Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1899/12.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL SECUNDÁRIA
Sumário:I.A nulidade processual secundária incorporada em decisão que ponha termo ao processo pode ser invocada em sede de alegações de recurso dessa mesma decisão.

II. O desrespeito do decurso do prazo concedido à A. para se pronunciar sobre matéria de exceção oficiosamente suscitada pelo Tribunal a quo consubstancia nulidade processual, refletindo uma violação do princípio do contraditório, que pretende, desde logo, evitar a existência de decisões-surpresa.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

Banco ……………., S.A. – Em Liquidação (doravante Recorrente) veio recorrer da decisão proferida a 17.12.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a exceção da litispendência, absolvendo-se o Ministério das Finanças (doravante Recorrido ou entidade demandada) da instância.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a exceção dilatória de litispendência prevista no artigo 581.º do CPC, e, em consequência, determinou a absolvição do Ministério das Finanças da instância.

2.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da sentença recorrida;

3.ª Salvaguardando o devido respeito, considera o Recorrente que a sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia, em nulidade por violação do princípio do contraditório e em erro de julgamento de direito;

4.ª No entender do Recorrente o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada por requerimento de 27.06.2016, a fls. 153 do SITAF, quanto à legitimidade processual do N…………..;

5.ª De facto, estando em causa matéria respeitante aos pressupostos processuais, qual seja, a legitimidade processual nos presentes autos, impunha-se ao Tribunal a quo conhecer da mesma (cf. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPTA);

6.ª Pelo que, a presente sentença padece de nulidade, por incorrer em omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA;

7.ª Sem prejuízo, no entender do Recorrente verifica-se ainda uma nulidade processual, consubstanciada na violação do princípio do contraditório, a qual inquina a sentença recorrida de nulidade, por consubstanciar uma decisão-surpresa;

8.ª O Tribunal a quo notificou as Partes para se pronunciarem sobre a exceção de litispendência, no entanto, proferiu sentença sem aguardar pelo decurso do prazo concedido às Partes para se pronunciarem;

9.ª O prazo de 10 dias para o Autor se pronunciar terminaria a 17.12.2020, a que acresceriam, ainda, 3 dias úteis, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, tendo a resposta sido apresentado a 18.12.2020, ou seja, no primeiro dia útil após o termo do prazo de 10 dias, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC;

10.ª Todavia, o Recorrente foi surpreendido com a sentença proferida a 17.12.2020;

11.ª Pelo que, o Tribunal a quo formulou o seu juízo em desrespeito do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC¸ ínsito no princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º da CRP), o que, desde logo, consubstancia uma nulidade processual (cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC) e inquina a sentença recorrida de nulidade;

12.ª No que respeita à invocada exceção dilatória da litispendência, a mesma não se verifica, tendo o Tribunal incorrido em erro de julgamento de direito. Senão vejamos,

13.ª De acordo com os artigos 580.º e 581.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPTA, a exceção de litispendência pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:

a) Identidade de sujeitos, que se verifica (cf. n.º 2 do artigo 581.º do CPC);

b) Identidade de pedidos (cf. n.º 3 do artigo 581.º do CPC);

c) Identidade de causa de pedir (cf. n.º 4 do artigo 581.º do CPC)

14.ª No caso vertente, verifica-se a identidade de sujeitos entre os presentes autos e a impugnação judicial n.º 410/15.9BELRS, mas não se verifica a identidade de pedido e causa de pedir;

15.ª A presente ação e a ação de impugnação judicial n.º 410/15.9BELRS têm pedidos e causas de pedir diferentes e é por essa dissemelhança que cada uma das ações em cotejo tem justificação autónoma;

16.ª O objeto imediato do identificado processo de impugnação judicial é a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e o objeto mediato é a liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, peticionando-se a anulação de tais atos;

17.ª Nos presentes autos o objeto é composto pelo despacho da Exma. Senhora Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa, datado de 20.03.2012, exarado na Informação n.º 15/12 do Serviço de Apoio ao Procedimento de Revisão da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Ofício n.º 023657, com data de 20-03-2012, o qual determinou o arquivamento do requerimento para prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado em 31.01.2012, peticionando-se a anulação desta decisão;

