Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:299/12.0BELLE-A
Secção:CA
Data do Acordão:11/06/2025
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA
GRAVAÇÃO ÁUDIO
INDEFERIMENTO
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO


1. AA, autor na acção administrativa especial em que demanda o Município de Albufeira, inconformado com o despacho de 14-5-2013, que


indeferiu o requerimento de produção de prova que oportunamente apresentou, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 691º, nº 2, alínea i) do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 142º, nº 5, “in fine”, do CPTA, interpor recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:


1º - O despacho recorrido indeferiu o requerimento de prova documental formulado pela autor (através do qual se requeria a junção aos autos da gravação em CD das entrevistas públicas do autor e do contra-interessado e das respectivas transcrições) com o entendimento que a gravação da entrevista pública não seria relevante para a descoberta da verdade, atendendo à profusa prova documental dos autos.


2º - O autor, nos artigos 32º a 34º sua petição inicial, arguiu a falsidade intelectual da acta de 20 de Janeiro de 2012, no qual ficou registado a forma como decorreu as entrevistas dos dois candidatos no concurso de provimento, afirmando, nomeadamente, que a mesma «não reproduz, ainda que de forma sumária, as respostas dos candidatos»; «não reproduz as perguntas tal como as mesmas foram exactamente formuladas aos candidatos» ө «não reproduz as perguntas pela ordem em que as mesmas foram formuladas aos candidatos».


3º - A contraparte manifestou na contestação (nos termos do artigo 548º do CPC) a intenção de fazer uso da acta cuja falsidade intelectual foi arguida pelo autor para fazer prova do, por si alegado, no articulado de resposta, defendendo, nomeadamente, a veracidade dos factos narrados na acta de 20 de Janeiro de 2012 (vide os artigos 7º a 14º, 17º, 48º a 52º).


4º - O julgamento dos factos relacionados com a arguição da falsidade foi efectuado juntamente com os factos da causa, tendo sido ouvida, quanto à matéria dos artigos 32º a 34º a testemunha BB que presidiu às entrevistas públicas narradas na acta de 20 de Janeiro de 2012.


5º - A testemunha BB afirmou no seu depoimento que «pensa» ou «pressupõe», sem grande certeza ou convicção face ao tempo entretanto decorrido, que a citada acta «reproduz as perguntas tal como as mesmas foram exactamente formuladas aos candidatos» e que também «reproduz as perguntas pela ordem em que as mesmas foram formuladas aos candidatos» (cfr. depoimento gravado através do sistema Cícero e a acta de julgamento de 14 de Maio de 2013).


6º - Tais factos não correspondem à verdade, bastando para chegar a tal conclusão, ouvir (o) registo fonográfico das entrevistas do autor e do contra-interessado e as respectivas transcrições das gravações (cfr. docs. nºs 1 a 3, junto com o requerimento apresentado em 6 de Maio de 2013).


7º - A prova da falsidade intelectual de uma acta nunca poderia ser efectuada, como foi alegado pelo tribunal a quo para fundamentar o indeferimento do requerimento de prova, com o simples recurso "à profusa prova documental dos autos" porque o único documento que consta dos autos é exactamente a acta que, segundo a versão do autor, narra factos falsos.


8º - Uma vez que a prova testemunhal em face do tempo recorrida se revelava necessariamente inconclusiva – a própria Presidente do Júri admitiu no decurso do seu


depoimento já não se recordar como se processaram as citadas entrevistas –, o recurso à gravação das entrevistas públicas (e às respectivas transcrições) e à exibição da gravação à Presidente do Júri arrolada como testemunha revelar-se-ia, manifestamente, como um meio de prova adequado para provar a falsidade intelectual da acta.


9º - O artigo 90º, nºs 1 e 2 do CPTA, e os artigos 265º, nºs 1 e 3, 515º e 543º do CPC, aplicável «ex vi» do artigo 1º e 90º, nº 2, «in fine», do CPTA, apenas permitem ao tribunal a quo indeferir diligência de prova quando as mesmas se relevem como «claramente desnecessárias», «impertinentes» («por não respeitar aos factos da causa») ou «meramente dilatórias».


