Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:314/20.3BEBJA-A
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
DEDUÇÃO DE IVA
REEMBOLSO
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I – Tendo a administração tributária operado a anulação administrativa da liquidação adicional por considerar que se deu a caducidade do direito à liquidação das deduções corrigidas com fundamento em dedução indevida, não pode em acção de inspecção posterior, destinada à apreciação do pedido de reembolso, reconstituir a conta corrente do contribuinte como se essa anulação não tivesse tido lugar invocando tal dedução indevida;
II – Em princípio, o reembolso a efectuar em execução de julgado anulatório de acto de liquidação adicional de IVA deve ser efectuado de acordo com o fluxo financeiro subjacente ao pagamento da liquidação objecto de anulação, seguindo o mesmo método de aplicado no seu pagamento: se a liquidação adicional foi emitida sem que dê lugar ao pagamento de imposto porque o valor liquidado foi deduzido no montante disponível na conta corrente do contribuinte, a sua anulação tem por consequência, em princípio, a operação inversa com a reposição do crédito de IVA na conta corrente sem que haja lugar ao reembolso; se houve lugar ao pagamento da liquidação de IVA, o reembolso deve operar-se pela restituição do montante que foi pago;
III – No contexto referido em I, apesar de a liquidação adicional não teria dado lugar a pagamento por ter sido compensada na conta corrente do contribuinte, a reposição da situação anterior ao da prática do acto ilegal não se opera pela reposição do crédito na conta corrente, mas sim, pelo reembolso efectivo, tanto mais que tal pagamento foi solicitado no âmbito de um procedimento de reembolso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A Exequente Sociedade A… S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a acção de execução de julgados deduzida contra o Ministério das Finanças, com fundamento no não cumprimento voluntário da sentença daquele Tribunal, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

Nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

«I. Questão decidenda

a) O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação de execução de julgados interposta com o propósito de obter a condenação da AT, aqui Recorrida, a executar a sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 314/20.3 BEBJA;

b) O Tribunal a quo rejeitou o pedido da petição inicial da ação de execução de julgados, com fundamento de que a sentença que constitui o título executivo em apreço não condenou a AT ao pagamento do reembolso e, subsequentemente, ao pagamento dos devidos juros indemnizatórios e moratórios;

c) Mais refere que a anulação da liquidação impugnada não confere à Recorrente o direito ao pagamento do reembolso e respetivos juros.

II. O Direito

d) O nosso legislador adotou uma conceção subjetivista, suplantando a conceção objetivista vigente, pelo que o foco do contencioso administrativo converteu-se na proteção dos interesses juridicamente protegidos dos lesados e não na mera anulação de atos administrativos de índole formal;

e) Todos os efeitos produzidos pelo ato ilegal devem ser eliminados da ordem jurídica como se o ato nunca tivesse sido praticado com aquela ilegalidade, nos termos do artigo 100º da LGT;

f) Tal é a consagração do direito à reparação dos danos causados pela AT, corolário do princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2º da CRP;

g) A anulação do ato impugnado para além da destruição de todos os efeitos por ele produzidos, também implica a proibição da reincidência por parte da AT das ilegalidades cometidas com a prática do ato anulado;

h) A destruição de todos os efeitos e a proibição da reincidência pressupõe, no caso em apreço, a reparação do dano causado pela prática do ato ilegal, isto é, o pagamento do reembolso que o Tribunal considerou devido, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º, ambos da LGT e artigo 22º, n.º 8 do Código do IVA;

i) Os juros moratórios são, igualmente devidos, pelo atraso na execução da sentença que constitui o título executivo, nos termos do n.º 5 do artigo 43º da LGT;

j) Assim sendo, ao contrário do que entendeu e decidiu o Tribunal a quo, a sentença que constitui o título executivo apreciou a validade do direito ao reembolso em apreço, tendo reconhecido o direito à dedução do imposto suportado;