18.ª Desde logo, sendo distintos os atos sindicados – num é a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, no outro é mediatamente a liquidação adicional de imposto – sempre serão distintos os efeitos jurídicos anulatórios pretendidos (cf. Acórdão do STA, de 15.10.2014, proc. n.º 0906/14), pois a identidade dos pedidos deve ser aferida pelo efeito prático que se pretende obter (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT Anotado e Comentado, vol. II, Áreas Editora, 2011, p. 309);

19.ª Com a presente ação administrativa pretende-se a anulação do despacho de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, por violação de diversos princípios constitucionais, ao exigir-se, como condição sine qua non da respetiva apreciação, o levantamento obrigatório e incondicional do sigilo bancário dos administradores, sendo o pedido o de anulação da dita decisão e sua substituição por outra que aprecie e defira aquele pedido sem que se exija o levantamento do sigilo bancário dos administradores;

20.ª Já no referido processo de impugnação judicial a causa de pedir é a ilegalidade do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa relativo ao ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2011 e o pedido é a anulação desse ato tributário e das correções consubstanciadas no mesmo, que vão para além da diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e o valor constante do contrato;

21.ª Foi também assim que se concluiu na decisão arbitral proferida no processo n.º 371/2017-T, de 06.06.2018;

22.ª Compreende-se que o Tribunal a quo seja induzido a concluir pela litispendência porquanto não seria sequer suposto que existissem dois atos tributários autonomamente impugnáveis nesta fase. Tal apenas sucedeu na medida em que a administração tributária violou o disposto no artigo 139.º, n.º 4, do Código do IRC, o qual postula que o pedido de prova do preço efetivo tem efeito suspensivo da liquidação;

23.ª Acresce que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e a liquidação resultante desse indeferimento são dois atos distintos, cada um contenciosamente impugnável de forma autónoma;

24.ª Com efeito, estamos perante diferentes atos administrativos lesivos dos interesses dos Recorrentes e em relação aos quais estão previstos diferentes meio legais de reação;

25.ª Conforme resulta do artigo 97.º, n.º 1, alíneas a) e p), do CPPT, caberá impugnação judicial do ato tributário de liquidação, e caberá ação administrativa do ato administrativo em matéria tributária que não comporte a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação;

26.ª Aliás, na notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, os serviços da administração tributária referem que o meio de reação contra a decisão seria a ação administrativa, pelo que se reconhece que um meio não substitui o outro, servindo os dois diferentes propósitos, sendo atos autonomamente lesivos e que padecem de vícios próprios;

27.ª Uma vez que na generalidade dos casos, aquando da apresentação do pedido de prova do preço efetivo, não foi submetida ainda a declaração de rendimentos modelo 22 do exercício a que respeita a aquisição do imóvel, o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;

28.ª Atendendo a que este conhecimento antecipado sobre qual o ato a contestar pode não ocorrer aquando da notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP]), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade imediata, direta e autónoma;

29.ª Por fim, exatamente neste mesmo sentido se pronunciou o STA, no seu acórdão de 03.12.2014 (processo n.º 0881/12), onde se pode ler que, em obediência ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, os meios de reação a adotar serão a “(…) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável (…).”

30.ª Em face do exposto, só se pode, pois, concluir que são distintos o pedido e a causa de pedir no âmbito da presente ação administrativa e no âmbito do processo de impugnação judicial da liquidação, pelo que não ocorre exceção de litispendência.

31.ª Sem prescindir do exposto, mesmo que se entendesse haver litispendência entre os processos, no que não se concede, e apenas por elevadíssima cautela de patrocínio se equaciona, nunca tal circunstância levaria à absolvição da Ré da instância na presente ação, na medida em que nos termos do artigo 582.º, n.º 1, do CPC, a haver litispendência, ela deve ser invocada no processo instaurado em último lugar, que é, neste caso, o processo de impugnação judicial (cf. pontos 1 e 2 do probatório da sentença);

32.ª Pelo que, mesmo num tal cenário de litispendência, sempre a presente ação administrativa deveria prosseguir os seus termos;

