Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 434/05.4BECTB-C |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/10/2025 |
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Relator: | PAULA FERREIRINHA LOUREIRO |
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Sumário: | ![]() |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SUBSECÇÃO DE CONTRATOS PÚBLICOS DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO C... , S.A. (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida em 05/01/2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Castelo Branco que, no incidente de liquidação de sentença por si requerido contra o Município de Ponte de Sôr (Recorrido), julgou verificada a intempestividade da dedução do dito incidente de liquidação de sentença e, em consequência, absolveu o Recorrido da instância. Com efeito, na ação administrativa comum que a agora Recorrente propôs contra o Recorrido, a Recorrente veio, entre o mais, peticionar a condenação do agora Recorrido no pagamento de uma indemnização no montante total de 763.638,27 Euros, sendo 730.937,91 Euros a título de capital em dívida e 32.700,36 Euros a título de juros moratórios contabilizados até 21/09/2005, condenação essa acrescida dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento dos montantes em dívida. A pretensão declarativa da Recorrente alicerçou-se na execução de um contrato de empreitada celebrado entre a mesma e o Recorrido, no âmbito do qual, entre outras vicissitudes, ocorreram trabalhos a mais, trabalhos a menos e trabalhos alterados. Por sentença prolatada em 05/09/2017, a ação em causa foi julgada parcialmente procedente, foi declarado o incumprimento do contrato pelo Recorrido, tendo este sido ainda condenado a pagar à agora Recorrente «o montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação». Transitada em julgado a aludida sentença, a agora Recorrente veio, em 12/02/2020, requerer incidente de liquidação de sentença, mos termos do qual peticionou o seguinte: «1. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 412.160,35 (quatrocentos e doze mil e cento e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos), a título de trabalhos contratuais e a mais (adicionais) executados, faturados e não pagos, acrescida de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde a data de vencimento das faturas n.°s 4122000141 e 4122000142, em 24.03.2005, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 232.953,81; 2. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 203.209,50 (duzentos e três mil duzentos e nove euros e cinquenta cêntimos) a título de revisão de preços, acrescido de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde a data de vencimento da fatura n.° 4122000140, em 24.03.2005, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 245.538,21; 3. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 64.831,91 (sessenta e quatro mil oitocentos e trinta e um euros e noventa e um cêntimo), a título de revisão de preços, acrescido de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas iegais desde a data de notificação da ampliação do pedido ao R.; em 24.11.2015, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 18.632,34; 4. Condenar o R. no pagamento dos juros capitalizados sobre os juros vencidos, calculados às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde 07.01.2020 e até integral e efetivo pagamentos, os quais em 07.02.2020 ascendiam a € 5.511,55.» Como se referiu, em 05/01/2021 foi prolatada decisão que julgou verificada a intempestividade da dedução do dito incidente de liquidação de sentença e, em consequência, absolveu o Recorrido da instância. Inconformada com o julgamento realizado, a Recorrente vem, então, interpôr o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: «A) Em 5 de setembro de 2017, o TAF de Castelo Branco, depois de concluir pelo incumprimento, pelo Recorrido, do contrato de empreitada celebrado entre ele e a Recorrente, e pela parcial procedência da ação proposta pela ora Recorrente, proferiu sentença de condenação genérica. Foi no seguimento dessa sentença, entretanto transitada em julgado, que, em 12 de fevereiro de 2020, a ora Recorrente desencadeou o respetivo incidente de liquidação. B) Confrontado com o referido pedido da Recorrente, o TAF de Castelo Branco determinou, oficiosamente, a notificação das Partes para se pronunciarem sobre a eventual verificação de exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual, em concreto, da eventual caducidade do direito de deduzir o incidente de liquidação de sentença. A ora Recorrente pronunciou-se, pugnando pela improcedência da referida exceção. C) Todavia, em 5 de janeiro de 2021, o Tribunal proferiu a Decisão Recorrida, através da qual julgou procedente a referida exceção dilatória e absolveu o Recorrido da instância, porquanto entendeu que o incidente de liquidação (i) era regulado pelo disposto no CPTA (e não pelo CPC) e (ii) deveria ter sido proposto no prazo previsto no artigo 170.º, n.º 2 do CPTA. D) Tal entendimento é, porém, totalmente improcedente, uma vez que (i) o incidente de liquidação de sentença não é regulado autonomamente no CPTA, pelo que se aplica, supletivamente, o regime do CPC, nos termos do disposto no artigo 1.º do CPTA, (ii) o artigo 170.º do CPTA tem um âmbito de aplicação limitado que não abrange os incidentes de liquidação, (iii) na Decisão Recorrida não se identifica uma única suposta especificidade própria do contencioso administrativo que aponte para (muito menos, que justifique) a desaplicação do regime decorrente do CPC e (iv) não se encontra esgotado o prazo concretamente aplicável ao caso. As incorreções da decisão recorrida E) O artigo 170.º do CPTA é totalmente inaplicável aos incidentes de liquidação de sentença que sejam deduzidos em contencioso administrativo. Com efeito, a referida disposição normativa (i) não faz qualquer referência ou menção ao incidente de liquidação de sentença e (ii) referese à execução de sentenças de condenação no pagamento de quantia certa, pelo que diz unicamente respeito ao processo executivo. F) Ora, no caso, não existe condenação no pagamento de quantia certa nem tão pouco a sentença de condenação genérica proferida consubstancia um título executivo idóneo a autorizar o início de uma ação executiva, nos termos do disposto no artigo 704.º, n.º 6 do CPC. Com efeito, uma sentença de condenação genérica não é título executivo porque, não estando liquidada, não é exequível. G) A Decisão Recorrida é, aliás, incongruente e contraditória quanto a saber qual seria o título executivo que, supostamente, relevaria na presente situação: começa por afirmar que, perante uma sentença de condenação genérica, o título executivo relevante se traduziria num suposto binómio execução espontânea-petição de execução de sentença condenando em quantia certa, mas acaba por argumentar que “o título executivo é a sentença”. Por aqui fica bem evidenciada a total ausência de sustentação da Decisão Recorrida. H) A Decisão Recorrida procura ainda ultrapassar esta dificuldade, invocando uma pretensa “vocação executória” do incidente de liquidação (que ainda seria declarativo). É manifesta a incorreção deste ponto de vista, porquanto (i) um processo ou é declarativo ou é executivo, (ii) não existe uma pretensa “vocação executória” no incidente de liquidação declarativo e (iii) a circunstância de a dedução do incidente de liquidação ser necessariamente anterior à ação executiva, não determina que aquela tenha de ocorrer no prazo desta. I) Primeiro, ao reconhecer que o incidente de liquidação de sentença é declarativo, torna-se inviável qualificar a sentença que serve de base ao seu desencadeamento como um título executivo. J) Segundo, o conceito de vocação executória não consta nem flui da lei (processual administrativa ou processual civil), não estando a ele associado qualquer regime jurídico. Entender o contrário seria admitir a presença dessa vocação executória em todos os processos (declarativos ou executivos, principais ou cautelares, urgentes ou não). Na verdade, ao dirigir se a um tribunal, todo o interessado pretende que, esclarecido o quadro factual relevante, declarado o direito aplicável e decretadas as respetivas providências jurisdicionais, o efeito destas se projete para além do processo, vinculando ao seu cumprimento todos os que estiverem abrangidos pelo caso julgado. K) Terceiro, a Decisão Recorrida reconhece que o incidente de liquidação constitui uma realidade necessariamente anterior à execução, de tal forma que não é possível avançar para esta (isto é, desencadear o respetivo processo executivo) sem que, antes disso, esteja liquidada a sentença. L) É também improcedente o argumento avançado pela Decisão Recorrida relativo à existência de supostas especificidades próprias do contencioso administrativo, porquanto (i) a Decisão Recorrida não aponta ou concretiza que especificidades sejam essas e (ii) o segmento citado na Decisão Recorrida a este propósito não tem nada que ver com o artigo 170.