Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 640/12.5BELLE |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/15/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA PROVA DA UNIÃO DE FACTO ATESTADO EMITIDO PELO PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA |
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Sumário: | I - O atestado emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia consubstancia um documento autêntico, à luz do artigo 363.º/2/1.ª parte do Código Civil, nos termos do qual «[a]utênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública». II - Deste modo, e como resulta do disposto no artigo 371.º/1/1.ª parte do mesmo código, faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora». III - O atestado em causa faz prova plena do teor das declarações das testemunhas, mas não que o que declararam é verdadeiro; portanto, a vivência «em comunhão de mesa e habitação» nos termos referidos pelas duas testemunhas identificadas no atestado é matéria sujeita à livre apreciação do julgador. IV - Nos casos em que a entidade responsável pelo pagamento das prestações não tem dúvidas sobre a inexistência da união de facto deve indeferir o pedido, sem necessidade de qualquer ação judicial. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I M....... intentou, em 16.10.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa especial contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., pedindo: a) A anulação do ato administrativo de 23.5.2012, proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, I.P., que indeferiu o seu requerimento para atribuição da pensão de sobrevivência por morte de A.......; b) A condenação da Caixa Geral de Aposentações, I.P., a deferir o seu pedido, com efeitos a partir do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, em substituição do ato impugnado. * Por sentença proferida em 27.4.2016 o tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: «a) Anula-se o acto administrativo datado de 23 de Maio de 2012, praticado pela Direcção da CGA, que indeferiu o requerimento da autora para atribuição da pensão de sobrevivência por morte de A.......; b) Condena-se a CGA a reapreciar e a proferir decisão sobre esse mesmo requerimento da autora, reconhecendo, para tanto, que esta, à data do falecimento, vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência requerida». * Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso daquela sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. Salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com tal decisão, nem compreende como pode o Tribunal “a quo” ter proferido tal sentença. B. O legislador salvaguardou os casos em que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto. C. Em 2011-11-16 foi requerido o pagamento das despesas de funeral por um filho do falecido, tendo este declarado não ter conhecimento da existência de pessoa com direito à pensão de sobrevivência. D. Dos documentos existentes no processo administrativo verificou-se que o domicílio fiscal de M....... e do falecido não é coincidente. E. Resultam assim, fundadas dúvidas quanto à existência da união de facto entre o falecido A....... e M........ F. Em face da letra da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, por despacho de 2012-05-23, a CGA decidiu, indeferir o pedido formulado por M........ G. Pelo que, há um procedimento administrativo muito bem definido na Lei, que não é suscetível de ser ultrapassado, não assistindo a M....... o direito à atribuição de uma pensão de sobrevivência nos termos da interpretação defendida na douta Sentença recorrida. Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências. * A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Nas alegações de recurso a Recorrente suscita a incompetência material do tribunal. Sucede que essa questão não foi apreciada pela sentença recorrida. Ora, de acordo com o disposto no artigo 627.º/1 do Código de Processo Civil, «[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos». Portanto, e como vem sendo pacificamente reconhecido, na jurisprudência e na doutrina, o objeto do recurso é a decisão judicial, no concreto juízo que formulou sobre as pretensões que lhe foram submetidas, não sendo admissíveis, salvo quando sejam de conhecimento oficioso, questões não discutidas em 1.ª instância. Questões novas, portanto. É certo que a incompetência do tribunal é do conhecimento oficioso. No entanto, não pode ser suscitada nem decidida em momento posterior ao despacho saneador (cf. o artigo 87.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua versão inicial). Deste modo, e sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão a apreciar consiste apenas em determinar se existe erro de julgamento na apreciação da existência da situação de união de facto. III Nos termos do artigo 663.º/6 do Código de Processo Civil, remete-se para a matéria de facto constante da sentença recorrida. IV Do alegado erro de julgamento de direito – situação de união de facto 1. A Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, estabelece, no seu artigo 3.º/e), que «[a]s pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a [p]rotecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei» (todas as referências ao referido diploma reportam-se à versão resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto). 2. Por outro lado – e com especial interesse para o caso dos autos – o artigo 2.º-A estabelece os termos em que é efetuada a prova da união de facto. Fá-lo do seguinte modo: «1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. 2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. 3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular. 4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido. 5 – As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal». 3. A sentença recorrida começou por dar conta de que «a autora, para instruir o requerimento de atribuição da pensão de sobrevivência por óbito de A......., apresentou, para prova da união de facto que invocou, entre outros documentos, (i) uma declaração emitida pela junta de freguesia, que posteriormente substituiu, que atesta que a autora, à data do falecimento, residia há mais de dois anos com o falecido, e concretamente que, “[s]egundo declarações das testemunhas, L....... (eleitora desta freguesia n.º 6….), e de O....... (eleitor desta freguesia n.º 4….), a requerente vivia em comunhão de mesa e habitação à data do óbito, com A......., há cerca de 15 anos, falecido no dia 24/05/2011”». 4. Perante esses elementos concluiu ser «incontroverso, pois, que fez prova da existência da união de facto através dos documentos que juntou, cumprindo, neste caso, as exigências expressamente previstas no artigo 2.º-A, n.º 4 da Lei n.º 7/2001». 5. Ou seja, a sentença recorrida parece entender que o documento em causa faz prova plena da situação de união de facto subjacente ao pedido de atribuição da pensão de sobrevivência. O que não pode ser. 6. O atestado emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santiago consubstancia um documento autêntico, à luz do artigo 363.