33.ª Em todo o caso, litispendência nunca haveria, o que poderá ocorrer será, porventura e quando muito, uma relação de prejudicialidade entre as ações, sendo a presente ação administrativa causa prejudicial do processo de impugnação;

34.ª Com efeito, uma vez que a liquidação deve sempre aguardar o desfecho do procedimento de prova do preço efetivo, porque do resultado dele depende o resultado da liquidação, deveria então o processo de impugnação ficar suspenso a aguardar a decisão de mérito a proferir na presente ação e esta prosseguir os seus termos (cf. Acórdão do STA de 14.09.2008, proferido no processo n.º 0342/98);

35.ª Em face do exposto, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir pela verificação da exceção de litispendência, razão pela qual, deve a sentença recorrida ser revogada, determinando-se o prosseguimento dos autos até prolação de decisão final quanto ao mérito.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade da questão a apreciar (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se nulidade processual, em virtude de não ter sido respeitado o prazo de exercício do direito ao contraditório?

b) A decisão recorrida padece de omissão de pronúncia, por nada ter dito acerca da legitimidade processual do Novo Banco?

c) Há erro de julgamento, em virtude de não se verificar a exceção da litispendência?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em 18-06-2012, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF);

2) Em 21-01-2015, deu entrada neste Tribunal a petição de impugnação em nome da Autora que deu origem ao processo n.º ……./15.9BELRS, onde se requer, nos artigos 341.º a 500.º a anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, com referência à transmissão de 521 prédios no ano de 2011 (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do desempenho das suas funções);

3) Em 02-10-2018, foi proferida sentença no processo n.º ………./15.9BELRS, descrito em 2) (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do desempenho das suas funções);

4) Em 08-03-2019, foi proferido despacho de subida do recurso interposto da sentença descrita em 3) ao Tribunal Central Administrativo Sul (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do desempenho das suas funções)”.

II.B. Refere-se ainda na decisão recorrida:

“Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da exceção”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como da consulta ao sistema SITAF em virtude do desempenho das funções”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da verificação de nulidade processual, por preterição do direito ao contraditório

Por uma questão de precedência lógica, começa-se por se apreciar a nulidade processual secundária invocada, porquanto a eventual verificação da mesma importa a anulação de todo o processado, onde se inclui a decisão recorrida.

Assim, alega a Recorrente ter ocorrido nulidade, por violação do princípio do contraditório, em virtude de o Tribunal a quo não ter aguardado o prazo de pronúncia que lhe foi conferido.

Vejamos, então.

O art.º 3.º, n.º 3, do CPC, consagra um dos princípios basilares do nosso direito processual, o do contraditório.

Prevê-se nesta disposição legal que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Visa, desde logo, esta norma evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso.

Por outro lado, há que atentar no regime específico constante do CPTA (na redação anterior à que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, em vigor desde dezembro de 2015, uma vez que a petição inicial deu entrada a 30.11.2015 (1) – cfr. o seu art.º 15.º, n.º 1 –, a que correspondem futuras menções).

Assim, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, al. a), do CPTA, “[f]indos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva: // a) [c]onhecer obrigatoriamente, ouvido o autor no prazo de 10 dias, de todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta que o Tribunal recorrido considerou verificar-se a exceção de litispendência, absolvendo a entidade demandada da instância nessa sequência.

A exceção de litispendência é uma exceção dilatória [cfr. art.º 89.º, n.º 1, al. i), do CPTA, e art.ºs 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC], logo de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do CPC).

Considerando o regime previsto no art.º 87.º, n.º 1, al. a), do CPTA, deve ser o autor notificado para se pronunciar sobre todas as questões que obstem ao conhecimento do mérito, sejam elas suscitadas pela entidade demandada ou contrainteressados, sejam elas suscitadas oficiosamente pelo Tribunal.

E, naturalmente, deve ser permitido que esse direito possa ser efetivamente exercido, aguardando-se o decurso do prazo conferido às partes para se pronunciarem.

