Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2846/10.2BELSB |
![]() | ![]() |
Secção: | CA |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 06/06/2024 |
![]() | ![]() |
Relator: | ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO |
![]() | ![]() |
Descritores: | DIREITO FUNDAMENTAL À DEFESA – VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA NOTIFICAÇÃO PESSOAL AO TRABALHADOR VISADO EM PROCESSO DISCIPLINAR DA ACUSAÇÃO PAPEL DO MANDATÁRIO EM PROCESSO DISCIPLINAR |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - O trabalhador optar por se representar a si próprio ou fazer-se representar por advogados nos termos gerais de direito (artigos 262.º e ss. do Código Civil), pelo que, vez junta a procuração de advogado, todas as notificações passam a ser realizadas junto deste, com exceção da notificação da acusação e decisão final, casos em que o legislador expressamente previu a notificação do trabalhador – vide artigos 49.º/1 e 57.º/1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro. II - O direito de audição é uma refração do próprio direito de defesa, cuja efetivação demanda conhecimento pelo trabalhador de toda a matéria acusatória (diremos, aliás, um pleno conhecimento do procedimento disciplinar) e uma real possibilidade de lhe responder, em prazo razoável, oferecendo as provas e requerendo as diligências pertinentes ao apuramento da verdade. II - Não é suficiente a notificação da Acusação ao mandatário, desde logo porque o artigo 49.º e 57.º/1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro impõem a notificação pessoal ao trabalhador arguido |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção SOCIAL |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A......., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 5 de dezembro de 2020, que no âmbito da ação administrativa especial, por si instaurada contra o Instituto Politécnico de Lisboa, julgou improcedente o pedido de anulação do despacho proferido pelo Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa, datado de 20/09/2010, que lhe determinou a aplicação de sanção disciplinar de suspensão efetiva de 45 dias. *** Formula a aqui recorrente, A......., nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“... *** O recorrido, Instituto Politécnico de Lisboa, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões: “… *** Por despacho proferido a 12 de abril de 2021, a Mm. ª juíza a quo, em apreciação da invocada nulidade parcial da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, deixou lavrado: “… Mas não lhe assiste qualquer razão, senão vejamos. Na fundamentação de direito (veja-se a fls. 22 da sentença), refere-se, desde logo, que, «(…) Atenta a configuração da relação material controvertida e as causas de invalidade imputadas ao ato impugnado, é de referir que a sentença deve resolver todas as questões, com exceção do conhecimento das questões prejudicadas pela solução dada a outras, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 95.º do CPTA e do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA. (…)», significando isto, que não há que conhecer de todos os vícios do acto sindicado, de acordo com o disposto no 95.º/1/CPTA, no que às questões que estejam prejudicadas respeita, além de que «(…) Como é sabido, o Tribunal não está vinculado pela qualificação jurídica feita pelas partes, por força do princípio geral do direito processual iura novit curia, expresso no n.º 3 do artigo 5.º do CPC.». Também na fundamentação de direito, se considerou que toda a factualidade se encontra descrita na acusação, da qual «(…) resulta a descrição dos factos que determinaram a instauração do processo disciplinar e quais os factos imputados à A., - essencialmente, consubstanciados na recusa em lecionar uma aula e os moldes em que o fez - que preenchem, no entender da Administração, a violação dos deveres de prossecução do interesse público, obediência, correção e lealdade, previstos no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), f), g) e h) e n.º 2 do Estatuto Disciplinar, assim como os que preenchem as circunstancias atenuantes e agravantes [não podendo, como é consabido, o relatório final propor a aplicação de uma sanção/pena disciplinar, nem a decisão final condenar a A., por [outros] factos que não os previstos na acusação. (…)», bem como se concluiu que, «(…) Daí que, as circunstâncias atenuantes especiais e agravantes especiais, previstas nos artigos 22.º e 24.