Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 68969/25.3BELSB |
| Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
| Data do Acordão: | 11/24/2025 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO ORDEM DOS ADVOGADOS |
| Sumário: | Em ações em que se está perante a apreciação da legalidade do ato praticado pela Ordem dos Advogados, associação pública (e não pessoa coletiva de utilidade pública), é de apelar ao critério geral previsto no art.º 16.º, n.º 1, do CPTA, em matéria de competência em razão do território. |
| Votação: | DECISÃO SINGULAR |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC)] I. Relatório T …………….. (doravante Reclamante) veio reclamar, ao abrigo do art.º 105.º, n.º 4, do CPC, da decisão proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), na qual aquele Tribunal se julgou territorialmente incompetente para o conhecimento da ação administrativa por si apresentada contra a Ordem dos Advogados (doravante R.). Formulou as seguintes conclusões: “a) A decisão de incompetência em razão do território, de que agora se reclama é nula uma vez que ignorou questão que não poderia ignorar, cfr. art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, a saber a justificação apresentada na PI. Sem conceder, b) O n.º 2, do art.º 2 da Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, não deixa margem para dúvidas acerca da natureza jurídica da Ordem dos Advogados. Pelo que, c) Atento o princípio “Lex specialis derogat legi generali” – lei especial prevalece sobre lei geral, deve-se aplicar à questão em concreto o art.º 20.º n.1 do CPTA, atenta a natureza jurídica da entidade cujo ato se impugna – a saber a Ordem dos Advogados e não o art.º 16.º do CPTA. E em consequência ser ordenada a substituição da decisão reclamada por outra que considere territorialmente competente o Tribunal de Círculo de Lisboa. Por tudo quanto foi exposto e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. Venerando Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul: a) A admissão da presente reclamação, e que a mesma seja julgada procedente por provada e em consequência: a. Seja a decisão que se reclama declarada nula por aplicação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, Caso assim não se entenda, b. Seja a decisão reclamada substituída por outra que declare o Tribunal de Círculo de Lisboa, por aplicação do art.º 20.º, n.º 1, do CPTA”.
São as seguintes as questões a decidir: a) A decisão reclamada padece de omissão de pronúncia? b) Qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente ação?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação da presente reclamação, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos: 1) Em 15.09.2025, a A., com domicílio na Rua …………., 42-D, …….., ……., intentou, contra a R., no TAC de Lisboa, ação administrativa, em cuja petição inicial consta, designadamente, o seguinte: “III – DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL: 4. Como se disse a presente acção , visa a impugnação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa do segredo profissional, proferido por Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no uso de competências delegadas pelo Bastonário, no âmbito do processo PDSP n.º …/….. e a sua consequente declaração de nulidade por enfermar de vicio de violação da lei, nomeadamente constitucional, como adiante melhor se indica. 5. Manda o disposto no n.º 1 do art.º 20.º do referido C.P.T.A. que neste caso - deve a acção ser intentada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. (…) VI – DO PEDIDO: a) Ser declarado nulo e sem eficácia o despacho proferido Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no uso de competências delegadas pelo Bastonário, no âmbito do processo PDSP n.º …../….., que nesta acção se impugna; b) Substituí-lo por decisão que defira a dispensa do segredo profissional; c) Subsidiariamente, determinar a remessa para nova apreciação pela Ordem dos Advogados; d) Condenar a Entidade Demandada em custas. e) Requer-se a rectificação do lapso de escrita, onde consta 02/08/2018, deverá ler-se 01/08/2018” (cfr. ……………………….). 2) Foi proferida, a 18.09.2025, decisão, no TAC de Lisboa, no qual este Tribunal se declarou territorialmente incompetente para conhecer da presente ação, constando da mesma designadamente o seguinte: “Bem visto o pedido e a alegação vertida na petição inicial, está em causa a impugnação do indeferimento de pedido de dispensa do segredo profissional, proferido por Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no uso de competências delegadas pelo Bastonário, no âmbito do processo PDSP n.º …./…….. e a condenação ao deferimento da referida dispensa. E, considerando que a Autora refere o artigo 20.º n.º 1 do CPTA para fundamentar a competência deste Tribunal, cumpre-nos chamar à colação o artigo 6.