Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2066/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMI.
LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FORMAL.
Sumário:I. Ocorre preterição do dever de fundamentação formal do acto de liquidação de juros compensatórios se no mesmo falta a indicação do concreto comportamento censurável do contribuinte, do período relevante para o apuramento dos mencionados juros, do regime legal que justifica, quer a constituição do contribuinte na referida obrigação, quer o regime legal relativo ao cômputo dos mesmos.

II. Não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto jurídico em situações, como a dos autos, em que, sejam os pressupostos, sejam os termos da constituição da obrigação de juros compensatórios não se mostram esclarecidos.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
S............... - Sociedade de …………………, S.A. deduziu impugnação judicial na sequência do acto tácito de indeferimento que se formou, em virtude da não decisão, em tempo, nas reclamações graciosas que oportunamente apresentou contra a liquidação de juros compensatórios incluídos nas liquidações de Imposto Municipal sobre Imoveis (IMI) nºs ………………..003, do ano de 2004; ……………….103, do ano de 2005 e 2007 447711203, do ano de 2006, no valor global de €8.152,25, respeitantes ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de A...............………….., sob o artigo …………., peticionando a sua anulação.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 27/04/2021, incorporada a fls. 155 e ss., (sitaf), julgou a presente impugnação procedente e determinou a anulação da liquidação sindicada.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cuja alegação, inserta a fls. 194 e ss. (sitaf), a Fazenda Pública ora recorrente, formulou as conclusões seguintes: “
I) O thema decidendum do presente recurso consiste em aferir se os atos de liquidação de juros compensatórios respeitante a IMI, dos anos de 2004 a 2006, referentes ao prédio inscrito sob o artigo ………..… na matriz predial da freguesia ……………, concelho de A..............., impugnados nos presentes autos, padecem do vício formal de falta de fundamentação ou se, ao invés, se encontram devidamente fundamentados.
II) A Mma. Juiz a quo na sentença recorrida concluiu no sentido de que assistia razão à ora impugnante relativamente ao alegado vício de forma por preterição de formalidade essencial nos atos de liquidação de juros compensatórios respeitantes a IMI, dos anos de 2004 a 2006, no montante de € 8.152,00, entendendo que “como se constata da factualidade apurada (cfr. facto provado n°8) dos actos tributários impugnados não consta a indicação das disposições legais que prevêem a responsabilidade por juros compensatórios e as que prevêem as taxas aplicadas.”
III) Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido pelo Tribunal “a quo” uma vez que se considera terem sido cumpridas todas as exigências legais relativamente à fundamentação dos atos tributários ora impugnados nos presentes autos.
IV) Estabelece o n° 8 do art.° 35° da LGT que " os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados".
V) Ora integrando-se os juros compensatórios na dívida do imposto passam a ser uma das suas componentes.
VI) Como é pacífico e resulta, entre outros, do disposto nos arts. 268° da CRP e do art. 77° da LGT, os atos tributários estão sujeitos a um dever de fundamentação.
VII) Sendo que tal fundamentação deve obedecer aos requisitos previstos no art. 125° do CPA, ou seja, aquela deverá ser clara ou acessível, congruente e suficiente.
VIII) De acordo com o estabelecido no n.° 2 do art.77° da LGT os atos tributários estão sujeitos ao dever de fundamentação, sendo que "a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo".
IX) Conforme referiu a Fazenda Pública na contestação oportunamente apresentada “os citados três actos das liquidações de IMI (...) como actos finais que são, de um procedimento administrativo tributário, a lei só exige a observância dos requisitos gerais de fundamentação preceituados nos n.°s 1 e 2 do artigo 77.° da LGT e, por isso, a Administração Fiscal cumpre-os de forma “padronizada”, atenta a natureza de “processo de massa” de que se revestem anualmente as liquidações de IMI (cfr. J.L. Saldanha Sanches, João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Bastos, Coimbra, 2006, pp.290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202)’’ concluindo que “no caso dos autos, tendo culminado o procedimento com os atos de liquidação impugnados - e cujo resultado final, em termos de apuramento de imposto a pagar, está espelhado de forma “padronizada”, estão cumpridos os requisitos que, nos termos do n.° 2 do art.° 77 da LGT fundamentam as liquidações”, cf. articulados 26.° e 28.° da contestação.