ºdo EDTFP ainda que vinculadas no seu elenco, não deixam de conferir discricionariedade à Administração, outorgando-lhe poderes de livre valoração, para o preenchimento das alíneas aí previstas, de modo a ponderar aquelas circunstâncias que militem a favor ou contra o arguido. Não procede, assim, a argumentação da A. quanto à falta de precisão, clareza, objetividade e circunstancia dos factos que lhe são imputados, bem assim, como não procede o argumento aduzido sobre a acusação [e instrução] ter sido conduzida de forma unilateral, porquanto, notificada para prestar declarações e participar no procedimento e na formação da decisão [de acusar ou não acusar], a A. não compareceu para esse efeito [cfr. alíneas d), e), f), g), h), i) e k) do probatório]. À A. foi facultado o direito de prestar declarações, trazendo para o processo a sua versão dos factos, e indicar os meios de prova que reputasse necessários à defesa da sua tese. Porém, a A. optou por não participar no procedimento. Assim, improcedem os vícios imputados à acusação e à instrução do procedimento disciplinar.» - cfr. fls. 36-37 da sentença recorrida. Verifica-se, pois, que na matéria em questão, não deixou o Tribunal de se pronunciar, pelo que não se verifica a invocada nulidade da sentença (nem qualquer outra nulidade que a possa beliscar). Assim, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida (de fls. 521 e segs. do SITAF), subam os autos ao Venerando TCA Sul (cfr. cfr. art.º 145.º/2/CPTA – antes da revisão/2015). …” *** Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer. *** *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à inexistência na lista de agravantes da sanção disciplinar o não acatamento de orientações de serviço, bem como saber se ocorreu erro de julgamento na apreciação do direito aplicável aos autos por se verificarem ilegalidades que inquinariam a sanção de suspensão de funções aplicada, mormente a inexistência prévia de parecer do Conselho Permanente do IPL, a consideração como agravante de facto não constante no artigo 24.º do EDTFP e a não notificação da trabalhadora arguida da Acusação e do Relatório final. *** III – FUNDAMENTOS III.1. DE FACTO Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade que não vem impugnada, pelo que se mantém: “... – cfr. Fls. 83 a 92 dos autos. m) A instrutora do processo disciplinar remeteu, por protocolo com a Escola Superior de Tecnologia da Saúde, o ofício registado com o n.º 2627, para notificação da acusação à A., o qual foi recebido pela referida Escola na mesma data – cfr. ofício e documento a fls. 70 e 71 dos autos. n) Em 03/08/2010, a instrutora do processo remeteu ofício à A. com cópia da acusação, com o n.º 2625, remetido por carta registada com aviso de receção, para a morada sita na Rua de S......., n.º …… Esq., 2685-... Portela Loures - cfr. fls. 74 a 77 dos autos. o) Na mesma data, por ofício registado com o n.º 2626, a instrutora notificou os mandatários da A., da acusação deduzida no processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida – cfr. ofício a fls. 78 a 80, dos autos e acusação a fls. 83 a 92 dos autos. p) Em 05/08/2010, não tendo conseguido entregar pessoalmente à A. o ofício remetido pela instrutora do processo, a Escola Superior de Tecnologia da Saúde remeteu à A. a acusação que lhe fora remetida pela instrutora do processo, por carta registada com aviso de receção, para a morada Rua P......., n.º …… Esq., 2685-2....... Portela Loures, a qual veio devolvido com a informação “Objeto não reclamado” – cfr. fls. 72 e 73 dos autos. q) A morada indicada na alínea p) antecedente, fora indicada pela A. para efeitos de inscrição na ADSE – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação do IPL. r) Em 13/08/2010, o ofício mencionado na alínea n) supra veio devolvido com indicação “Objeto não reclamado” – cfr. fls. 74 a 77 dos autos. s) Em 10/09/2010, a instrutora do processo disciplinar elaborou relatório final, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual propôs a aplicação da pena de suspensão efetiva pelo período de 45 dias – cfr. fls. 58 a 67 dos autos. t) A proposta de aplicação à A. da pena disciplinar de suspensão efetiva por 45 dias, mereceu a concordância do Administrador e do Presidente do IPL, por despachos apostos no relatório final, em 20/09/2010 – cfr. despachos de concordância a fls. 59 dos autos. u) Em 26/09/2010, a A. cessou o contrato de trabalho em funções públicas com o IPL – por acordo das partes. v) Por ofício n.º 3028, datado de 27/09/2010, remetido por carta registada com aviso de receção, para a morada sita em Rua de S......., nº 2, 1º Esq., 2685-2…. Portela Loures, a A. foi notificada da decisão final proferida no processo disciplinar – cfr. ofício e AR assinado pela A., a fls. 51 a 53 dos autos. w) Por ofício n.