10º - Uma vez que não é possível dar como provado nos autos os factos alegados nos artigos 33º a 34º da petição inicial (sem os quais não poderá proceder a falsidade intelectual da acta alegada pela parte) é manifesto concluir que a junção aos autos da gravação da entrevista do autor e contra-interessado e das respectivas transcrições, bem como, a exibição perante a testemunha de tal registo fonográfico, não constitui meio de prova «claramente desnecessário», «impertinente» ou «meramente dilatórios».


11º - O princípio do contraditório, na vertente do direito à prova «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição, de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa (...). Mas as partes têm também direito, como manifestação do princípio do contraditório, à admissão de todas as provas relevantes para o objecto da causa (513), pelo que o Juiz não pode, no despacho de admissão das provas ou na fase de instrução, rejeitar um meio de prova, por irrelevância, baseado na convicção que já tenha formado quanto à não verificação do facto que se pretende provar através desse meio».


12º - O tribunal «a quo», ao indeferir o pedido de junção aos autos das gravações das entrevistas do autor e contra-interessado (e das respectivas transcrições), bem como, o pedido de exibição dos registos fonográficos à testemunha arrolada – com os quais se visava produzir prova dos factos que foram alegados nos artigos 32º a 34º da petição inicial – violou, portanto, os artigos 265º, 515º, 543º e 652º, nº 3, alínea b) do CPC e o artigo 90º do CPTA”.


2. O Município de Albufeira não apresentou contra-alegação.


3. A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste TCA Sul, devidamente notificada para o efeito, emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento, nomeadamente por se estar em causa “um meio de prova que não pode ser admitido nos autos, por não poder ser aproveitado, tanto mais que foi objecto de oposição e impugnação pela parte contrária e é susceptível de ofender os direitos descritos consignados por lei – artigos 90º, nº 2 do CPTA e 519º, nº 3, alínea b) do anterior CPC, aplicável ao caso sub iudice (cfr. também artigo 167º, nº 1 do CPP)”.


4. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão às Exmªs Juízas Adjuntas, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR


5. As questões a apreciar no presente recurso estão delimitadas pelo teor da alegação de recurso apresentada pelo recorrente e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 a 3, todos do CPCivil, não sendo lícito ao tribunal de apelação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.


6. E, face ao teor das conclusões exaradas na alegação do recorrente, importa apreciar e decidir se a decisão sob recurso padece do assacado erro de julgamento de direito, ao indeferir o meio de prova requerido pelo autor e aqui recorrente, com fundamento de que “o alegado de que as presentes transcrições das entrevistas públicas, tomando ainda em consideração que, conforme supra mencionado, não seriam objecto de gravação, para prova dos artigos 32º a 34º da petição inicial, entende-se não ser relevante para a descoberta da verdade material, atendendo ainda à profusa prova documental dos autos”.


III. FUNDAMENTAÇÃO


A – DE FACTO


7. Com interesse para a apreciação do presente recurso jurisdicional, considera-se assente a seguinte factualidade:


i. Por despacho de 5 de Julho de 2010 do Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, foi renovada a comissão de serviço do contra-interessado, por um período de três anos, no exercício do cargo de ... de departamento do Departamento de Planeamento e Projectos, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2010 – cfr. doc. nº 1, junto com a PI;


ii. Por despacho de 5 de Janeiro de 2011 do Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, foi nomeado, em regime de substituição, tendo em consideração a reestruturação dos serviços municipais, o contra-interessado como ... do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística – cfr. doc. nº 2, junto com a PI;


iii. Por despacho de 26 de Maio de 2011 do Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, foi determinado a abertura de procedimento concursal destinado à selecção de candidatos para o provimento do cargo de "... do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística" do Município de Albufeira e nomeado o respectivo júri do procedimento – cfr. doc. nº 3, junto com a PI;


iv. O júri do procedimento nomeado era composto pela Drª BB, vereadora com o pelouro dos recursos humanos do Município de Albufeira, a qual exerceu ao longo de todo o procedimento as funções de presidente do júri – cfr. citado doc. nº 3, junto com a PI;


v. O autor é funcionário do município de Albufeira desde Agosto de 1978 – cfr. curriculum vitae, a fls. … do processo administrativo;


vi. O contra-interessado é funcionário do município de Albufeira desde 14 de Março de 1988 – cfr. curriculum vitae, a fls. ... do processo administrativo;