X) A Mma. Juiz "a quo” menciona na douta sentença que “como se constata da factualidade apurada (cfr. facto provado n° 8) dos actos tributários impugnados não consta a indicação das disposições legais que prevêem a responsabilidade por juros compensatórios (...).”
XI) Ora, no tocante a esta questão a Fazenda Pública sustenta o seu entendimento no acórdão do STA proferido no processo n.° 0954/16, em 16-11-2016, o qual refere “(...) No que respeita aos juros compensatórios, admitimos que as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo. Eventualmente, ainda que com algumas reservas, admitimos que nem sequer se exija a referência à norma legal ao abrigo do qual os juros foram liquidados, pois é do conhecimento geral que se o atraso na liquidação do imposto devido for imputável ao contribuinte há lugar à liquidação de juros compensatórios.(...)”. (sublinhado nosso).
XII) Refere, igualmente, a Mma. Juiz “a quo” na douta sentença que “dos actos tributários impugnados não consta a indicação das disposições legais que (...) prevêem as taxas aplicadas.”
XIII) Ora, no caso em apreço, é evidente que os elementos que a impugnante teve ao seu dispor - constantes das notificações dos atos tributários ora em apreço - permitiam que a mesma compreendesse a motivação, de facto e de direito, subjacente à atuação da Administração Tributária.
XIV) Pois que tendo em conta a fórmula de cálculo dos juros compensatórios devidos e, bem assim, os dados constantes da notificação facilmente se apura a taxa de juro aplicada, a saber, 4%/ano.
XV) Ora, tal operação não exige especiais conhecimentos ou aptidões, sendo, por conseguinte, acessível a um qualquer cidadão médio e, sem margem para grandes dúvidas, relativamente a sujeito passivo que tome a forma de sociedade comercial. Como é o caso da ora impugnante.
XVI) É incontestável que a AT poderia fazer constar das liquidações dos atos tributários que a taxa aplicada era de 4%/ano; porém, a falta dessa indicação não pode, nas circunstâncias do caso concreto, conduzir à conclusão de que o ato não se encontra suficientemente fundamentado.
XVII) Pois não pode permitir-se que, a coberto do direito à fundamentação, se abriguem pretensões que excedem manifestamente o âmbito de cobertura que aquele direito visa assegurar.
XVIII) Por tudo quanto fica exposto, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência do invocado vício de falta de fundamentação, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade por violação do direito à fundamentação previsto no n.° 2 do art. 77° da LGT.
Sem prescindir,
XIX) Ainda que não se entenda como se pugnou - o que apenas se concebe a benefício de raciocínio - sempre se terá que concluir que a preterição da dita formalidade legal não determina, no caso em apreço, a ilegalidade dos atos tributários ora impugnados.
XX) Como supra se referiu a fundamentação dos atos tributários tem consagração constitucional e legal, constituindo um importante e estruturante princípio do procedimento tributário.
XXI) É certo que, em regra, a violação (ou imperfeição) do cumprimento do dever de fundamentação determina a ilegalidade do próprio ato tributário por violação de uma formalidade essencial;
XXII) Porém, tal nem sempre ocorre, pois que em determinadas situações tal formalidade legal poderá degradar-se em não essencial.
XXIII) É, desde logo, o que sucede nos casos em que inexistindo outros vícios, como acontece nos presentes autos, nos encontramos perante uma atuação vinculada da Administração Tributária, no sentido em que a atuação desta não poderia ser, de modo algum, diferente da efetivamente tomada.
XXIV) Em tais casos há lugar à aplicação do princípio do aproveitamento do ato, porquanto, apesar da dita preterição de formalidade não se justifica a anulação do ato, na medida em que a decisão efetiva se revela a única concretamente possível.