º da Lei n.º 36/2021, de 14 de Junho que estipula o seguinte: “1 - O estatuto de utilidade pública pode ser atribuído a pessoas coletivas que revistam uma das seguintes formas jurídicas: a) Associações constituídas segundo o direito privado; b) Fundações constituídas segundo o direito privado; c) Cooperativas.” Neste sentido, atento o disposto no artigo anteriormente referido e que o ato impugnado foi proferido pelo Vogal da Ordem dos Advogados - pessoa coletiva de direito público – concluímos que o presente processo não diz respeito a um ato praticado pelas “Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como das entidades por elas instituídas, e das pessoas coletivas de utilidade pública”, pelo que, a competência do Tribunal não se afere pela regra especial contida no artigo 20.º n.º1 do CPTA. Com efeito, observada a pretensão da Autora entendemos que, quanto à competência territorial do Tribunal, não serão de se aplicar as regras contidas nos artigos 17.º e ss do CPTA, mas sim o disposto no artigo 16.º n.º 1 do CPTA, que estabelece que, por regra geral, os processos são intentados no tribunal da área da residência habitual ou da sede do autor, cujo preceito legal deverá ser conjugado com o artigo 5.º n.º 1 do ETAF, no sentido de que a competência do tribunal se fixar no momento da propositura da causa. E, bem visto o introito da petição inicial e o formulário de entrega, esta identifica a sua residência na Rua da Alembrança, 42-D, Feijó, 2810-005 Almada. Como tal, para efeitos do artigo 16.º n.º 1 do CPTA, a Autora tem residência na área de jurisdição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. – cf. Mapa Anexo ao Decreto – Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro. Assim, nos termos conjugados do artigo 16.º, n.º 1, do CPTA, artigo 3.º do DL n.º 325/2003, de 29/12 e respetivo mapa anexo, o tribunal territorialmente competente para decidir a presente causa é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, pelo que, será de se declarar este Tribunal incompetente em razão do território e de ordenar a remessa do processo ao Tribunal competente” (cfr. ………………………00). * II.B. Apreciando. II.B.1. Da omissão de pronúncia Considera a Reclamante, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, o que fere a decisão de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Vejamos. Na petição inicial, a Reclamante considera ser o TAC de Lisboa o Tribunal competente em razão do território, sustentando-se, para o efeito, no disposto no art.º 20.º, n.º 1, do CPTA. O Tribunal a quo, na sua decisão, expressamente afastou esse critério, nos termos dela constantes para que se remete. Logo, não há qualquer omissão de pronúncia.
II.B.2. Do erro quanto ao decidido em termos de competência em razão do território A Reclamante considera, ademais, que é aplicável, in casu, o art.º 20.º, n.º 1, do CPTA e não a regra geral contida no art.º 16.º do mesmo Código. Apreciando. A competência do tribunal, em qualquer das suas espécies, deve ser aferida pelo tipo de pretensão deduzida pelo autor (pedido) e pelas normas que a disciplinam (fundamentos jurídicos). Nos termos do art.º 13.º do CPTA, “[o] âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”. Este diploma contém um conjunto de regras, em termos de competência em razão do território, que cumpre ter presentes, previstas nos seus art.ºs 16.º a 22.º. Nos termos da regra geral, prevista no n.º 1 do art.º 16.º do CPTA: “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos são intentados no tribunal da área da residência habitual ou da sede do autor”. Para além da regra geral, prevista no art.º 16.º, há várias regras especiais, a saber: a) Competência atinente a processos relacionados com bens imóveis (art.º 17.º); b) Competência em matéria de responsabilidade civil (art.º 18.º); c) Competência em matéria relativa a contratos (art.º 19.º); d) Outras regras de competência territorial (art.º 20.º); e) Competência em caso de cumulação de pedidos (art.º 21.º); f) Competência supletiva (art.º 22.º). In casu, adiante-se que não estamos perante nenhum dos casos enquadráveis em qualquer uma das regras especiais previstas no CPTA. Centrando-nos nos casos elencados no art.º 20.º deste diploma, ao qual a Reclamante lança mão, cumpre referir o seguinte. In casu, estamos perante a apreciação da legalidade do ato praticado pela Ordem dos Advogados, associação pública (cfr. art.º 1.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados), que indeferiu o pedido de levantamento do sigilo profissional. Trata-se de ato que pode ser objeto de reação contenciosa, nos termos do art.º 6.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados, que remete para o CPTA. Ora, estamos perante uma reação impugnatória que não se enquadra em nenhuma das regras especiais previstas no CPTA, designadamente no seu art.