Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 76/12.8BEBJA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/11/2023 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | MÉTODOS INDIRETOS PROCEDIMENTO DE REVISÃO INIMPUGNABILIDADE DO ATO INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO |
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Sumário: | I. Caso sejam emitidas liquidações, por força da aplicação de métodos indiretos, a exigência, enquanto condição de impugnação, de prévio procedimento de revisão de matéria tributável só se verifica quando os fundamentos sejam a falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos ou o erro na quantificação.
II. A falta de prévio procedimento de revisão da matéria tributável não obsta a que possam ser conhecidos na impugnação outros vícios que não estejam sujeitos àquela condição de impugnabilidade judicial, designadamente a inexistência de facto tributário. III. A falta de demonstração de que os depósitos bancários identificados pela AT não corresponderam a efetivos rendimentos redunda numa falta de prova da inexistência de facto tributário. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A. J. S. F. (doravante Impugnante ou Recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 12.04.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo. Nas suas alegações, o Recorrente concluiu nos seguintes termos: “A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da circunstância de o aqui Apelante não concordar minimamente com a decisão que negou provimento à Impugnação Judicial apresentada. B. Desde logo, porquanto, em sede de douta decisão ora recorrida, considerou, então, o Dign.º Tribunal "a quo" que «a questão suscitada no projecto de decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa consubstanciada no facto de os actos de liquidação contra que reagem os Impugnantes não serem impugnáveis autonomamente, atendendo a que não foi apresentado pedido de revisão da matéria colectável aí fixada, procede, constituindo mesmo excepção peremptória, de conhecimento oficioso.». Isto porque, C. Na verdade, embora os artigos 86, n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários, com base naqueles erros, uma tal condição de impugnabilidade não funciona se na própria Impugnação Judicial forem invocados outros vícios legalmente previstos - conforme resulta da nossa Jurisprudência, entre muitos outros Acórdãos, veja a título meramente exemplificativo os Doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-03-2002 e de 24-09-2002, proferidos no âmbito respectivamente nos Processos n.º 6109/01 e n.º 6754/02, e mais recente, ainda, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2017, proferido no âmbito do Processo n.º 018/17, todos disponíveis em www.dgsi.pt. D. Com efeito, e analisada atentamente a Impugnação Judicial apresentada, resulta de forma absolutamente inequívoca que o Impugnante, além do vício de falta de fundamentação, alega factos concretos que verificados, determinarão a inexistência de imposto, ou seja, o Impugnante não "ataca" directamente o recurso à avaliação indirecta e, consequentemente, os resultados obtidos por essa mesma avaliação, antes sim, alega que os factos tributários que estiveram subjacentes à liquidação de imposto em sede de IVA, não apresentam qualquer suporte real (e por conseguinte, são insusceptíveis de enquadramento normativo e que, por sua vez, não despoletam qualquer direito ao surgimento de imposto junto da Fazenda Nacional). E. Donde, em bom abono da verdade, é precisamente a inexistência de factos tributários (seja uma conduta levada a cabo pelo Impugnante que à luz das normas legais em vigor não poderão determinar o pagamento de qualquer imposto) que permitam a liquidação de imposto, que o Impugnante alega ao longo da sua Impugnação Judicial. F. Deste modo, a própria inexistência dos factos tributários é um vício cujo conhecimento por este Dign.