XXV) Ora, no caso ora em apreço sempre se teria que concluir que tal formalidade se degradou em não essencial, donde resultará que da sua omissão ou cumprimento defeituoso não resulta a ilegalidade dos atos tributários ora impugnados.
XXVI) Para que tal deterioração da formalidade ocorra necessário se torna que a decisão da Administração não pudesse ser outra.
XXVII) Seja, como se referiu no acórdão do STA de 25.06.2008, por estarmos perante “uma actividade absolutamente vinculada, seja por resultar de mera operação aritmética’’.
XXVIII) Ora, no caso em apreço, é manifesto que não só estamos perante uma atuação absolutamente vinculada da Administração Tributária, mas também está aqui em causa uma mera operação aritmética.
XXIX) Assim sendo, é imperioso que se conclua que outra não poderia ser a decisão da Administração Tributária, razão pela qual se deve firmar que a referida formalidade legal se degradou em não essencial e, consequentemente, que a sua violação não determina, por força do referido princípio do aproveitamento, a anulação dos atos tributários ora impugnados.
XXX) A Mma. Juiz “a quo” na douta sentença recorrida explana o entendimento de que “O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente, no que concerne aos vícios de forma dos actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja entendido que seja atingido o objetivo visado pela lei para a sua imposição (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2a edição, rev. e aum. 2000, Vislis, pág 323)” concluindo no sentido de que “No caso, porém, não é possível dizer que a Impugnante tenha apreendido correctamente os fundamentos da decisão final e que, por conseguinte, a preterição dessa formalidade não tenha impedido uma defesa esclarecida (...)”.
XXXI) Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido pelo Tribunal “a quo” uma vez que se constata pela leitura da petição apresentada pela ora impugnante que esta apreendeu as razões que estiveram na base das liquidações ora impugnadas e, desde modo, exerceu uma defesa esclarecida nos presentes autos.
XXXII) Tanto assim o é que a ora impugnante veio alegar na sua petição inicial o ”(...) notório cálculo erróneo dos juros compensatórios’ assumindo deste modo que, de facto, compreendeu as razões que estiveram na base das liquidações de imposto ora impugnadas.
XXXIII) Pelo que verificando-se, nos presentes autos, que a ora impugnante exerceu uma defesa esclarecida revelando, deste modo, ter apreendido corretamente as razões que estiveram na base das liquidações de imposto ora impugnadas deverá a referida formalidade legal degradar-se em não essencial e, consequentemente, não determinar a anulação dos atos tributários ora impugnados, conforme o entendimento que tem vindo a ser uniformemente seguido pelos Tribunais Superiores.
XXXIV) Face ao exposto conclui a Fazenda Pública que a atuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos atos tributários, sendo que estas por serem legais, deverão manter-se, tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto no art. 77° da LGT.
XXXV) Nestes termos, sentença recorrida configura-se ilegal por desconformidade com o disposto no art. 77° da LGT, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

Pugna pela procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida e por que se julgue improcedente a impugnação.

X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
1. A Impugnante apresentou electronicamente a declaração modelo 1, em 14 de Dezembro de 2005, referente a um prédio novo referente à anexação dos artigos urbanos ……….. e ………….. da freguesia de Santo …………….., A............... (cfr. prova documental fls 82 e seguintes dos autos em suporte de papel).
2. A Impugnante juntou os seguintes documentos na sequência do mencionado no facto provado anterior: (cfr. prova documental fls 82 e seguintes dos autos em suporte de papel).
«Texto no original»

3. A Impugnante apresentou electronicamente a declaração modelo 1, em 12 de Abril de 2006 como sendo um prédio novo referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos 5185 e 6192 (anterior 2975) sendo que, a licença de utilização se reporta a 30 de Julho de 1993 (cfr. prova documental fls 61 e seguintes do processo administrativo).