º do CPTA, tendo por objeto a existência de um regime jurídico do processo executivo específico no contencioso administrativo, o que não adianta o que quer que seja relativamente ao incidente de liquidação de sentença. M) A Decisão Recorrida invoca ainda supostas exigências de segurança e certeza jurídicas que justificariam que o incidente de liquidação de sentença em contencioso administrativo tivesse de ser deduzido no prazo de caducidade do artigo 170.º do CPTA, sob pena de ocorrer uma suposta eternização do litígio, e uma perpetuação no tempo do direito de liquidação da sentença. N) Também esta argumentação da Decisão Recorrida está totalmente incorreta, e é contraditória nos seus próprios termos, uma vez que (i) todas as considerações tecidas a este propósito na Decisão Recorrida são indistintamente aplicáveis a litígios apenas entre particulares e a dissídios que oponham estes à Administração e (ii) não existe nenhum fundamento para, diversamente do que ocorre no quadro do CPC, sujeitar a dedução do incidente de liquidação de sentença em contencioso administrativo a um prazo de caducidade, que manifestamente não tem respaldo legal. O) Ademais, a conclusão a que chega a Decisão Recorrida desconsidera (i) que não há qualquer perpetuação ou eternização do litígio, uma vez que o prazo de prescrição aplicável não deixa de o ser e (ii) a realidade das empresas e, em geral, dos particulares, sobretudo em Portugal. P) Salienta-se, ainda, que é incorreta a observação da Decisão Recorrida quanto à inaplicabilidade do Acórdão do TCA Norte de 28.04.2017 (Processo n.º 00495/2002), o qual é lapidar na afirmação de que aos incidentes de liquidação de sentença em contencioso administrativo se aplica o prazo ordinário de prescrição de vinte anos e não o disposto no n.º 2 do artigo 170.º do CPTA. Com efeito, o referido acórdão do TCA Norte é inteiramente aplicável no caso dos autos, pois em ambos está em causa a discussão da mesmíssima questão, sendo irrelevante, para o efeito, a circunstância de num se referir um direito de indemnização e no outro um incumprimento contratual da Administração. A boa interpretação do artigo 170.º do CPTA Q) A pura e simples aplicação dos cânones tradicionais (e legalmente determinados) da interpretação jurídica constitui fator adicional de demonstração de tudo quanto se expôs, e permite concluir que o artigo 170.º do CPTA é totalmente inaplicável ao caso sub judice. R) Primeiro, no tocante ao elemento literal, a letra do artigo 170.º, n.os 1 e 2 do CPTA não admite a sua aplicação aos incidentes de liquidação, porquanto se restringe aos casos de execução, e em particular, de execução de sentença de condenação para o pagamento de quantia certa, o que não se verifica no caso sub judice, porquanto estamos perante um incidente de liquidação com natureza declarativa de uma sentença de condenação genérica. S) Segundo, no tocante ao elemento sistemático, o artigo 170.º do CPTA encontra-se sistematicamente integrado no Título VII (Do processo executivo) e no respetivo Capítulo III (Execução para pagamento de quantia certa), pelo que é evidente que as disposições constantes neste Capítulo não são aplicáveis aos incidentes de liquidação, que não são regulados no CPTA. T) Terceiro, no tocante ao elemento histórico – e considerando o teor do anteprojeto ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na versão de 06.11.1997 – é evidente que o legislador omitiu, deliberadamente, a regulação das obrigações ilíquidas ou de condenações genéricas, solução que se percebe, considerando que o CPC – que regula expressamente esta a matéria – é aplicável supletivamente aos processos administrativos, nos termos do disposto no artigo 1.º do CPTA (remissão essa que abrange os incidentes aí previstos e regulados, incluindo o incidente de liquidação de sentença). U) Quarto, no tocante ao elemento teleológico, impõe-se concluir que o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 170.º do CPTA não se aplica ao caso concreto, visto que (i) não existe qualquer condenação no pagamento de quantia certa – atenta a condenação genérica proferida na sentença em liquidação nos presentes autos; e (ii) estamos perante um incidente de liquidação de natureza declarativa (e não uma ação de execução). V) Este resultado interpretativo está, de resto, refletido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.03.2015 (Processo n.º 0374/14) que analisou o âmbito de aplicação da norma prevista n.º 2 do artigo 170.º do CPTA, concluindo que o mesmo não se aplica aos casos de execução para pagamento de quantia certa fundada em título executivo que não seja uma sentença, conclusão que, por maioria de razão, se terá por transponível para um incidente de liquidação – que nem natureza executiva tem. W) Assim, só depois de transitada em julgado a decisão que venha a ser proferida no âmbito do incidente de liquidação, ou seja, a decisão em que o Réu, ora Recorrido, seja condenado no pagamento de quantia certa, é que poderá equacionar-se a aplicação do disposto no artigo 170.º do CPTA e concretamente dos prazos aí previstos. X) Por outro lado, a Decisão Recorrida defende ainda que a apresentação do incidente de liquidação deve ser conjugada com a ação executiva “por forma a conter-se nos limites temporais do exercício dos atinentes direitos adjectivos” (Decisão Recorrida, p. 6.), entendimento este que nunca poderia vingar, porquanto pressuporia que, quer a troca de articulados e a decisão sobre o incidente de liquidação, quer o início da ação executiva, ocorressem todos dentro do mesmo prazo de 1 ano, solução que não só é absolutamente desrazoável do ponto de vista prático, como revela uma inaceitável limitação do direito de ação das partes que teriam um prazo manifestamente exíguo para, de forma plena, fazer valer os seus direitos. Y) Mais, não sendo a sentença condenatória líquida quanto à obrigação a ser cumprida, evidentemente que o executado (leia-se, o Réu e ora Recorrido) não poderia executar a referida sentença de forma espontânea, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPTA, porquanto desconheceria ainda o montante do seu débito. Z) Acresce que o incidente de liquidação de sentença de condenação genérica pressupõe que devem levar-se ao processo todos os elementos relevantes para a quantificação do concreto montante dos danos que o Autor sofreu e em cujo pagamento o Réu foi condenado, o que requer um esforço de alegação e prova que em nada se compara com o requerido ao exequente a favor de quem foi proferida uma sentença de condenação no pagamento de quantia certa. AA) No mais, a previsão de um prazo para que se recorra à execução forçosa no seio do CPTA tem como finalidade evitar uma eternização do momento em que se instaura o processo executivo num contexto em que o exequente sabe que dispõe de um título executivo. No caso, este título executivo ainda não existe, pelo que seria contrário à teleologia subjacente ao disposto no n.º 2 do artigo 170.º do CPTA impor que se lançasse mão da ação executiva (para pagamento de quantia certa) num momento em que a própria Administração não sabe o que vai ter de cumprir. BB) Em face de todo o exposto, não se pode senão concluir que não é aplicável, ao caso sub judice, o disposto no artigo 170.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, o que naturalmente impõe a conclusão de que a dedução de incidente de liquidação não está sujeita ao prazo de um ano aí estabelecido. Do prazo aplicável ao incidente de liquidação CC) Uma vez que o incidente de liquidação de sentença não é regulado pelo CPTA, aplica-se o regime supletivo do CPC, nomeadamente nos artigos 358.º e seguintes do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA. Ora, a lei (quer processual, quer substantiva) não prevê qualquer prazo de caducidade para deduzir o incidente de liquidação, pelo que, na falta de prazo aplicável, vigora o prazo geral de prescrição da lei civil (ou seja, 20 anos, nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil) (cf. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.04.2017, Processo n.º 00495/2002). DD) Esta solução em nada afeta a posição da Administração (nem tão pouco de contrainteressados), porquanto, não sendo a obrigação certa, líquida e exigível, não existe qualquer expectativa que possa ser frustrada, valor que tenha de ser orçamentado ou cumprimento que lhe possa ser exigido. EE) Em face de tudo o que se expõe, a Decisão Recorrida enferma de erro de julgamento e viola o disposto nos artigos 358.º, n.º 2, 609.º, n.º 2, e 704.º, n.º 6, do CPC e 170.º, n.os 1 e 2, do CPTA, devendo ser revogada e substituída por outra, que julgue improcedente a exceção de intempestividade da prática da dedução do presente incidente de liquidação, o qual deverá ser conhecido e julgado integralmente procedente, por provado. A inconstitucionalidade do artigo 170.