º Tribunal não está sujeito à dedução prévia de um pedido de revisão da matéria tributável e, por conseguinte, não sujeita ao regime previsto nos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT. G. Ora, no caso, o aqui Impugnante tendo imputado ao acto tributário impugnado a ilegalidade decorrente da respectiva falta de fundamentação, e, bem assim matéria susceptível de abalar a existência do tributo em causa, não é aplicável a condição de impugnabilidade, por falta de reclamação para a Comissão de Revisão (cfr., neste sentido, os acs. do STA, de 30/11/2016 no proc. nº 0846/14 e de 20/06/2012, no proc. 0165/12, todos disponíveis em www.dgsi.pt). H. Ou seja, é admissível a impugnação contenciosa do acto tributário, ainda que a decisão de fixação da matéria tributável não tenha sido objecto de reclamação administrativa. I. Neste sentido, o douto Acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 09-2010, proferido nos autos de proc. 0406/10, «I - Os artigo 86.º n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos. II - A expressão "erro na quantificação" adoptada nas normas referidas restringe de forma clara esse erro aos casos em que se verifica por parte da comissão de revisão erro material de cálculo fundado em dados objectivos tecnicamente apreensíveis, aí se não englobando as situações em que o impugnante alega a inexistência dos factos tributários.» (disponível em www.dgsi.pt). J. Pelo exposto, discordando da douta sentença recorrida, sempre com a devida vénia, resulta de forma absolutamente inequívoca que não estamos perante qualquer excepção de inimpugnabilidade dos actos da liquidação de IVA, do que, resulta que a douta sentença recorrida não fez, portanto, correcta interpretação e aplicação do disposto no nº 5 do art. 86° da LGT e no art. 117° do CPPT, impondo-se, por conseguinte, a sua revogação. OUTROSSIM, SEM PRESCINDIR, K. Instruída e discutida a presente causa, resultou provado nos autos toda a matéria prevista no ponto "6" - "Matéria de facto", factos esses que aqui se consideram como integralmente reproduzidos, para todos os devidos e legais efeitos, tendo em conta o princípio da economia processual, designadamente, e no que aqui importa, o teor do Relatório de Inspecção Tributário em causa, conforme consta do ponto G) a I) dos factos provados. L. Mais, foi ainda dado como provado que «S) Os Impugnantes procederam à junção à petição inicial de quatro documentos particulares de declaração de dívida sem reconhecimento notarial de assinaturas ou lavrada na presença de notário sendo que uma das beneficiárias está consignado não saber assinar.» M. Por outro lado, foi dado como não provado que, «Especificadamente não resulta provado o teor dos documentos particulares juntos pela sua falta de autenticação das assinaturas apostas, pela ausência de qualquer outra prova de suporte como seriam talões de depósito dos montantes alegadamente mutuados e os respectivos reembolsos. Ademais, não se conferiu qualquer credibilidade ao teor dos depoimentos quer pela sua notória falta de segurança nas respostas dadas às questões, quer pela relação de amizade / familiaridade das testemunhas que intuiu, desde logo, virem depor "de favor" e ainda e especialmente pelo desconhecimento efectivos dos factos em apreço.» N. Contudo, e sempre com todo o devido e merecido respeito, que aliás é muito, tal fundamentação, porque não tem devidamente em consideração o panorama factual e jurídico inerente, não poderá prevalecer, conforme infra se demonstrará. O. Assim, cumpre debruçarmo-nos sobre a prova produzida, de forma a demostrar que os factos provados e não provados - aqui colocados sob sindicância - haveriam de ter tido decisão diversa da proferida. Desde logo. P. Conforme resulta do depoimento das testemunhas inquiridas à ordem dos presentes autos, e cujo teor de acordo com a transcrição de prova supra, aqui, por razões de economia processual, se dá por integralmente reproduzido, jamais se poderia concluir, com a certeza exigivel, que, entre outras situações, nos períodos de Janeiro 2007 a Dezembro de 2009, terá o Contribuinte A. F., aqui Apelante, feito ingressar na sua conta bancária "depósitos regulares de numerário em montante superior aos rendimentos declarados à AF", montantes esses que, no âmbito daquela inspecção tributária, foram