4. A 19 de Junho de 2006, a Impugnante foi notificada da avaliação da unificação dos artigos matriciais num só prédio sob o artigo ……… da freguesia de Santo …………., A............... através do ofício n°2428418 do Serviço de Finanças de A..............., ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário no valor de 5.456,450.00€ (cfr. prova documental documento n°7 junto com a petição inicial).
5. Posteriormente, a Impugnante requereu a segunda avaliação do imóvel mencionado no facto provado anterior (cfr. prova documental documento n°8 junto com a petição inicial).
6. A segunda avaliação do imóvel foi efectuada em Outubro de 2008, tendo sido atribuído ao imóvel em apreço o valor patrimonial tributário no 5.108.640,00€, constando da mesma:
Descrição da avaliação:
“Tendo em conta que o prédio urbano objecto da presente avaliação foi submetido a uma avaliação manual, considerando que as àreas e as idades correspondentes. Foram anexas ao processo as respectivas cópias das licenças apresentadas pelo contribuinte e verificado no local os pavilhões com as diferentes idades”
(...)
Valor Patrimonial Tributário - avaliação manual
Justificativo:
O prédio construído em 1993, com licença de utilização datado de 1995 foi submetida a uma ampliação em 2006”
«Texto no original»

(cfr. prova documental fls 63 e seguintes do processo administrativo).
7. A Impugnante não impugnou o valor patrimonial tributário atribuído na segunda avaliação (confissão).
8. A 6 de Novembro de 2008, a Impugnante foi notificada das seguintes liquidações de IMI referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006 calculadas com base no valor patrimonial resultante da segunda avaliação e respectivos juros compensatórios (cfr. prova documental documentos n°1 a 3 juntos com a petição inicial)

«Texto no original»













9. A Impugnante efectuou o pagamento dentro do prazo legal dos montantes liquidados referentes a IMI (cfr. prova documental- vide processo administrativo e acordo).
10. A Impugnante deduziu reclamação graciosa referente às liquidações de juros compensatórios (cfr. prova documental- vide processo administrativo).
11. Não recaiu nenhum despacho sobre a reclamação graciosa mencionada no facto provado anterior ( cfr. prova documental -vide processo administrativo e acordo).
12. As colectas de IMI que anteriormente haviam sido liquidadas relativamente aos dois prédios urbanos, na freguesia de Santo ………., concelho de A............... inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ……….. ( antes …………) e ……… de cujas liquidações de IMI, resultaram os seguintes montantes, foram anuladas e substituídas pelas liquidações mencionadas no facto provado n°8:
«Texto no original»
(cfr. prova documental fls 69 e seguintes do processo administrativo)
X
“Dos Factos Não Provados//Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.”
X
“Da Motivação//Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.//Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.”
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, com vista a garantir a inteligibilidade do n.º 2 do probatório, repete-se a transcrição de parte dos elementos em causa:
«Texto no original»


2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em relação à alegada preterição do dever de fundamentação expressa da liquidação de juros compensatórios [conclusões I) a XVII)].
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em relação à aplicação do princípio do aproveitamento do acto não permite, no caso, a anulação da liquidação em causa [conclusões XIX) a XXXV)].
A sentença julgou procedente a presente impugnação e determinou a anulação da liquidação de juros compensatórios impugnada. Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Na verdade, como se constata da factualidade apurada ( cfr. facto provado n°8) dos actos tributários impugnados não consta a indicação das disposições legais que prevêem a responsabilidade por juros compensatórios e as que prevêem as taxas aplicadas, já que não é invocada qualquer norma que suporte o direito da AT à emissão de tais liquidações (designadamente o artigo 35° da LGT). // A mais, não se encontra explicitado porque os juros compensatórios não foram calculados relativamente ao diferencial entre os dois valores apurados em sede de IMI. // Ora, a procedência do vício invocado importaria a anulação dos actos tributários impugnados. (cfr artigo 135.° do C.P.A.). // Todavia, atendendo ao princípio da segurança jurídica e ao princípio da economia processual, e desde que não esteja em causa a validade substancial do acto, a preterição de formalidades essenciais geradoras de anulabilidade pode degradar-se em formalidade não essencial. // Este conceito de base jurisprudencial, abrange três situações: // (…). // Assim, apesar do incumprimento da formalidade, é necessário averiguar se a Impugnante apreendeu integralmente os fundamentos do acto e, consequentemente, exerceu uma defesa esclarecida, por serem estes os fins visados pela norma que instituí o dever de fundamentação conforme se referiu supra. // No caso, porém, não é possível dizer que a Impugnante tenha apreendido correctamente os fundamentos da decisão final e que, por conseguinte, a preterição dessa formalidade não tenha impedido uma defesa esclarecida, designadamente porque dos actos tributários impugnados não foi possível a apreensão, desde logo, porque os juros compensatórios não foram calculados relativamente ao diferencial entre os dois valores apurados em sede de IMI. // Pelo que, terá de proceder o vício formal de falta de fundamentação».