In casu, temos que:

a) O Tribunal a quo proferiu despacho, a 27.11.2020, com vista a conferir às partes o direito a, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre sobre a exceção dilatória da litispendência;

b) Tal despacho foi notificado a 02.12.2020, presumindo-se efetuada a notificação a 07.12.2020 (1.º dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do envio, uma vez que o dia 05.12.2020 foi um sábado – cfr. art.º 248.º do CPC);

c) Às 13 horas e 03 minutos do dia 17.12.2020, foi incorporada no SITAF a decisão recorrida;

d) A 18.12.2020, deu entrada no TTL a resposta da ora Recorrente, na sequência do despacho proferido, acompanhada de comprovativo de pagamento de multa do 1.º dia.

Ora, sendo certo que a ora Recorrente foi notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção oficiosamente suscitada, o Tribunal a quo não aguardou o decurso integral do prazo concedido para o efeito.

Como resulta dos autos, a instância não só proferiu a decisão durante o último dia de prazo para a Recorrente se pronunciar, como não teve em conta a possibilidade de o ato vir a ser praticado nos três dias úteis seguintes, mediante pagamento de multa – cfr. art.º 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.

Assim, entendendo o Tribunal a quo que se verificava tal exceção, de conhecimento oficioso, deveria ter permitido que fosse dada oportunidade à Recorrente para sobre ela se pronunciar, o que implica, inexoravelmente, o respeito pelo decurso integral do prazo conferido para o efeito (e considerando o disposto no art.º 139.º, n.º 5, do CPC), o que não ocorreu – como vimos, a pronúncia da ora Recorrente deu entrada no Tribunal já depois de proferida a decisão recorrida.

Da mesma f0rma, e concomitantemente, não foi assegurado o contraditório à parte contrária, decorrente do que veio a ser invocado pela ora Recorrente.

Ainda que se entendesse admissível ser aplicável a exceção prevista na norma constante do n.º 3 do art.º 3.º do CPC, no sentido de ser dispensado o contraditório em caso de “manifesta desnecessidade”, é exceção que concretamente não se verifica, o que fica evidenciado pelo facto de o Tribunal a quo não ter abordado vários aspetos contidos no requerimento que veio a ser apresentado pela Recorrente a 18.12.2020, cuja pertinência é clara (desde logo, a falta de identidade dos pedidos, na medida em que se centra na apreciação da causa de pedir).

Assim, a situação dos autos configura omissão de um ato que a lei prescreve, sendo, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, uma nulidade processual secundária, que, atento o disposto no art.º 196.º do mesmo código, tem de ser arguida, como foi o caso.

Sendo certo que, em regra, as nulidades processuais secundárias devem ser arguidas nos termos previstos no art.º 199.º do CPC, considerando ainda o prazo geral de dez dias previsto no art.º 149.º do mesmo código, in casu, uma vez que a nulidade se corporiza na decisão que pôs termo à causa, a impugnação de uma e outra é incindível, pelo que é admissível a sua arguição nas alegações de recurso (2).

Como tal, assiste razão à Recorrente, implicando a anulação de todos os termos processuais ulteriores ao ato processual omitido, onde se inclui a decisão recorrida, anulação essa que implica não haver pertinência na análise do demais alegado, devendo os autos retornar ao Tribunal a quo para o respetivo prosseguimento, suprindo-se a irregularidade apontada.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, julgando verificada a nulidade processual secundária invocada, anular todo o processado ulterior à decisão recorrida, inclusive, ordenando a baixa dos autos para prosseguimento dos mesmos expurgados da nulidade apreciada;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de novembro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Sara Diegas Loureiro)

(Maria da Luz Cardoso)


(1) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.06.2017 (Processo: 00936/16.7BEPRT).
(2)V. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2011 (Processo: 0505/10). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.11.2019 (Processo: 01048/08.2BELSB 0685/18), de 25.11.2015 (Processo: 0839/15), de 12.02.2015 (Processo: 0373/14), de 29.01.2015 (Processo: 01311/13), de 29.01.2014 (Processo: 0663/13) e os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 12.05.2016 (Processo: 09475/16), de 30.09.2019 (Processo: 1814/09.1BELRS), de 14.11.2019 (Processo: 566/13.5BELLE).