considerados como "receitas provenientes da sua actividade de exploração de máquinas de brindes, omitidas da contabilidade/escrita e das declarações fiscais apresentadas". Q. De facto, não corresponde de todo à verdade que tais depósitos "regulares", como bem constata a Administração Tributária, sejam receitas provenientes da actividade desenvolvida pelo aqui Apelante. Na verdade, ao contrário do vertido naquele Relatório, nada têm a ver com o desenvolvimento daquela sua actividade comercial. R. Com efeito, concluiu a Administração Tributária que o aqui Visado procedeu a depósitos injustificados de quantias em numerário que, no ano de 2007, perfizeram €: 88.395,25, no ano de 2008 €: 77.531,77 e no ano de 2009 €: 77.913,20. S. Ora, efectivamente, não nega o aqui Visado que tais depósitos tenham sido realizados, no entanto, sucede que, conforme melhor resulta dos extractos bancários juntos ao aludido Relatório de Inspecção Tributária, certo é que, na prática, quase todo o dinheiro depositado, em numerário, foi de imediato levantado, em cheque próprio, à "boca do balcão", resultando de uma prática diária e regular adoptada pelo aqui Apelante, no sentido de ir aumentado o seu "cash-flow" para que tivesse uma maior margem de manobra e maior facilidade na contratação de crédito imobiliário - conforme referido pela testemunha S. F. T. Donde, nunca tais montantes poderiam ter sido considerados e qualificados como o foram, para efeitos de quantificação do "rendimento" auferido peio aqui Apelante. U. Até porque, se devidamente analisados os extractos bancários em causa, o que, salvo o devido respeito, assim não sucedeu por parte da Administração Tributária, facilmente decorre que o aqui Visado era detentor de vários créditos pessoais, V. O que, aliado aos demais débitos, normais e correntes de um qualquer cidadão em economia doméstica, além de remeterem para um diferencial positivo de pouca importância, claramente evidenciam que a situação financeira do aqui Apelante, afinal, não corresponde ao espelho da movimentação (em depósitos de numerário) da sua conta bancária, antes, pelo contrário! W. Sendo certo ainda que, durante o período em causa, o SP teve máquinas apreendidas, algumas das quais, consideradas então ilegais, as quais foram apreendidas e o SP submetido a julgamento em processo crime. X. E, logo, por tal razão, devem ser afastados da correcção à matéria tributável. Y. Aliás, tanto assim é que, o aqui Apelante, não possuindo capacidade financeira própria para ir gerindo, diariamente, a sua vida pessoal e a sua actividade comercial (que de rentável, pouco tem!) viu-se na necessidade de recorrer ao financiamento pessoal junto de um familiar próximo. Z. Com efeito, nos anos de 2007, 2008 e 2009, o aqui Apelante foi contraindo junto de A. P. C. G., sua tia, diversos empréstimos pessoais, de pequena monta, que vieram a totalizar em cada ano, respectivamente, €: 20.000,00 (Vinte Mil Euros) - conforme referido pela testemunha A. T.. - pequenos empréstimos esses que sempre foi depositando na conta bancária em questão e que, depois, ia levantando para fazer face às suas necessidades mais prementes. AA.De modo que, certo é que tais montantes, num total de €: 20.000,00/ano. foram erroneamente qualificados, como supra já se viu, enquanto receitas provenientes da sua actividade de exploração de máquinas de brindes. BB. Por outro lado, acresce ainda que, além da já mencionada "potenciada" movimentação bancária, consubstanciada no irreal e desfasado "cash-flow", e dos empréstimos obtidos pelo aqui Apelante junto de particulares que foram sendo depositados naquela concreta conta bancária, importa ainda aqui aludir ao empréstimo de cerca de €: 30.000,00 (à data, no ano de 2000, 6.000.000$00) a um amigo de há vários anos, acordando que, com base nessa relação de amizade e confiança mútua, o mesmo iria procedendo ao pagamento devido, em prestações, e com início só no final de 2006 (Cfr. Documento junto aos autos). CC. De modo que, durante os anos aqui em causa, 2007 a 2009, foi tal pessoa - cfr depoimento das testemunhas A. e C. T. - liquidando, de forma mensal, e em valores