º do CPTA na interpretação da Decisão Recorrida FF) Caso se conclua que o n.º 2 do artigo 170.º do CPTA se aplica aos incidentes de liquidação de sentença e que, findo o prazo de execução espontânea por parte da Administração, o particular deveria instaurar uma ação executiva para pagamento de quantia certa no prazo de 1 ano, sempre se dirá que essa interpretação não está conforme à Constituição, por violação do disposto nos termos do disposto nos artigos 20.º e 13.º da CRP. GG) Ora, o que está em causa na presente situação é um prazo exíguo de caducidade do direito de ação, porquanto se pretende impor um prazo material e processualmente vocacionado para ser aplicado apenas às ações executivas de sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa, à liquidação destas sentenças e ao respetivo incidente de liquidação. HH) Ademais, a previsão (rectius: imposição) de tal prazo para se requerer este incidente imporia, portanto, que o interessado recorresse aos tribunais, mesmo sabendo que não dispunha, em rigor, dos elementos necessários para liquidar a referida sentença, o que também não é admissível. II) Assim, este (exíguo e desadequado) prazo afrontaria, pois, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, nas dimensões de garantia de acesso à execução das decisões e, bem assim, de previsão de direito a prazos razoáveis de ação, evitando a sua respetiva caducidade. JJ) Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que essa restrição violaria o princípio da igualdade, previsto nos termos do artigo 13.º da CRP, porquanto, não sendo previsto semelhante prazo nos termos do Direito Processual Civil, um interessado que seja titular de um crédito, que não se encontre liquidado e, bem assim, que não seja líquido, perante a Administração Pública encontra-se numa posição mais precária e fragilizada do que um interessado que disponha de semelhante crédito – também não liquidado ou líquido – perante outro particular, ou seja, perante uma pessoa singular ou coletiva de Direito Privado, que poderia usufruir do prazo geral de prescrição para conseguir apurar os danos em concreto e liquidar a respetiva obrigação. KK) Cumpre ainda referir que esta restrição violaria também o princípio da proibição do excesso, na vertente da adequação, uma vez que eclipsaria o credor numa corrida à liquidação e à execução, impondo que ambas fossem instauradas no prazo de execução forçada da sentença. LL) Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, as restrições limitam-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não se verificando nenhuma das suas três subdimensões. Dispensa do remanescente da taxa de justiça MM) Nos termos do disposto nos artigos 2.º e 6.º, n.º 7 do RCP, e no n.º 2 do artigo 189.º do CPTA, a ora Recorrente, requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, desde logo com fundamento na conduta processual da Recorrente, na tramitação e complexidade da causa, no facto de o valor da causa ter-se baseado estritamente nos valores resultantes do relatório pericial, entre outros motivos melhor explanados no corpo das alegações (cf. resulta ainda da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo citada). NN) É firme convicção da Autora, ora Recorrente, que a taxa de justiça paga prevista para causas de valor igual a € 275.000,00 é manifestamente suficiente, justa, proporcional e adequada a 39. 40. fazer face aos custos e despesas dos serviços efetivamente prestados no presente recurso, devendo, como tal, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º, n.º 7, in fine, do RCP, ser dispensado (ou pelo menos reduzido) o valor remanescente da taxa de justiça. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e deverá a Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual, mais devendo, consequentemente, ser conhecido o incidente de liquidação, o qual deverá ser julgado procedente por provado.» A Recorrida, notificada para tanto, apresentou contra-alegações, concluindo o que se segue: «1- A questão da caducidade do direito de liquidação de sentença já foi objecto do labor jurisprudencial dos nossos tribunais superiores, designadamente no âmbito do Acórdão proferido pelo TCA Norte de 16.3.2018 (Pº nº 01736/07.0BEVIS-B, Relator: Hélder Vieira) - que se debruçou sobre um caso muito semelhante ao dos autos. 2- Nos termos do citado Acórdão do TCA Norte de 16.3.2018: I- “O incidente de liquidação mostra-se como um pressuposto necessário á execução do Acórdão na parte em que condenou em quantia ilíquida e, como tal; II- Não poderá ser deduzido num prazo superior ao previsto para a execução para pagamento de quantia certa; III- Tendo sido deduzido após o termo de tal prazo, é intempestivo”. 3 - Se não se perfila admissível a possibilidade ad aeternum de dedução temporal do incidente de liquidação e bem assim a consequente eternização do litígio, porque valores de certeza e ordem pública o impedem, também de ordem jus-racional e adjectiva se impõe tal regime de caducidade, na conjugação das normas que integram o regime executivo contemplado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, subsidiariamente, do Código de Processo Civil. 4 - Se é certo que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida a sentença (no 2 artigo 358º do CPC), também é de notar que o interessado não pode olvidar o regime específico do contencioso administrativo, designadamente o constante do artigo 1700 do CPTA, e deve conjugar ambos por forma a conter-se nos limites temporais do exercício dos atinentes direitos adjectivos – v. citado Acórdão do TCAN de 16.3.2018. 5 - A dedução do incidente de liquidação mostra-se como um pressuposto processual necessário à execução da sentença aqui em causa, que condenou o R. em quantia iliquida, de molde a transformá-la em quantia certa. Ou seja, 6 - A condenação do R. no pagamento de uma quantia à A. já existe, carece é de se tornar líquida através do incidente de liquidação de sentença. Neste sentido, 7 - O incidente de liquidação não poderá ser deduzido num prazo superior ao previsto para a execução para pagamento de quantia certa, nos termos previstos, no artigo 170º do CPTA. Assim, 8 - Decorrido o prazo procedimental de 30 dias, a Recorrente dispunha do prazo de um ano para deduzir o incidente de liquidação da sentença. 9 - No caso dos autos, o Acórdão que confirmou a sentença de condenação genérica transitou em julgado no dia 27.6.2018 e a Recorrente só deu entrada do incidente de liquidação no dia 12.2.2020. Consequentemente, 10 - É irrepreensível a conclusão da douta sentença recorrida de que se verifica a excepção dilatória da intempestividade da dedução do incidente de liquidação de sentença, determinando a absolvição do R. da instância. 11 - Ao contrário do alegado, o tribunal “a quo” não defendeu que o incidente de liquidação era regulado exclusivamente pelo CPTA e não pelo CPC. 12 - Na douta sentença recorrida, acolheu-se antes a referida solução de interpretação conjugada de normas, que se apresenta perfeitamente lógica, coerente e de harmonia com o pensamento legislativo. Com efeito, 13 - “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” – v. artigo 9º-1 do Código Civil. 14 - Em contencioso administrativo existem especificidades próprias resultantes da “relevância do interesse público e à sua ponderação face aos interesses privados em confronto e à necessidade de estabilização das relações jurídicas administrativas, sendo a regra a dos prazos relativamente curtos para o acesso à via judicial” – v. Acórdão do STA de 10.9.2015 (Pº 096/15, Relator: Teresa de Sousa). 15 - Considerando as referidas necessidades de segurança e estabilidade das relações jurídicas administrativas, foi clara a intenção do legislador no sentido de fixar prazos para os interessados exercerem direitos resultantes de sentenças proferidas pelos Tribunais administrativos que condenem a Administração. Deste modo, 16 - De acordo com o pensamento do legislador, existe um ónus ou obrigação de agir judicialmente por parte dos interessados, dentro de determinados prazos, sob pena de caducidade dos seus direitos. 17 - Os interessados não poderão ficar na inércia e desrespeitar os prazos fixados pelo legislador para exercerem os seus direitos. 18 – Em caso de condenação ao pagamento de quantia certa, decorrido o prazo procedimental de 30 dias, os interessados têm o prazo de um ano para exercerem os seus direitos contra a Administração – v. artigo 170º do CPTA. 19 - Em caso de condenação em quantia ilíquida, o exercício do direito à liquidação da sentença constitui pressuposto processual necessário à execução para pagamento de quantia certa – v. artigos 609º-2 e 704º-6 do CPC. Por isso, 20 - Por força das referidas exigências de segurança e certeza jurídicas, os interessados não podem olvidar o regime específico do CPTA e ficar na inércia. Consequentemente, 21 - Não merece qualquer censura a conclusão da douta sentença recorrida de que o incidente de liquidação não poderá ser deduzido num prazo superior ao previsto para a execução para pagamento de quantia certa, nos termos previstos no artigo 170º do CPTA. 22 - São razões ligadas às exigências de segurança e certeza jurídicas que justificam a solução de não permitir que o exercício do direito à dedução do incidente de liquidação se perpetue no tempo sem prazo adjectivo conformador. 