vii. Por deliberação de 17 de Agosto de 2011 do júri do procedimento, foram definidos os critérios e subcritérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, os critérios e subcritérios de apreciação e ponderação da entrevista pública e a ponderação a atribuir a cada um dos parâmetros de avaliação no cálculo da avaliação final nos termos e condições constantes da acta nº 1 – cfr. citado doc. nº 3, junto com a PI;


viii. Por aviso nº ..., com data de 19 de Agosto de 2011, foi publicitado a abertura pelo réu de procedimento de recrutamento de pessoal para a "selecção de candidatos para o provimento do cargo de direcção intermédia de 1º grau – ... do Departamento Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística, do mapa de pessoal do Município de Albufeira – cfr. doc. nº 5, junto com a PI;


ix. O autor apresentou candidatura no procedimento referenciado – cfr. candidatura e documentos de fls. ... do processo administrativo apenso;


x. Por deliberação de 12 de Janeiro de 2012 do Júri do procedimento, o autor e o contra-interessado foram admitidos como candidatos, tendo-lhe sido atribuída, respectivamente, a classificação de 19 (dezanove valores) e 19,9 (dezanove virgula nove valores), na respectiva avaliação curricular, nos termos e com os fundamentos constantes das fichas curriculares anexas à acta nº 2 – cfr. doc. nº 7, junto com a PI;


xi. Por deliberação de 20 de Janeiro de 2012 do júri do procedimento foi atribuído ao autor e ao contra-interessado, respectivamente, a classificação de 13 (treze valores) e 17 (dezassete valores) na respectiva avaliação da entrevista pública nos termos e com os fundamentos constantes das fichas anexas à acta nº 3 – cfr. doc. nº 8, junto com a PI;


xii. Através da referida deliberação de 20 de Janeiro de 2012 foi ainda atribuído ao autor e ao contra-interessado, respectivamente, a classificação final de 16 (dezasseis valores) e 18,45 (dezoito virgula quarenta e cinco valores) e proposto a selecção do contra-interessado para o provimento do cargo de ... do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de Albufeira – cfr. citado doc. nº 8, junto com a PI;


xiii. Por ofício datado de 26 de Janeiro de 2012, o autor foi notificado do despacho de 23 de Janeiro de 2012, do Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, através do qual nomeou, em comissão de serviço, por um período de três anos, o contra-interessado para o cargo de ... do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de Albufeira com efeitos a partir da data da prolação do despacho – cfr. doc. nº 9, junto com a PI;


xiv. Por requerimento entrado em juízo em 6-5-2013, o autor e aqui recorrente requereu, nos termos do artigo 523º, nº 2 do CPCivil, e para prova do alegado nos artigos 32º a 34º da PI, a junção aos autos da transcrição das gravações das entrevistas públicas do autor (doc. nº 1) e do contra-interessado (doc. nº 2), bem como de um CD (doc. nº 3), contendo o registo áudio das referidas entrevistas a partir dos quais foram efectuadas as mencionadas transcrições – cfr. fls. 93/111 dos autos;


xv. O Município de Albufeira, por requerimento de 8-5-2013, veio opor-se à junção da prova documental requerida pelo autor, com fundamento de que se trata de prova que consubstancia a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 199º, nº 1 do Cód. Penal, daí concluindo pela respectiva inadmissibilidade, por se tratar de uma prova proibida, nos termos do artigo 368º do Cód. Civil e do artigo 527º do CPCivil – cfr. acta de inquirição de testemunhas de fls. 113 e segs. dos autos;


xvi. Sobre o requerimento aludido em xiv., foi proferido o despacho ora recorrido, com o seguinte teor:


Na deliberação do júri do presente concurso de 17-8-2011 foram estabelecidos os critérios de avaliação da entrevista pública, nos quais não se encontra referida a gravação da mesma.


Por sua vez, na deliberação de 20-1-2012, do júri do mesmo concurso consta a classificação atribuída na entrevista pública, vertida na respectiva ficha inserida na acta da mesma data e que será objecto de avaliação de mérito.


Nesse sentido, o alegado de que as presentes transcrições das entrevistas públicas, tomando ainda em consideração que, conforme supra-mencionado, não seriam objecto de gravação, para prova dos artigos 32º a 34º da petição inicial, entende-se não ser relevante para a descoberta da verdade material, atendendo ainda à profusa prova documental dos autos.