k) E, portanto, ao anular a liquidação adicional em apreço destruiu todos os seus efeitos e obrigou a AT a reconstituir a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse cometida, ou seja, a proceder ao pagamento do reembolso devido;

l) Apesar de a utilidade do presente recurso se limitar, agora, ao pedido dos juros indemnizatórios e moratórios, era importante desenvolver o raciocínio completo, nos termos acima expostos, porquanto o percurso cognoscitivo do Tribunal a quo assentou no pressuposto de que a anulação do ato impugnado não implicava o pagamento do reembolso e, correspetivamente, dos juros que se mostrassem devidos;

m) Assim sendo, a T… teve, então, de contestar o raciocínio completo do Tribunal a quo para dessa forma fundamentar, nesta sede, o seu direito aos juros indemnizatórios e moratórios;

n) O prazo inicial dos juros indemnizatórios conta-se desde o termo do prazo legal para a AT proceder ao reembolso do (primeiro) pedido em 4 de fevereiro de 2020, isto é, 30 de abril de 2020, e não desde o segundo pedido, em 8 de maio de 2024, como foi compelida a fazer;

o) Deste modo, podemos concluir que a Recorrente tem direito aos juros indemnizatórios a contar desde 30 de abril de 2020 até à data da emissão da nota de crédito e aos juros moratórios a contar desde até 22 de dezembro de 2023 até à data da emissão da nota de crédito;

p) Por conseguinte, o presente recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais, por erro de julgamento.

Pedido:

Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais, por erro de julgamento, e, consequentemente, deve ser reconhecido à Recorrente o direito aos juros indemnizatórios a contar desde 30 de abril de 2020 até à data da emissão da nota de crédito e aos juros moratórios a contar desde até 22 de dezembro de 2023 até à data da emissão da nota de crédito. Pois só assim se fará inteira e sã

JUSTIÇA!»


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A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

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Por decisão sumária proferida a 28/01/2025, o Supremo Tribunal Administrativo veio a declarar-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso declarando competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

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O Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos do n.º 1, do artigo 146.º do CPTA.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar a acção improcedente por dever ser reconhecido à Recorrente o direito ao pagamento do reembolso, bem como ao pagamento dos devidos juros indemnizatórios e moratórios.

Sendo a resposta positiva, importa apreciar se a recorrente tem direito aos juros indemnizatórios a contar desde 30 de abril de 2020 até à data da emissão da nota de crédito e aos juros moratórios a contar desde até 22 de dezembro de 2023 até à data da emissão da nota de crédito dos juros indemnizatórios bem como o direito a juros moratórios, com taxa agravada, a contar da data do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado, até à data da emissão da nota de crédito dos juros de mora.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«a) Em 14.10.2020, a Exequente apresentou uma impugnação judicial tendo por objecto a liquidação adicional de IVA n.º 33042136, referente ao período de 2019/12T, no montante de € 173 803,91, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá V. Exa julgar em conformidade com o requerido, designadamente: a) Anular a liquidação adicional aqui em apreço, com todas as consequências legais, porquanto padece de vício de violação de lei, por violação da figura do caso decidido e do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, corolário do princípio do Estado de Direito (art.º 2.º da CRP); ou, se assim não se entender e sem prescindir, b) Anular a liquidação adicional aqui em apreço, com todas as consequências legais, porquanto padece de vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de Direito (artigos 19.º e 20.ºambos do Código do IVA); ou, se assim não se entender e sem prescindir, c) Acionar o mecanismos do reenvio prejudicial previsto no artigo 264.º do RFUE, porquanto a presente questão decidenda suscita dúvidas e, por conseguinte, solicitar ao TJUE a seguinte questão prejudicial ao conhecimento da matéria aqui em crise: O sujeito passivo mantém o direito à dedução do IVA dos inputs suportados a montante sobre os outputs, mesmo que o valor das operações tributáveis a jusante seja diminuto?”; Cfr consulta da petição inicial da impugnação judicial n.º 314/20.3BEBJA

b) Essa impugnação judicial correu termos neste tribunal sob o número de processo 314/20.3BEBJA, e, em 15.09.2023, foi proferida sentença, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que terminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo a presente impugnação judicial procedente, e, em consequência, anulo a liquidação impugnada”; cfr consulta da sentença proferida na impugnação judicial n.º 314/20.3BEBJA

c) Essa sentença foi notificada electrónicamente às partes, através de documento datado de 04.10.2023, não tendo sido apresentada qualquer reclamação ou recurso; cfr consulta da impugnação judicial n.º 314/20.3BEBJA