23 - Tal solução permitiria que este expediente processual pudesse ser usado para, v.g. empolar a quantia a liquidar através da exigência de juros de mora – tal como são peticionados pela A., à taxa comercial-, bastando para isso aguardar pelo quase esgotamento do prazo de vinte anos de prescrição do direito à liquidação, o que não se concebe. De facto, 24 - No caso dos autos, a A. deixou passar largamente o referido prazo de um ano e pretende agora liquidar, só a título de juros, uma “módica” quantia superior a 500.000,00 €!... Não pode ser!... É inconcebível!... D’outro passo, 25 - A conclusão invocada em X) não tem qualquer respaldo nos fundamentos da douta sentença recorrida (nem na jurisprudência que lhe serviu de base). Dado que, 26 - A douta sentença apelada não autoriza - de forma alguma – a alegada conclusão de que a solução perfihada pressuporia que todos os actos processuais (“troca de articulados, decisão sobre o incidente de liquidação e inicio da acção executiva”) tivessem que ocorrer dentro do referido prazo de um ano. Pelo contrário: 27 - Resulta cristalino da douta sentença recorrida que a solução perfilhada exige apenas que a interposição do incidente de liquidação ocorra dentro do mencionado prazo de um ano. De resto, 28 - Por força da lei, bastaria a Recorrente ter dado entrada do requerimento de liquidação dentro do referido prazo para impedir a caducidade do seu direito – v. artigo 331º do Código Civil. 29 - O prazo de um ano, é mais do que suficiente para a propositura do incidente de liquidação de sentença. Pelo que 30 - Não se vislumbra a existência do alegado prazo manifestamente exíguo. 31 - O facto de a Administração não poder cumprir de forma espontânea uma sentença condenatória ilíquida não impede o interessado de cumprir com a sua obrigação de interpôr o incidente de liquidação dessa sentença dentro do referido prazo de um ano. DA PRETENSA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 170º DO CPTA NA INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA 32 - A solução propugnada pelo tribunal “a quo” não se assevera inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º e 13º da C.R.P., porquanto não obsta ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva por parte da A., 33 - Apenas sublinha a necessidade de serem respeitados os prazos adjectivos ou de caducidade previstos para o exercício desse direito, ónus que sobre ela recai nos mesmos termos exigíveis a qualquer outro interessado, nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo das especificidades próprias que envolvem o contencioso administrativo. 34 - Ainda que os prazos de execução contra entidades privadas seja distinto, tal diferença de prazos para a execução entre as entidades privadas e públicas, corresponde a um tratamento diferenciado que não coloca qualquer questão de constitucionalidade, correspondendo à apontada relevância do interesse público e à sua ponderação face aos interesses privados em confronto e à necessidade de estabilização das relações jurídicas administrativas, sendo a regra a dos prazos relativamente curtos para o acesso à via judicial – v. Acórdão do STA de 10.9.2015. 35 – Aplicando a doutrina do referido Acórdão do STA ao caso dos autos, forçoso será concluir que não se verifica a invocada inconstitucionalidade do artigo 170º do CPTA na interpretação da decisão recorrida. Sendo certo que 36 - O prazo de um ano para propôr o incidente de liquidação não é, de todo exíguo, nem viola o alegado princípio da tutela jurisdicional efectiva. 37 - Nos termos da solução sufragada pelo tribunal “a quo”, a mera propositura do incidente de liquidação, dentro do referido prazo de um ano, constitui causa impeditiva da caducidade. Consequentemente, 38 - Carece de quaisquer fundamentos o argumentário de que a decisão recorrida violaria o princípio da proibição do excesso porquanto exigiria ao credor que ficasse eclipsado numa “corrida à liquidação e à execução”, impondo que ambas fossem instauradas no referido prazo de um ano. 39 – A douta sentença recorrida não violou nenhuma norma jurídica, nem merece a menor censura. Nestes termos, Deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a douta sentença recorrida. Para se fazer JUSTIÇA!» * O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer de mérito.* Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Conferência desta Subsecção de Contratos Públicos.II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Considerando as conclusões inseridas nas alegações do recurso apresentado pela Recorrente, bem como ponderando as conclusões elencadas nas contra-alegações apresentadas pelo Recorrido Município, importa indagar se a decisão a quo padece do erro de julgamento no que concerne ao julgamento da tempestividade, especificamente, apurar se à dedução do presente incidente de liquidação de sentença ao abrigo do preceituado nos art.ºs 358.º e seguintes do CPC é aplicável o prazo descrito no art.º 170.º do CPTA. III. FACTUALIDADE CONSIDERADA PROVADA NA DECISÃO RECORRIDA A sentença recorrida considerou provados os factos que, ipsis verbis, se enumeram de seguida: «A) Em 05/09/2017 foi proferida sentença no âmbito dos autos principais (processo n.º 434/05.4BECTB), em cujo segmento decisório pode ler-se o seguinte: “Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa especial parcialmente procedente e, em consequência, declara-se incumprido pela R. o Contrato de Empreitada celebrado com a A, condena-se o R. a pagar à autora o montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação e julga-se improcedente o pedido reconvencional.” – cfr. sentença de fls. 2342 a 2377 dos autos (SITAF) do processo principal; B) As Partes recorreram da sentença identificada na alínea anterior para o Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul – cfr. alegações e contra-alegações de fls. 2389 a 2412 e 2504 a 2519 dos autos (SITAF) do processo principal; C) Por acórdão do TCA Sul de 24/05/2018, foi negado provimento a ambos os recursos – cfr. acórdão de fls. 2536 a 2575 dos autos (SITAF) do processo principal; D) O acórdão referido na alínea anterior, foi remetido à A. e ao R. através de correspondência registada, datada de 25/05/2018 – cfr. ofícios de fls. 2579 a 2581 dos autos (SITAF) do processo principal; E) O requerimento do presente incidente deu entrada em juízo no dia 12/02/2020 – cfr. comprovativo de entrega, de fls. 1 e ss. dos autos (SITAF) do incidente. * Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir. * Para a prova dos factos supra descritos relevou a análise dos documentos juntos aos autos do processo principal e dos presentes, conforme remissão efetuada a propósito de cada alínea do probatório.»IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO A ora Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Castelo Branco ação administrativa comum contra o agora Recorrido Município, tendo peticionado, entre o mais, a condenação deste Recorrido no pagamento de uma indemnização no montante total de 763.638,27 Euros, sendo 730.937,91 Euros a título de capital em dívida e 32.700,36 Euros a título de juros moratórios contabilizados até 21/09/2005, condenação essa acrescida dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento dos montantes em dívida. Esta pretensão declarativa da Recorrente alicerçou-se na execução de um contrato de empreitada celebrado entre a mesma e o Recorrido, no âmbito do qual, entre outras vicissitudes, ocorreram trabalhos a mais, trabalhos a menos e trabalhos alterados. Por sentença prolatada em 05/09/2017, a ação em causa foi julgada parcialmente procedente, foi declarado o incumprimento do contrato pelo Recorrido, tendo este sido ainda condenado a pagar à agora Recorrente «o montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação». Transitada em julgado a aludida sentença, a agora Recorrente veio, em 12/02/2020, requerer o presente incidente de liquidação de sentença, mos termos do qual peticionou o seguinte: «1. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 412.160,35 (quatrocentos e doze mil e cento e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos), a título de trabalhos contratuais e a mais (adicionais) executados, faturados e não pagos, acrescida de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde a data de vencimento das faturas n.°s 4122000141 e 4122000142, em 24.03.2005, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 232.953,81; 2. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 203.209,50 (duzentos e três mil duzentos e nove euros e cinquenta cêntimos) a título de revisão de preços, acrescido de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde a data de vencimento da fatura n.° 4122000140, em 24.03.2005, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 245.538,21; 3. Condenar o Réu a liquidar à Autora a quantia de € 64.831,91 (sessenta e quatro mil oitocentos e trinta e um euros e noventa e um cêntimo), a título de revisão de preços, acrescido de juros de mora que se vencerem às sucessivas taxas comerciais supletivas iegais desde a data de notificação da ampliação do pedido ao R.; em 24.11.2015, até integral e efetivo pagamento, os quais em 07.01.2020 ascendiam a € 18.632,34; 4. Condenar o R. no pagamento dos juros capitalizados sobre os juros vencidos, calculados às sucessivas taxas comerciais supletivas legais desde 07.01.2020 e até integral e efetivo pagamentos, os quais em 07.02.2020 ascendiam a € 5.511,55.» Com este incidente foi, de acordo com o despacho prolatado em 20/07/2020, renovada a instância administrativa comum, em conformidade com o estabelecido no art.º 358.º, n.º 2 do CPC. E, como se referiu antecedentemente, em 05/01/2021 foi prolatada decisão que julgou verificada a intempestividade da dedução do dito incidente de liquidação de sentença e, em consequência, absolveu o Recorrido da instância. É precisamente com esta decisão proferida em 05/01/2021 que a Recorrente não se conforma, vindo imputar-lhe erro de julgamento. Concretamente, e em suma, a Recorrente discorda da aplicação ao caso vertente dos prazos previstos 170.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, considerando, por um lado, que não está agora em causa uma execução de sentença, mas sim, a liquidação de uma condenação de natureza genérica e, por outro lado, que aqueles prazos não podem ser aplicados ao incidente diretamente regulado pelo regime descrito no art.º 358.º e seguintes do CPC. Escrutinemos, então, o julgado. A decisão recorrida absolveu o Recorrido da instância por considerar que se encontra caducado o direito da agora Recorrente de requerer a liquidação da sentença proferida em 05/09/2017 na ação administrativa comum, e nos termos do qual o agora Recorrido foi destinatário de uma condenação genérica, concretamente, a pagar à Recorrente uma indemnização no «montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação». O discurso fundamentador em que o Tribunal a quo estribou a sua decisão de julgar procedente a exceção de intempestividade foi, para o que agora interessa, o seguinte: «(…) A questão que importa apreciar e decidir prende-se com a caducidade do exercício do direito de liquidação de sentença. Trata-se de uma matéria que já foi merecedora do labor jurisprudencial dos nossos Tribunais superiores, designadamente no âmbito do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte em 16/03/2018, no âmbito do processo n.º 01736/07.0BEVIS-B, no qual foi perfilhada uma orientação com o qual concordamos in totum e que, por esse motivo, aqui sufragamos sem reservas. Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visado a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no sobredito acórdão do TCA Norte, pelo que, não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passamos a transcrever a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentados com as adaptações necessárias à situação jurídica em análise: “(…) A estrutura fundamentadora da decisão assenta no seguinte: (i) o incidente de liquidação mostra-se como um pressuposto necessário à execução do Acórdão na parte em que condenou em quantia ilíquida e, como tal, (ii) não poderá ser deduzido num prazo superior ao previsto para a execução para pagamento de quantia certa; (iii) tendo sido deduzido após o termo de tal prazo, é intempestivo. Contra estes argumentos esgrime o Recorrente (i) o fenómeno da renovação da instância “com o incidente de liquidação”, sendo que (ii) o Código de Processo Civil (artigo 358º e seguintes), quanto ao incidente de liquidação, não estabelece qualquer prazo de caducidade para o exercício deste direito, não estando sujeito ao prazo previsto no artigo 170º do CPTA, pelo que “A decisão recorrida violou entroutras o disposto nos artigos 358.°, n.º 2, artigo 609.°, n.º 2 e n.º 6 do artigo 704.° do CPC e artigo 170.° do CPTA”. Vejamos, tendo presente que jura novit curia (artigo 5º, nº 3, do CPC). Nos termos do disposto no artigo 1º do CPTA, a lei de processo civil é de aplicação supletiva, com as necessárias adaptações, ao processo nos tribunais administrativos. Rezam os artigos 358º e 359º, ambos do CPC, com nosso sublinhado: «Artigo 358.º Ónus de liquidação 1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito. 2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada. Artigo 359.º Dedução da liquidação 1 - A liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor, conforme os casos, relaciona os objetos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou específica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa. (…)» E o nº 2 do artigo 609º dispõe que «Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.». No caso, estamos perante uma sentença de condenação do réu ao pagamento de quantia certa, que é líquida quanto ao decidido na alínea a) do decisório e ilíquida quanto ao decidido nas suas alíneas b), c) e d). Como vimos, em termos de regime do Código de Processo Civil, a liquidação pode ser deduzida em dois momentos: (i) Antes de começar a discussão da causa ou (ii) pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, sendo este último o caso presente. (…) Como intróito, importa ter presente, usando as palavras de Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, U. Católica Editora, 3ª ed., pág. 661 e segts, que «a caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo». O fundamento da caducidade, que, precisamente, leva em conta a inércia do titular do direito, assenta sobretudo em vectores como a certeza e a ordem pública, que impõem a necessidade de que, ao fim de algum tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública explica que a caducidade seja apreciada oficiosamente pelo tribunal (artigo 333º do CC), que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções (artigo 328º do CC) e que a mesma só seja impedida, em princípio, pela prática do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (artigo 331º do CC). No âmbito do direito adjectivo, o direito de acção caduca pelo decurso do respectivo prazo sem que tenha sido exercido pelo seu titular, ou seja, pela intempestividade do acto que consubstancia o exercício do respectivo direito de acção. De resto, se não se perfila admissível a possibilidade ad aeternum de dedução temporal do incidente de liquidação e bem assim a consequente eternização do litígio, porque valores de certeza e ordem pública o impedem, também de ordem jus-racional e adjectiva se impõe tal regime de caducidade, na conjugação das normas que integram o regime executivo contemplado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, subsidiariamente, do Código de Processo Civil. Vejamos este aspecto, volvendo ao concreto argumento em análise. Na matéria executiva que nos ocupa não rege directamente o Código de Processo Civil, mas antes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e subsidiariamente apenas, como acima indicado, é aquele código chamado à regulação adjectiva do processo nos tribunais administrativos. Assim, o regime do processo executivo encontra-se plasmado nos artigos 157º a 179º do CPTA e só no silêncio deste código é que será aplicado o disposto na lei processual civil. De entre os vários títulos executivos sobre cujo regime versa o CPTA, interessa ao caso presente o da execução espontânea e petição de execução das sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa, vertido no artigo 170º. A sentença exequenda de condenação em quantia certa apresenta uma parte já líquida e outras ilíquidas. E tal como incontestadamente consta da decisão recorrida «O Acórdão aqui em causa foi proferido em 19.06.2015 [cfr. alínea A) do probatório], tendo sido notificado às partes por carta datada de 23.06.2015 [cfr. alínea B) do probatório], ocorrendo o trânsito em julgado de tal Acórdão em 11.09.2015 (cfr. n.º 1, do artigo 144º do CPTA e n.