2.2.2. Quanto ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente sustenta que o dever de fundamentação expressa do acto tributário foi observado.
Apreciação. Estão em causa as liquidações de juros compensatórios referidas no n.º 8 do probatório.
«São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária» (1). «Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação» (2). «A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas» (3).
Os requisitos de cuja verificação depende a constituição da obrigação de pagamento de juros compensatórios são os seguintes: a) Haver retardamento na liquidação do imposto. // b) Ser o imposto devido. // c) Haver culpa do contribuinte pelo retardamento.
O dissídio entre as partes consiste em saber se as liquidações de juros compensatórios em exame se mostram (ou não) fundamentadas. A este propósito, são pontos firmes o de que «[a] liquidação de juros compensatórios deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. // Para além disso, a liquidação dos juros compensatórios deve conter a indicação das normas legais em que se baseia (fundamentação de direito), podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (art. 77.º, n.º 1, da LGT). // Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo». (4) Sistematizando, dir-se-á que são elementos constitutivos da fundamentação em exame os seguintes (5): // 1) A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente; // 2) Os termos inicial e final da contagem dos juros; // 3) A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros; // 4) A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas; // 5) A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que a levaram a Administração Tributária a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte.
No caso em apreço, dos elementos coligidos no probatório resulta o seguinte:
i) A Impugnante apresentou electronicamente a declaração modelo 1, em 12 de Abril de 2006 como sendo um prédio novo referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos ……….. e ………. (anterior …..) sendo que, a licença de utilização se reporta a 30 de Julho de 1993 (6).
ii) A 19 de Junho de 2006, a Impugnante foi notificada da avaliação da unificação dos artigos matricias num só prédio sob o artigo ……………. da freguesia de Santo …………, A............... através do ofício n°2428418 do Serviço de Finanças de A..............., ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário no valor de 5.456,450.00€ (7).
iii) Posteriormente, a Impugnante requereu a segunda avaliação do imóvel mencionado no facto provado anterior (8).
iv) A segunda avaliação do imóvel foi efectuada em Outubro de 2008, tendo sido atribuído ao imóvel em apreço o valor patrimonial tributário no 5.108.640,00€ (…) (9).
v) A Impugnante efectuou o pagamento dentro do prazo legal dos montantes liquidados referentes a IMI (10).
vi) As colectas de IMI que anteriormente haviam sido liquidadas relativamente aos dois prédios urbanos, na freguesia de Santo ……..…….., concelho de A............... inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ………. (antes ……) e ……. de cujas liquidações de IMI, resultaram os seguintes montantes, foram anuladas e substituídas pelas liquidações mencionadas no facto provado n°8 (11).
Da análise dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que não são acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da recorrida, as razões, de facto e de direito, que determinaram os montantes liquidados a título de juros compensatórios, inscritos nas liquidações em causa (12). Tal omissão põe em causa as garantias de defesa da contribuinte em face dos actos tributários questionados. Não é apontado o concreto comportamento censurável do contribuinte, o período relevante para o apuramento dos mencionados juros, o regime legal que justifica, quer a constituição do contribuinte na referida obrigação, quer o regime legal relativo ao cômputo dos mesmos. Pelo que os actos tributários em apreço enferma do vicio de preterição do dever de fundamentação formal.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu no erro que lhe é apontado.