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A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que:
«Com relevância para a decisão a tomar, não foram alegados pela Exequente quaisquer outros factos sobre os quais o tribunal se deva pronunciar, já que as demais alegações comportam considerações ou versam sobre matéria de direito.»

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:
«A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada, resultou da análise aos documentos juntos pela Exequente, e ainda à consulta dos autos do processo principal, a impugnação judicial n.º 314/20.3BEBJA, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas que antecedem.»
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III – 2. De Direito

A recorrente deduziu impugnação judicial contra o acto de liquidação adicional de IVA pedindo a sua anulação com as consequências legais. Os pedidos que formulou na petição inicial foram os seguintes:

«a) Anular a liquidação adicional em apreço, com todas as consequências legais, porquanto padece de vício de violação de lei, por violação da figura do caso decidido e do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, corolário do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP); ou, (…)

b) Anular a liquidação adicional aqui em apreço, com todas as consequências legais, porquanto padece de vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de Direito (artigos 19.º e 20.º, ambos do Código do IVA); ou, se assim não se entender e sem prescindir,

c) Acionar o mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 264.º do TFUE, (…)»

A acção foi julgada procedente com a consequente anulação da liquidação em causa tendo a ora recorrente dirigido à AT um pedido de execução da sentença.

Deduziu acção de execução de julgados pedindo que a AT seja condenada a executar a sentença aqui em causa e proceder ao pagamento do reembolso devido, no montante total de € 173 803,91; dos juros indemnizatórios, a contar desde o fim do prazo de pagamento do reembolso em apreço (30 de abril de 2020) até à data da emissão da nota de crédito dos juros indemnizatórios e ainda ao pagamento de juros moratórios, com a taxa agravada, a contar da data do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado (22 de dezembro de 2023) até à data da emissão da nota de crédito dos juros de mora.

O Tribunal absolveu a AT do pedido no entendimento de que a sentença se encontra integralmente executada com a integração do valor das periódicas e dos excessos reportados que tenham sido retirados por efeito da liquidação anulada, na conta corrente de IVA da Exequente, uma vez que a sentença que constitui o título executivo não condenou a AT ao pagamento do reembolso, nem ao pagamento dos juros indemnizatórios e moratórios.

A ora recorrente não se conforma com tal veredicto.

Alega que a reconstituição da situação hipotética justifica a obrigatoriedade da (i) restituição do imposto que houver sido indevidamente pago ou recusado pelo ato ilegal, do (ii) pagamento dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43º da LGT e da (ii) indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o artigo 53º da LGT.

Mais alega que a anulação do acto impugnado, para além da destruição de todos os efeitos por ele produzidos, também implica a proibição da reincidência por parte da AT das ilegalidades cometidas com a prática do acto anulado, o que pressupõe, no caso em apreço, a reparação do dano causado pelo acto ilegal, isto é, o pagamento do reembolso que o Tribunal considerou devido, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º, ambos da LGT e artigo 22º, n.º 8 do Código do IVA, bem como juros de mora, pelo atraso na execução da sentença que constitui o título executivo, nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT.

Sustenta que a sentença não foi executada porquanto os efeitos produzidos pelo acto ilegal devem ser eliminados da ordem jurídica como se o acto nunca tivesse sido praticado com aquela ilegalidade, nos termos do artigo 100.º da LGT sustentando que a anulação da liquidação impugnada confere à Recorrente o direito ao pagamento do reembolso e respectivos juros só assim se reparando os danos que decorreram da prática do acto ilegal objecto de anulação na sentença exequenda.