º 1, do artigo 638º e artigo 248º, ambos do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).». Assim, transitado em julgado o acórdão exequendo, na ausência de espontânea execução por banda do réu no prazo de 30 dias a partir do trânsito em julgado da sentença exequenda (artigo 160º, nº 1, do CPTA), dispunha o interessado de um prazo de seis meses (na redacção do artigo 170º do CPTA anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 214-G/20154, de 02 de Outubro, que entrou em vigor no dia 02-12-2015), e agora de um ano (e a decisão sob recurso considerou o prazo de um ano, na aplicação do novo CPTA), para pedir a respectiva execução ao tribunal — cfr. artigo 170º do CPTA. Este é o regime que o interessado deve ter presente e que não pode olvidar ou substituir pelo regime do Código de Processo Civil, nesta matéria, a não ser aquele de aplicação subsidiária. Como tal, se é certo que o incidente de liquidação, que deve ser deduzido antes de começar a discussão da causa (nº 1 do artigo 358º do CPC) pode, outrossim, ser deduzido depois de proferida a sentença (nº 2 do mesmo artigo), também é de notar que o interessado não pode olvidar o regime específico acima apontado, designadamente o constante do artigo 170º do CPTA, e deve conjugar ambos por forma a conter-se nos limites temporais do exercício dos atinentes direitos adjectivos. Nada, aliás, que o próprio Código de Processo Civil não preveja, uma vez que nada impede a imediata execução da parte da obrigação que é já líquida, podendo a liquidação da outra parte ser feita na pendência da mesma execução, nos mesmos termos em que é possível a liquidação inicial, como dispõe o artigo 716º do CPC, pelos seus nºs 8 e 9. Resta concluir, como na decisão sob recurso, que o referido prazo de 30 dias, contado de 11-09-2015, terminou em 23-10-2015, e que o dies ad quem do prazo de um ano foi na verdade ultrapassado, na medida em que o requerimento do incidente em apreço foi remetido a juízo em 15-11-2016. A decisão recorrida não viola as normas invocadas pelo recorrente. Improcedem os fundamentos do recurso.”. O acórdão transcrito, pese embora analise uma sentença exequenda de condenação em quantia certa que apresenta uma parte já líquida, é perfeitamente aplicável ao caso dos autos, pois também se debruça sobre a parte dessa sentença exequenda que condena em quantia ilíquida, como é o caso dos autos. Apraz sublinhar, ainda, que pese embora o incidente em análise se enxerte na ação declarativa, a liquidação no processo declarativo não se despoja da sua vocação executória porquanto desponta de uma sentença condenatória em quantia ilíquida, sendo condição para a formação do título executivo (artigo 704.º, n.º 6, do CPC). Por outras palavras, o título executivo é a sentença e o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido ou parte do mesmo, devendo a liquidação ser realizada na própria ação declarativa através do incidente de liquidação: nestes casos só perante a indicação pelo interessado de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efetuar, bem como a apresentação das respetivas provas (elementos esses que serão objeto do competente contraditório) é possível fixar o montante da obrigação. Donde, a dedução do incidente de liquidação mostra-se como um pressuposto processual necessário à execução da sentença aqui em causa, que condenou o R. em quantia ilíquida, de molde a transformá-la em quantia certa. Ou seja, a condenação do R. no pagamento de uma quantia à A. já existe, carece é de se tornar líquida através do incidente de liquidação de sentença. Neste sentido, o incidente de liquidação não poderá ser deduzido num prazo superior ao previsto para a execução para pagamento de quantia certa, nos termos previstos no artigo 170.º do CPTA. A solução aqui propugnada não se assevera inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º e 13.º da CRP, porquanto não obsta ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva por parte da A., apenas sublinha a necessidade de serem respeitados os prazos adjetivos ou de caducidade previstos para o exercício desse direito, ónus que sobre ela recai nos mesmos termos exigíveis a qualquer outro interessado, nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo das especificidades próprias que envolvem o contencioso administrativo – essencialmente derivadas “do reconhecimento da necessidade de se instituírem, no âmbito do contencioso administrativo, mecanismos de execução contra as entidades públicas, que permitam assegurar a realização do Direito, mesmo contra a vontade destas, quando elas não se disponham acatar espontaneamente o que formalmente resulte de uma sentença ou de outro documentos que a lei qualifique como título executivo. (…) Mas, por outro lado, a própria execução de prestações que tanto podem onerar entidades públicas como entidades privadas suscita, por vezes, dificuldades específicas quando estão em causa entidades públicas, que não se colocam quando se trata de executar particulares e que, por isso, exigem ou justificam soluções normativas diferenciadas. É o que, desde logo, sucede com a obrigação de pagar quantias em dinheiro, na medida em que as limitações em que, em termos gerais, o CPC impõe à penhorabilidade dos bens públicos colocam as entidades públicas numa posição específica, que justifica a introdução de soluções alternativas, como aquelas que o Código consagra no artigo 172.º” – cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário do CPTA, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 1192. São razões essencialmente ligadas às exigências de segurança e certeza jurídicas (especialmente do ponto de vista da parte condenada ao pagamento de quantia ilíquida) que justificam a solução que perfilhamos, no sentido de não permitir que o exercício do direito à dedução do incidente de liquidação de sentença se perpetue o tempo sem prazo adjetivo conformador. Tal solução permitiria que este expediente processual pudesse ser usado para, v.g., empolar a quantia a liquidar através da exigência do pagamento de juros de mora – tal como são peticionados pela A., à taxa comercial –, bastando para isso aguardar pelo quase esgotamento do prazo de vinte anos de prescrição do direito à liquidação (prazo que a A. parece considerar aplicável ao caso), o que não se concebe. De resto, cremos que a situação sub judice não se enquadra no raciocínio expendido no douto acórdão do TCA Norte, de 28/04/2017, proc. n.º 00495/2002, quando considera que “[a]o direito de indemnização fixado para o que se liquidar em incidente próprio, aplica-se o prazo ordinário de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, por a lei não prever um prazo especial para o mesmo e não o prazo de caducidade de seis meses do direito de execução previsto no artigo 170º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002)”. É que no caso em análise está em crise o exercício de um direito de ação processual com vista a definir o quantum da condenação do R., que deve estar sujeito, necessariamente, a um prazo de caducidade, sob pena de frustração dos valores da certeza e segurança jurídicas (cfr. artigo 298.º, n.º 2, do CC), o qual, in casu, só pode decorrer dos termos do artigo 170.º, do CPTA, nos moldes supra expostos, sendo que decurso desse prazo de caducidade extingue tal direito com vista a salvaguardar, pois, não tanto a proteção do sujeito passivo (como sucede com o instituto da prescrição, nos termos do qual, decorrido o prazo de prescrição, aquele tem direito a opor-se ao respetivo exercício – cfr. artigo 304.º, n.º 1, do CC), mas antes o valor da certeza e segurança do direito. Em suma, no caso concreto, o acórdão que confirmou a sentença proferida nos autos do processo principal foi prolatado em 24/05/2018, tendo sido notificado às Partes por correspondência datada de 25/05/2018, ocorrendo o trânsito em julgado desse acórdão em 27/06/2018 (cfr. n.º 1, do artigo 144.º do CPTA e n.º 1, do artigo 638.º e artigo 248.º, ambos do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA). Ora, o prazo de trinta dias previsto no artigo 170.º, n.º 1, do CPTA, contado nos termos do disposto no artigo 87.º do CPA a partir de 27/06/2018, terminou no dia 08/08/2018, dispondo a A., a partir dessa data, do prazo de um ano (artigo 170.º, n.º 2, do CPTA), ou seja, até 08/08/2019, para exercer o seu direito à liquidação de sentença. Porém, o requerimento do incidente sub judice deu entrada em juízo apenas em 12/02/2020, ou seja, muito para além do prazo previsto para o efeito. Por conseguinte, importa concluir pela verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso consubstanciada na intempestividade da prática do ato processual em causa (incidente de liquidação de sentença), o que é obstativo do conhecimento do mérito do mesmo e que, no estádio em que se encontram os autos, é determinante da absolvição do R. da instância, o que se determinará a final (cfr. artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA).(…)» Perscrutada a decisão vinda de transcrever, podemos adiantar que a mesma não pode considerar-se correta, nem acertada. Expliquemos porquê. A primeira nota a salientar é a de que não remanesce qualquer dúvida de que o mecanismo processual utilizado pela Recorrente- o incidente de liquidação de sentença- é o adequado à liquidação da condenação plasmada na sentença prolatada em 05/09/2017. Com efeito, como já se explicitou supra, a sentença prolatada na ação administrativa comum que a agora Recorrente propôs contra o Recorrido condenou este a pagar à Recorrente uma indemnização no «montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação». Ou seja, foi promanada uma condenação genérica, nos termos do preceituado no art.