irregulares, o seu débito para com o aqui Apelante, tendo, efectivamente, liquidado naqueles 3 (três) anos a quantia aproximada de cerca de €: 10.000,00 (Dez Mil Euros) por cada ano. DD. Donde, certo é que tais montantes, num total de €: 10.000,00/ano, foram sendo depositados na aludida conta bancária, e, desta forma, ao terem sido incluídos pela Administração Tributária na "presumida" receita proveniente da sua actividade de exploração de máquinas de brindes, foram erroneamente qualificados e quantificados como tal. EE. Por fim, importa referir ainda que, em resultado da actuação da inspecção fiscal dirigida ao ora Impugnante, a AT não conciliou, como bem deveria, tendo em conta a descoberta da verdade material, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, pois que, na verdade, sempre deveria a AT tido o cuidado e o zelo de diligenciar junto, principalmente, dos "clientes" do ora Impugnante, seja, estabelecimentos comerciais, para que, coadjuvada dos mesmos, apurasse se, objectivamente, o Impugnante não procedeu à correcta declaração dos rendimentos por emitidos; bem como, deveria ter apurado dos respectivos "custos" decorrentes do exercício dessa actividade (como seja, com funcionários, deslocações diárias, manutenção de máquinas, etc). FF. Assim sendo, está posto em causa o princípio da verdade material, a cuja busca está, legal e indelevelmente vinculada a AT, mesmo nos casos em que tenha de ser feito o recurso à aplicação dos métodos indiretos (cfr. art.s 58.º da LGT). POR TUDO O SUPRA EXPOSTO. GG. Resulta que a douta Sentença ora recorrida não se coaduna com a realidade tributária e os factos a si subjacentes, bem como existe, concreta e objectivamente, uma excessiva, desproporcional e desmesurada qualificação de rendimento, que cominou com as liquidação aqui impugnadas. HH. Assim, e sempre com todo o devido e merecido respeito, entende modestamente o Apelante que a Sentença ora recorrida, viola, entre outros, os seguintes normativos legais: - Artigos 86, n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT - Artigos 5.º, 6.º, 7.º todos do RCPIT; - Artigos 8.º, 10.º, 58.º, 74.º, 76.º, 77.º, n.º 1, 81.º, n.º 1, 83.º, n.º 2, 84.º, 85.º, 90.º, n.º 1, todos da LGT; - Artigos 90.º do CIVA; e, - Artigos 3.º,12.º,13.º,18.º, 26.º, 266.º e 268.º da CRP. II. Pelo que, deverá ser a decisão judicial revogada por uma outra que conceda provimento à Impugnação Judicial apresentada e nessa medida que sejam anuladas as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA por referência aos anos de 2007 a 2009 para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue a impugnação judicial procedente, por provada, para todos os devidos e legais efeitos, com o que V.as Ex.as julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA”. A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro de julgamento quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Há erro de julgamento, em virtude de estamos perante um caso de inexistência de facto tributário, que pode ser apreciado, ainda que não tenha havido prévio procedimento de revisão de matéria tributável?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) O Impugnante marido encontrava-se registado, desde 01/02/2006, para o exercício da actividade de "Comércio a retalho por outros métodos, não efectuado em estabelecimentos, bancas, feiras ou unidades móveis de venda"; B) Encontrava-se, como tal, enquadrado em sede de IRS na categoria B de rendimentos, dispondo de contabilidade organizada, e em sede de IVA no regime normal com periodicidade de entrega trimestral; C) O Impugnante foi submetido a uma acção de inspecção tributária, ordenada pela ordem de serviço n° 0120100064, de 18/03/2010; D) A acção decorreu entre 11/05/2010 e 21/02/2011; E) Datado de 21/02/2011 foi elaborado o relatório final de inspecção; F) Notificado o Impugnante através do oficio n° 200212, de 04/02/2011, para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de relatório de inspeção, não exerceu o mesmo tal direito; G) Do relatório de inspecção consta, além do mais, que: Original nos autos Original nos autos
Originalnos autos Original nos autos