º 20.º, n.º 1, do CPTA. Atentemos na letra da lei. Dispõe o mencionado art.º 20.º, n.º 1: “Os processos respeitantes à prática ou à omissão de normas e de atos administrativos das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como das entidades por elas instituídas, e das pessoas coletivas de utilidade pública são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada”. Esta redação em nada coincide com a citada pela Reclamante no ponto 11. da sua reclamação (citando: “os processos respeitantes a atos praticados por órgãos centrais da Administração direta do Estado, ou por órgãos centrais de pessoas coletivas de direito público, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa”). A regra aqui, nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 170), “opera primacialmente no domínio do contencioso da administração regional e local e explica-se pelo facto de permitir uma mais adequada distribuição dos processos pelo território nacional, sem acarretar simultaneamente uma especial onerosidade para o autor, que, em princípio, poderá residir na área geográfica da entidade demandada ou ter uma qualquer outra relação de proximidade com a respectiva circunscrição”. Considerando o exposto, cumpre referir que a Ordem dos Advogados, pessoa coletiva pública, não se integra nem em qualquer região autónoma, autarquia local, nem entidades por elas instituídas, nem é pessoa coletiva de utilidade pública. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (ob. cit., p. 172), relativamente às pessoas coletivas de utilidade pública: “Estas entidades podem incluir, como uma das suas espécies, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, que integravam tradicionalmente o âmbito da jurisdição administrativa. No entanto, por efeito do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 519-G2/79, de 29 de dezembro (depois substituído pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro) (…), a designação encontra-se hoje circunscrita às instituições cujos fins não sejam coincidentes com os atribuídos às instituições particulares de solidariedade social, constituindo, por isso, uma categoria meramente residual, em que se podem integrar as associações humanitárias(…). Em todo o caso, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, no âmbito da sua actividade prestacional, não dispõem de prerrogativas de autoridade, reconduzindo-se a especialidade do respetivo regime jurídico, enquanto associações de direito privado, ao que estabelecem os artigos 1.º, n.º 2, e 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro (…), em matéria de regalias sociais”. Continuam os mesmos autores (ob. cit., p. 171): “Fora do conceito estão, entretanto, os institutos públicos, associações públicas ou empresas públicas pertencentes ao Estado, ainda que possuam um campo de atuação circunscrito a uma área geográfica limitada, como os hospitais públicos e as universidades públicas. Não estamos, nesse caso, perante organismos dependentes da administração local ou regional, a que a norma do n.º 1 deste artigo 20.º especialmente se refere, mas perante entidades que prosseguem atribuições de âmbito nacional, pelo que a regra de competência territorial aplicável é a do artigo 16.º, a menos que devam ser chamadas a intervir as regras especiais” (destaque e sublinhado nossos). Logo, as associações públicas, como é o caso da Ordem dos Advogados, não podem ser pessoas coletivas de utilidade pública (cfr. o art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, relativo aos requisitos de atribuição do estatuto de utilidade pública). Como tal, in casu, há que apelar à regra geral contida no n.º 1 do art.º 16.º do CPTA, pelo que o elemento de conexão determinativo da competência territorial é a residência habitual do autor [neste sentido, v. as decisões deste TCAS de 12.06.2024 (Processo: 922/21.5BELSB), de 30.01.2023 (Processo: 884/21.9 BELSB) e de 08.04.2022 (Processo: 1545/21.4BELSB)]. Considerando a residência da ora Reclamante estamos perante município da área de competência do Tribunal Administrativo de Círculo da Almada [a funcionar agregado com o Tribunal Tributário de Almada, sob a designação unitária Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada] – cfr. art.º 3.º, n.ºs 1 a 3, e mapa anexo ao DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro. Logo, é este o tribunal territorialmente competente para conhecer da pretensão formulada nesta ação, não assistindo razão à Reclamante.
III. Decisão Face ao exposto: a) Indefere-se a reclamação apresentada; b) Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1/2 (meia) UC; c) Registe e notifique; d) Baixem os autos. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, |