º 609.º, n.º 2 do CPC, pois que não se revelou possível quantificar logo o montante da indemnização que o Recorrido Município deve pagar à Recorrente em virtude do incumprimento do contrato de empreitada que foi celebrado entre ambos. Quer isto significar que, tendo sido emitida uma condenação genérica, ilíquida, não é possível o recurso imediato à execução da sentença, visto que, considerando a regulação do contencioso administrativo, somente é possível lançar mão do processo executivo se a quantia a pagar já se encontrar liquidada, conforme emerge do preceituado nos art.º 157.º, n.º 1, 160.º, n.º 1 e 170,º, n.ºs 1 e 2 do CPTA. Sendo assim, considerando o estatuído nos art.ºs 609.º, n.º 2 e 704.º, n.º 6 do CPC, aplicáveis ao caso posto por força do estipulado no art.º 1.º do CPTA, impõe-se concluir que, previamente à eventual utilização do processo executivo, é necessário proceder à liquidação da sentença em conformidade com o incidente processual delineado para tal intuito, e que se encontra regulado no art.º 358.º e seguintes do CPC. De resto, a utilização deste mecanismo processual não sofre objeção, considerando as explicitações realizadas pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão que proferiu em 13/07/2023, no processo n.º 1438/03.7BALSB-C: «(…) Com a reforma da acção executiva operada pelo DL 38/2003, 08.03, na hipótese de condenação genérica ou de dedução de pedido ilíquido, a liquidação já não se processa na fase preliminar do processo de execução que se seguir, mas em incidente da própria execução se o título for extrajudicial (artº 716º nº 4 CPC) ou, em caso de liquidação de sentença genérica ou de condenação ilíquida, em incidente na própria acção declarativa por imposição dos artºs. 704º nº 6 e 358º nº 2 CPC, aplicáveis supletivamente nos termos do artº 1º CPTA. (Carlos Cadilha, Dicionário de contencioso administrativo, 2ª ed. Almedina/2018, págs.295-296 e 298.) De modo que, no domínio da reforma do CPC em matéria de acção executiva, a liquidação incidental de sentença tem lugar no processo declarativo “antes de começar a discussão da causa”, “depois de proferida a sentença de condenação genérica nos termos do artº 609º nº 2” e, caso a sentença tenha transitado, “a instância extinta considera-se renovada” – vd. artºs 358º nºs. 1 e 2 e 704 nº 6 CPC. (Rui Pinto, A acção executiva, AAFDL/2023, págs. 246-248.) O que tem correspondência no contencioso administrativo conforme disposto no artº 96º nº 7 CPTA, em que o cálculo indemnizatório é efectuado no próprio processo impugnatório. (Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código…, 5ª ed. pág. 813.) Deste contexto normativo processual deriva que a improcedência do pedido de actualização por inflação do valor indemnizatório não é consequência da falta de título executivo, antes assenta em duas distintas ordens de razões: primeiro, porque é o próprio segmento decisório do acórdão exequendo que determina o quantum indemnizatório o que significa que em face do título executivo está demonstrada a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação de pagamento de quantia certa; segundo, pela circunstância de no direito adjectivo cível subsidiariamente aplicável no contexto processual administrativo, ter sido suprimida a fase preliminar de liquidação no processo executivo. (…)» É certo que, como decorre do disposto no art.º 95.º, n.º 7 do CPTA, o contencioso administrativo encontra-se dotado de uma específica previsão de liquidação do montante indemnizatório devido por danos. Porém, não só se apresenta algo duvidoso que tal previsão seja aplicável às ações atinentes ao (in)cumprimento de contratos públicos- pois que, aparentemente, este mecanismo foi criado especificamente para processos de natureza impugnatória-, como, principalmente, o que se verifica é que o Tribunal a quo, após a prolação da sentença de 05/09/2017, não promoveu a audição das partes no sentido de prosseguir com as diligências processuais complementares necessárias à liquidação da condenação genérica. Deste modo, mantendo-se a existência de uma condenação genérica, que inviabiliza a execução da sentença por não se encontrar liquidado o montante da indemnização devida, não resta outra alternativa que não a de admitir e recorrer ao incidente de liquidação de sentença previsto no art.º 358.º e seguintes do CPC. Assente que o mecanismo processual adequado à liquidação da sentença é o incidente de liquidação agora em apreciação, cumpre, então, averiguar se a sua utilização deve estar sujeita aos prazos descritos no art.º 170.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, como afirma a sentença recorrida. A segunda nota a realçar a propósito da temática agora versada é a de que a sentença proferida em 05/09/2017, indiscutivelmente, não configura um título executivo, dado que a obrigação que daí deriva para o Recorrido não é líquida e, por isso, é insuscetível de execução, em harmonia com o estabelecido nos art.ºs 703.º, n.º 1 e 704.º, n.º 6 do CPC. Aliás, e no que tange ao contencioso administrativo, mesmo a forma de processo executivo especificamente delineada para pagamento de quantia exige que a sentença condenatória determine uma quantia que seja certa, isto é, que seja líquida (cfr. art.º 170.º, n.º 1 do CPTA). O que, revertendo ao caso posto, quer significar, ante a condenação genérica plasmada na sentença de 05/09/2017, que a Recorrente nunca poderia ter lançado imediatamente mão do processo executivo para pagamento de quantia certa, sendo impreterível a utilização prévia da via processual incidental. Por conseguinte, atento o prescrito no n.º 2 do art.º 358.º do CPC, a apresentação do pedido de liquidação de sentença por banda da Recorrente promoveu a renovação da instância declarativa, atinente à ação administrativa comum em que foi prolatada a sentença agora em liquidação. Refira-se, aliás, que o incidente de liquidação de sentença configura um enxerto na instância declarativa, assumindo, ele próprio, natureza identicamente declarativa, uma vez que a liquidação ainda se enquadra na definição do direito indemnizatório do credor, concretamente, a quantificação da indemnização. Do que vem de se explicar decorre, logicamente, que o incidente de liquidação de sentença não tem- ao contrário do que afirma a decisão recorrida- qualquer vocação executória, nem pressupõe ou obriga a que lhe sucede a interposição de um processo executivo e, por isso, não constitui, nem é configurável, como um pressuposto processual da instância executiva. A terceira nota que interessa acentuar é que, naturalmente- e também ao contrário do que supõe a decisão recorrida-, uma sentença de condenação genérica não é passível de execução espontânea por parte da parte condenada, visto que, evidentemente, se a obrigação não se encontra definida, a parte condenada não a pode cumprir espontaneamente. Por conseguinte, apresenta-se absolutamente destituído de sentido o raciocínio do Tribunal recorrido, segundo o qual, e de acordo com o art.º 170.º, n.º 1 do CPTA, a entidade pública condenada disporia de um prazo de 30 dias para proceder à execução espontânea da sentença. A quarta nota que se impõe patentear tem a ver com a circunstância de a decisão recorrida ter absorvido acriticamente a pronúncia do Tribunal Central Administrativo Norte emitida no acórdão proferido em 16/03/2018 no processo n.º 1736/07.0BEVIS-B. Com efeito, no caso que foi julgado por aquela Instância, a sentença condenatória era, apenas, parcialmente ilíquida, subsistindo uma parte condenatória no pagamento de uma quantia logo liquidada. Assim, grassa à evidência que, pelo menos quanto à quantia logo liquidada, aquela sentença constituía título executivo e poderia fundar a sua execução nos termos e prazos previstos no art.º 170.º do CPTA. Sendo assim, compreende-se que, naquele caso concreto, tivesse sido equacionado se a liquidação da sentença na parte que condenou genericamente também não deveria estar sujeita ao prazo do processo executivo para pagamento de quantia certa, uma vez que provavelmente se pretendia a execução in totum da sentença aí em discussão. Ora, no caso agora posto nos autos, a sentença condenatória não possui qualquer segmento já liquidado, sendo globalmente genérica. O que significa que, as razões que conduziram o raciocínio daquele Tribunal não estão presentes no caso agora em discussão e, por esse motivo, aquele raciocínio não pode ser transposto para o presente caso. De todo modo, importa ainda referir que, a nosso ver, o raciocínio exposto naquele Aresto transcrito na decisão agora recorrida sofre de uma petitio principii, dado que assenta na premissa de que os prazos inscritos no art.º 170.