Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:501/21.7 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
DECISÃO EM TEMPO RAZOÁVEL
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Sumário:I- Está assente na jurisprudência europeia que o prazo razoável para uma lide é de três anos.
II- O Estado não responde por eventuais atrasos na administração da justiça imputáveis ao administrador de insolvência, mas só pela parte que lhe compete e quando o processo lhe esteja inteiramente afecto, não servindo como argumento em contrário o facto de a nomeação ou destituição do administrador de insolvência caber ao juiz (artigos 52º e 56º CIRE).
III- Pela responsabilidade imputada no exercício das respectivas funções responde o administrador de insolvência nos termos do regime geral da responsabilidade civil (do Código Civil), como se extrai do artigo 59º CIRE.
IV- O atraso no desfecho do processo causado pela dificuldade do administrador de insolvência em vender os bens não constitui causa suficiente para a violação dos artigos 20º CRP e 6º CEDH.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO
1. P....., com os sinais dos autos, intentou no TAF de Leiria contra o Estado Português uma acção administrativa, tendo em vista a efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, com base no funcionamento da administração da justiça.
2. O TAF de Leiria, por sentença datada de 18-4-2023, julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.
3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1 – O raciocínio expendido na decisão no sentido de imputar o atraso na tramitação do processo de insolvência ao administrador de insolvência, não teve em consideração o carácter urgente do mesmo, consignado no artigo 9º do CIRE, nem que o prazo para a liquidação da massa é de um ano, conforme prevê o artigo 169º do mesmo diploma;
2 – De modo que, tendo só a fase de liquidação de um único bem imóvel, se arrastado entre 10-12-2013 e 20-05-2019, sem prejuízo do processo só ter sido concluído em 2023, foi em muito ultrapassado o prazo razoável;
3 – Sendo que, no âmbito do processo de insolvência não foi espoletado o incidente de destituição do administrador de insolvência, pelo que, o caso concreto não nos remete para qualquer violação do dever funcional do mesmo, mas sim para o funcionamento da máquina judicial, considerada na sua essência como administração da justiça e, por isso, reclamante de um padrão mínimo de funcionamento em concretização de uma das mais importantes dimensões do Estado de Direito;
4 – E, o busílis do vertente dissídio, não tange à materialidade da actuação do administrador de insolvência, nem à cadência temporal da mesma, mas sim à delonga processual considerada na sua globalidade e não atomisticamente, tendo em atenção a especificidade do objecto do processo de insolvência e os objectivos que o mesmo visa atingir e, por isso, da arquitectura processual que foi delineada legislativamente pelo Estado Português no sentido de alcançar tais desideratos;
5 – Sendo que, basta a natureza urgente do processo para, per si, impor a consideração de um prazo bastante encurtado de duração global do processo de insolvência, como constituindo o prazo adequado e razoável para a realização da Justiça, em função do disposto no artigo 20º, nº 4 da CRP e artigo 6º, nº 1 da CEDH;
6 – A Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que é curial em matéria de análise da violação dos direitos constantes na Convenção Europeia;
7 – Aplicando, em matéria de atrasos em processo de insolvência a tese defendida no caso Cipolleta vs. Italia, 11/04/2018, no âmbito do qual se responsabilizou o Estado Italiano pela morosidade na fase de liquidação, ainda que a cargo de um “Liquidante”, figura essa análoga ao nosso Administrador Judicial;
8 – No caso específico dos processos de insolvência, o administrador de insolvência, actua no exercício de prerrogativas de poder público, os seus honorários são adiantados pelos cofres do Estado, e os seus relatórios são controlados pelos Tribunais, e há diversos actos ao longo do processo que tem que ser avalizados/avaliados pelo Juiz;
9 – A expressão “administração da justiça”, prevista no artigo 12º, “é aqui utilizada em sentido amplo (assim se compreendendo que aí se faça exemplificativamente referência aos danos resultantes da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável) quer os actos jurisdicionais em sentido próprio” (cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2º edição, 2011, pág. 241)”;
10 – O administrador da insolvência é um colaborador da Justiça e a responsabilidade do Estado estende-se aos auxiliares e demais participantes na composição da Justiça;
11 – Existe efectivamente um mau funcionamento dos serviços da justiça que não podem deixar de ser imputados ao Estado, que é sempre responsável em proporcionar aos particulares a obtenção de uma decisão em prazo razoável, segundo o disposto no artigo 6º, nº 1 do CEDH, mostrando-se excessiva a duração daquele processo de insolvência após o mês de Junho de 2014, considerando que o mesmo teve o seu início em 10-12-2013;