Neste sentido, indefere-se a sua junção, pelo que, desentranhe e devolva à parte, conforme nºs 1 e 3 do artigo 265º do CPCivil e nº 2 do artigo 90º do CРТA.


Custas pelo mínimo legal.


Notifique.” – idem.


B – DE DIREITO


8. Como acima já se deixou expresso, o autor vem recorrer do despacho proferido na audiência de julgamento da acção administrativa especial que interpôs contra a Câmara Municipal de Albufeira, que indeferiu o requerimento em que pedia a exibição e audição de um registo áudio de entrevistas referente ao autor e ao contra-interessado, e que, em seu entender, visava confrontar uma testemunha que depunha na referida audiência de julgamento sobre o teor duma acta constante do procedimento concursal a que foi opositor, juntamente com o contra-interessado, invocando para fundamentar a respectiva admissão o disposto no artigo 652º, nº 3, alínea b) do CPCivil.


9. O despacho recorrido indeferiu a junção do referido meio de prova, por entender que nos critérios de avaliação do concurso público e na acta em causa não constava a mencionada gravação, além de constar da mesma acta a classificação dos candidatos que seria objecto de avaliação relativamente ao mérito de cada um e, além do mais, por tal prova ser irrelevante para a descoberta da verdade material e para prova do alegado nos artigos 32º a 34º da petição inicial, nomeadamente por já existir profusa prova documental nos autos.


Vejamos se o despacho recorrido decidiu com acerto.


10. Na acção administrativa especial intentada pelo autor – e aqui recorrente – contra o Município de Albufeira, e na qual foi indeferida a realização dos citados meios de prova, foi impugnada a apreciação de um acto classificativo, que graduou e admitiu outro candidato – o contra-interessado – num procedimento concursal destinado a recrutamento de pessoal aberto por aquele município, peticionando o autor a anulação ou a declaração de nulidade do referido acto.


11. Cumpre antes de mais salientar que o despacho recorrido apenas cuidou de apreciar da pertinência do meio de prova requerido, abstendo-se de se pronunciar sobre a respectiva admissibilidade, limitando-se a indeferir o requerido com fundamento em que “além de constar da mesma acta a classificação dos candidatos que seria objecto de avaliação relativamente ao mérito de cada um e, além do mais, por tal prova ser irrelevante para a descoberta da verdade material e para prova do alegado nos artigos 32º a 34º da petição inicial, nomeadamente por já existir profusa prova documental nos autos”.


12. Com efeito, o autor havia alegado nos artigos 32º a 34º da petição inicial o seguinte:


32º


A acta da deliberação de 20 de Janeiro de 2012 do júri do procedimento e que deveria reflectir o conteúdo da entrevista não reproduz, ainda que de forma sumária, as respostas dos candidatos (cfr. doc. nº 8).


33º


A acta da deliberação de 20 de Janeiro de 2012 do júri do procedimento e que deveria reflectir o conteúdo da entrevista não reproduz as perguntas tal como as mesmas foram exactamente formuladas aos candidatos (cfr. doc. nº 8).


34º


A acta da deliberação de 20 de Janeiro de 2012 do júri do procedimento e que deveria reflectir o conteúdo da entrevista não reproduz as perguntas pela ordem em que as mesmas foram formuladas aos candidatos (cfr. doc. nº 8)”.


13. No final da sua petição inicial, o autor requereu como diligências de prova que fosse ordenada a junção aos autos de cópia integral dos processos pessoais do autor e do contra-interessado, que se encontram à guarda da Divisão de Recursos Humanos do Município de Albufeira, bem como a inquirição de testemunhas, propondo-se provar testemunhalmente todos os factos carecidos de prova e que vierem a ser expressamente impugnados, “nomeadamente os referidos nos artigos 31º a 33º do presente articulado e que se reportam ao sucedido durante a entrevista pública, uma vez que tal entrevista foi presenciada por testemunhas” (itálico nosso).


14. Ora, tal significa que, na perspectiva do autor, a reprodução do registo áudio requerido não se afigurava necessária para a prova dos factos vertidos nos artigos 32º a 34º da petição inicial, pois caso o fosse, não teria deixado de o requerer logo na petição inicial.