H) Em conclusão do descrito decidiu a inspecção tributária recorrer à aplicação de métodos indirectos, o que fez nos seguintes termos:
Originais nos autos
I) Em concreto, e nessa sequência, foram propostos os seguintes valores de correcção:
J) O Impugnante foi notificado, em 03/03/2011, quanto a este relatório; K) Subsequentemente foram emitidas as seguintes liquidações oficiosas de IVA: 2007 — 11054297 a 11054304; 2008 — 11054305 a 11054312; 2009 — 11054313 a 11054320; L) Não se conformando com estas contra elas apresentou reclamação graciosa; M) A reclamação veio a ser distribuída com o n° 142/2011; N) No seu âmbito foi prestada a seguinte informação elaborada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Beja: Em referência à petição a fls 2-13 dos presentes autos de reclamação graciosa, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, cumpre-me informar e propor o seguinte: 1. O reclamante foi notificado pelos Serviços de Inspecção Tributária do Relatório elaborado nos termos do art. 77° da LGT e do art. 62° do RCPIT, conforme oficio n° 200411, cujo aviso de recepção foi assinado em 2011-03-03; 2. Ficou desse modo ciente de que se procedia à «fixação do IVA por métodos Indirectos, nos termos dos arts, 87º a 90° da LGT» relativamente aos anos de 2007, 2008 e 2009, com os fundamentos constantes do mesmo relatório; 3. Ora, tendo havido fixação do rendimento colectável por métodos indirectos — e não meras correcções —, no caso do sujeito passivo não se conformar, o meio de reacção próprio e adequado é o pedido de revisão da matéria colectável, como resulta do art. 117°./1 do CPPT, conjugado com o art. 70°/1 do mesmo diploma — aliás, diligência e direito com previsão no art. 91° da LGT que lhe foi igualmente comunicado no último parágrafo daquele oficio-notificação; 4. Não se tendo conhecimento de que o reclamante tenha formulado tal pedido, o processo de reclamação graciosa não é viável para os objectivos propostos; 5. E, desta forma, o pedido ora em apreço deve ser liminarmente indeferido, por carecer de cobertura legal. Nota: 6. Muito embora seja aquela a base do indeferimento do pedido e, por isso, não se deva conhecer dos argumentos apresentados, sempre se dirá que os documentos particulares que se anexaram à petição (contratos de mútuo) são juridicamente ineficazes, urna vez que, nos termos do art. 154° do Cód. do Notariado, a assinatura a rogo tem se ser efectuada perante o notário e, nos termos do art. 1143° do Cód. Civil, os mútuos superiores a € 25.000 têm se ser celebrados por escritura pública; assim sendo, a prova testemunhal oferecida torna-se necessariamente irrelevante. O) O Impugnante foi notificado quanto ao teor desta informação e sentido do despacho a recair sobre a reclamação graciosa, em 17/11/2011, para querendo exercer o direito de audição; P) O Impugnante não reagiu; Q) Em 29/11/2011 foi o Impugnante notificado do despacho que manteve a proposta de despacho que recaiu sobre a reclamação graciosa; R) Não se conformando com este apresentou a presente impugnação judicial em 19/12/2011; S) Os Impugnantes procederam à junção à petição inicial de quatro documentos particulares de declaração de dívida sem reconhecimento notarial de assinaturas ou lavrada na presença de notário sendo que uma das beneficiárias está consignado não saber assinar”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente no processo administrativo anexo. FACTOS NÃO PROVADOS Não resultou provado o que resulta contrário ao demonstrado. Especificadamente não resulta provado o teor dos documentos particulares juntos pela sua falta de autenticação das assinaturas apostas, pela ausência de qualquer outra prova de suporte como seriam talões de depósito dos montantes alegadamente mutuados e os respectivos reembolsos. Ademais, não se conferiu qualquer credibilidade ao teor dos depoimentos quer pela sua notória falta de segurança nas respostas dadas às questões, quer pela relação de amizade / familiaridade das testemunhas que intuiu, desde logo, virem depor "de favor" e ainda e especialmente pelo desconhecimento efectivos dos factos em apreço”.