º 3027, datado de 27/09/2010, remetido por carta registada com aviso de receção, os mandatários da A. foram notificados da decisão final proferida no processo disciplinar – cfr. fls. 54 a 56 dos autos. x) Em 13/12/2010, foi homologado o resultado do ato eleitoral das personalidades externas ao Conselho Geral do IPL – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação do IPL. y) Aquando dos factos constantes das alíneas p) e r) supra, a A. encontrava-se ausente em gozo de férias no estrangeiro – por acordo das partes.” *** Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados, o seguinte: “… 2) Que em 24/05/2010, a A. apresentou no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, participação criminal contra o participante, Prof. N..., e contra o aluno H..., pelos factos que vieram a constituir fundamento para o processo disciplinar, imputando-lhes a prática do crime de abuso de poder e de difamação agravada – artigos 33.º e 34.º da petição inicial.” E quanto à motivação da matéria de facto: “Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cfr. artigos 94.º e 95.º do CPTA e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi do artigo 1.º, do CPTA]. Face à questão a decidir, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos com os respetivos articulados e constantes do PA, supra id., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes. De referir que, o IPL aceitou os factos alegados pela A., vertidos nos artigos 1.º a 10.º, 11.º a 15.º, 18.º a 31.º e 35 da petição inicial, porém com as ressalvas constantes da contestação apresentada, concretamente nos artigos 5.º a 21.º. Assim, quanto aos factos não provados, o Tribunal entende que se tratam de factos suscetíveis de prova documental e que, por isso, não se bastam com a mera alegação. Para além disso, do que resulta dos autos, a A. alega residir numa morada que não é a morada para a qual foi notificada [e recebeu as notificações] da instauração do procedimento disciplinar e da decisão final proferida no procedimento disciplinar, assim como para onde foi remetida a acusação do processo disciplinar, pese embora neste último caso se afigure existir lapso na identificação do n.º de andar [1º em vez 12.º]. Ademais, cotejada a petição inicial, verifica-se que a morada constante do respetivo cabeçalho não coincide com nenhuma das moradas indicadas [sendo que, a morada indicada na petição inicial presume-se como boa]. Relativamente ao facto n.º 2, o Tribunal entende também ser suscetível de prova documental, o que não foi demonstrado nos autos. Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou serem meramente exemplificadores/contextualizadores, pelo que, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados]. …” *** Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência. A) Da nulidade de sentença por omissão de pronúncia Foi alegado no recurso que na “acusação” do processo disciplinar instaurado contra a recorrente que “... contra a Docente ora aqui Arguida, militam circunstâncias agravantes, designadamente, o facto de, a partir das ocorrências do dia 20 de Março, de 2010, manifestar dificuldade em aceitar e acatar as ordens/orientações dos seus Superiores Hierárquicos...”, concluindo que entre o elenco das circunstâncias agravantes especiais, previstas no artigo 24.º do EDTEFP não se descortina qualquer tipo de agravante que se subsuma a "manifestar dificuldade em aceitar/acatar orientações dos seus superiores hierárquicos". A entidade recorrida rejeita qualquer nulidade de sentença. E com razão, por aquele vício não existir, como veremos. De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. Vejamos, que questões foram colocadas ao Tribunal para apreciar? A recorrente, na 1.ª instância autora, impugnou o despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa, datado de 20/09/2010, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão efetiva de 45 dias, invocando que previamente à decisão da aplicação à autora da pena disciplinar de suspensão não foi colhido parecer do Conselho Permanente; que ocorreu violação do disposto no artigo 49.º, n.º 1do Estatuto Disciplinar dos Funcionários que Exercem Funções Públicas [EDTEFP], uma vez que a não foi a autora notificada pessoalmente da acusação, o que constituiria uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 37.º, n.º 1 do EDTEFP. Mais invocou inexistir circunstância agravante, por não estarem identificados factos concretos passiveis de ser enquadrados nas circunstâncias agravantes especiais. Ora, a decisão recorrida sobre o assunto pronuncia-se referindo que “...Em obediência ao princípio fundamental da audiência, a acusação tem de cumprir os requisitos do artigo 48.