12 – O acesso ao direito e aos Tribunais é uma competência intrínseca do Estado que a tem que concretizar em prazo razoável;
13 – Não se pode impor ou pretender que por via do non facere do Estado os intervenientes processuais tenham que lançar mão de incidentes de aceleração processual que não se encontram sequer previstos no Código de Processo Civil, CIRE, ou outra legislação aplicável;
14 – A Jurisprudência do TEDH é unânime no sentido de que, dentro dos critérios da razoabilidade do prazo, se deve ater à complexidade do mesmo, conduta das partes, actuação das autoridades competentes no processo, e ao que estava em causa para a recorrente no litígio;
15 – O processo de insolvência tem caracter urgente e não devia ultrapassar os 3 anos de duração, sendo que o processo em causa não revestiu nenhum tipo de especial complexidade, o recorrente demonstrou uma conduta processual irrepreensível, tendo-se verificado falhas graves na actuação da Justiça que conduziram a que, do seu início até à conclusão, decorressem oito longos e penosos anos, sendo que o processo se revestia de relevância profissional e económica para o recorrente que sofreu constrangimentos a esse nível, bem como no plano emocional e psicológico;
16 – Face à natureza do processo, o prazo para a sua resolução não devia demorar mais do que 3 anos, pelo que tudo o que ultrapasse esse prazo se afigura irrazoável, ou seja, mais de seis anos;
17 – A sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra de declare a pretensão do recorrente procedente;
18 – Mostrando-se violado o contido no artigo 6º, nº 1 do CEDH, e 20º, nº 2 e 14º da CRP, e 2º, nº 1 do CPC”.
4. O Estado Português apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1. A douta sentença sob censura, julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o demandado dos pedidos;
2. Vem o autor/recorrente pugnar, no essencial, que «face à natureza do processo, o prazo para a sua resolução não devia demorar mais do que 3 anos, pelo que tudo o que ultrapasse esse prazo se afigura irrazoável, ou seja, mais de seis anos (…). Existe efectivamente um mau funcionamento dos serviços da justiça que não podem deixar de ser imputados ao Estado, que é sempre responsável em proporcionar aos particulares a obtenção de uma decisão em prazo razoável, segundo o disposto no artigo 6º, nº 1 do CEDH, mostrando-se excessiva a duração daquele processo de insolvência após o mês de Junho de 2014, considerando que o mesmo teve o seu início em 10-12-2013»;
3. Ora, resulta dos factos dados como provados constantes da douta sentença em crise, mormente dos pontos 2) a 25), que o processo de insolvência que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém como Proc. nº ...../13.8TBABT iniciou-se, no que ao aqui autor/recorrente concerne, então como Proc. nº ....../13....TBABT, em 15-10-2013, sendo que, como vem invocado na petição inicial, só em 20-5-2019 é que o administrador da insolvência conseguiu concretizar a venda dos imóveis apreendidos a favor da massa insolvente;
4. Ora, parece olvidar o recorrente que, in casu, está em causa um processo de insolvência, cuja tramitação cabe, à luz da legislação aplicável, não só aos tribunais, mas também aos administradores da insolvência, no âmbito do escopo das respectivas atribuições;
5. Logo, não podem ser imputados ao Estado os períodos de tramitação do processo de insolvência subtraídos à sua esfera de actuação, por ser apenas e tão só o administrador da insolvência o responsável pela realização de diligências de variada ordem, designadamente, pela liquidação do activo do insolvente e pela venda dos imóveis apreendidos;
6. Com efeito, e dada a natureza das funções desempenhadas, não é o Estado responsável pela delonga que seja imputável ao administrador da insolvência, tal como decorre, desde logo, do disposto no artigo 59º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março;
7. E, prevendo tal norma um regime específico de responsabilização dos administradores da insolvência pelo exercício destas funções, não estão os mesmos submetidos ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que, é da responsabilidade exclusiva do administrador qualquer atraso verificado nesses mesmos períodos. E, ressalte-se, que no caso que nos ocupa, foi o mesmo nomeado por escolha e indicação do próprio autor (!!);
8. Logo, e na senda do supra explanado, para efeitos de contagem do período de tempo jurisprudencialmente fixado como correspondendo à decisão em prazo razoável, apenas serão contabilizados os momentos de tramitação do processo que sejam concretamente imputáveis à Administração da Justiça, pois somente com base na soma da totalidade dos períodos de tempo em que o processo esteve parado por causa imputável à Administração da Justiça é que se poderá determinar se foi ou não violado o direito à prolação de decisão em prazo razoável;
9. Daqui resulta, pois, que, pelo menos desde 10-12-2013, a tramitação do processo de insolvência objecto dos autos, passou a estar sob a alçada e responsabilidade única do administrador da insolvência, dependendo deste a venda dos prédios em causa e a conclusão da liquidação;