Para melhor compreensão do recurso que nos vem dirigido vejamos os factos que antecederam a liquidação anulada na sentença exequenda.

Na sequência de acção inspectivo realizada com base na ordem de serviço n.º OI201800058 (cf. ponto a) dos factos provados), a AT emitiu uma liquidação adicional de IVA referente a 2014/03T a 2016/12T. No que se refere à liquidação relativa a 2014/03T, a recorrente deduziu impugnação judicial, que correu termos com o n.º 574/19.2BEAVR, no âmbito da qual a AT procedeu à anulação administrativa do acto de liquidação, por despacho de 7/11/2019, com fundamento em caducidade do direito à sua liquidação, ando origem à extinção da instância por inutilidade superveniente.

Em 4/2/2020 solicitou através da entrega da declaração periódica de 2019/12T o reembolso aqui em causa, que por sua vez, deu origem a uma acção de inspeção tributária credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI202000175, no âmbito da qual a AT procedeu a correcções aritméticas tendo sido corrigido o montante de € 173 803,91, com fundamento na dedução indevida do IVA reportado.

Estava em causa IVA suportado a montante com a construção e conservação do imóvel que a AT considerou que não podia ser deduzido por não estar relacionado com uma operação tributável e com tal fundamento, em 29/8/2020 a AT procedeu à liquidação adicional no valor de € 173 803,91 referente ao período 2019/12T.

Ora, com a acção de inspecção a AT procedeu à reanálise da situação da ora recorrente desde o período de 2014/03T para concluir que foram indevidamente deduzidos os valores de IVA desde tal período, dando origem à liquidação que veio a ser anulada.

No relatório final da aludida acção inspectiva reconhece-se que o referido valor teve origem em imposto deduzido e reportado de períodos anteriores ao primeiro período abrangido pelo procedimento de inspeção 2014/03T relacionadas com a construção entre os anos de 2005 e 2007 e nos anos posteriores com a manutenção do Monte que o ora recorrente invocara destinar-se à actividade de Turismo no Espaço Rural (Hotel Rural).

Na referida acção inspectiva a AT considerou tal IVA indevidamente deduzido pelo facto de não ter sido concretizada a afectação do imóvel em causa à exploração de actividade turística de alojamento rural, não tendo relação directa com operações tributáveis e não isentas, pelo sujeito passivo para a realização de operações tributáveis em sede de IVA cf. artigo 20.º CIVA (cf. ponto i) dos factos provados).

No relatório de inspecção a AT reconhece que as liquidações de IVA impugnadas dizem respeito ao exercício de 2014, no entanto, conclui que «A ilegitimidade da dedução do imposto em causa, não caducou com o acto de liquidação que a pretendeu corrigir (…) mantém-se e acompanha o imposto sobre o qual se fundou, na mesma medida em que o imposto subsiste e se mantêm disponível através, do crédito sucessivamente reportado. A natureza e a origem ilegal do imposto deduzido não se altera, acompanha-a até ser consumido ou reembolsado, até ser exercido o direito à sua utilização, nos termos da lei da sua própria mecânica. O direito à dedução do IVA não se consome, ou decurso do tempo mas com a sua efetiva utilização, constituindo, esse sim, o momento a partir do qual fica sujeito aos prazos legais de caducidade. Nestes termos a administração fiscal pode e deve obstar a que o contribuinte seja reembolsado do imposto que ele que ela própria considerou como ilegítimo

Importa assim decidir se o Tribunal recorrido errou ao julgar que a sentença exequenda não confere à Recorrente o direito ao pagamento do reembolso e respetivos juros.

Não restam dúvidas, conforme resulta do Relatório de inspecção em que se apreciou o pedido de reembolso apresentado pela ora recorrente, de que a AT procedeu a nova liquidação do valor de € 173 803,91 correspondendo ao montante de IVA considerado como indevidamente deduzido e calculado desde o período 2014/03T.