15. E, por outro lado, não se vislumbrando qual a relevância – tendo em conta os pedidos formulados na acção – que as perguntas, tal como foram exactamente formuladas aos candidatos e a ordem pela qual as mesmas foram formuladas aos mesmos têm para a apreciação do mérito da pretensão formulada, torna-se manifesto que o meio de prova requerido mas indeferido, além de ser irrelevante para a descoberta da verdade material e para prova do alegado nos artigos 32º a 34º da petição inicial, também se afigurava desnecessário, atenta a profusa prova documental já existente nos autos.


16. Ainda assim, sempre se dirá que no caso presente, não se discutindo em abstracto a admissibilidade da indicação de registos fonográficos como meio de prova, sempre se deveria apreciar a respectiva admissibilidade em concreto, nomeadamente para aferir se os ditos registos fonográficos eram susceptíveis de consubstanciar uma abusiva intromissão da vida privada dos intervenientes neles visados, tornando ilícita a recolha desses registos, face à aplicação analógica ao processo administrativo do disposto nos artigos 32º, nº 8 da CRP, e 126º, nº 3 do Cód. de Processo Penal, nomeadamente aferindo da respectiva nulidade, atendendo à forma como tais registos foram obtidos, nomeadamente por tal gravação não ter sido objecto de consentimento prévio ou sequer controlada por quem presidia ao acto (entrevistas públicas).


17. Neste conspecto, o artigo 199º, nº 1, alíneas a) e b) do Cód. Penal tutela o direito à palavra, punindo as violações mais graves do direito à palavra, sendo elemento essencial dos mencionados tipos penais a "falta de consentimento" para a produção da gravação do titular do direito à palavra, tutela que também lhe é conferida pelo artigo 26º, nº 1 da CRP.


18. Acompanhando o invocado no douto parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste TCA Sul, “no caso em apreço este direito às "palavras ditas", deve principalmente aplicar-se para garantir a autenticidade e o rigor da reprodução dos termos, expressões, ditas por uma pessoa – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 2007, 4ª ed., Vol. I, anotação IX ao artigo 26º, a págs. 467”.


19. Percebe-se que assim seja. Com efeito, o consentimento prévio visa sobretudo o controle da gravação, por forma a evitarem-se montagens indevidas, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos das palavras proferidas.


20. Ora, o direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico com assento constitucional, consagrado no artigo 20° da CRP, como componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais, dele decorrendo, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, princípio que tem acolhimento no artigo 413º do actual CPCivil (correspondente ao artigo 515º do anterior CPCivil) e, por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes, em seu benefício, dos meios de prova que mais lhes convierem, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário (cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 24-10-2013, proferido no âmbito do processo nº 102197/12.1...-A.L1-2; e também o acórdão da mesma Relação, de 26-9-2013, proferido no âmbito do processo nº 1130/10.6...-2, citados no douto parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste TCA Sul).


21. Porém, no caso dos autos, apenas pelo facto do registo fonográfico cuja junção foi requerida e indeferida ter sido obtido sem o necessário conhecimento e, obviamente, sem o consentimento de todos os intervenientes que não o recorrente, as garantias atrás citadas, no que concerne ao direito à palavra mostram-se violadas, redundando tal violação na proibição do meio de prova requerido para os fins pretendidos, por se estar em causa um meio obtido por forma ilícita e, sobretudo, por não oferecer garantias sobre a respectiva genuinidade.


22. Donde, e em conclusão, estando em causa um meio de prova proibido, além de ser susceptível de ofender os direitos acima mencionados, e que foi objecto de expressa oposição e impugnação pela parte contrária, o mesmo não poderia ser admitido, sob pena de violação do disposto nos artigos 90º, nº 2 do CPTA e 519º, nº 3, alínea b) do anterior CPCivil (cfr., também, o disposto no artigo 167º, nº 1 do CPPenal).


23. Improcede, nestes termos, o presente recurso, devendo confirmar-se o despacho recorrido, com a presente fundamentação.


IV. DECISÃO


24. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo, com a fundamentação antecedente, o despacho recorrido.


25. Custas a cargo do recorrente (artigo 527º do CPCivil).


Lisboa, 6 de Novembro de 2025


(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)


(Maria Teresa Caiado – 1ª adjunta)


(Ilda Maria Pimenta Coco – 2ª adjunta)