10. Do exposto resulta, que o processo de insolvência apenas esteve sob a alçada do Tribunal, durante cerca de 2 meses, sendo apenas esse e tão só esse período que lhe é imputável;
11. E, tal lapso temporal contém-se dentro dos limites do prazo razoável para decisão previsto no artigo 6º, § 1 da CEDH e do artigo 20º, nº 1 e 4 da CRP, inexistindo, portanto, qualquer violação dos identificados normativos pelo Estado;
12. Face ao exposto, e não emergindo qualquer violação dos artigos 20º, nº 2 e 14º da CRP; 6º, nº 1 do TEDH e 2º, nº 1 do CPC, não há, pois, qualquer fundamento para revogar a douta decisão proferida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo autor/recorrente”.
5. Com dispensa dos vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza prioritária do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
6. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
7. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado a acção improcedente, por considerar inverificada a violação do artigo 6º, § 1 da CEDH e do artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP, no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, por ausência do pressuposto da ilicitude, em virtude de não poder ser imputado ao Estado o período temporal durante o qual o prosseguimento do processo de insolvência (concretamente para efeitos de liquidação do activo) esteve exclusivamente a cargo do administrador da insolvência, ao que acresce que não podia igualmente ser imputada ao Estado qualquer delonga na venda dos imóveis, porquanto tal dependia necessariamente do interesse de terceiros estranhos ao processo.


III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
8. A sentença recorrida considerou assente – sem qualquer reparo – a seguinte factualidade:
i. O autor foi casado com PP......... entre 4-1-2006 e 7-2-2013 – cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
ii. Em 15 de Outubro de 2013, o autor propôs processo especial para decretação da insolvência em nome individual, com pedido de exoneração do passivo restante, ao qual foi atribuído o nº ....../13....TBABT do Tribunal Judicial de Abrantes (posteriormente transferido para o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo do Comércio de Santarém) – cfr. fls. 1-66 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
iii. No processo a que se refere o ponto anterior, o autor peticionou que fosse “(…) decretada a insolvência do requerente e proferido o despacho inicial referente ao pedido de admissão da exoneração do passivo restante, previsto no artigo 238º do CIRE, seguindo-se os demais tramites até final, no que a este pedido diz respeito, sendo o mesmo deferido com referência à data de encerramento da liquidação do activo”, mais requerendo que fosse nomeado para o cargo de administrador da insolvência J....... – cfr. fls. 1-66 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
iv. Em 17 de Outubro 2013 foi proferida sentença de declaração de insolvência do autor, a qual lhe foi notificada a 18-10-2013 – cfr. fls. 107-112 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
v. Em 18 de Novembro de 2013 foram juntos aos autos requerimentos pelo administrador da insolvência – cfr. fls. 121-161 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
vi. Em 20 de Novembro de 2013, o administrador da insolvência remeteu o auto de apreensão, o que deu origem ao apenso D – cfr. fls. 1-2 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABTD;
vii. Em 21 de Novembro de 2013 foi autuado o apenso E, no âmbito do qual, nessa data, o administrador da insolvência procedeu à junção da relação de créditos reconhecidos – cfr. fls. 1-10 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-E;
viii. Em 26 de Novembro de 2013 decorreu a assembleia de credores, no âmbito da qual, para além do mais, foi determinada a apreensão de 1/5 dos rendimentos de trabalho do autor – cfr. fls. 194-199 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
ix. Em 25 e 28 de Novembro de 2013 foram apresentados requerimentos no apenso E,
respectivamente, pelo administrador da insolvência e pelo “Banco C......., SA” – cfr. fls. 11-22 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-E;
x. Em 10 de Dezembro de 2013 foi proferida sentença quanto ao pedido de exoneração do passivo restante e foi declarado encerrado o processo de insolvência – cfr. fls. 200-204 e 216 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
xi. Da sentença a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, que foi determinado o seguinte:
(…) 1 – Admitir o pedido de exoneração do passivo restante do insolvente P.....;
2 – Determinar que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário J......., melhor identificado nos autos, que desde já se nomeia, nos termos e para os efeitos do artigo 240º do CIRE;
3 – Fixar como rendimento disponível nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 239º do CIRE, todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão do rendimento mensal correspondente a uma vez e meia o Indexante de Apoios Sociais [IAS], ou seja, actualmente de 628,83€ [419,22€x1,5], durante doze meses de cada ano, e ainda, o correspondente a 50% dos subsídios de férias e de Natal.