º, nº 3, do EDTFP, ou seja, a acusação contém a indicação dos factos integrantes da infração, as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da mesma, bem como das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando a referência aos preceitos legais respetivos e às sanções disciplinares aplicáveis....” e ainda que “... Dando por reproduzido tudo quanto supra se expôs, da leitura da acusação deduzida no processo disciplinar [cfr. alínea l) do probatório], resulta a descrição dos factos que determinaram a instauração do processo disciplinar e quais os factos imputados à A.,- essencialmente, consubstanciados na recusa em lecionar uma aula e os moldes em que o fez - que preenchem, no entender da Administração, a violação dos deveres de prossecução do interesse público, obediência, correção e lealdade, previstos no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), f), g) e h) e n.º 2 do Estatuto Disciplinar, assim como os que preenchem as circunstancias atenuantes e agravantes [não podendo, como é consabido, o relatório final propor a aplicação de uma sanção/pena disciplinar, nem a decisão final condenar a A., por [outros] factos que não os previstos na acusação...”, terminando a concluir que “... Daí que, as circunstâncias atenuantes especiais e agravantes especiais, previstas nos artigos 22.º e 24.ºdo EDTFP ainda que vinculadas no seu elenco, não deixam de conferir discricionariedade à Administração, outorgando-lhe poderes de livre valoração, para o preenchimento das alíneas aí previstas, de modo a ponderar aquelas circunstâncias que militem a favor ou contra o arguido...”. Saber se se pronunciou com adequada interpretação do direito ou saber se o fez profusamente ou sinteticamente é outra questão, mas não se pode concluir ter ocorrido omissão de pronúncia como ela vem configurada como fundamento de nulidade de sentença, razão pela qual não pode proceder a suscitada nulidade. B) Da inexistência prévia de parecer do Conselho Permanente do IPL A recorrente defende que previamente à aplicação à recorrente da pena de suspensão não foi colhido parecer do conselho permanente. Concretiza que a pena de suspensão é uma pena grave, e que o artigo 26.º, n.º 1, alínea m) dos Estatutos do IPL, publicados no Diário da República, II Série, n.º 98, de 21/05/2009, determina ser competência do Presidente do IPL exercer o poder disciplinar, em conformidade com a lei e os presentes estatutos, obrigando-se a parecer favorável do conselho permanente no que se refere à aplicação de penas graves. Ao contrário, alega a recorrido que, sendo a pena de suspensão uma pena grave, o artigo 26.º, n.º 1, alínea m) dos Estatutos do IPL, publicados no Diário da República, II Série, no 98, de 21/05/2009, determina ser competência do Presidente do IPL “...Exercer o poder disciplinar, em conformidade com a lei e os presentes estatutos, obrigando-se a parecer favorável do conselho permanente no que se refere à aplicação de penas graves...”. É também o que resulta do artigo 33º, nº 2 dos Estatutos do IPL. Defende, porém, que apenas a 13 de dezembro de 2010, logo, em momento posterior ao despacho de concordância com o relatório final que propôs a aplicação da pena de suspensão do exercício de funções efetiva pelo período de 45 dias à recorrente, é que foi homologado o resultado eleitoral das personalidades externas do Conselho Geral, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 16.º dos Estatutos do recorrido. Daqui resulta que pelo disposto na alínea b) do no 2 do artigo 184.º da Lei no 62/2007, de 10 de setembro, não tinha ainda entrado em funcionamento o novo sistema de órgãos de governo, criado na sequência da referida Lei, cabendo apenas ao Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa a decisão, não sendo exigível o referido pedido de parecer ao Conselho Permanente. Vejamos. Decidiu o Tribunal a quo que “... Em 10 de setembro de 2007, foi publicada a Lei n.º 62/2007, que aprovou o regime jurídico das instituições de ensino superior [RJIES]. [...] Nos termos do artigo 184.º, do RJIES, sob a epígrafe “Entrada em vigor”, onde se determinou que “... 1- A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação, salvo no que depender da aprovação dos novos estatutos das instituições de ensino superior e da entrada em funcionamento dos novos órgãos. 2 - O novo sistema de órgãos de governo entra em funcionamento: a) Com a tomada de posse do novo reitor ou presidente; ou b) No prazo de cinco dias úteis sobre a data da conclusão do processo de constituição e tomada de posse do conselho geral, na ausência de declaração de renúncia do reitor ou presidente no caso de se encontrar abrangido pelo n.º 3 do artigo 174.º..”. Prossegue referindo e explicitando que “... Ora, de acordo com o artigo 78.º da Lei n.º 62/2007, de 10/9, “... 1 - O governo dos institutos politécnicos é exercido pelos seguintes órgãos: a) Conselho geral; b) Presidente; c) Conselho de gestão. 2 - Além dos órgãos previstos no número anterior, os estatutos podem prever a existência de outros órgãos, de natureza consultiva...” e que “... O artigo 92.º, n.