Ora, tendo presente:

- que a própria AT anulou administrativamente a liquidação de IVA em causa com fundamento na caducidade do direito à liquidação, no processo que correu termos com o n.º 574/19.2BEAVR;

- considerando que na sentença exequenda foi julgada a legalidade da dedução de IVA decidindo-se que «a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, por violação do disposto no art.º 20.º n.º 1 a) do CIVA» reconhecendo que a recorrente tem direito à dedução do IVA em causa;

- e ainda, que, nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei»;

A execução do julgado anulatório, no caso específico dos autos deve passar por reconhecer o direito ao reembolso.

Com efeito, se o processo de impugnação judicial tem natureza de contencioso de mera anulação, ao processo de execução de julgados é aplicável o CPTA que tem um âmbito mais alargado, permitindo inclusivamente o enxerto de uma fase declarativa (v.g. artigo 179.º, n.º 2 do CPTA, aplicável por força da remissão prevista no artigo 146.º, n.º 1 do CPPT), caso se revele necessário para que seja alcançada a tutela executiva plena, sem necessidade de multiplicação de acções, garantindo assim a tutela jurisdicional efectiva.

Daí que se estatua no artigo 173.º, n.º 1 o seguinte:

«Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado(Destacados e sublinhados nossos).

O que significa que, não só os efeitos produzidos pelo acto anulado devem ser eliminados da ordem jurídica, como se o acto nunca tivesse sido praticado com aquela ilegalidade, como deve operar-se a reconstituição da actuação da AT como se o acto ilegal não tivesse sido praticado.

Executar o julgado passa pela reconstituição da situação jurídica de facto e de direito existente antes da prática do acto anulado, como se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Concretizando a aplicação das citadas normas e recordando que a liquidação anulada teve origem num pedido de reembolso que foi indeferido no entendimento da AT, que o Tribunal recorrido não sufragou, de que a dedução do IVA em causa era indevida, a execução da sentença passa pela remoção de todos os efeitos do acto anulado, implicando imperativamente o reembolso, isto é, o pagamento ao contribuinte do valor do IVA anulado, uma vez que a liquidação resultou de procedimento em que a recorrente apresentou um pedido de reembolso. É por referência ao pedido de reembolso que toda a execução deve ter lugar.

Com efeito, foi na sequência da anulação da liquidação pela AT, no Âmbito do processo n.º 574/19.2BEAVR, no montante de € 173 803,91, com fundamento em caducidade do direito à liquidação, que em 4/2/2020 a ora recorrente apresentou o pedido de reembolso de IVA, pedido que deu origem à acção de inspecção tributária.

Foi no âmbito dessa acção inspectiva que foi decidido o indeferimento parcial do pedido de reembolso, no montante de € 173 803,91, com fundamento em dedução indevida do IVA reportado e que determinou a emissão da liquidação anulada na sentença exequenda.

Resultando da sentença que se visa executar que a dedução não foi indevida, impunha-se à AT retomar o procedimento e deferir o pedido concretizando todos os actos materiais necessários à sua concretização, já que o único fundamento invocado para indeferir o pedido e reembolso no que se refere ao montante de € 173 803,91, foi precisamente a dedução ser indevida e que deu lugar à emissão da liquidação entretanto anulada.

Impõe-se assim, incluir no âmbito do objecto da presente acção de execução a reconstituição do procedimento destinado ao reembolso com respeito pelo direito à dedução no montante de € 173 803,91 conforme julgado na sentença exequenda.

Não se ignora que, em regra, a execução do julgado anulatório deve efectuar-se de acordo com o fluxo financeiro subjacente ao pagamento da liquidação objecto de anulação.