4 – Determinar que o insolvente P..... fica sujeito a todas as obrigações previstas nas diversas alíneas do nº 4 do artigo 239º do CIRE (…).
Não tendo sido ainda declarado encerrado o processo de insolvência, declaro o mesmo encerrado [artigo 230º nº 1 alínea e), do CIRE]” – cfr. fls. 200-204 e 216-219 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
xii. Em 11 e 24 de Dezembro de 2013 o autor apresentou recursos intercalares, o que deu origem ao apenso F – cfr. fls. 1-139 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-F;
xiii. Entretanto, a ex-mulher do autor, PP........., interpôs também processo de insolvência individual, o qual deu entrada em 13 de Dezembro de 2013 e correu sob o nº ...../13.8TBABT – cfr. fls. 1-61 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT;
xiv. Em 7 de Janeiro de 2014 foi proferida, no apenso E, sentença de verificação de créditos – cfr. fls. 23-24 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-E;
xv. Os recursos a que se referem o ponto xii. foram remetidos ao Tribunal da Relação de Évora em 4 de Março de 2014, o qual proferiu acórdão quanto aos mesmos em 8 de Maio de 2014 – cfr. fls. 141 e 146-161 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-F;
xvi. O administrador da insolvência nomeado para os processos do autor e da ex-mulher requereu a apensação dos processos, o que foi deferido, pelo que, a partir de 3-4-2014, ambos os processos passaram a ter uma tramitação conjunta e única, no âmbito do Proc. nº ...../13.8TBABT – posição das partes, bem como fls. 238-240 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-C;
xvii. Em 18 de Março de 2014, foi junta, ao apenso D, certidão do registo predial dos imóveis apreendidos ao autor – cfr. fls. 3-8 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-D;
xviii. Em 2 de Fevereiro de 2015 foi proferido um despacho a solicitar informação ao administrador da insolvência acerca do estado da liquidação do activo – cfr. fls. 242 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT;
xix. Em 19 de Fevereiro de 2015 e 1 de Julho de 2016, o administrador da insolvência
apresentou requerimentos no processo, informando que havia notificado o credor com garantia real sobre os imóveis apreendidos, “Banco CC........., SA”, “conforme previsto no nº 2 do artigo 164º do CIRE, encontrando-se a aguardar a emissão do competente parecer”, bem como que “quanto ao estado actual da liquidação do activo nos autos, até ao presente, não foi realizada qualquer operação de liquidação” – cfr. fls. 1-2 e 18-19 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-G;
xx. Em 16 de Novembro de 2016, o Tribunal dirige nova notificação ao administrador da insolvência, para que informasse acerca do estado da liquidação – cfr. fls. 39 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-G;
xxi. Em 21 de Fevereiro de 2018, o “Banco CC........., SA” entregou um requerimento nos autos a informar que, a 31 de Janeiro de 2018, havia enviado ao administrador da insolvência os valores mínimos a anunciar para a venda dos imóveis, mas que, até essa data, não tinha sido notificado de qualquer diligência de venda relativamente aos prédios em questão, requerendo a notificação do administrador da insolvência para informar os autos das diligência de venda – cfr. fls. 40-45 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-G;
xxii. Em 22 de Fevereiro de 2018 foi proferido despacho a determinar que se “proceda conforme requerido pelo credor” – cfr. fls. 46 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-G;
xxiii. Em 9 de Abril de 2018 foi proferido despacho, de cujo teor se extrai o seguinte:
Considerando a patente violação do prazo estabelecido no artigo 169º do CIRE para o “terminus” da liquidação, concede-se um derradeiro prazo de 30 dias para findar a vertente liquidação recorrendo à modalidade de venda que se entender mais adequada.