º 1, alínea m), do mesmo diploma, determina que a competência para o exercício do poder disciplinar pertence ao Presidente do IPL, a exercer nos termos da lei e dos Estatutos...”. E ainda que “... Os Estatutos do IPL para além de instituírem os órgãos de gestão [Conselho Geral, Presidente e Conselho Fiscal], preveem igualmente órgãos consultivos, ao abrigo da norma habilitante, prevista no artigo 78.º do RJIES, entre eles o Conselho Permanente...”, sendo que “... Em 21 de maio de 2009, foram publicados os Estatutos do IPL, já ao abrigo do RJIES, com a publicação em Diário da República 2ª Série, da mesma data, do Despacho normativo n.º 20/2009...” e “... Por sua vez, e para o que ora importa, o artigo 33.º, n.º 2 estatui que ¯2 — Compete ainda ao conselho permanente dar parecer sobre o exercício do poder disciplinar, em conformidade com o disposto na lei e nos presentes estatutos, no que se refere à aplicação de penas graves...”. Ainda fundamenta, de modo claro, a sentença recorrida que “... face à entrada em vigor do RJIES, o artigo 48.º dos Estatutos do IPL estatui que ¯ 1. Os mandatos dos membros dos órgãos do IPL são prorrogados até à entrada em funcionamento do novo conselho geral, segundo o quadro de poderes emergentes dos novos estatutos, devendo limitar–se à prática dos actos de gestão necessários ao regular funcionamento do respectivo órgão. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 174, n.º 3 da Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro, após a publicação dos presentes estatutos devem realizar-se eleições para todos os órgãos do IPL, no prazo máximo de quatro meses....”. O Tribunal a quo fez uma correção subsunção do direito aplicável e acima descrito aos factos provados, referindo que “... Ora, face ao enquadramento suprareferido resulta que com a publicação dos estatutos do IPL foram criados novos órgãos consultivos, entre eles o Conselho Permanente. Todavia, a entrada em funcionamento dos referidos órgãos ocorreu em momento posterior à prolação do despacho que concordou com as conclusões do relatório final elaborado pela instrutora do processo disciplinar e decidiu aplicar à A a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 45 dias [cfr. alíneas s), t) v) e x) do probatório]...”. E de modo acertado, não se vendo razão para divergir deste entendimento bem fundamentado. Sublinha.se que a letra da lei não deixa dúvidas: os mandatos dos membros dos órgãos do IPL são prorrogados até à entrada em funcionamento do novo conselho geral e que A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação, salvo no que depender da aprovação dos novos estatutos das instituições de ensino superior e da entrada em funcionamento dos novos órgãos [cfr artigos artigo 48.º dos Estatutos do IPL e artigo 184.º, do RJIES, sob a epígrafe “Entrada em vigor”]. C) Da não notificação da trabalhadora arguida da Acusação e do Relatório final – violação do direito de audiência Alega a recorrente sobre o assunto que ninguém pode ser condenado sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de ser ouvido, impõe-se recensear os factos que atestam o estranho procedimento da instrutora e, depois, a forma como a lei foi aqui aplicada já que, inusitadamente, a instrutora em pleno mês de Agosto, remeteu a notificação da acusação para endereço errado. Não pode existir a aplicação de sanção disciplinar sem que exista a possibilidade do trabalhador se de se defender e, nessa medida, se fazer ouvir. O trabalhador tem direito à existência de um processo disciplinar e a que a nesse processo existam as devidas garantias da sua audição e defesa, esse processo deve configurar-se como um processo justo. Sendo que o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e de defesa é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade de procedimento disciplinar. Sendo o direito de audição uma refração do próprio direito de defesa, sobretudo o é o direito ao contraditório, cuja efetivação demanda conhecimento pelo trabalhador de toda a matéria acusatória (diremos, aliás, um pleno conhecimento do procedimento disciplinar) e uma real possibilidade de lhe responder, em prazo razoável, oferecendo as provas e requerendo as diligências pertinentes ao apuramento da verdade. O momento disciplinar por excelência da operacionalização do contraditório é o da confrontação com a acusação e a possibilidade de lhe responder, recaindo sobre a acusação as exigências de determinabilidade precisa dos factos imputados ao trabalhador e sua qualificação jurídica. A acusação é a pedra de toque da defesa do trabalhador, o pilar do contraditório. Pode, assim, o trabalhador optar por se representar a si próprio ou fazer-se representar por advogados nos termos gerais de direito (artigos 262.