular que apenas é. Nessa medida, trata-se de meio de prova a apreciar livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que é gerada no espírito do julgador acerca da existência do facto. ii) Os dados sobre atestados médicos e relatórios médicos e exames auxiliares de diagnóstico, constituem documentos particulares emanados de terceiros e não das partes, o que compromete a possibilidade de terem força probatória plena sobre os factos compreendidos nas declarações deles constantes. iii) No processo disciplinar foi posta em causa a veracidade dos atestados médicos e do próprio relatório da Junta Médica, fruto dos meios de prova recolhidos no mesmo, designadamente, os documentos comprovativos do exercício de funções do Autor/Recorrido no Hospital de Santa Maria nos períodos em referência e o reconhecimento confessório do Autor/Recorrido relativamente ao exercício dessas funções. iv) De acordo com o que vem provado e de acordo com as regras da experiência comum, estando, no período em referência, o Recorrido capaz de trabalhar no Hospital de Santa Maria, inclusive em serviço de urgência, por maioria de razão, estaria capaz de trabalhar no Centro de Saúde nesse mesmo período. v) E da acumulação indevida e não autorizada advieram prejuízos para o Centro, por exemplo no atendimento dos seus utentes e necessidade de substituição pelos colegas, com sobrecarga de trabalho que em circunstâncias normais não se teriam colocado. vi) Pelo que o ora RECORRIDO violou, para além do dever de zelo, também, os deveres de lealdade - desempenho das funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço - e assiduidade - comparecência ao serviço regular e continuamente (e nas horas que estejam designadas), tal como constante do acto sancionatório impugnado. • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em: - Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e - Julgar a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido. Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias. Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021 Pedro Marchão Marques Alda Nunes Lina Costa O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 1.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento. Pedro Marchão Marques |