Caso no prazo de 30 dias não se logre ultimar a venda em curso, tem o prazo de 10 dias para confirmar a venda por leilão electrónico nos termos do artigo 164º, nº 1 do CIRE, sem qualquer reserva quanto ao valor da venda, sob pena de ser substituído nos termos do artigo 169º do CIRE, atento o período de duração desta liquidação, ou ser determinada a separação dos bens da massa, levantando-se a sua apreensão, face à ausência de valor comercial dos mesmos” – cfr. fls. 47 do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-G;
xxiv. Em 20 de Maio de 2019, o administrador da insolvência procedeu à venda dos imóveis por negociação particular, ao credor hipotecário “Banco CC........., SA” – cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial, para a qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
xxv. Em 5-3-2020 foi autuado o apenso H de prestação de contas, no qual, em 24-4-2020, foi proferida sentença que julgou boas e validamente prestadas as contas do administrador da insolvência – cfr. sentença a fls. não numeradas do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-H;
xxvi. A demora da conclusão da fase de liquidação e venda dos seus imóveis no âmbito do respectivo processo de insolvência causou ao autor ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos – cfr. depoimentos das testemunhas M......... e PPP.........;
xxvii. À ordem da massa insolvente foi apreendida a quantia de 4.766,62 EUR relativa a vencimentos do autor – cfr. relatório de prestação de contas, a fls. não numeradas do suporte físico dos autos de Proc. nº ...../13.8TBABT-H.


B – DE DIREITO
9. Como acima se deixou expresso, cumpre apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado a acção improcedente, por considerar inverificada a violação do artigo 6º, § 1 da CEDH e do artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP, no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, por ausência do pressuposto da ilicitude, em virtude de não poder ser imputado ao Estado o período temporal durante o qual o prosseguimento do processo de insolvência (concretamente para efeitos de liquidação do activo) esteve exclusivamente a cargo do administrador da insolvência, e também por não poder ser imputada ao Estado qualquer delonga na venda dos imóveis nesse mesmo processo de liquidação do activo, por tal depender necessariamente do interesse de terceiros estranhos ao processo.
10. O TAF de Leiria fundamentou a não violação do artigo 6º, § 1 da CEDH e do artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP, no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, nos seguintes termos:
Transpondo o entendimento vertido nesse acórdão para o caso em apreço, afigura-se forçoso concluir pela não verificação in casu de facto ilícito, com fundamento na violação do preceituado no artigo 6º, § 1 da CEDH e no artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP, precisamente porque não foi ultrapassado pelo Tribunal o prazo considerado como razoável para decisão do processo de insolvência em causa, encontrando-se a liquidação do activo e, em concreto, a venda dos imóveis apreendidos apenas dependentes da actuação do administrador da insolvência.
Atento todo o exposto, afigura-se forçoso concluir que a duração da tramitação daquele processo pelo Tribunal no qual correu os seus termos não violou o direito do autor a uma decisão em prazo razoável, tal como preceituado nos artigos 6º, § 1 da CEDH e 20º, nºs 1 e 4 da CRP, não sendo responsável o demandado pelo período de tramitação do apenso de liquidação, por a mesma constituir tarefa da responsabilidade exclusiva do administrador da insolvência.
Termos nos quais, não se encontrado preenchido este pressuposto da ilicitude, necessariamente deverá improceder o pedido de responsabilidade deduzido pelo autor, atenta a não verificação de um dos pressupostos legais cumulativos de que depende tal responsabilidade”.