º do CPTA são aplicáveis ao incidente de liquidação de sentença em contencioso administrativo para explicar o fundamento da caducidade do direito de pedir a liquidação de sentença numa situação de condenação genérica, sem no entanto demonstrar porque é que aqueles prazos devem ser aplicados ao mencionado incidente de liquidação de sentença. Finalmente, a quinta nota que cumpre dar realce refere-se à efetiva ausência de estipulação legal específica de um prazo para requerer a liquidação da sentença nos moldes previstos no art.º 358.º, n.º 2 do CPC. Realmente, é um facto apodítico que a legislação processual civil não contém disposição normativa que estipule um prazo para o exercício do direito de requerer a liquidação de sentença. O que acarreta que não ocorra um prazo de caducidade para o exercício do direito de requerer a liquidação de sentença, contrariamente ao que afirma a decisão recorrida. Ora, o resultado lógico do que vem de se afirmar é o de que o incidente de liquidação de sentença somente se encontra submetido ao prazo de prescrição ordinário, de 20 anos, em harmonia com o disposto no art.º 309.º do Código Civil. Aliás, esta mesmíssima conclusão foi alcançada pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 28/04/2017, no processo n.º 495/2002, em que se digladiou, precisamente, a problemática que convoca a presente pronúncia, tendo aquela Instância afirmado, a este propósito, que «(…) não podemos concluir que estamos em presença de um processo executivo para pagamento de quantia certa, a que se aplica o prazo de caducidade de seis meses do direito de execução previsto no artigo 170º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002, aplicável por força do disposto no artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10), mas em presença de um incidente de liquidação no processo declarativo, a que se aplica o prazo ordinário de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil, por a lei não prever um prazo especial para o mesmo. (…)» Cita-se, ainda, na mesma linha, a jurisprudência vertida no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 07/02/2019, no processo n.º 990/03.1TABCL-A.G1, em que se afirma que «(…) uma vez obtida sentença que reconheça a indemnização, ainda que a mesma esteja dependente de liquidação, só a prescrição ordinária (20 anos – art. 309º, do C. Civil) pode extinguir a obrigação dessa forma reconhecida» (sumário). E a explicação oferecida é a seguinte: «(…) Por conseguinte, forçoso é concluir que se mostram integralmente aceites, mormente pelos demandados, ora apelantes, todos os pressupostos legais de que emerge o direito de indemnização devida ao demandante (…). No fundo, os demandantes, com o trânsito em julgado da sentença homologatória de tal transação, que condenou os demandados a cumprirem integralmente o acordado, viram o seu direito de indemnização perfeitamente consolidado e aceite por todos, apenas restando apurar o valor dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) que compreendem tal indemnização, em sede de incidente de liquidação de sentença, que é exatamente aquilo que se traduz o presente processo. Neste caso, tal como afirma Menezes Cordeiro “obtida sentença que reconheça a indemnização, só a prescrição ordinária pode extinguir a obrigação dessa forma reconhecida – art. 311º, n.º 1.” Este mesmo Autor, enumerando alguns dos exemplos contemplados no art. 311º, n.º 1, do C. Civil, refere-se exatamente ao caso da “condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença, em que o prazo passa dos 3 (artigo 498º/1) para os 20 anos (artigos 309º e 311º/1)”. Também a jurisprudência tem vindo uniformemente a sufragar esta mesma posição, salientando-se designadamente o Ac. RL de 13.01.2016, onde se pode ler do seu sumário que: “Fica sujeito ao prazo ordinário de prescrição, o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, ainda que a obrigação seja ilíquida e, por consequência, o título executivo não seja suficiente para fundamentar uma execução (art. 311º, n.º 1, do C. Civil).” Porque assim é, o prazo de prescrição do titular de tal direito, reconhecido e homologado por sentença, deverá ser considerado o prazo geral (mais longo) de 20 anos (art. 309º, do C. Civil) e não o prazo mais curto de prescrição de três ou cinco anos do direito fundado em responsabilidade civil extracontratual (art. 498º, nºs 1 e 3, do C. Civil). (…)» Sopesando a jurisprudência vinda de enumerar, e revertendo ao caso em discussão nos presentes autos, é forçoso assumir que, porque se encontra reconhecido o direito indemnizatório da Recorrente por sentença transitada em julgado, tal direito somente prescreve ao fim de 20 anos. O que significa que, a liquidação de sentença é suscetível de ser peticionada em prazo idêntico, uma vez que nem o ordenamento processual civil, nem o ordenamento processual administrativo preveem qualquer outro prazo prescricional ou de caducidade específico. E não colhem, em sentido contrário do que vem de se consignar, os argumentos de que tal prazo de 20 anos é demasiado longo, beliscando necessidades de segurança e certeza jurídicas, e de que é abusivo, pois permite o empolamento do valor indemnizatório através do vencimento de juros. É que, recorde-se que a não estipulação de qualquer prazo para a dedução do incidente de liquidação de sentença, seja no ordenamento processual civil, seja no ordenamento processual administrativo, consubstancia uma opção legislativa consciente, vigente desde há muito e consonante com o facto de estar em causa um direito de crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Pelo que, a introdução, por via hermenêutica, de prazos para o exercício de direitos de ação que o legislador deliberadamente não consagrou é que configura, a nosso ver, um esquema atentatório dos valores da segurança e certeza jurídicas. Adicionalmente, também não merece acoito o argumento de que a ausência de um prazo de caducidade para acionar a liquidação de sentença revela-se abusiva, pois, em boa verdade, nada obsta a que o devedor tome a iniciativa de promover extrajudicialmente a liquidação do montante indemnizatório, ou mesmo de acionar o mecanismo previsto no art.º 358.º, n.º 2 do CPC, oferecendo um montante indemnizatório que repute adequado e justo e que pode sempre ser retificado através da oposição apresentada pelo credor da indemnização (cfr. art.º 360.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPC). Assim, decorre de tudo o que vem de se expender que inexiste prazo de caducidade para requerer a sobredita liquidação de sentença e que não são aplicáveis a este incidente declarativo os prazos mencionados no art.º 170.º do CPTA para o processo executivo para pagamento de quantia certa. Por conseguinte, tendo a sentença a liquidar sido proferida em 05/09/2017 e transitada em julgado em 27/06/2018, não permanece dúvida de que o pedido de liquidação dessa sentença apresentado em 12/02/2020 é tempestivo. * A Recorrente convoca um outro fundamento no recurso apresentado, que é o da “inconstitucionalidade do art.º 170.º do CPTA na interpretação da decisão recorrida”. Porém, a invocação desta inconstitucionalidade é realizada a título meramente subsidiário (cfr. conclusão FF e pontos 151 e 152 do corpo alegatório do recurso), isto é, a apreciar e julgar somente no caso de insucesso do erro de julgamento imputado à decisão recorrida.Destarte, porque se concluiu pela procedência do erro de julgamento que a Recorrente assacou à decisão impetrada, queda prejudicado o conhecimento da invocada inconstitucionalidade do art.º 170.º do CPTA na interpretação que lhe foi conferida pela decisão recorrida. * Desta feita, ante o expendido, é forçoso concluir que a decisão recorrida, proferida em 05/01/2021, apresenta-se juridicamente incorreta, merecendo a censura que lhe vem dirigida pela Recorrente.E, assim sendo, cumpre dar provimento ao vertente recurso jurisdicional e revogar a decisão recorrida, devendo os presentes autos prosseguirem os seus termos para prolação da decisão de mérito relativamente ao pedido de liquidação de sentença. * Considerando o elevado valor do presente incidente de liquidação de sentença, procede-se, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, à dispensa do pagamento total do remanescente da taxa de justiça devida neste recurso, por se entender proporcional à complexidade fáctico-jurídica envolvida no vertente litígio, bem como à simplicidade do processado nos autos.V. DECISÃO Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, proferida em 01/01/2021. Custas pelo recurso a cargo do Recorrido, nos termos do disposto no art.º 527.º do CPC, sem prejuízo da concedida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Registe e Notifique. Lisboa, 10 de abril de 2025, ____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro - Relatora ____________________________ Ana Carla Teles Duarte Palma ____________________________ Jorge Martins Pelicano |