Se uma liquidação adicional é emitida sem que haja lugar ao pagamento de imposto porque o valor liquidado é deduzido no montante disponível na conta corrente, a sua anulação tem por consequência, em princípio, a reposição do na conta corrente o montante anulado sem que haja lugar ao reembolso. No entanto, as circunstâncias do caso ditam solução diferente.

Assim sendo, embora a sentença exequenda não tenha anulado o acto de indeferimento do pedido de reembolso, nem tenha condenado a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à ora Exequente de nenhum valor a título de reembolso, nas circunstâncias concretas do caso acabadas de descrever, a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado que se impõe na execução do julgado integra o dever de a AT proceder ao reembolso da quantia correspondente à liquidação anulada com o dever de pagar juros indemnizatórios.

A não ser assim, estaria aberta a via para que se eternizasse a situação jurídica com novo pedido de reembolso, nova acção de inspecção, nova impugnação etc.

No que se refere aos juros indemnizatórios, importa verificar quando é que se constituiu o dever de a AT proceder ao reembolso.

Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 8 do CIVA «os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária.»

O pedido de reembolso foi apresentado em 4/2/2020, pelo que o reembolso deveria ter ocorrido até 30/4/2020. Donde são devidos juros indemnizatórios desde 1/5/2020 até à emissão da nota de crédito.

No que se refere aos juros de mora e tendo em consideração que o seu fundamento constitui a mora na execução do julgado, importa ter presente que a AT executou o julgado de acordo com o enquadramento que considerou ser o adequado.

Embora a sentença proferida na impugnação judicial onde era pedido a anulação da liquidação «com as consequências legais«, tenha transitado em julgado em 8/11/2023, apenas nesta sede se densificou o conteúdo do dever de execução do julgado anulatório, pelo que, é a partir do trânsito em julgado da presente decisão que se inicia o prazo de 30 dias para a execução do julgado e não sendo cumprido, ficará a AT sujeita à obrigação de pagar juros de mora nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT.

Assim sendo impõe-se julgar procedente o recurso.


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IV – CONCLUSÕES

I – Tendo a administração tributária operado a anulação administrativa da liquidação adicional por considerar que se deu a caducidade do direito à liquidação das deduções corrigidas com fundamento em dedução indevida, não pode em acção de inspecção posterior, destinada à apreciação do pedido de reembolso, reconstituir a conta corrente do contribuinte como se essa anulação não tivesse tido lugar invocando tal dedução indevida;

II – Em princípio, o reembolso a efectuar em execução de julgado anulatório de acto de liquidação adicional de IVA deve ser efectuado de acordo com o fluxo financeiro subjacente ao pagamento da liquidação objecto de anulação, seguindo o mesmo método de aplicado no seu pagamento: se a liquidação adicional foi emitida sem que dê lugar ao pagamento de imposto porque o valor liquidado foi deduzido no montante disponível na conta corrente do contribuinte, a sua anulação tem por consequência, em princípio, a operação inversa com a reposição do crédito de IVA na conta corrente sem que haja lugar ao reembolso; se houve lugar ao pagamento da liquidação de IVA, o reembolso deve operar-se pela restituição do montante que foi pago;

III – No contexto referido em I, apesar de a liquidação adicional não teria dado lugar a pagamento por ter sido compensada na conta corrente do contribuinte, a reposição da situação anterior ao da prática do acto ilegal não se opera pela reposição do crédito na conta corrente, mas sim, pelo reembolso efectivo, tanto mais que tal pagamento foi solicitado no âmbito de um procedimento de reembolso.


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V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, julgar procedente a acção de execução de julgados condenando a AT a praticar todos os actos necessários à remoção de todos os efeitos do acto de liquidação de IVA anulado, retomando e procedendo à reconstituição do procedimento destinado ao reembolso, devolvendo ao recorrente o valor da liquidação respeitante à dedução em causa no montante de € 173 803,91.

Custas pela executada.

Lisboa, 30 de Setembro de 2025.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Isabel Silva – 1.ª Adjunta

Ângela Cerdeira – 2.º Adjunta