11. Contrapondo, considera o recorrente que o TAF de Leiria incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Estado Português não era responsável pela actuação do administrador da insolvência e que tal julgamento viola quer a CEDH quer a jurisprudência do TEDH, já que de acordo com o seu entendimento, o Estado deve ser responsabilizado pelo período temporal em que o processo de insolvência “latu sensu” (a insolvência “stricto sensu” e o processo de liquidação do activo) esteve a cargo do respectivo administrador e que, em face das especificidades do mesmo, a sua resolução deveria ter ocorrido no prazo de dois anos, em vez dos quase seis anos que o mesmo demorou.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
12. A questão de saber se o Estado deve ser responsável pela duração dum processo enquanto o mesmo está dependente da actuação de outrem já foi apreciada pela jurisprudência dos tribunais superiores, quer da jurisdição comum, quer da jurisdição administrativa, nomeadamente em situações em que estava em causa a actuação de agentes de execução, importando para tanto reter a jurisprudência emanada do acórdão do STJ, de 11-4-2013, proferido no âmbito do processo nº 5548/09.9TVLSNB.L1.S1, no qual se procede a uma análise história e rigorosa do regime jurídico atinente à figura do agente de execução, plasmado no Estatuto da Câmara dos Solicitadores e em várias normas do CPCivil e a uma compilação da doutrina e da jurisprudência (em especial, do acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 6-7-2011, proferido no âmbito do processo nº 95/09.1TJLSB.L1.S1), que conserva actualidade, plasmando um julgamento sobre a matéria em questão no qual este TCA Sul se revê (ainda que, nos presentes autos, estejamos no âmbito de um processo de insolvência, em que o processo “latu sensu” tramitou sob a órbita do respectivo administrador durante a grande maioria do tempo), atendendo-se ainda aos fundamentos invocados nos acórdãos deste TCA Sul, de 26-11-2015, proferido no âmbito do processo nº 12257/15, de 28-6-2018, proferido no âmbito do processo nº 1039/16.0BELRA, de 21-11-2019, proferido no âmbito do processo nº 1184/16.1BELRA, e de 17-3-2022, proferido no âmbito do processo nº 1273/16.2BELRA.
13. Aí se afirmou que embora “as atribuições do agente de execução não se circunscrevam às que são típicas de uma profissão liberal, envolvendo também actos próprios de oficial público, para efeitos de responsabilidade civil emergem os aspectos de ordem privatística que resultam, nomeadamente, da forma de designação, do grau de autonomia perante o juiz, do regime de honorários, das regras de substituição e de destituição, da obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspecção e a acção disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração”, concluindo-se, a final, que “a responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no DL nº 48.051, de 21-11-1967 (entretanto substituído pela Lei nº 67/07, de 31/12)”.
No caso que ora nos ocupa, a solução não é diferente.
14. Com efeito, existe um paralelismo entre a figura do agente de execução e a do administrador de insolvência, que decorre do estatuído no artigo 11º, alínea a) da Lei nº 22/2013, de 26/2, que reviu o estatuto profissional do administrador de insolvência, que estabelece, para determinados efeitos, a equiparação entre ambas as profissões. A actividade do administrador de insolvência envolve um elevado grau de intervenção na administração e na liquidação do património dos insolventes, podendo envolver, além do mais, a representação do insolvente, a gestão de empresas ou de estabelecimentos, a verificação do passivo, a liquidação de todo o património, a venda de bens, a efectivação de pagamentos, etc. (cfr. o disposto no artigo 55º do DL nº 53/2004, de 18/3, que aprovou o CIRE).
15. Contudo, e não obstante a amplitude das competências do administrador de insolvência e da manutenção de um vínculo funcional relativamente ao juiz (sendo este que, em regra, designa o administrador, nos termos do artigo 52º, nº 1 do CIRE, podendo destituí-lo com justa causa – cfr. artigo 56º do CIRE), por expressa opção do legislador, a eventual responsabilidade civil em que incorra perante os credores ou devedores obedece ao travejamento da responsabilidade civil extracontratual, com as especificidades constantes do artigo 59º do CIRE.
16. Deste modo, a imputação dessa responsabilidade e a reclamação de alguma indemnização é feita nos quadros do processo de insolvência, não havendo sinal algum de que a sua actuação seja submetida ao regime ao regime jurídico especificamente previsto para a responsabilidade extracontratual do Estado, com atribuição de competência material aos tribunais administrativos. Foi, aliás, para responder a eventuais indemnizações decorrentes da prática de actos ilícitos no exercício das respectivas funções que o artigo 12º, nº 8, do actual estatuto dos administradores judiciais, aprovado pela Lei nº 22/13, de 26/2, tal como já ocorria com os agentes de execução, também veio prescrever a obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir “o risco inerente ao exercício das suas funções”, sinal claro de que não se pretende a (co-)responsabilização do Estado, nem a abrigo do regime especial, nem ao abrigo do artigo 501º do Cód. Civil.