º e ss. do Código Civil). Uma vez junta a procuração de advogado todas as notificações passam a ser realizadas junto deste, com exceção da notificação da acusação e decisão final, casos em que o legislador expressamente previu a notificação do trabalhador – vide artigos 49.º/1 e 57.º/1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro. Ora, está provado que, no dia 30 de março de 2010, foi remetida por carta registada, para a recorrente, na Rua Vasco S......., n.º…….º Esq., 2685-….5 Portela LRS, de que fora instaurado processo disciplinar (alínea d), dos factos provados) e está provado, também, que em 22 de abril de 2010, a recorrente constituiu mandatário – (alínea e), dos factos provados), constando da sua Petição Inicial a seguinte morada como sendo a da recorrente “Rua S......., n.º......Esq., 2685-….5 - Portela LRS”. Consta, ainda, do probatório que, em 2 de agosto de 2010, a instrutora deduziu acusação contra a recorrente (alínea l) dos factos provados) e que em 3 de agosto de 2010 a instrutora remeteu à recorrente, mas para a Escola Superior de Tecnologia da Saúde, o ofício n.º 2627, notificando-a da acusação, remetendo, ainda, a instrutora também, no mesmo dia, para os mandatários do recorrente ofício com essa mesma acusação (alínea o) dos factos provados). E está provado como “factos não provados” que a morada comunicada ao IPL pela autora, aqui recorrente, seria a Rua vasco S......., n.º......Esquerdo, 2685-….5, Portela Loures (facto não provado 1)). Todavia, está provado que todas as comunicações recebidas pela recorrente, durante a instrução do processo disciplinar, foram dirigidas para a seguinte morada - Rua vasco S......., n.º......Esquerdo, 2685-….5, Portela Loures (factos provados d), f)) e provado também foi que a notificação feita à recorrente, trabalhadora visada no processo disciplinar, da acusação foi feita para morada incorreta, tendo sido dirigida para Rua S......., n.º ……º Esquerdo, 2685-….6 Portela LRS (facto provado n)). Ou seja, a instrutora redigiu um ofício, à recorrente - ofício 2625 – com a acusação do processo disciplinar - para a “Rua S......., n.º…..º Esquerdo, 2685-…6 Portela LRS”, onde a trabalhadora visada não residia, razão pela qual veio devolvida (facto provado r)). E isto sem prejuízo de, no mesmo dia, ter a acusação sido notificada ao seu mandatário (facto provado o)). Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo, pelo que o direito de audiência no âmbito de procedimento disciplinar é um direito fundamental e compreende não só o direito do trabalhador arguido a ser ouvido, como o direito a defender-se da acusação. Provado que está que a notificação da Acusação à própria não foi feita, por ter sido dirigida para endereço errado, por erro da entidade recorrida, resta saber se, estando também provado que essa notificação da Acusação foi regularmente feita ao mandatário constituído no processo disciplinar se isso basta para se dar como respeitado o direito de audiência (facto provado o))? Determina o artigo 49.º/1 e 2 da Lei 58/2008, de 9 de setembro que: 1 - Da acusação extrai-se cópia, no prazo de quarenta e oito horas, para ser entregue ao arguido mediante notificação pessoal ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção, marcando-se-lhe um prazo entre 10 e 20 dias para apresentar a sua defesa escrita. 2 - Quando não seja possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por ser desconhecido o paradeiro do arguido, é publicado aviso na 2.ª série do Diário da República, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 30 nem superior a 60 dias contados da data da publicação. E isto independentemente da notificação ao mandatário. Como se disse acima, o trabalhador pode optar por se representar a si próprio ou fazer-se representar por advogados nos termos gerais de direito (artigos 262.º e ss. do Código Civil), pelo que, uma vez junta a procuração de advogado, todas as notificações passam a ser realizadas junto deste, com exceção da notificação da acusação e decisão final, casos em que o legislador expressamente previu a notificação do trabalhador – vide artigos 49.º/1 e 57.º/1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro. Assim, verifica-se, a violação do direito de audiência, por falta de notificação da acusação, violando, por isso, igualmente, o seu direito fundamental de defesa. *** Em consequência, será de negar/conceder provimento ao recurso, e em revogar a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente.* IV – DISPOSITIVO Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e em revogar a decisão recorrida, com a fundamentação antecedente, procedendo o pedido e anulando a decisão sancionatória. Custas a cargo da entidade recorrida. Registe e Notifique. Lisboa, dia 6 de junho de 2024 (Eliana de Almeida Pinto - Relatora) (Julieta França – 1.ª adjunta) (Luís Freitas - 2.º adjunto) |