II.C. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Ao longo das suas alegações, o Recorrente imputa erro de julgamento de facto à sentença recorrida, considerando que a prova produzida, maxime a testemunhal, foi no sentido por si propugnado. Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC: “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. In casu, verifica-se que a Recorrente não cumpriu com o exigido pelo disposto no art.º 640.º do CPC. De um lado, não indica claramente que factos considera provados, nem a concreta prova que sustenta o seu entendimento. Com efeito, limita-se, de um lado, no corpo das alegações, para o qual remete a conclusão P., a fazer uma síntese do depoimento de cada uma das testemunhas, indicando o ponto da gravação do início e do fim de cada um desses depoimentos, o que não se compadece com as específicas exigências do art.º 640.º, n.º 2, do CPC [cfr., a este respeito, o Acórdão deste TCAS, de 16.09.2021 (Processo: 311/19.1BECTB)]. Em seguida, retira conclusões dessa síntese de depoimentos. Por outro lado, numa ou outra situação em que há uma maior concretização (cfr. conclusões S., Z., BB., CC.) não é concretamente identificado o meio probatório e, no caso da prova testemunhal, não é indicada, se não, a identificação da testemunha. Ora, não basta ao Recorrente referir, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta. Cabe-lhe, sim, indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios sustentam esse entendimento (sendo que, no caso da prova testemunhal, deve ser indicada não só a testemunha, mas também a concreta passagem da gravação que funda o recurso) e que concretos factos entende que devem ser considerados provados ou não provados. Este nível de concretização não consta das alegações, mesmo lidas integralmente. Apenas se faz uma resenha da perspetiva do Recorrente, sobre a situação que deu origem às liquidações, concluindo que, da conjugação da prova documental e testemunhal, não se poderiam imputar a si os rendimentos constantes das contas bancárias. No entanto, esta afirmação, meramente conclusiva, não vem se não acompanhada da já referida síntese dos depoimentos e de afirmações em relação às quais não é indicado o meio probatório que as sustenta nos termos legalmente previstos, não estando, pois, estruturada uma verdadeira impugnação da decisão da matéria de facto. Face ao exposto, rejeita-se o recurso nesta parte.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento por inexistência de facto tributário Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter considerado que o alegado em torno do que considerou ser erro na qualificação e quantificação dos rendimentos / factos tributários era inimpugnável, quando foi alegada a inexistência de facto tributário. In casu, o Tribunal a quo considerou que foram alegados vício de falta de fundamentação e de erro na qualificação e quantificação dos rendimentos / factos tributários. Conheceu expressamente todos os vícios, nos termos suscitados na petição inicial, acrescentando, como reforço argumentativo, que, no caso do erro na qualificação e quantificação dos rendimentos / factos tributários, estamos perante uma situação de inimpugnabilidade do ato, em virtude de não ter havido prévio pedido de revisão, nos termos consagrados no art.º 91.º da Lei Geral Tributária (LGT). Portanto, desde introito desde já resulta que todos os vícios foram, de fundo, conhecidos pelo Tribunal a quo (não obstante ter ainda acrescentado um reforço de fundamentação que, a priori, teria como resultado a não apreciação de mérito de parte dos vícios). Por outro lado, apesar de o Tribunal a quo, na síntese que efetuou das questões a apreciar, não ter feito qualquer menção ao vício de inexistência de facto tributário, do seu discurso argumentativo resulta o seu conhecimento, tendo afastado o entendimento plasmado pelo Recorrente na sua petição inicial. Vejamos então. Cumpre, antes de mais, referir em que situações é legítimo lançar mão a métodos indiretos de fixação da matéria tributável. A aplicação destes métodos é subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da LGT). A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual: “1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”. Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que: “1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação. 2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”. A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Veja-se que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta. Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta. Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT. Assim, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, da LGT: “1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei; b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei. d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A; e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco. f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”. A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual: “A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”. Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º, n.º 5, da LGT, e do art.º 117.º, n.º 1, do CPPT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quando haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial. É, pois, questão desprovida de controvérsia que, para que se possam pôr em causa os pressupostos de recurso a métodos indiretos ou a respetiva quantificação, tenha de existir um prévio pedido de revisão da matéria coletável, nos termos já referidos. Caso tal não ocorra, os atos de liquidação, quanto a esses pressupostos, ficam inatacáveis, resultando, nessa parte, inimpugnáveis. Tal não significa, porém, que as liquidações dali resultantes não possam ser postas em causa, por padecerem de outros vícios. Com efeito, a exigência de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, previsto no art.º 91.º da LGT, apenas é condição de impugnabilidade, quando se pretendam atacar os pressupostos de utilização de métodos indiretos e/ou a quantificação decorrente da utilização desses mesmos métodos. Já no caso de serem invocados outros vícios, os mesmos podem ser conhecidos. Chama-se, a este propósito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0798/13.6BELLE 0805/17), onde se refere: “[S]ó carece de revisão prévia a impugnação da avaliação indireta propriamente dita resulta do n.º 5 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária e do n.º 1 do artigo 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Segundo os quais a impugnação judicial da liquidação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia reclamação. O que se retira destes dispositivos é que o erro tem que estar sempre localizado na aplicação dos métodos indiretos, seja ele relacionado com a decisão administrativa de a ele recorrer ou com o método de quantificação indireta escolhido. O que é, de alguma forma, confirmado pelo n.º 14.º do artigo 91.º da Lei Geral Tributária, ao dispor que só estão abrangidas pelo que nele se dispõe (isto é, só cabem no objeto do procedimento de revisão respetivo) as questões de direito que estão referidas aos pressupostos de determinação indireta da matéria tributável. Pelo que as demais questões de direito podem ser levadas diretamente à impugnação da liquidação subsequente. Ora, (…) a Impugnante suscitou uma questão relacionada com a incidência e não com a determinação da matéria tributável. A incidência diz respeito à existência e qualificação de sujeitos e de factos como realidades jurídicas sujeitas a tributação, como elementos da obrigação de contribuir. No caso, dizia respeito à questão de saber se a massa falida é sujeito passivo de IRC e se a venda de bens do ativo imobilizado a empresa constitui facto tributário para os efeitos deste imposto. Pelo seu lado, a determinação da matéria tributável diz respeito a um conjunto de atos de que dependa a definição em concreto do valor em que se concretiza a respetiva obrigação de contribuir, no pressuposto de que exista. No caso, diria respeito aos atos que comprovam ou justificam a impossibilidade da determinação direta da matéria tributável, a escolha do método de avaliação indireta e sua execução. O problema da incidência reclama um processo lógico que convoca regras de previsão ou de predeterminação legal do dever de contribuir (normas jurídicas materiais) e a subsunção dos factos à sua configuração típica. A doutrina chama, por vezes, a este processo lógico de concretização (de factualização da norma ou de normativização do facto) uma «determinação em abstrato» [cit. Alberto Pinheiro Xavier, in «Manual de Direito Fiscal», Almedina 1981, pág. 253] da obrigação de contribuir. O problema da determinação da matéria tributável surge quando a convergência entre a norma e o facto não opera automaticamente e reclama a realização e um conjunto de atos formais de que depende a revelação do valor concreto da obrigação tributária. São então convocadas um conjunto de normas que se dizem instrumentais, porque servem instrumentalmente o procedimento de liquidação propriamente dito e porque disciplinam o (sub)procedimento de avaliação indireta. Estando assente que só carece de revisão prévia a determinação da matéria coletável e não tendo sido imputado nenhum vício à determinação da matéria coletável, também não se pode pretender que a presente impugnação judicial dependia de prévia revisão da matéria tributável” [cfr. ainda, v.g., os Acórdãos do mesmo Supremo Tribunal, de 28.06.2017 (Processo: 018/17), de 04.12.2013 (Processo: 0902/13), de 20.0.2012 (Processo: 0165/12), de 15.09.2010 (Processo: 0406/10) A questão aqui que se coloca é se se pode considerar que o Recorrente invocou inexistência do facto tributário, passível de conhecimento. Para a apreciação da presente questão, cumpre, antes de mais, atentar na petição inicial apresentada pelo ora Recorrente. Assim, na mesma, começa por alegar absoluta falta de fundamentação (art.