17. Tendo por fundamento as considerações vertidas nos acórdãos citados, também somos de concluir no sentido de que a responsabilidade civil pela actuação dos administradores de insolvência no âmbito de processos de insolvência ou de liquidação de passivo obedece ao regime privatístico constante do Código Civil (cfr. artigos 483º e segs.) e não ao regime da responsabilidade civil do Estado, já que em face da natureza privatística da sua responsabilidade, não reside no domínio do Estado o controlo sobre a actuação daquele, não podendo pois este ser responsabilizado pela demora do processo que compreenda o lapso temporal em que a respectiva tramitação esteve na dependência daquele.
18. Não se compreenderia efectivamente que, transferida para terceiros, no âmbito do processo de insolvência, a competência para a prática de determinados actos, o Estado continuasse a suportar a responsabilidade por actos ou omissões apenas àqueles imputáveis, por vezes em regime de exclusividade. Ou seja, a não ser que o legislador o assuma inequivocamente, não devem exponenciar-se, por via interpretativa, as situações em que a um certo afastamento do Estado do exercício de determinadas tarefas continue a corresponder igual ou superior risco da actividade, acabando por arcar com os encargos emergentes.
19. Além do que, a aceitar-se entendimento diverso, estar-se-ia a prescindir de um nexo de imputação entre a demora do processo e a actuação ou omissão do Estado. E esse nexo falha, nos temos supra explanados, durante o período em que o seu andamento esteve dependente da actuação do administrador de insolvência.
20. Assim sendo, deve considerar-se, como considerou o Tribunal “a quo”, tendo por pressuposta a factualidade que se julgou provada (e que não foi impugnada) que a duração do processo de insolvência imputável ao Estado ascendeu a apenas dois meses. Por conseguinte, impõe-se concluir que o processo teve uma duração imputável ao Estado (muito) inferior a 3 anos, lapso temporal, que ao contrário do que sustenta o recorrente, se compreende dentro do que o TEDH tem qualificado como a duração média e razoável de um processo em primeira instância (três anos) e que, em concreto, ponderados os factores que usualmente são valorados para efeitos de determinação do conceito de prazo razoável relativos às circunstâncias do caso: a complexidade do processo, o comportamento das partes, a actuação das autoridades competentes no processo e o “l´enjeu du litige” consubstancia ainda uma duração razoável do processo (cfr. entre muitos outros os acórdãos proferidos pelo TEDH, designadamente no caso COMINGERSOLI, S.A. v. PORTUGAL, em 6-4-2000, Proc. nº 35382/97; e no caso SÜRMELI v. GERMANY; e acórdãos do STA, de 21-5-2015, processo nº 072/14; deste TCA Sul, de 4-7-2019, de 21-1-2021 e de 20-10-2021, (processos nºs 1655/16.0BELSB, 1825/17.3BELSB e 429/17.5BELRA respectivamente) e do TCA Norte, de 7-7-2007, de 15-10-2009 e de 12-10-2012 (processos nºs 01684/13.5BEPRT, 0233/06.1BEPRT e 00064/10.9BELSB, respectivamente).
21. Finalmente, sempre se dirá que estando o atraso do desfecho do processo relacionado com a dificuldade do administrador da insolvência em encontrar comprador para o imóvel apreendido à ordem do processo – único bem susceptível de responder pelo pagamento dos créditos verificados e graduados –, situação aliás comprovada pelo facto de ter sido o credor hipotecário quem acabou por adquirir o imóvel em causa, jamais poderia tal situação, totalmente fora do controlo do administrador de insolvência, justificar a responsabilização do Estado a qualquer título.
22. Deste modo, o tribunal recorrido, ao concluir como concluiu, não violou os artigos 20º, nºs 2 e 4 da CRP e 6º, § 1º da CEDH, razão pela qual o presente recurso não merece provimento.


IV. DECISÃO
23. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
24. Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 13 de Julho de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Ana Paula Martins – 1ª adjunta)
(Carlos Araújo – 2º adjunto)