º/2/1.ª parte do Código Civil, nos termos do qual «[a]utênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública». Deste modo, e como resulta do disposto no artigo 371.º/1/1.ª parte do mesmo código, faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora». 7. Assim sendo, o atestado em causa faz prova plena do teor das declarações das testemunhas, mas não que o que declararam é verdadeiro. Portanto, a vivência «em comunhão de mesa e habitação» nos termos referidos pelas duas testemunhas identificadas no atestado é matéria sujeita à livre apreciação do julgador. 8. Ora, com esse pressuposto e perante os elementos fornecidos pelo filho do falecido A......., mostra-se evidente a dúvida relativa à existência da situação de união de facto. 9. Passamos, portanto, a um outro patamar de análise. No entanto, importa deixar claro o seguinte: o ato que indeferiu o pedido da Recorrida assentou na inexistência de união de facto. Em abstrato poderia fazê-lo, à luz do regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º, nos quais se dispõe o seguinte: «2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação. 3 - Exceptuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º». 10. Ou seja, a ação judicial ali prevista tem como fundamento a existência de fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto. Portanto, nos casos em que a entidade responsável pelo pagamento das prestações não tem dúvidas sobre a inexistência da união de facto deve indeferir o pedido, sem necessidade de qualquer ação judicial (como se refere no acórdão de 25.1.2017 do Tribunal dos Conflitos, processo n.º 028/16, «[s]empre que os elementos probatórios recolhidos na avaliação levada a cabo [pelos] serviços não suscitem dúvidas fundadas no sentido da existência ou inexistência da mencionada relação de união de facto, os referidos serviços, no âmbito das suas atribuições, reconhecem ou recusam o direito às prestações em causa»). 11. Ora, objetivamente é claro que não estamos perante esse último caso. Nenhuma razão existe para considerar verdadeira uma declaração em detrimento da outra, sem qualquer elemento complementar decisivo. Ou seja, o processo administrativo evidencia a existência de uma dúvida fundada sobre a existência da união de facto. De resto, a própria Recorrente, no artigo 14.º da contestação, afirmou existirem «fundadas dúvidas que M....... à data do óbito de A....... pudesse reunir as condições para que lhe fosse reconhecido o direito à pensão de sobrevivência», o que veio a reafirmar na conclusão E das suas alegações de recurso. 12. E nesse caso impõe-se o regime imperativo do artigo 6.º/2, nos termos do qual a entidade responsável pelo pagamento da prestação tem a obrigação de «promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação» (desconsidera-se o regime do n.º 3, na medida em que o prazo pressupõe uma situação de união de facto reconhecida como tal). Assim sendo, o despacho impugnado é ilegal. 13. No entanto, e como se viu, os fundamentos que o tornam ilegal não são os identificados na sentença recorrida. Por isso não se pode manter a condenação da «CGA a reapreciar e a proferir decisão sobre esse mesmo requerimento da autora, reconhecendo, para tanto, que esta, à data do falecimento, vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência requerida», na medida em que o processo administrativo revela a presença de fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto. 14. Coloca-se, então, o problema de saber em que deve consistir a decisão condenatória a proferir. Como se disse na sentença recorrida, «apesar de se reconhecer a ilegalidade do acto indeferimento impugnado, não pode, ainda assim, impor-se à entidade demandada a prática de um acto de deferimento do requerimento apresentado pela autora, uma vez que a emissão deste acto envolve, no caso concreto, uma apreciação sobre o preenchimento dos demais requisitos de que depende a atribuição da pensão de sobrevivência, designadamente de cariz negativo, em relação aos quais nenhuma alegação ou prova foi feita nestes autos (cfr., por exemplo, os requisitos impeditivos previstos no artigo 2.º da Lei n.º 7/2001, ou período de garantia exigível)». 15. Mostrando-se correta tal asserção, importa ainda ter presente o seguinte, em resultado do entendimento perfilhado pelo presente acórdão: já se viu que o artigo 6.º/2 estabelece que «[a] entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação». Por outro lado, considerou-se que o processo administrativo revela, objetivamente, a presença de fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto. E como já anteriormente se lembrou, a própria Recorrente, no artigo 14.º da contestação, afirmou existirem «fundadas dúvidas que M....... à data do óbito de A....... pudesse reunir as condições para que lhe fosse reconhecido o direito à pensão de sobrevivência», o que veio a reafirmar na conclusão E das suas alegações de recurso. 16. Concluir-se-ia, então, que a Recorrente deveria ser condenada a instaurar a ação ali prevista. Julga-se que assim não deverá ser. 17. Com os elementos existentes no processo administrativo não se poderá considerar provada a existência da união de facto. Mas de igual modo não foi provada a sua inexistência. Ora, nada obsta que, e antes de mais, sejam recolhidos elementos complementares de prova. 18. Atualmente, e por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, os n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º estabelecem o seguinte: «2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode solicitar meios de prova complementares, designadamente declaração emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., onde se ateste que à data da morte os membros da união de facto tinham domicílio fiscal comum há mais de dois anos. 3 - Quando, na sequência das diligências previstas no número anterior, subsistam dúvidas, a entidade responsável pelo pagamento das prestações deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação». 19. Tal alteração não é aplicável ao caso dos autos. No entanto, a recolha de meios de prova complementares é possibilidade que já se retiraria do regime geral da instrução do procedimento administrativo, constante do Código do Procedimento Administrativo. De resto, os mais elementares princípios de gestão da coisa pública aconselhariam tais diligências administrativas prévias, assim evitando, nalguns casos, a propositura de ações judiciais. O que significa que nada obstará a que, em face da anulação do ato impugnado, que agora se confirma, a Recorrente opte por, e antes de mais, obter meios de prova complementares. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando o segmento condenatório da sentença recorrida e condenando a Caixa Geral de Aposentações, I.P., a retomar a instrução do procedimento. Custas pela Recorrida (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 15 de julho de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Ilda Côco Maria Helena Filipe |