ºs 2.º a 7.º). No seu art.º 8.º refere, por outro lado, que é fundamento da sua pretensão a “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos / factos tributários”, explanando, nos artigos subsequentes, quais os fundamentos mencionados no relatório de inspeção tributária (RIT) sustentadores do recurso a métodos indiretos. Nesse seguimento, o ora Recorrente alega que esses pressupostos sustentadores da atuação da AT não correspondem à verdade (concretamente, a circunstância de a informação bancária analisada pela AT não refletir a sua realidade financeira). Alega ainda que algumas das suas máquinas tinham sido apreendidas, devendo ser afastadas da correção à matéria tributável. Invoca, ademais, que teve de recorrer a financiamento junto de um familiar, valores erroneamente qualificados como receitas. Invoca ainda que houve depósitos que corresponderam a pagamento de um empréstimo que lhe fora feito. Termina concluindo que, em momento algum, omitiu da sua contabilidade ou declarações fiscais a realidade da sua atividade de exploração de máquinas de brindes. Face ao teor do alegado, desde já se adiante que a resposta à questão que colocamos é afirmativa. Com efeito, compulsada a petição, verifica-se que, nesta parte, a mesma se centra na inexistência de facto tributário, na afirmação de que os depósitos em causa não foram rendimentos da atividade do Recorrente, questão suscetível de apreciação, ainda que não tenha sido feito previamente pedido de revisão, nos termos já explanados. Como tal, nesta parte, assiste razão ao Recorrente. Coisa diferente é saber se ficou, efetivamente, demonstrada a inexistência de facto tributário. Reitere-se, a este respeito, que o Tribunal a quo, ainda que tenha concluído pela inimpugnabilidade do ato quanto a este fundamento, fê-lo a título de reforço argumentativo (evidenciado na expressão constante de fls. 20 da sentença: “ainda que assim não se concluísse…”). Com efeito, o Tribunal a quo apreciou de mérito a questão da inexistência de facto tributário, concluindo pela sua não verificação. Desde já se adiante que se acompanha tal entendimento do Tribunal a quo. Concretizando. Como vimos, e uma vez que não foi cabalmente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, da mesma não se extrai que os valores de depósitos identificados pela AT não tenham sido rendimentos do Recorrente. Com efeito, do facto S) nada se extrai, exceto a junção dos referidos documentos, sendo que o Tribunal a quo considerou que o teor dos mesmos não resultou provado. Da leitura da decisão proferida sobre a matéria de facto, quer o elenco de factos provados e não provados, quer a respetiva motivação, conclui-se que o Tribunal a quo considerou que a prova produzida não foi de molde a sustentar a posição do Recorrente, sobretudo porque centrada em prova testemunhal, que se considerou desprovida de credibilidade. Ou seja, atento o exposto, não resultou provada a inexistência do facto tributário. Uma palavra final se impõe quanto ao referido nas conclusões EE. e FF. Com efeito, trata-se de vícios nunca antes alegados e que não são do conhecimento oficioso. Assim, a questão referida trata-se de questão nova (ius novorum). Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente invocada. Assim, sendo questão nova e não respeitando a questão que seja do conhecimento oficioso, a mesma não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pela Recorrente a este propósito. Ademais, trata-se, aqui sim, de aspetos relacionados com o erro nos pressupostos de recurso a métodos indiretos para determinação da matéria coletável, concretamente alegados erros na atuação da AT na determinação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos, matéria que não é passível de conhecimento, por, nessa parte, o ato ser inimpugnável, nos termos que já referimos. Assim, e uma vez que o Tribunal a quo conheceu de todos os vícios alegados, a questão de ter errado na sua apreciação da questão da inimpugnabilidade não tem qualquer reflexo no desfecho da demanda, porquanto, quanto ao vício objeto de recurso (dado que o apreciado em termos de falta de fundamentação não foi atacado), não assiste razão ao Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pelo Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 11 de janeiro de 2023
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) 1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. 2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada 3)Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto). 4) Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389 5) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13). 6) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003 7) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, p. 454 8) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119 9) António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120 |