Motivo porque se rejeita a presente acusação.
2.2.3. Quanto ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente apela ao princípio do máximo aproveitamento do actos jurídicos.
Apreciação. A este propósito, é ponto firme o de que «[é] admissível o afastamento do efeito anulatório por vício procedimental ou formal de fundamentação, mesmo nos casos em que o acto administrativo não seja estritamente vinculado quanto à matéria mas praticado ao abrigo de uma margem de livre decisão, quando o juiz conclua, em razão do contexto de circunstâncias de facto e de direito do caso concreto trazidas ao processo, que uma vez expurgado o acto do vício que o afecta, o novo acto seria praticado com o mesmo conteúdo determinando, assim, a produção dos mesmos efeitos jurídicos, ou seja, que o vício formal ou procedimental incorrido pela Administração aquando da prática do acto não teve influência na decisão e decida pelo aproveitamento do acto administrativo anulável». (13)
No caso eme exame, não se vê que o princípio em apreço tenha aplicação, dado que os elementos coligidos nos autos não permitem discernir com precisão, seja os pressupostos da responsabilidade do contribuinte pelo pagamento de juros compensatórios, seja os termos do cômputo dos juros compensatórios. O que significa que não é irrelevante ao conteúdo do acto, legalmente determinado, o exercício por parte da recorrida de uma defesa esclarecida, designadamente, sobre os seus pressupostos de facto e de direito, seja no quadro do procedimento tributário, seja no âmbito do presente meio impugnatório. Ao invés, dos elementos que constam do probatório, é forçoso concluir que a recorrida pagou atempadamente o IMI em referência e que procedeu à inscrição na matriz, de forma atempada, dos prédios em apreço (14). Em face tais elementos, verifica-se que os pressupostos constitutivos da obrigação de liquidação de juros compensatórios, relativos ao retardamento da liquidação do imposto por facto imputável ao contribuinte, não se mostram comprovados. O que preclude a invocada inoperância do vício de falta de fundamentação formal do actos tributários sob escrutínio em nome do princípio do máximo aproveitamento dos actos jurídicos. Por outras palavras, estando a em causa a inscrição na matriz de prédios novos, os quais resultaram da unificação de prédios contíguos, com matrizes distintas, operações tituladas pelo Alvará n.º 5/98 (15), e tendo os respectivos IMIs sido pagos no tempo próprio, não se vê como imputar ao contribuinte comportamento censurável causador do retardamento na liquidação dos mesmos. Pelo que as liquidações sob escrutínio não se apresentam com acto tributário legalmente devido. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida nesta parte.
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta-Patrícia Manuel Pires)

(2ª. Adjunta –Isabel Silva)
(1) Artigo 35.º, n.º 1 da LGT.
(2) Artigo 35.º, n.º 3 da LGT.
(3) Artigo 35.º, n.º 9 da LGT.
(4) Acórdão do STA, de 07-01-2009, P. 0871/08. No mesmo sentido, v. Acórdão do TCAS, de 24-04-2024, P. 2495/06.0BELSB,
(5) LGT anotada e comentada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Encontro da Escrita, 2012, p. 284.
(6) V. n.º 1 do probatório.
(7) V. n.º 4 do probatório.
(8) V. n.º 5 do probatório.
(9) V. n.º 6 do probatório.
(10) V. n.º 9 do probatório.
(11) V. n.º 12 do probatório.
(12) V n.º 8 do probatório.
(13) Acórdão do STA, de 23-06-2022, 0822/13.2BEAVR; v., no mesmo sentido, Acórdão do STA, 14-01-2021, P. 0195/20.7BEPRT e Acórdão do STA, de 25-06-2015, P. 01391/14.
(14) V. n.ºs 1 a 9 do probatório.
(15) V. n.º 2 do probatório.